Vocês são capazes de olhar a vida
de vocês? (...) Olhem para a própria vida; se o fizerem, verão que há nela
muita luta, descontentamento, obediência, medo, busca de prazer. Não veem isto:
que a vida de vocês, como a estão vivendo, se compõe de ansiedade e medo
(consciente e inconsciente), que há nela um extraordinário sentimento de
solidão e infinito tédio; e que, na impossibilidade de alterá-la, dela vocês
fogem, frequentando os templos, lendo o Gita ou ouvindo comentários sobre o Gita
feitos por profissionais, ou aceitando o que dizem os gurus? Aí está, pois, a
vida de vocês. Há possibilidade de alterá-la integralmente, não apenas suas circunstâncias
externas, mas também sua estrutura íntima, que criou a estrutura externa? É
possível alterar radicalmente a natureza psicológica de vocês? Senão, vocês
nunca terão energia; mas, se puderem alterá-la, terão energia em abundância.
Ora, já concluímos se impossível qualquer alteração, que não temos
possibilidade nenhuma de nos transformarmos totalmente. Já nos habituamos a
viver com medo, a sofrer, a esconder-nos de nossas secretas tribulações. Consideramos,
pois, a vida, como uma coisa que não se pode transformar e, por essa razão,
evitamos esse problema central.
Nesta tarde vamos averiguar se
podemos transformar a nossa vida — como quer que sejamos, intelectuais ou
emotivos, ou medíocres, com pontos de vista vulgares sobre o todo da vida.
(...) Essa transformação só pode verificar-se quando se está em relação; vocês
não podem se isolar para tentarem resolver seus problemas. Eles só podem ser
resolvidos se vocês se acham em relação, porque só no estado de relação podem
descobrir todas as suas tribulações e aflições, toda confusão de vocês. Vamos,
pois, investigar juntos, porque se trata de nosso problema, de nossa aflição, e
porque se trata desta vida que nos cumpre viver com alegria, fruindo as belezas
da natureza, e não num perpétuo estado de sofrimento, confusão e aflição.
Cabe-nos, pois, resolver este problema juntos, quer dizer, em relação uns
com os outros.
Quando vocês se observam
interiormente, não descobrem dois princípios ativos: o medo e o prazer? Não
veem que o prazer assume formas diferentes — ora é a busca de Deus, ora o
desejo de ser pessoa importante, politicamente ou a outros respeitos? E não
veem também em ação, dentro de vocês, o princípio do medo? Temos, pois, estas
duas coisas. De uma, o prazer, queremos mais, da outra, o medo, queremos menos.
(...) O medo e o prazer constituem nossos principais movimentos — movimentos
contraditórios, em nossa vida; e porque, inconscientemente, vocês têm medo, se
tornam apegados, dependentes de alguma pessoa — sua mulher, seu marido, seu guru.
E quando dependem psicologicamente, interiormente de outra pessoa, e nela
buscam consolação, amparo, por causa dessa dependência precisam possui e a pessoa,
dominá-la, ou se submeterem ao seu domínio. E, ao observarem que são
dependentes, podem perceber que a fonte dessa dependência é o medo — medo de
estar só, medo de errar, de não seguir o caminho certo, medo de ficar sem a
consolação, sem a companhia de alguém, de não poder se amparar em alguém.
Assim, por meio da dependência, podem, neste momento, aqui nesta sala,
descobrir que realmente estão com medo. Sem precisarem
provocar o medo, descobrem que, basicamente, vocês têm medo. Estamos em
comunhão? Estar em comunhão, como já dissemos, é compartilhar um problema de
interesse comum. Nosso problema comum é este. Igualmente, quando dependem
de uma pessoa, não há só medo, mas também, inevitavelmente, ciúme, ansiedade.
Eis, pois, o que implica a
dependência. Ora, temos possibilidade de nos libertarmos dessa dependência? Porque,
em geral, nós gostamos de ser possuídos. Já notaram isso? Gostamos de pertencer
a alguém, de pertencer a um grupo, de nos comprometer a seguir um certo padrão
de ação, para termos o sentimento de estar vivendo virtuosamente. Deste modo,
observando bem a dependência, podem ver, por vocês mesmos, que na base dela
está o medo.(...) Temos a possibilidade de nos libertar desse medo, não apenas
do medo e da dependência superficiais, existentes nas relações, mas do
medo profundamente enraizado em nós?
(...) Podem vocês, como entes humanos, se libertarem completamente do medo?
Porque, se um homem teme, faz as coisas mais irracionais que se podem imaginar.
Com medo, um homem está como que
desequilibrado, num estado de neurose e, portanto, incapacitado de pensar com
clareza, de observar com exatidão. Vocês já não notaram que o medo torna a vida
sombria, opressiva, uma carga insuportável, uma tortura? E, não sabendo
dissolvê-lo, fogem mediante os maiores absurdos.
Há o medo da dor física. Há anos,
ou dias, vocês sofreram de dor física, dores lancinantes ou superficiais. A dor
que sofreram há dois anos ou há dois dias deixou, em seus cérebros, a marca,
isto é, a "memória" dela, e não desejam que ela retorne. O que
ocorre? Tendo sentido a dor física, não desejam que ela se repita. Vocês têm a
ideia de que ela pode voltar, e essa ideia gera medo. Vocês pensam na dor de
ontem ou de há dois dias e não desejam sofrê-la novamente. O pensamento, que é reação
da memória, diz: "Não quero tornar a sentir essa dor". Assim,
psicologicamente, a dor continua existente; não podem esquecê-la. O pensar na
dor passada mantém viva essa dor, e quanto mais vocês nela pensam, mais forte
se torna a "memória" dela e o medo de voltarem a senti-la.
O pensamento, pois, gera o medo.
Posso perder meu emprego; esse "posso" está no futuro: penso isso,
portanto, sinto medo. Penso na morte, e esse pensamento me faz medo. Assim,
como dissemos, o pensamento gera medo, não só medo do passado, mas também medo
do futuro. Se vocês não compreenderem bem este ponto, nunca ficarão livres do
medo. Vamos, pois, verificar juntos se vocês podem se libertar totalmente do
medo. Serão, então, homens livres e largarão todos os seus gurus; serão capazes de
pensar, de ver, de viver, em plena claridade num estado apaixonado. Dessa
forma, cabe a vocês compreenderem a fundo esta questão.
Como vimos, o pensamento tanto dá
continuidade à dor psicológica como à dor física. Experimentaram ontem um
grande prazer sensorial — um prazer sexual, ou o prazer de uma bela árvore, sua
forma, sua beleza, dignidade, sua potência, ou um belo pôr do Sol. Este prazer
se registrou no cérebro de vocês. Ao admirarem o anoitecer — se alguma vez se
deram ao trabalho de admirar o anoitecer —, no momento dessa experiência, não
pensam: "Preciso repetí-la". Só há a experiência; m,as, um segundo
após, exclamam: "Que coisa bela! Quero repetí-la!"
Esse desejo de repetição é o
começo do prazer. Compreendem? O desejo da repetição de um incidente que
proporcionou deleite, o buscá-la, o exigi-la, é prazer, e este, por sua
vez, é pensamento. Isto é, ver o pôr do Sol, depois, pensar nele e desejar a
repetição dessa experiência — isso é prazer, não? O mesmo acontece em relação
ao prazer sexual: o desejo de repetição, a imagem, o pensar nesse prazer, o
ruminá-lo e desejá-lo de novo. Por conseguinte, o pensamento, o pensar, tanto
gera o medo como o prazer. Mas se, depois de sentirem a dor física, a derem
como terminada, dela não fizerem nenhum registro, ela não terá continuidade — a
continuidade produzida pelo pensar a seu respeito.
(...) Visto que somos entes
humanos, e não meros animais, nos cumpre viver inteligentemente — viver uma
vida maravilhosa e de beleza, e não cheios de ansiedades, de sentimentos de
"culpa", frustração, medo — medo que se expressa de diferentes
maneiras: medo do escuro, medo da morte, medo de perder dinheiro, medo de não
podermos nos tornar pessoas importantes...
Como dissemos, o pensamento
nutre, sustenta e dá continuidade ao medo e ao prazer. (...) Por que é que o
pensamento, que tantas maravilhas criou neste mundo — uma admirável tecnologia,
miraculosos medicamentos, várias ciências — porque é que esse mesmo pensamento
gera e mantém vivos o medo e o prazer? Assim, o que é o pensamento, quando deve
ele funcionar total e radicalmente, e quando deve ele estar completamente
quieto? O pensamento é a reação da memória, do conhecimento, da experiência,
armazenados no cérebro; essa memória, essa reação, é pensamento. A memória, a inteligência,
o conhecimento, criaram o foguete que foi à Lua, criaram verdadeiras maravilhas
tecnológicas, o avião, tantas coisas extraordinárias e, no entanto, esse mesmo
pensamento dá continuidade ao medo, esse mesmo pensamento busca o prazer, e
esse mesmo prazer se torna medo. Percebem a dificuldade? Vocês necessitam do pensamento
para "funcionarem" racional, objetiva, logicamente e, ao mesmo tempo,
veem que o pensamento está sempre causando medo.
Cabe-nos, pois, descobrir por que
razão o pensamento interfere (se posso usar o verbo "interferir")
sempre que há uma experiência de prazer, ou de dor; por que razão, quando
experimentamos qualquer coisa, quando temos dor física ou moral, o pensamento
"interfere" e dela se apodera. Por que isso? (...) Para ser capaz de
falar inglês, preciso de abundantes conhecimentos dessa língua, preciso de
memória, etc.; e o pensamento se serve dessa memória das palavras inglesas para
comunicar qualquer coisa. O pensamento, pois, está fazendo uso desses
conhecimentos, mas faz também uso do conhecimento que gera medo, do
conhecimento da dor sentida ontem, do conhecimento do prazer ontem
experimentado.
(...) Por que é que o pensamento
está sempre evitando o medo e apegando-se ao prazer? (...) Por que é que o
pensamento interfere sempre que há uma experiência? Compreendem? (...) O
pensamento está fazendo a todas as horas isso, sempre funcionando entre o
prazer e a dor. E o pensamento é o responsável pela existência de ambos. (...) Cabe
a vocês, pois, descobrir por vocês mesmos o que é que está em ação quando o
pensamento está ausente.
(...) Veja, senhores, eu desejo
de todo o coração lhes transmitir esta coisa, a fim de que, ao saírem daqui,
sejam entes humanos novos, entes humanos vivos e não eternamente dominados pelo
medo. (...) Ora, vocês pensam conhecer o medo, pensam conhecer o prazer, mas na
realidade, nada sabem a seu respeito. (...) Por conseguinte, a mente que está
aprendendo é uma mente inteligente, e não aquela que diz: "Aprendi"
ou "Sei o que é o medo". Isto é, a mente que está aprendendo é
inteligente. E não é inteligente a mente que diz: "Você é meu guru,
me ensine..." Essa é uma mente entorpecida, incapaz de aprender; é uma
mente morta, neurótica. (...) Quando vocês estão aprendendo, a mente está
desperta. A mente desperta é uma mente inteligente, e essa inteligência é que lhes
dirá quando se deve ou não se deve fazer uso do conhecimento. (...) cada um tem
que descobrir a Verdade por si próprio. A Verdade não é uma coisa "em
segunda mão". Vocês não podem adquiri-la por intermédio de um guru,
de um livro. Para conhecê-la, vocês têm que aprender... e a beleza do aprender
é o "não saber". Vocês não sabem o que é a Verdade... Para descobrirem,
precisam de paixão, de "intensidade"... O aprender, pois, traz a inteligência
e, se agora estão realmente aprendendo, não de mim, vocês têm essa
extraordinária inteligência que não se adquire de livro algum.