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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

É possível ver e ouvir ao outro sem preconceito?

Existe o ver sem preconceito? Só a mente que não tem conclusão, essa é a mente que pode ver. A outra não pode. Se eu tiver um conhecimento prévio desse armário, a mente identifica-o como um armário. Olhar para esse armário sem a acumulação prévia de preconceitos ou mágoas, é olhar. Se eu tiver mágoas, memórias, dor, prazer, desagrado anterior, não olhei. (...) (Krishnamurti em, Tradition and Revolution)

Desejo agora dizer uma coisa que considero importante: é de suma relevância a maneira como escutais. Em geral, ou ouvis só as palavras, concordando ou discordando, intelectualmente, ou ouvis com a mente ocupada em interpretar, traduzindo desse modo o que ouvis em conformidade com vossos preconceitos pessoais. Escutais (…) comparando o que ouvis com o que já sabeis. Essa maneira de ouvir impede-vos o escutar (…) Mas se, ao contrário, escutardes sem condenar nem aceitar, (…) com certo grau de atenção, assim como escutais o murmúrio do vento entre as folhas, se escutardes com todo o vosso ser, (…) vosso coração e vossa mente, então talvez possamos estabelecer entre nós um estado de comunicação. Teremos então a possibilidade de entender-nos mutuamente, de maneira muito simples e direta. (…) (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 13)

Em geral nós escutamos de maneira casual, ouvindo apenas o que desejamos ouvir, não damos atenção ao que é penetrante ou perturbador e prestamos ouvido unicamente às coisas que nos são agradáveis, que nos satisfazem. (…) É uma verdadeira arte o escutar sem preconceito, sem (…) defesas, (…) pôr de parte todos os nossos conhecimentos adquiridos, nossas idiossincrasias e pontos de vista, com o intuito de descobrir a verdade contida em cada questão. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 5)

Em regra, escutamos porque desejamos que nos digam o que devemos fazer, ou a fim de nos ajustarmos a dado padrão, ou, ainda, escutamos com o simples intuito de colher mais conhecimentos. Se aqui estamos com tal atitude, nesse caso o “processo” de escutar terá pouco valor (…) (O Homem Livre, pág. 153)

Não sabemos escutar para descobrir o que é; queremos impingir a outro as nossas idéias e opiniões, forçar o outro no molde do nosso pensamento. Nossos pensamentos e juízos são muito mais importantes, para nós, do que o descobrimento do que é. (…) Para escutar, devemos estar livres. (…) Devemos estar livres para ficarmos silenciosos, porque só então há possibilidade de escutar. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 243-244)

Pode-se dizer que, em geral, não escutamos; ouvimos uma grande quantidade de palavras, interpretando o que ouvimos com nossas opiniões, rejeitando-o ou aceitando-o. Mas, por “escutar” eu entendo: escutar realmente, sem tradução, sem interpretação, sem opinião; escutar (…) sem espírito de condenação - o que não significa necessariamente “aceitação”. Ao contrário, (…) fazemo-lo, com efeito, com um sentimento de afeição e amor; por que, sem atenção e interesse não é possível escutar coisa alguma. (…) (A Essência da Maturidade, pág. 61)

Ora, pode-se ouvir de diferentes maneiras. Podemos ouvir, procurando interpretar o que o outro está dizendo, ou comparando o que se está dizendo com o que já sabemos. Podeis ouvir com todas as reações de vossa memória ativa. Mas só há uma única maneira de escutar realmente, que é escutar sem a “tagarelice” de nosso próprio pensamento. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 13)

Não sei se já experimentastes escutar simplesmente uma coisa agradável ou desagradável, sem “projetardes” o vosso próprio processo de pensar. (…) Assim, talvez possais (…) escutar simplesmente, sem concordar nem discordar do que se diz, sem “projetar” vossas próprias idéias ou interpretações - mas sem que com isso estejais sendo hipnotizados. Pelo contrário, o escutar exige atenção completa.

Mas atenção não é concentração. Concentrar-se é enfocar, excluir, e nessa exclusão cria uma barreira ao escutar. (…) Quando escutais com naturalidade e calma, sem exclusão, estais escutando tudo, não apenas as palavras, e estais também cônscios de vossas próprias e interiores reações. As palavras são então o meio de abrir a porta através da qual podeis olhar a vós mesmos. (Idem, pág. 13-14)

Não sei se alguma vez já observastes - quando estais a ouvir alguém que conheceis há muitos anos, com quem tendes certa familiaridade - o pouco que escutais. Já sabeis o que a pessoa vai dizer. Já tendes opinião formada, (…) certas conclusões, imagens, que impedem o verdadeiro escutar.

Penso que, se soubésseis escutar (…) também tudo o que vos cerca na vida diária; (…) todos os barulhos, o incessante tagarelar de vosso amigo, (…) esposa ou marido, as murmurações de vossa mente, o monólogo que ela entretém continuamente, sem condenar nem justificar, (…) esse escutar traria uma ação bem diferente da ação do pensamento calculista e disciplinado. (A Importância da Transformação, pág. 46)

Vede, por favor, que vós e eu estamos aprendendo juntos; e, para aprender, é necessário escutar. Escutar é aprender. (…) Escutar é ação. Se vós e eu soubéssemos escutar os sucessos humanos, tudo o que está ocorrendo no mundo, as filosofias, os dogmatismos, (…) a televisão - se tudo soubermos escutar, então o próprio ato de escutar se tornará ação; e nisso consiste, a meu ver, a arte de escutar.

Se sabeis escutar o trem que passa, (…) vosso vizinho, o rádio, a vós mesmos; (…) o sofrimento, a confusão, o enorme conflito entre os homens (…) então, talvez, esse próprio escutar será ação. E é disso que necessitamos: ação. Mas, para agir, necessitamos de simplicidade (…) A simplicidade nasce da alta sensibilidade e da compreensão do sofrimento. (O Descobrimento do Amor, pág. 153-154)

Não é importante descobrir a maneira de escutar? Parece que, em geral, não escutamos coisa alguma. Escutamos por detrás de várias cortinas de preconceitos, examinando o que se diz como hinduísta, (…) muçulmano, (…) cristão, com uma opinião já formada. Não ouvimos livremente, calmamente e em silêncio. Ouvimos com a intenção de concordar ou discordar, ou (…) predispostos à argumentação; não ouvimos com o propósito de descobrir. A mim me parece importantíssimo saber ouvir, (…) ler, ver, observar. (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 115)

Temos tantos preconceitos, conclusões e opiniões, temos conhecimentos acerca de tantos assuntos, os quais obviamente impedem a percepção. Quero saber o que você está falando a respeito. Devo escutar, e escutar implica que não deve haver interpretação, mas que devo realmente escutar. Isso implica que, enquanto eu estiver escutando, não deve haver comparação com aquilo que anteriormente aprendi, porque você pode estar dizendo alguma coisa inteiramente diferente. (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 85)

Então, eu devo ter a capacidade e a arte de escutar, senão eu não posso entender o que você está falando sobre o assunto. Da mesma forma, deve-se observar claramente o que está ocorrendo externa e internamente, sem nenhuma imagem; é isso possível? Significa observar realmente, sem condicionamento, não como um cristão, um comunista, um hippie, um quadrado e tudo o mais; escutar tão completamente que se possa ver sem distorção alguma. É isso possível? (Idem, pág. 85)

Se escutastes tudo isso realmente, vereis que vem um despertar e, observareis então que vossa mente é purificada pelo extraordinário milagre que se opera quando escutamos uma coisa que é um fato. Escutando o fato, sem resistência, tereis uma mente nova, (…) não mais enredada nas conclusões do passado, (…) sem temor. Estando só, essa mente é o eterno, o real, porque a verdade está só, a cada momento. (…) Só a mente que está só, purificada, sozinha, pode ver a verdade (…) (Visão da Realidade, pág. 169)

Posso garantir-vos que temos possibilidade de livrar-nos da velha “fita”, da velha maneira de pensar, de sentir, de reagir, dos inúmeros hábitos que adquirimos. Isso é possível quando se presta realmente atenção. Se a coisa que estamos escutando é, para nós, verdadeiramente séria, (…) então haveremos de escutar de tal maneira que o próprio ato de escutar apagará tudo o que é velho. Experimentai isso (…) (A Questão do Impossível, pág. 14)

Senhores, quando falo de influência, refiro-me a todas as qualidades de influência, e não a uma determinada influência. Ao escutarmos, temos de estar intensamente cônscios, para não nos deixarmos influenciar, nem conduzir. (…) Mas, (…) se puderdes escutar um fato sem resistência, seja uma coisa dita por vossa mulher, (…) filho, por um carregador, seja (…) deste orador, descobrireis então por vós mesmos que podeis ultrapassar toda influência, que podeis livrar-vos completamente dessa destrutiva influência da sociedade. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 136-137)

Nessas condições, poderia uma pessoa escutar sem nenhum preconceito, nenhuma conclusão, sem interpretação? Porque, é bastante evidente, nosso pensar é condicionado (…) Estamos condicionados como hinduístas, comunistas ou cristãos, e tudo o que escutamos, seja novo, seja velho, é sempre apreendido através da cortina desse condicionamento; por conseguinte, nunca, nunca conseguimos chegar-nos a um problema com a mente nova. Por essa razão, torna-se importantíssimo saber escutar. É bem clara a necessidade de uma revolução total no indivíduo; (…) (Visão da Realidade, pág. 138-139)

(…) Vós escutais de dentro da vossa experiência: tendes conclusões, passastes por experiências inumeráveis, provações, sofrimento, aflições, e é com esse fundo que estais escutando; estais escutando com uma conclusão. Isso é escutar? Se escuto o que dizeis, que talvez seja novo, diferente, com a mente já entrincheirada em certa ideologia, (…) experiência, num conhecimento específico, pode a minha mente escutar? (…) Há, pois, uma arte de escutar, e eu acho essa arte muito importante (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 115)

(…) A mente condicionada não pode escutar, não é livre para escutar. Mas se fordes capazes de escutar de maneira total, creio que se verificará então uma revolução fundamental, não produzida por nenhuma ação do “eu”, a qual, por conseguinte, será uma verdadeira transformação. (…) (Viver sem Temor, pág. 18)

Ora, quando escutamos - e isso é uma verdadeira arte - é necessária certa tranqüilidade do intelecto. Como acontece com a maioria de nós, o intelecto está incessantemente ativo, sempre a reagir ao desafio de uma palavra, idéia ou imagem; e esse constante processo de reação e desafio não produz compreensão. (…) (O Passo Decisivo, pág. 200)

Escutar, se posso dizê-lo, não é processo de concordar, condenar, interpretar, mas, sim, de olhar cada fato totalmente, globalmente. Para isso, o intelecto deve estar quieto, porém muito vivo, capaz de seguir (o que se diz) correta e racionalmente, não sentimental ou emocionalmente. Só então é possível considerar os problemas da existência humana como um processo total, e não fragmentariamente. (Idem, pág. 200)

Há o ouvir e o escutar. Quando você ouve, concorda ou discorda, e diz: “eu concordo com ele, (…) gosto ou não gosto, ele é convincente ou não é convincente”. Mas, quando você está realmente escutando - isto é, dando sua completa atenção - o que acontece? O que ocorre (…), sendo a atenção sua mente, coração, nervos, corpo, tudo (…) escutando? Sua mente está completamente quieta? (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 123)

Não argüindo concordando, discordando, opondo ou formando nenhuma opinião. É um ato de completo escutar. Nesse ato de escutar há comunhão real, não há? Comunhão no sentido de completo relacionamento. Não há desentendimento. (…) Nunca damos nossa total atenção a coisa alguma. Mas apenas aprendemos o que é se concentrar. Concentração significa exclusão. Por conseguinte, concentração não é atenção. Na atenção não há fronteiras. (Idem, pág. 123)

Não sei se alguma vez examinastes a maneira como escutais (…) Quando tentamos escutar, (…) estamos sempre a projetar nossas opiniões e idéias, (…) preconceitos, nosso fundo, (…) inclinações, (…) impulsos; (…) Só se pode escutar quando nos achamos num estado de atenção, (…) silêncio, em que todo aquele fundo está em suspenso, quieto; então há possibilidade de comunicação. (Como Viver neste Mundo, pág. 8)

Há várias coisas a considerar. Se escutais com o fundo ou com a imagem que formastes do orador, se o escutais atribuindo-lhe certa autoridade (…) então é bem evidente que não estais escutando. Estais escutando a “projeção” que à vossa frente colocastes, e esta vos impede de escutar. Assim (…) é impossível a comunicação. (…) (Idem, pág. 8)

Nessas condições, se sabeis escutar, (…) quando compreendemos o condicionamento da nossa mente - então a compreensão mesma do nosso condicionamento liberta a mente. Percebei claramente que sois um hinduísta (…) Assim sendo, só é possível escutar e estudar o problema de maneira correta quando a mente é capaz de operar sem estar ancorada em algum fundo de conhecimento ou experiência (background) (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 11)

A mente, pois, tem de estar livre, fantasticamente livre, dos interesses de “eu” e das âncoras do conhecimento, para que possa observar o problema e, desse modo, produzir uma revolução total. (Idem, pág. 11)

(…) Nessas condições, pois, se pudermos discutir serenamente, sem nos bombardearmos mutuamente com idéias, examinando cada problema meticulosamente, com sensatez, inteligência, vereis que, sem necessidade de esforço (…) ocorrerá a revolução. (O Problema da Revolução Total, pág. 12)

Talvez tenhais escutado (…) Se souberdes escutar tranqüilamente, sem esforço, sem interpretação, o que se está dizendo, e, bem assim, tudo o que vos circunda, verificareis que estais escutando não só o que está muito perto de vós, mas também coisas que estão (…) muito longe - aquilo que não tem medida, nem espaço, que não está aprisionado em palavras nem no tempo. (…) Quando a mente se acha de fato tranqüila, por estar toda enlevada pela canção do seu próprio escutar, só então desponta na existência o imensurável, o eterno. (Visão da Realidade, pág. 260)

(…)Tendes de escutar com a totalidade do vosso ser, sem esforço algum, sem luta, e com a intenção de compreender, de explorar, de descobrir, de achar realmente a Verdade ou a falsidade (…) A meu ver, tal ato de escutar é meditação. (…) (As Ilusões da Mente, pág. 37)

(…) Só podeis escutar quando vossa mente está quieta, quando não “reage” imediatamente, quando há um intervalo entre a reação e o que se ouve dizer. Então, nesse intervalo, há quietude, silêncio. Só nesse silêncio há a compreensão que não é compreensão intelectual. (…) Esse intervalo é o cérebro novo. A reação imediata é o cérebro velho (…) (O Magistério da Compreensão, pág. 10)

Fonte: Instituição Cultural Krishnamurti

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Por que vivemos criando inimizade entre nós?

Uma das causas fundamentais das guerras — dizem — ser de ordem econômica. Mas, muito mais do que isso, a causa fundamental é "a crença em alguma coisa". Quando eu creio numa coisa, quero lhes converter às minhas ideias, e se não concordam comigo, os liquido. Vocês possuem uma panaceia, um sistema, possuem a Bíblia ou um livro de Marx, cheio de "verdades", de dogmas transcendentais, de disciplinas; e se eu não estiver de acordo com o modo de pensar de vocês, se não creio em Deus da mesma maneira que acreditam, vocês me destroem. É isso o que precisamos compreender: por que vivemos criando inimizade entre nós?

Isso que chamam religião não é uma das causas da inimizade? Tenham a bondade de refletir sobre isso. Não desprezem esta questão. Você se acreditam hinduístas; eu, desde a a infância, ouço dizer que sou muçulmano. Pratico certos rituais que vocês não praticam. Por conseguinte, a crença, os ritos, estão nos dividindo, não é verdade? Vocês são brâmanes; eu não sou. Acreditam num único Salvador — Marx, Jesus, Buda. Se discordo de vocês, me colocarão á margem, darão cabo de mim. 

Como veem, fundamentalmente, um dos fatores da inimizade entre os homens é a "crença", e a crença cria "projeções". Desejo alguma espécie de segurança, na vida; tenho dinheiro, tenho posição; quero, porém, uma segurança maior. Por conseguinte, "projeto" da minha mente o desejo, a ânsia que me impele a buscar a segurança numa "super-ideia", num "super-homem", em "super-visões" ou em "super-conclusões". Crio, pois, em virtude do meu próprio desejo, a ideia de segurança, a ideia da existência ou não-existência de Deus; e minha mente se apega a essa ideia. É, pois, a minha crença que me proporciona o sentimento de segurança, de certeza; digo que ela é minha inspiração; chamo-a "minha", porque estão separados de mim pela crença de vocês. Gradualmente, em consequência de tudo isso, surge a discórdia, o antagonismo; vocês são ingleses e eu sou negro; são capitalistas, eu, comunista. Por conseguinte, a crença, o desejo da mente de se sentir segura, numa conclusão, numa convicção, é uma das causas da inimizade. 

O amor não é coisa da mente. Vocês amam seus filhos? Duvido muito disso; porque, se assim fosse, não haveria guerras. Se os amassem, nunca criariam na mente a divisão entre hinduísta e muçulmano; se os amassem não haveria distinção de subordinados e superiores, etc. etc. Se amassem seus filhos, os ajudariam a se tornarem um ente humano inteligente, livre de condicionamento, e capaz de penetrar, com sua inteligência, todos os condicionamentos da vida. 

A causa da guerra, portanto, não se acha fora de nós, mas em nós. Pregamos a não violência; temos ideias de fraternidade; empregamos muitas palavras inteiramente vazias de significação. O idealista é o pior dos empreiteiros de guerras[...] O homem que prega a fraternidade não é fraternal; por isso mesmo prega a fraternidade. O homem que é fraterno não fala de fraternidade. Quando o home tem o ideal da fraternidade, isso significa que ele ainda não é fraternal, mais o será, futuramente. Criamos uma filosofia de adiamento e um ideal; e, é bem evidente, o homem que prega um ideal, ainda não é o que ele acha que deveria ser. Só ao compreendermos o que somos, de fato, não teoricamente, mas realmente, só ao nos compreendermos haverá a possibilidade de nos libertarmos da inimizade. 

Temos de reconhecer a verdade de que a humanidade está se dividindo por causa de suas teorias, dogmas, princípios e crenças; de que cada um quer realizar algo, tornar-se alguém, neste mundo; e de que esta é a verdadeira causa da guerra, da destruição, da degeneração. Não queremos, porém, olhar de frente esse fato; desejamos segurança econômica; queremos ver alteradas as condições externas, sem operarmos, radicalmente, fundamentalmente, uma transformação em nosso pensar, nos nossos sentimentos. Só quando percebermos esta verdade, haverá a possibilidade de colocarmos uma paradeiro às guerras e de impedirmos que as invenções que se possam tornar pavorosos meios de destruição, produzam mais devastações e mais sofrimentos para a humanidade.

Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

sábado, 29 de agosto de 2015

Por que nos orgulhamos tanto do nosso saber?

Pergunta: Por que você diz que o saber e a crença precisam ser suprimidos para que a verdade exista? 

Krishnaurti: Que é o saber e a crença de vocês? Se examinam o saber e a crença de vocês, que são eles? Só lembranças. Não é verdade? De que é que vocês têm conhecimento? Das lembranças de vocês, das experiências de outras pessoas, registradas num livro! Se pensam a respeito do saber de vocês, que é ele? Lembrança. Estão obtendo explicações, ministradas por outras pessoas, e possuem suas próprias experiências, baseadas em suas lembranças. Vocês se deparam com um incidente e o traduzem de acordo com a memória de vocês, a que chamam de experiência. O saber de vocês é um processo de reconhecimento. Sabemos o que são as crenças. Elas são criadas pela mente, no seu desejo de estar certa, de estar protegida, de estar em segurança. 

Assim, como pode a mente, tolhida que está pelo saber, essa mente, que é acumulação do passado, traduzindo o presente segundo sua própria conveniência, como pode essa mente, com sua carga de saber, compreender o que é verdadeiro? A verdade tem de ser algo que está além do tempo. Ela não pode ser projetada pela mente; não pode ser talhada pela minha experiência; tem de ser algo incognoscível, em face da minha experiência passada. Se eu a conheço, do passado, isso então é reconhecimento e portanto não é a verdade. Se ela é apenas uma crença, é então uma "projeção" dos meus próprios desejos. 

Por que nos orgulhamos tanto do nosso saber? Estamos aprisionados em nossas crenças, no "estado de conhecimento", no sentido em que é geralmente compreendido o conhecimento. Vocês temem o "ser nada". Eis porque fazem questão de tantos títulos; possuem a preocupação de adquirir nomes, ideias, reputação, de se exibirem. Com toda essa carga na mente, dizem: "estou procurando a verdade, desejo compreender a verdade". O que acontece se examinam atentamente todo processo da aquisição de saber e da formação da crença? Verificam, sem dúvida, que essas coisas são artifícios da mente — o acreditar, o saber; elas lhes conferem certo prestígio, certo poderes; os outros lhes respeitam como um homem extraordinário, muito lido e muito culto. E ficando mais velhos, se acham com o direito a mais respeito, porque, naturalmente, se tornaram mais sábios, pelo menos assim o pensam. O que fizeram foi apenas amadurecer na própria experiência de vocês. A crença destrói os entes humanos, divide os entes humanos. O homem que crê nunca pode amar; porque, para ele, a crença é mais significativa do que ser bondoso, cordial, solícito; a crença proporciona certa força, certa vitalidade, um falso sentimento de segurança. 

Assim, examinando bem as coisas, que encontram? Só palavras, só memória. A verdade é algo que deve achar-se além dos limites da imaginação, além do processo da mente. Ela tem de ser eternamente nova, uma coisa não suscetível de reconhecer-se, de descrever-se. Se citam Sankara, Buda, XYZ, já começaram a comparar — o que demonstra que, pela comparação, desistiram de pensar, de sentir, de experimentar. Esse é um dos sacrifícios da mente. O saber de vocês está destruindo a percepção imediata daquilo que é a verdade. 

Eis porque é importante compreender, no seu todo, o processo do saber e da crença, para o abandonarmos. Sejam simples, vejam essas coisas com simplicidade e não com uma mente ardilosa. Verão, assim, que a mente, que amontoou tanta experiência, tantas explicações, que está limitada por tantas crenças, começa a se renovar. Ela já não está à procura do novo, já não está reconhecendo, deixou de reconhecer; acha-se, por conseguinte, em estado de constante experimentar, não relacionado com o passado; há um movimento novo, que não é suscetível de repetir-se. 

Importa, por essa razão, que todo saber, toda crença sejam devidamente compreendidos. Não podem suprimir o saber; precisam compreendê-lo; não podem fechar a porta ao saber. Qual é, agora, a reação de vocês? Sairão daqui e continuarão a proceder da maneira habitual, porque possuem o medo de se afastar do velho padrão. 

Para achar a verdade, não há guru, não há exemplo, não há caminho; a virtude não conduzirá à verdade; a prática da virtude é a auto-perpetuação. O saber, evidentemente, só nos dá respeitabilidade. 

O homem "respeitável" e fechado dentro de sua própria importância, nunca encontrará a verdade. A mente precisa estar de todo vazia, não procurar, não "projetar". Só quando a mente está totalmente tranquila, apresenta-se a possibilidade daquilo que é imensurável.

Krishnamurti em, Quando o Pensamento Cessa

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Ideologias são ficções, não têm nada a ver com a verdade

O homem vive sobre uma grande hipnose, sob profundos condicionamentos: a sociedade condiciona você; o Estado, o padre, o político, a cultura, a religião, a Igreja, todos eles investem em seu sono profundo. Eles não querem que você acorde, pois, uma vez que a humanidade esteja acordada, não será mais possível haver políticos, padres, templos, Igrejas, religiões; tudo isso desaparecerá da face da terra. Toda essa exploração só é possível porque o homem vive no sono, porque ele é infeliz, e só uma humanidade infeliz pode ser explorada. 

É um círculo vicioso; só um homem infeliz pode ser explorado e, quando você o explora, ele se torna mais infeliz. Sendo mais infeliz, pode-se explorá-lo ainda mais, e assim por diante. 

Um homem feliz é um rebelde. A felicidade é uma tremenda rebelião. Nenhuma sociedade até hoje permitiu que alguém fosse feliz; é muito perigoso. Como mandar pessoas para a guerra, se elas forem felizes? Como se poderá ensinar-lhes coisas estúpidas, como nazismo, comunismo, fascismo, nacionalismo? Se as pessoas forem felizes elas rirão dessas tolices, de todas essas ideologias; não levarão nada disso a sério. Rirão só com a ideia de que alguém possa ser cristão, hindu ou muçulmano, e que possam lutar durante séculos e matarem-se uns aos outros.

(...) Você tem sido hipnotizado para permanecer na infelicidade, tem sido ensinado e condicionado para permanecer na infelicidade. E o truque é muito sutil. Por exemplo: primeiro, todos aprendem que a felicidade existe no futuro. Isso é um absurdo. A felicidade existe aqui-agora. Você não precisa alcançá-la; você já a traz com você, ela é parte do seu ser. Mas toda criança aprende, através de sugestões e mais sugestões, que, a menos que tenha uma casa grande, dois carros, muito dinheiro, fama, sucesso, e outras coisas mais, não será feliz. Como se a felicidade dependesse de alguns objetos ou de qualquer coisa! A felicidade não depende de nada e toda criança nasce feliz. 

As ambições criam a miséria e nunca o deixam feliz. Uma vez que você se torna ambicioso, as sementes da miséria são plantadas bem no fundo de você. Agora você nunca será feliz, pois o futuro, o amanhã nunca chega, e as suas esperanças estão todas no amanhã. 

Você pode ter uma casa grande, mas não será feliz, pois existirão sempre casa maiores que a sua, e isso criará infelicidade. Você pode ter uma bela mulher, mas existem milhares de mulheres mais bonitas no mundo, e isso não o deixará feliz. Você pode ter dinheiro, mas nem isso o fará feliz, pois sempre poderá ter mais. Esse é o truque: o "mais" foi implantado em você como um eletrodo. "Tenha mais, então será feliz." Como você pode ter mais? Qualquer coisa que você tenha sempre poderá imaginar mais. Se você tem dez mil reais, pode imaginar vinte; se tem vinte, pode imaginar quarenta. Como pode parar esse "mais"? Qualquer coisa que você tenha, sempre será menos que o "mais", e isso criará infelicidade. 

Você também foi sempre ensinado a comparar, e a comparação traz a infelicidade. Cada indivíduo é incomparável; ninguém mais é como você; como comparar? A comparação só é relvante quando há duas coisas semelhantes, como por exemplo, comparar um carro Ford com outro carro Ford; eles são iguais. Mas como comparar dois homens? Impossível. Cada um é tão individual que qualquer comparação trará infelicidade. 

No momento em que você compara, está criando um inferno à sua volta. Desde sua infância você foi ensinado: "Seja como fulano. Veja o filho do vizinho como é inteligente e você como é estúpido. Veja como a fulana é madura e você é tão imatura", e assim por diante. Essas comparações fazem você sentir-se infeliz. Você é você mesmo: não há ninguém como você, nunca houve e nunca haverá. Deus nunca se repete. 

Você é único. E quando digo "único", não é num sentido comparativo; você não é mais único que os outros e, sim, cada um é único. A unicidade é muito comum; todo mundo é único. Quando você começa a comparar, acaba ficando neurótico e, mais cedo ou mais tarde, irá parar num divã de psiquiatra. 

(...) A comparação cria tensão, ansiedade. Você foi ensinado a ser cristão, hindu, muçulmano; como pode a consciência ficar confinada a ideologias? As ideologias são produtos da mente; a consciência está muito além. Ideologias são ficções, não têm nada a ver com a verdade. A verdade é a sua consciência, mas você dá mais atenção á ideologias e se esquece da verdade. Você luta, discute, prova e desaprova. Ensinaram-lhe que alguém é indiano, que o outro é chinês, o outro japonês. Ou que você é comunista, ou fascista, isso ou aquilo; milhares de doenças foram implantadas em você... você quer ser feliz. Para isso, terá que abandonar todas essas ideias... Abandone tudo num só golpe de espada: esse golpe eu chamo de compreensão.

O S H O em, A Divina Melodia

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A mente verdadeiramente religiosa é livre de todos os gurus

Enquanto somos bem jovens, a maioria de nós talvez não seja grandemente afetada pelos conflitos da vida, pelas preocupações, pelas alegrias passageiras, pelos desastres físicos, pelo medo da morte e as distorções mentais que pesam sobre a geração mais velha. Felizmente, enquanto somos jovens, a maioria de nós ainda não se encontra no campo da batalha da vida. Mas, à medida que envelhecemos, os problemas, as angústias, as dúvidas, as lutas econômicas e interiores, tudo isso começa a acumular-se em nós, e então desejamos encontrar o sentido da vida, queremos saber o que ela significa. Ficamos perplexos com os conflitos, com as dores, com a pobreza, com os desastres. Queremos saber porque algumas pessoas estão bem colocadas e outras não; porque um ser humano tem saúde, é inteligente, bem-dotado, capaz, ao passo que o outro não o é. E se somos pouco exigentes, ficamos logo presos a uma hipótese, a alguma teoria ou crença; encontramos uma resposta, mas não é nunca a verdadeira resposta. Verificamos que a vida é feia, dolorosa, triste, e começamos a inquirir; mas não tendo suficiente confiança própria, vigor, inteligência, inocência, para continuar inquirindo, somos logo colhidos nas malhas de alguma teoria ou crença, especulação ou doutrina que explique satisfatoriamente tudo isso. Aos poucos nossas crenças e dogmas se tornam profundamente enraizados e inabaláveis, porque por detrás deles está um constante medo do desconhecido. Nunca examinamos o medo; desviamo-nos dele e nos refugiamos nas crenças — a cristão, a budista, a hindu — verificamos que elas dividem as pessoas. Cada conjunto de dogmas e crenças possui uma série de rituais, uma série de compulsões que amarram a mente e separam um homem do outro. 

Então começamos a inquirir para tentar descobrir a verdade, o significado de toda essa miséria, dessa luta, dessa dor, e acabamos com um conjunto de crenças, rituais, teorias. Não temos a necessária confiança própria, nem vigor, nem inocência, para afastar a crença para um lado e inquirir; desse modo, a crença passa a atuar como um fator de deterioração em nossa vida. 

A crença é corruptora porque atrás dela e dos ideais de moralidade aninha-se o "eu", o ego — o ego que está cada vez maior e mais poderoso. Achamos que crer em Deus é religião. Consideramos que crer é ser religioso. Se vocês não creem, serão considerados ateus e condenados pela sociedade. Uma sociedade condena os que não creem em Deus, e outra condena os que nele creem. Ambas são uma só e a mesma coisa. 

Nessas condições, a religião se torna uma questão de crer, e o crer atua como uma limitação sobre a mente; então a mente nunca é livre. Mas é só em liberdade que vocês podem encontrar a verdade, Deus; não através de uma crença; porque a crença projeta o que vocês pensam que deveria ser Deus, o que vocês acreditam que deva  ser a verdade. Se vocês creem que Deus é amor, que Deus é bom, que Deus é isto ou aquilo, sua própria crença lhes impede de compreender o que seja Deus, o que seja a verdade. Mas o caso é que vocês desejam esquecer-se numa crença; querem sacrificar-se; desejam emular outrem, abandonar essa luta constante que prossegue dentro de vocês e buscar a virtude. 

Sua vida é uma luta constante em que há tristeza, sofrimento, ambição, prazeres transitórios, felicidade que vem e vai; então a mente quer algo grandioso em que se apegar, algo além de si mesma com que possa identificar-se. A isso ela chama Deus, verdade, e identifica-se com tal coisa através da crença, da convicção, da racionalização, de várias formas de disciplina e moralidade idealista. Mas essa coisa grandiosa, que cria especulação, ainda faz parte do "eu", é coisa projetada pela mente em seu desejo de escapar às tormentas da vida. 

Identificamo-nos com uma pátria — a Índia, a Inglaterra, a Alemanha, a Rússia, os Estados Unidos. Vocês pensam em si mesmos como sendo hindus. Por que? Por que se identificam com a Índia? Já examinaram isso, já foram além das palavras que lhes captaram a mente? Vivendo numa cidade ou num pequeno vilarejo, levando uma vida miserável com suas lutas e conflitos familiares, estando insatisfeitos, descontentes, infelizes, vocês se identificam com uma pátria, chamada Índia. Isto lhe dá uma sensação de grandeza, de importância, uma satisfação psicológica, então dizem: "Sou indiano"; e por isso estão dispostos a matar, a morrer ou aleijar-se. 

Da mesma forma, porque vocês são realmente insignificantes e estão em constante batalha consigo mesmos e com os outros, porque estão confusos, angustiados, incertos, porque sabem que há morte, vocês se identificam com algo mais além, algo vasto, importante, cheio de significado, a quem chamam de Deus. Essa identificação com aquilo a que chamam de Deus dá-lhes uma sensação de enorme importância, e vocês se sentem felizes. Portanto, a identificação de vocês com algo maior é um processo de auto-expansão; é, ainda, a luta do "eu", do ego. 

A religião, como geralmente a conhecemos, consiste numa série de crenças, dogmas, rituais, superstições; é a adoração de ídolos, de amuletos e de gurus, e achamos que tudo isso nos levará a alguma meta fundamental. A meta fundamental é a nossa própria projeção; é aquilo que desejamos, o que pensamos que nos tornará felizes, uma garantia de imortalidade. Presa a esse desejo de certeza, a mente cria uma religião de dogmas, de hierarquia clerical, de superstições e de adoração de ídolos; e aí ela se estagna. Será isso religião? Religião é uma questão de crença, uma questão de aceitação ou de tomada de conhecimento das experiências e afirmações de outras pessoas? É religião a mera prática da moralidade? É comparativamente fácil levar uma vida digna — fazer isto e não fazer aquilo. Vocês podem simplesmente imitar um sistema moral. Mas por trás dessa moralidade aninha-se o ego agressivo, crescendo, expandindo-se, dominando. Será isso religião? 

Vocês precisam descobrir o que é a verdade, porque isto é o que realmente importa — não o fato de vocês serem ricos ou pobres, se estão satisfatoriamente casados e têm filhos, pois todas essas coisas têm fim; e sempre há morte. Por isso, sem qualquer forma de crença, vocês precisam ter o vigor, a confiança própria, iniciativa de descobrir por si mesmos o que seja a verdade, o que é Deus. Crenças não libertarão suas mentes; a crença só corrompe, aprisiona, escurece. A mente só pode ser livre através de seu próprio vigor e confiança. 

Certamente, uma das funções da educação é criar indivíduos que não sejam prisioneiros de nenhuma força de crença, de nenhum modelo de moral ou de respeitabilidade. É o "eu" que meramente procura tornar-se moral, respeitável. O indivíduo verdadeiramente religioso é aquele que descobre, que diretamente experimenta o que é Deus, o que é a verdade. Essa experiência direta nunca é possível mediante qualquer forma de crença, ritual, seguimento ou adoração de outro. A mente verdadeiramente religiosa é livre de todos os gurus. Vocês, como indivíduos, à medida que crescem e vivem suas vidas, podem descobrir a verdade a cada momento, e portanto são capazes de ser livres. 

(...) O indivíduo precisa despertar a própria inteligência, não através de alguma forma de disciplina, resistência, compulsão, coerção, mas sim através da liberdade. É só pela inteligência nascida da liberdade que o indivíduo pode descobrir o que está por trás da mente. Essa imensidão — o inominável, o ilimitado, aquilo que não é mensurável por meio de palavras e em que há o amor que não procede da mente — precisa ser experimentado diretamente. A mente não pode concebê-lo; portanto, ela precisa estar muito quieta, extraordinariamente tranquila, sem nenhum exigência nem desejo. Só então será possível existir aquilo que pode ser chamado Deus ou de realidade. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Não pode haver investigação sem liberdade

O que é que está lhe fazendo escutar, senhor? O que lhe faz ouvir a alguém que diz coisas completamente contrárias a tudo que você acredita e a tudo o que lhe é claro? É sua personalidade, sua fama, a propaganda espalhafatosa, o barulho que se faz ao redor dele? É isso que lhe faz escutar? Se é, então a sua escuta tem pouquíssima significação. O que é, pois, que está lhe fazendo escutar? Talvez seja o fato de você se ver em presença de algo que acontece ser verdadeiro, e apesar de você se achar preso, não pode deixar de escutá-lo; todavia, você retornará ao seu estado condicionado. É isso o que está lhe fazendo escutar? Ou você está realmente escutando? Entende? Você está escutando realmente, ou acontece que você já se acostumou a ficar sentado e quieto, quando alguém fala, porque gosta de ser prelecionado? 

Estas não são perguntas vãs. Eu estou realmente procurando averiguar por que razão, quando se diz uma coisa verdadeira, não há reação imediata. Esta é a verdadeira pergunta que estou fazendo. Você diz, ou eu digo, que não pode haver investigação sem liberdade, oque, evidentemente, é verdadeiro; é um fato, não importa quem seja a pessoa que o enuncia. Ora, por que razão esse fato não produz uma reação imediata, incisiva? Ou têm esse fato uma certa ação misteriosa, peculiar, que não pode exteriorizar-se imediatamente? Alguém expressou o fato de que, para a investigação, é necessária a liberdade, não se pode estar amarrado — e você escutou esse fato. Ainda que o tenha escutado parcialmente, apenas, o fato lançou raízes na sua mente, porque tem uma certa vitalidade; a semente brotará, não dentro de um certo período, mas brotará, e talvez por isso seja importante prestar ouvidos aos fatos, não importa se voluntariamente, conscientemente, ou apenas distraidamente. Mas tal é, justamente, o caráter da propaganda. Repete-se constantemente: "Compre tal sabonete"... e você acaba comprando. É isto o que está acontecendo aqui? Se você ouve repetir constantemente um certo fato e dentro de certo tempo começa a proceder de acordo com o fato, esse procedimento é completamente diferente da ação própria do fato. 

Senhor, é hora de parar. Não lhe pedirei para refletir sobre estas coisas, porque apenas refletir sobre elas é sem significação; mas se deseja realmente investigar a fundo este problema do buscar e o que significa "ser sério", neste caso a mente terá de descobrir a maneira de investigar, e descobrir o que é investigação. Qualquer suposição, qualquer conclusão, qualquer apego ao conhecimento ou à experiência, é um empecilho à investigação. Enquanto a mente está presa a uma certa conclusão, toda investigação representa uma luta desmedida, um processo de esforço, atrito, ruptura. Mas se a mente percebe que só pode haver investigação quando há liberdade, tem então a investigação um significado de todo diferente. Se se percebe isso claramente, nunca mais se será escravo de nenhum guru, nenhuma fórmula, nenhuma crença. Então você e eu podemos combinar as nossas investigações e, como resultado disso, cooperar, agir, viver. Mas enquanto a nossa mente estiver presa, terá de haver "seu caminho" e "meu caminho", "sua opinião" e "minha opinião", "sua senda" e "minha senda", e todas as demais divisões e subdivisões que se põem entre um homem e outro homem. 

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

Qual o meio para nos livrarmos do apego as nossas crenças e conclusões?

Senhor, a liberdade não está implícita na investigação? Eis porque a liberdade está no começo, e não no fim. Quando você diz: "Preciso me submeter a todas estas disciplinas, a fim de me tornar livre", isto é o mesmo que dizer: "Conhecerei o estado de sobriedade, depois de me embebedar". Certo, a investigação só é possível em liberdade. A liberdade, portanto, deve estar no começo, e enquanto ela não existir, embora o que você fizer possa ser, social e convencionalmente, uma coisa satisfatória, essa coisa é destituída de significação. Terá um certo valor para as pessoas que desejarem sentir-se em segurança, mas não tem o valor do descobrimento. Ainda que tais pessoas se levantem muito cedo para submeter-se a todos os rigores da disciplina, eu digo que estas pessoas NÃO SÃO SÉRIAS. A seriedade está no percebimento de que a mente está amarrada a uma experiência, uma crença, e no libertar-se dessa experiência ou crença — COISA QUE VOCÊ NÃO DESEJA FAZER. Não é importante, pois, investigar isso? Do contrário, você virá aqui diariamente, todos os anos, e ficará apenas ESCUTANDO PALAVRAS, que terão muito pouca significação. 

(...) Senhor, como se pode investigar com a mente presa? Isto é um simples enunciado de razão comum, senso comum. Se o seu guru diz: "este é o caminho", e você fica preso a isso, como PODE OLHAR MAIS LONGE? Você procura o guru com o fim de investigar — e se deixa prender pelas suas palavras, hipnotizar pela sua personalidade, e acaba enredado nas coisas que ele preconiza. Seu impulso primitivo é investigar, mas esse impulso está baseado no desejo de encontrar uma esperança ou satisfação, ou seja o que for. Por isso, digo que, para investigar é necessário, em primeiro lugar, de liberdade. Estou mudando a direção do seu processo de pensar, que é EVIDENTEMENTE FALSO, ainda que os livros sagrados digam o contrário.

Interpelante: O que vem depois da investigação?

Aí está uma pergunta puramente intelectual, se me permite dizê-lo. Você não está vendo? Deseja saber o que acontecerá "depois", e isso é de ordem teórica. A mente se apraz em fabricar palavras, especular. Eu respondo: você o descobrirá. — É o mesmo que um prisioneiro perguntar: "Como será, depois que eu sair da prisão?" Para saber, ele terá de deixar a prisão.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

domingo, 14 de setembro de 2014

Somos uma repetição de opiniões, juízos e conclusões

Krishnamurti: Vejamos antes de tudo se a nossa mente está entregue a uma dada experiência, uma dada conclusão ou crença, que está nos tornando obstinados, inflexíveis, no sentido profundo. Só quero compeçar daí, porque, como pode haver investigação, quando a mente é incapaz de ceder? Lemos o Gita, a Bíblia, o Upanishads, tal ou tal livro, o qual deu uma tendência à nossa mente, uma certa conclusão a que ela ficou amarrada. Uma mente em tais condições é capaz de investigar? Não é isso que acontece com a maioria de nós? e não deve a nossa mente ficar livre de todos os compromissos decorrentes de sermos hinduístas, teosofistas, católicos, ou o que mais seja, antes de podermos investigar? E porque não estamos livres dessas coisas? Quando temos compromissos e queremos investigar, não pode haver verdadeira investigação, mas tão somente uma repetição de opiniões, juízos e conclusões. Assim, nesta nossa palestra desta tarde, poderemos largar todas as nossas conclusões?

Certamente, até os maiores cientistas têm abandonado todo o seu saber, antes de poderem descobrir qualquer coisa nova; e se você sério, esse abandono do conhecimento, da crença, da experiência, tem de efetuar-se realmente. A maioria de nós somos um tanto "sérios", quando se trata de nossas próprias conclusões, mas eu acho que isso de modo nenhum é seriedade. Isso não tem valor nenhum. O homem sério, sem dúvida, é aquele que é capaz de abandonar as suas conclusões porque percebe que só assim está capacitado para investigar. 

Interrogante: Podemos dizer que abandonamos as nossas conclusões; entretanto, elas tornam a surgir. 

Krishnamurti: Sabemos que nossas mentes estão ancoradas numa conclusão? Está a mente cônscia de que se acha dominada por determinada crença? Deixe-me, senhor, expressá-lo de maneira muito simples. Morre meu filho e me sinto desolado — e eis que se me apresenta a crença da reencarnação. Esta crença encerra muitas esperanças e promessas e, portanto, a minha mente a ela se apega. Ora, essa mente é agora capaz de investigar o problema da morte, em vez de investigar, apenas, a questão da vida além-túmulo? Pode minha mente abandonar essa conclusão? E não deve abandoná-la, se quer descobrir o que é verdadeiro — abandoná-la, mas não sob compulsão de qualquer espécie, nem esperança de recompensa, mas porque a própria investigação exige o seu abandono? Se não a abandono, não sou "sério"

Senhores e senhoras, não se deixem desalentar pelas minhas perguntas, que parecem tão óbvias. Se minha mente está atada à estaca da crença, da experiência ou do conhecimento, ela não pode ir muito longe; e a investigação implica que se esteja livre da estaca, não acham? Se realmente estou buscando, então esse estado tem de se acabar — preciso romper as amarras, cortar a corda. Não existe, então, nenhuma questão de como cortar a corda. Quando há a percepção de que a investigação só é possível quando estamos livres de nossa obstinação, do apego a uma outra crença, então esse próprio percebimento liberta-nos a mente. 

Ora, porque não sucede isso a cada um de nós?

Interpelante: É porque nos sentimos mais seguros com a corda. 

Krishnamurti: Exatamente, não é? Vocês se sentem mais seguros quando a mente de vocês está condicionada, e eis porque não há aventurar, ousar — e toda a nossa estrutura social está construída dessa maneira. Conheço todas essas respostas. Mas porque não abandonam a crença de vocês? Se não o fazem, não são sérios. Se estão realmente investigando, não dizem: "Estou investigando, numa determinada direção e devo ser tolerante a respeito de qualquer direção diferente da que estou seguindo" — pois, quando estão realmente investigando, essa maneira de pensar desaparece completamente. Não existe então a divisão de "seu caminho" e "meu caminho", acaba-se o místico e o oculto, são afastadas definitivamente todas as estúpidas explicações do homem que quer explorar outros homens. 

(...) Estou dizendo que não pode haver investigação quando a mente tem algum apego. Quase todos nós dizemos que estamos buscando, e buscar significa realmente investigar; e eu estou perguntando: "vocês podem investigar, enquanto suas mentes estão apegadas a alguma conclusão?" Obviamente, quando lhes é feita esta pergunta, respondem: "Não, naturalmente". 

(...) Eu estou perguntando: sua mente está agrilhoada? Sua mente é obstinada, está apegada a alguma experiência, a alguma forma de conhecimento ou crença? Se está, neste caso, é incapaz de investigação. Você dirá, porventura: "Estou buscando" — mas é bem evidente que não está buscando, senhor. Como pode a mente ter liberdade de movimentos,  se está presa? Dizemos que estamos buscando, mas, na realidade, não há busca. Buscar implica estar livre de apego a qualquer fórmula, qualquer experiência, qualquer espécie de conhecimento, porque só então a mente é capaz de mover-se amplamente. Isto é um fato, não? Se desejo ir a Banaras, não posso estar amarrado, preso num quarto; preciso sair do quarto e dirigir-me para lá. De maneira semelhante, sua mente agora está presa e você diz que está buscando; mas eu digo que não pode buscar nem investigar, com a mente presa — e isso é um fato que todos reconhecem. Porque então não se liberta a mente? Se ela não o fizer, como poderemos, você e eu, investigar juntos? Esta é a nossa dificuldade, não acham, senhores?

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

sábado, 30 de agosto de 2014

O que torna a mente verdadeiramente silenciosa?

Religião não são as crenças, os dogmas, os rituais, as seitas, a propaganda que se faz há dois mil ou dez mil anos; isso, em absoluto, não é religião. Somos escravos da propaganda — não só do comerciante, mas também do sacerdote. A religião é uma coisa de todo diferente. Para descobrir o verdadeiro, descobrir se existe isso a que o homem chama seu Deus — o Desconhecido — temos de morrer para o conhecido, pois, do contrário, não poderemos encontrar-nos com essa coisa inefável que o homem busca há milhares e milhares de anos. O homem, o pensamento inventou um conceito sobre o que Deus é ou não é. Acredita e desacredita, conforme seu condicionamento. O comunista, o autêntico comunista, não acredita. Para ele, só existe o Estado. provavelmente, com o tempo, venha a endeusar Lênine ou outro E há os que foram condicionados para acreditar. Ambos são iguais, o crente e o não-crente. A fim de descobrirmos se existe alguma coisa além daquilo que o pensamento construiu, temos de negar tudo — dogma, crença, esperanças, temores. Isso afinal não é muito difícil, porque, quando queremos aprender, colocamos de lado todos os absurdos que o homem criou com o seu medo. 

Quando termina efetivamente o pensamento, quando morremos para o pensamento, surge então algo inteiramente diferente, uma dimensão diferente, dimensão que não pode ser explicada, colocada em palavras, que nada tem em comum com a crença, o dogma, o medo. Não é uma palavra. Aquele verbo não pode tornar-se carne e, para ser descoberto, deve deixar de existir o experimentador, o observador, o censor. Foi por isso que dissemos, no começo, que temos de compreender o conflito, e que haverá conflito enquanto existir observador e objeto observado; pois esta é a raiz do conflito. Quando digo "precisamos compreender", ou "Tenho medo", o EU julga-se separado do próprio medo. Em verdade não está separado dele. O medo é o EU; os dois são inseparáveis. Quando o observador é o objeto observado, quando o pensador, a fonte do pensamento, deixa de existir, verifica-se, então, que o medo, em qualquer forma, deixou também de existir. 

Nisso há uma concentração de energia. Essa energia explode e surge o novo — o novo irreconhecível. Quando reconhecemos uma coisa, essa coisa não é nova. É uma experiência que já tivemos. Por conseguinte, não é nova. As maravilhosas experiências e visões dos santos e das pessoas religiosas são projeções de coisas velhas, projeções de suas mentes condicionadas. O cristão vê o seu Cristo, porque foi condicionado pela sociedade em que vive, em que cresceu. 

Enquanto houver "experimentador" e a coisa que ele vai "experimentar", nesse estado não existirá nenhuma realidade, porém, somente conflito. Só quando deixa de existir o experimentador, pode surgir aquela coisa que o homem sempre buscou. Em nossa própria vida, estamos sempre a buscar — a buscar a Felicidade, a buscar Deus, a buscar a Verdade. Não podemos achá-lo por meio de busca, porém, tão-só, quando cessa a busca, quando a pessoa é a luz de si própria. Para se ser a luz de si próprio, deve haver paixão e intensidades ardentes. Essa paixão não é uma coisa mansa. Com ela nasce — de toda esta agitação, aflição, confusão e desespero — a revolução, a mutação interior. Só uma mente nova pode encontrar-se com aquilo a que se chama Deus, a Verdade, ou o nome que vocês preferirem. Mas, o conhecido não pode conhecer o desconhecido. Tudo o que o conhecido  — o pensamento — fizer afastará para mais longe ainda o desconhecido. Só quando o pensamento compreendeu a si próprio e se tornou quieto, pode haver a compreensão de todo esse processo de pensamento, prazer e medo. Isso é meditação. Não é a prática, a disciplina ou o ajustamento que torna a mente quieta. O que a torna verdadeiramente silenciosa é a compreensão de si própria, de seus pensamentos, seus desejos, suas contradições, seus prazeres, seus apegos, sua solidão, seu desespero, sua brutalidade e violência. Dessa compreensão nasce o silêncio, e só a mente silenciosa pode perceber, pode ver realmente o que é

Krishnamurti em, Encontro com o Eterno — 10 de maio de 1966

sábado, 5 de abril de 2014

O homem é um escravo desejante

O homem nasce um escravo, e permanece um escravo por toda a sua vida: um escravo dos desejos, da luxúria, um escravo do corpo, da mente — mas dá no mesmo, a escravidão continua. Desde o momento em que você nasce, até o momento em que você morre, é uma longa luta contra a escravidão. E a religião consiste em se ser livre. Religião é liberdade, liberdade de toda escravidão. Mas o homem continua brincando com ele mesmo, vai se enganando, porque assim é mais fácil. 

Ser completamente livre é muito difícil. Será necessária uma cristalização dentro de você, será necessário um centro. E neste exato momento, não há nenhum centro em você, você não é um ser cristalizado — você é apenas um caos. Você pode ser como uma assembleia, mas não é como um indivíduo. Às vezes um desejo toma conta de você e, então, ele se torna o presidente da assembleia, Apenas alguns minutos depois o presidente se vai, ou é descartado; então, um outro desejo toma conta de você. E você fica identificado com cada desejo; você diz: "Eus sou isto". 

Quando o sexo assume a presidência, você vira o sexo; quando a raiva assume a presidência, você vira a raiva; quando o amor assume a presidência, você vira o amor. E você nunca se lembra do fato de que você não pode ser isto ou aquilo — sexo, raiva, amor. Não! Você não pode ser, mas você fica identificado com a cadeira da presidência, seja o que for que tenha o poder no momento, você se identifica com aquilo. E esse presidente vai mudando, porque depois que um desejo é preenchido temporariamente, ele é expelido da cadeira. Então, um outro que esteja nas cercanias — sedento, faminto, exigente, vira o presidente. E você fica identificado com cada desejo, com cada escravidão. 

Esta identificação é a raiz casual de toda a nossa escravidão e, a menos que essa identificação desapareça, você nunca será livre. Liberdade significa o desaparecimento da identificação com o corpo, com a mente, com o coração, seja como for que você queira chamar. Esse é o fato básico a ser compreendido: que o homem é um escravo, nasce um escravo, nasce chorando e gritando pela satisfação de alguns desejos. A primeira coisa que uma criança faz quando nasce é chorar. E isso permanece por toda a vida — chorando por isto ou aquilo. A criança chora por leite; você pode estar chorando por um palácio, ou por um carro, ou por outra coisa, mas o choro continua. Ele para somente quando você está morto. 

Toda a vida é um longo choro — eis porque há tanto sofrimento. A religião lhe dás as chaves para torná-lo livre, mas se ser um escravo e sendo a vida de escravidão conveniente, confortável, você cria religiões simuladas, que não lhe darão nenhuma liberdade, que simplesmente lhe darão um novo tipo de escravidão. Cristianismo, hinduísmo, budismo ou islamismo, como são — organizados, estabelecidos —, são novas espécies de aprisionamento. 

Jesus é liberdade, Maomé é liberdade, Krishna é liberdade, Buda é liberdade, mas não o budismo, não o islamismo, não o cristianismo, não o hinduísmo — eles são simulações. Assim, uma nova escravidão nasce: você é apenas um escravo dos seus desejos, dos seus pensamentos, dos seus sentimentos, dos seus instintos, mas você se torna escravo de seus padres. Mais escravidão acontece a partir das suas religiões simuladas, e nada muda em você.

O S H O — A semente de mostarda

domingo, 9 de março de 2014

A natureza interior do descontentamento


Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. 

Pergunta: O descontentamento impede o pensamento claro. Como superar esse obstáculo?

Krishnamurti: Acho que você não me ouviu; provavelmente estava preocupado com sua pergunta, em como iria formulá-la. Isso é o que todos vocês estão fazendo, de maneiras diferentes. Cada um tem sua própria preocupação, e se o que eu disse não é o que gostariam de ouvir, deixam-no de lado, porque a mente de vocês está ocupada com seus problemas. Se quem fez a pergunta tivesse ouvido o que eu falei, se tivesse realmente sentido a natureza interior do descontentamento, da alegria, de ser criativo, acho que não teria feito essa pergunta.

O descontentamento impede o pensamento claro? E o que é o pensamento claro? É possível pensar com clareza se desejam conseguir alguma coisa com seu pensamento? Se sua mente está preocupada com um resultado, poderão pensar com clareza? Ou só conseguem pensar muito claramente quando não estão buscando um fim, um resultado, sem tentar ganhar algo?

E vocês conseguem pensar com clareza se se agarrarem a um preconceito, a uma crença particular — isto é, se pensarem como um hindu, um comunista ou um cristão? Certamente poderão pensar claramente apenas quando a mente não estiver acorrentada a uma ideologia — como um macaco preso a uma estaca; podem pensar muito claramente apenas quando não estão buscando resultado; podem pensar com clareza somente quando não têm preconceitos. O que tudo isso significa, na verdade, é que vocês podem pensar com clareza, simples e diretamente, quando a mente não estiver mais buscando qualquer forma de segurança; estando, portanto, livre do medo.

Então, de alguma maneira, o descontentamento impede o pensamento claro. Quando, por meio do descontentamento, vocês procuram um resultado, ou quando buscam minimizar o descontentamento, porque a mente detesta ficar perturbada e tenta a todo custo ficar calma, pacífica, então o pensamento claro não é possível. Mas, se estiverem descontentes com tudo — com seus preconceitos, suas crenças e seus medos — e não estiverem desejando um resultado, então esse mesmo descontentamento dará foco aos seus pensamentos ( não sobre um objeto em particular, ou qualquer direção específica), e todo o processo do pensamento se tornará bem simples, direto e claro.

Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. É o desejo pelo "mais" que impede o pensamento claro. Se estamos descontentes não por desejarmos alguma coisa, mas por não saber o que desejamos; se estamos insatisfeitos com nosso emprego, com o dinheiro que temos, com a busca por status e poder, com a tradição, com o que temos e com o que deveríamos ter; se estamos insatisfeitos não com algo em particular, mas com tudo, então penso que esse nosso descontentamento trará clareza. Quando não aceitamos ou seguimos, mas questionamos, investigamos, aprofundamos, ocorre um insight do qual brota a criatividade, a satisfação.

Krishnamurti — Pense nisso

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sobre o cultivo da memória

Ensinaram-nos desde a infância a cultivar a memória. A memória é essencial, num determinado nível da existência; entretanto, a memória não nos fornece a verdadeira solução de nenhum problema; ela é tão somente capaz de traduzir o problema em conformidade com sua própria condição, sua própria experiência.(...) Nessas condições, nunca receberão a experiência com a mente não condicionada; e a mente condicionada, ao criar um padrão, uma norma de ação, cria mais problemas, maiores sofrimentos e desgraças.

(...) A vida é um processo de imitação. A própria linguagem que estou usando é resultado da imitação, de cultivo da memória e do conhecimento. O adquirir informações é um processo de imitação.(...) Reconheço que a memória, a experiência, o saber são coisas essenciais em certos níveis de nossa existência; porque, se eu não soubesse fazer uso da linguagem, não teria possibilidade de comunicar-me com ninguém.

(...) Temos aqui um problema dificílimo; a mente está cultivando a memória há séculos e séculos, e ela é o único instrumento de que dispomos. E desse instrumento temos feito uso para resolver nossos problemas. Endeusamos o intelecto (não se entenda, todavia, que devemos nos tornar sentimentais, ou devotos, ou desordenados). É muito difícil enxergar as limitações da mente. Dificílimo perceber que os nossos problemas não podem ter solução por intermédio da mente, por intermédio do "processo" do pensamento, uma vez que o pensamento é sempre condicionado. Não há liberdade de pensamento, visto que o pensamento, que é memória, que é o resultado de várias experiências passadas, é condicionado, limitado; e esse pensamento, quando aplicado a resolver os nossos problemas, só pode aumentá-los e acrescentar-lhes novos problemas. Posso perceber a verdade a respeito do pensamento condicionado e deixar que ocorra uma revolução no nível inconsciente? Porque, no nível inconsciente, não há limitação, não há ajustamento, uma vez que, lá, a mente não interfere, buscando resultado; lá, a mente não se esforça, não recalca, não procura tornar-se alguma coisa; lá, ela está apenas presente. A mente pode compreender o que é a Verdade. A Verdade não é processo de análise, nem a simples observação do conhecimento. Mas a verdade só pode ser compreendida no nível inconsciente, com a mente muito tranquila, não interferindo, não traduzindo. Se percebemos isso fundamentalmente, veremos que há, aí, uma transformação radical da nossa maneira de pensar. Entretanto, como disse, a mente foi exercitada para interferir, para buscar sempre, ativamente, um resultado. É só no nível inconsciente que se pode encontrar o Amor. E só o Amor é capaz de efetuar uma revolução.

(...) Ora, sem dúvida o percebimento da Verdade não depende de nenhuma crença; pelo contrário, as crenças atuam como obstáculos ao percebimento da Verdade. Um homem que crê, que está preso ao dogma, não conhecerá nunca o Real. Jamais conhecerá aquele estado de êxtase do amor. O dogma, a crença, e a experiência são-lhe empecilhos; porque a experiência nada mais é do que conservação da memória. Um homem bem "adubado" de memória, experiência, saber, nunca descobrirá Deus; tão pouco o homem que professa continuamente a sua crença em Deus, é capaz de encontrar a Realidade. A Realidade não se manifesta senão quando a mente está tranquila, quando não é compelida, coagida, disciplinada. Quando a mente está tranquila, há, então, no nível inconsciente, revolução.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A fuga pelo intelecto e pelo misticismo

Senhor, quando a vida se afigura muito difícil, quando os problemas crescem, costumamos fugir pelo caminho do intelecto ou pelo caminho do misticismo. Conhecemos a fuga intelectual: racionalização, mais e mais planos engenhosos, técnica e mais técnica, mais e mais reações econômicas à vida, todas muito sutis e intelectuais. E há a fuga através do misticismo, dos livros sagrados, da adoração de uma ideia estabelecida, ideia essa constituída de uma imagem, um símbolo, uma entidade superior, etc. — e pensamos que essa fuga não é inspirada pela mente. Ora, tanto o intelectual como o místico são produtos da mente. A um chamamos intelectual, e ao outro desprezamos, porque a moda agora é desprezar o místico, afastá-lo com o pé; mas todos os dois funcionam pela ação da mente. O intelectual pode ter a capacidade de falar, de expressar-se com mais clareza, mas também ele se recolhe nas suas ideias e ali vive muito tranquilo, indiferente à sociedade, acalentando suas ilusões, nascidas da mente; nessas condições, não vejo nenhuma diferença entre os dois. Tanto um como o outro estão seguindo ilusões da mente, e nem o letrado nem o iletrado, nem o místico, o yogi, que foge, que se retrai do mundo, nem o comissário — nenhum deles pode dar-nos a solução. Somos nós, vocês e eu, a gente comum, que temos de resolver este problema, sem sermos intelectuais nem místicos, sem escaparmos pela racionalização nem por meio de termos vagos e de hipnose por palavras e métodos que são autoprojeções nossas. O que vocês são o mundo é, e se não compreendem a vocês mesmos, o que criarem aumentará sempre a confusão e o sofrimento; mas a compreensão de vocês mesmos está justamente na ação das relações. Ação é relação na qual compreendem a si mesmos, na qual se veem claramente; mas se esperam pela perfeição ou pela compreensão de si mesmos, essa espera equivale a morrer. A maior parte de nós estivemos ativos, e essa atividade deixou-nos vazios, estéreis; e, sendo mordidos, detemo-nos e interrompemos a ação dizendo: “Não quero agir enquanto não compreender”. Esperar, para compreender, é um processo de morte; mas se compreendem inteiramente o problema da ação, do viver minuto por minuto, o que não exige espera, então a compreensão está naquilo que fazem, está na própria ação, e não separada do viver. Viver é ação, viver é relação, e porque não compreendemos as relações, porque evitamos as relações, ficamos na rede das palavras; e as palavras nos mesmerizam de tal sorte que a nossa ação sempre conduz a um caos e a um sofrimento maiores ainda.

(...) Senhor, compreende quais são os valores que estou advogando? Estarei advogando alguma coisa — pelo menos para aqueles poucos que me têm ouvido com sinceras intenções? Não estou lhes dando uma nova coleção de valores para substituir os valões antigos, não estou oferecendo-lhes nenhum substituo; o que digo é que devem olhar para as coisas que possuem nas mãos, que devem examiná-las, investigar a sua verdade, e os valores que então estabelecerem criarão uma nova sociedade. Não cabe a outro qualquer traçar um plano, para o seguirem cegamente, sem saber porque e nem para que, mas é a vocês mesmos que cabe descobrir o valor, a verdade de cada problema. O que estou dizendo é muito claro e muito simples, se o quiserem compreender. A sociedade é o próprio produto de vocês, ela é a “projeção” de vocês. O problema do mundo é o problema de vocês, e para compreenderem esse problema, precisam compreender a si mesmos; e só podem se compreender nas relações, e não nas fugas. Porque para vocês, religião e saber representam meios de fuga, não tem vitalidade, não tem significação. Não querem alterar fundamentalmente as suas relações com os outros, porque fazê-lo significa incômodo, significa perturbação, revolução; por isso ficam falando a respeito do intelectual, do místico, e todos os demais absurdos desse gênero. Senhor, uma nova sociedade, uma nova ordem, não pode ser estabelecida por outras pessoas; ela tem de ser estabelecida por você mesmo. Uma revolução baseada numa ideia, não é revolução, absolutamente. A verdadeira revolução vem de dentro, e essa revolução não pode ser realizada pela fuga, só vem quando compreende as suas atividades diárias, sua maneira de proceder, de pensar, de falar, sua atitude para com o próximo, para com a sua esposa, seu marido, seus filhos. Se não compreende a si mesmo, pode fazer o que quiser, fugir para o mais longe possível, mas só produzirá mais sofrimento, mais guerras, mais destruição.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?  

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Acreditar em Deus não é achar Deus

Pergunta: Por que o espírito humano se apega tão tenazmente à ideia de Deus, por várias maneiras diferentes? Você pode negar que a crença em Deus não trouxe consolo e uma razão de ser a inúmeras criaturas que se achavam sós e desoladas? Por que você quer roubar do homem esse consolo, pregando uma nova espécie de niilismo?

Krishnamurti: (...) A crença é a negação da verdade, a crença é um obstáculo à verdade; crer em Deus não é achar Deus. Nem o crente nem o descrente encontrarão a Deus; porque a realidade é o desconhecido, e a vossa crença ou descrença no desconhecido não passa de auto-projeção e, portanto, não é real. Se me permitem sugeri-los, não resistam, examinemos a questão juntos. Sei que acreditam e sei que isso muito pouco significa na vida de vocês. Há muito que acreditam, há milhões que acreditam em Deus e encontram um consolo nisso. Antes de tudo, por que acreditam? Acreditam, porque isso lhes dá satisfação, consolo, esperança, e dá sentido à vida de vocês, segundo dizem. Mas, em verdade, a crença de vocês tem pouquíssima significação, porque vocês acreditam e exploram, acreditam e matam, acreditam num Deus universal e assassinam uns aos outros. O rico também acredita em Deus; explora impiedosamente, acumula dinheiro, depois manda construir um templo ou se torna filantropo. Isso é acreditar em Deus? E o homem que lança uma bomba atômica diz que Deus o acompanha, no seu avião (risos). Não riam, senhores. A vez de vocês está chegando.  O homem que planeja o assassínio em vasta escala invoca a Deus; o homem que é cruel para sua esposa, seus filhos, seu vizinho, também esse canta, senta-se ajoelha-se, junta as mãos e invoca o nome de Deus.

Todos vocês acreditam, de maneiras diferentes, mas a crença de vocês não tem realidade alguma. A realidade é o que são, o que fazem, o que pensam, e a crença de vocês em Deus é mera fuga da vida monótona, estúpida e cruel de vocês. Além disso, a crença invariavelmente separa as pessoas: há o parsi, o hinduísta, o budista, o cristão, o comunista, o socialista, o capitalista, etc. A crença, a ideia, separam, nunca unem os homens. A crença pode reunir um determinado grupo de pessoas num grupo, mas este grupo está oposto a outro grupo. Assim, as ideias e as crenças nunca são unificadoras; pelo contrário, são separatistas, desintegrantes, destrutivas. A crença em Deus de vocês está, com efeito, semeando desgraça no mundo; ainda que tenha lhes proporcionado algum consolo momentâneo, ela, na realidade, lhes tem proporcionado mais infelicidade e destruição, sob a forma de guerras, fome, divisões de classes, e a atividade desumana de determinados indivíduos. A crença de vocês, portanto, não tem validade, em absoluto. Se de fato acreditassem em Deus, se fosse isso uma “experiência” real para vocês, não estaríamos destruindo seres humanos. Não estou fazendo retórica; tenham a bondade de olhar os fatos.

Vocês não acreditam realmente em deus, porque se acreditassem não seriam ricos, não teriam templos, não teriam pobres, não seriam um filantropo, com um título pomposo, depois de explorar os semelhantes de vocês. A crença em Deus de vocês, portanto, é sem valor; e ainda que lhes dê algum consolo temporário, ainda que lhes compense e lhes esconda da aflição de vocês, lhes proporcione um respeitável meio de fuga, reconhecido pela humanidade como santificante, ela não tem validade, não tem significação de espécie alguma. O que tem significação é a vida de vocês, a maneira como vivem, a maneira como tratam o criado de vocês, a maneira como olham para outro ser humano.

Assim, o que prego não é a negação. O que digo é que semeiam o sofrimento, apegando-se a ilusões que lhes ajudam a se eximirem de olhar as coisas como elas são. Olhar um fato de frente é ficar livre do fato, e a crença é um obstáculo ao percebimento do que é. Afinal de contas, a crença de vocês é resultado do condicionamento de vocês. Podem ser condicionados para crerem em Deus, e outro homem pode ser condicionado para não crer, para negar a existência de Deus. Portanto, a crença impede o conhecimento do que é; e perceber a verdade deste fato é estar livre da crença. Só então pode a mente investigar e descobrir se existe essa coisa que se chama Deus.

Agora, que é a realidade, que é Deus? Deus não é a palavra, a palavra não é a coisa. Para conhecer aquilo que é imensurável, que não é do tempo, a mente deve estar livre do tempo, o que significa que deve estar livre de todo pensamento, de todas as ideias relativas a Deus. O que vocês sabem de Deus ou da verdade? Não sabem, realmente, nada a respeito daquela realidade. Só conhecem palavras, experiências alheias, ou alguns momentos de experiências, um tanto vagas, de vocês mesmos. Isso, por certo, não é Deus, não é a realidade, não está fora dos domínios do tempo.

(...) Deus não é coisa da mente, não se manifesta por meio de autoprojeções: só vem quando há virtude, que é liberdade. Virtude é ver diretamente o fato como ele é, e o vero fato é um estado de suprema felicidade. Só quando a mente transborda de felicidade, quando está tranquila, sem nenhum movimento próprio, sem nenhuma projeção de pensamento, consciente ou inconsciente — só então desposta na existência o eterno.


Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?   

domingo, 25 de agosto de 2013

O crente, o cético e o conhecimento

Um indivíduo cético, sério e sincero está em melhores condições do que um crente fanático; refiro-me àquela espécie de crente que não tem senso para ver que todas as religiões são para a humanidade e não a humanidade para as religiões. Tal crente considera suas crenças, não de uma forma despreocupada e conjectural, como algo que possa ser refutado pela real experiência da Verdade — para a qual tais crenças são apenas um meio — mas como a própria e autêntica Verdade. O chamado cético não é assim tão cético se admite que haja algo verdadeiro e que somente esse algo é importante. Pode-se dizer que aquele que é devoto da Verdade é o melhor de todos os devotos. Nenhum crente merece consideração, se não consegue perceber que a Verdade é tudo em tudo, e que as crenças devem ser consideradas sagradas em proveito da própria Verdade, e não em detrimento. Tal crente está em situação pior do que a do cético sério e honesto, porque, em primeiro lugar, é improvável que absorva as indagações formuladas nestes capítulos. Em segundo lugar, se procurar um Sábio vivo e pedir orientação, é provável que interprete mal o que o Sábio lhe diga; pois acontece que, via de regra, os Sábios não ministram da mesma forma a todos os conhecimentos que trazem dentro de si. Escondem as verdades mais profundas daqueles cujas mentes não estão receptivas e aptas, pois uma verdade mal compreendida é mais fatal do que a simples ignorância. Por conseguinte, quem desejar ser totalmente instruído por um Sábio deve estar preparado para colocar de lado as suas próprias crenças. Não deve ficar fanaticamente apegado a qualquer convicção. O discípulo de mente livre de preconceitos, que tem pouco ou nenhum conhecimento livresco, acha-se em melhor condição do que os letrados cujas mentes estão escravizadas por suas crenças.

(...) a investigação do mundo exterior a nada nos poderá levar, exceto à ignorância. Quando procuramos conhecer alguma coisa que não seja a nós mesmos, sem procurarmos conhecer a verdade de nós mesmos, o conhecimento que obtemos provavelmente não pode ser exato.

(...) quem desejar saber a Verdade seja do que for, deve primeiro conhecer-se a si mesmo e com perfeição. Quer dizer que aquele que não se conhece, parte de um erro inicial, o qual deturpa todo o conhecimento resultante de suas investigações. Quem se conhece a si mesmo, no entanto, está livre de tal erro, e somente ele é capaz de encontrar a Verdade do mundo ou do mundo das coisas.

(...) Nos conhecemos? Pensamos que sim. O homem vulgar afirma com convicção que se conhece a si mesmo da forma adequada; e pode ser-lhe impossível chegar a entender que não se conhece, mesmo que o escute de um Sábio. É necessário termos a mente muito adiantada e grandemente purificada para percebermos e reconhecermos que não nos conhecemos a nós mesmos — que as ideias sobre nós mesmos, acalentadas durante tanto tempo, estão erradas. Os Sábios nos dizem que as nossas ideias sobre nós mesmos são um misto de verdade e de erro.

(...) Dizem-nos os Sábios que deixaremos de identificar-nos com o nosso corpo — e assim nos libertaremos de uma vez por todas dos sofrimentos que surgem por intermédio dele — apenas quando alcançarmos a experiência direta do Ser Real. Assim como agora temos experiência direta do corpo, devemos ter experiência direta desse Ser como ele realmente é. Essa ignorância, que nos leva a identificar-nos com o corpo, é um hábito mental arraigado, engendrado na mente durante longo tempo de ações e pensamentos errôneos. Deles surgiram os vários apegos às coisas. Tais hábitos mentais formam a estrutura da mente; e a simples introdução de um pensamento contrário — que é muito fraco, igual a um recém-nascido — fará pouca diferença. A mente fluirá pelos mesmos canais habituais. Continuará sujeita às mesmas atrações e repulsões. E isso acontecerá porque enquanto é possível ao filósofo livresco sentir às vezes que ele não é seu corpo, não pode, com a mesma facilidade, chegar a sentir que não é sua mente. E esta dupla ignorância só terá fim quando conhecermos o Ser — não teórica mas praticamente, isto e, pela experiência real do Ser.

(...) Até surgir essa compreensão, não se pode dizer que o filósofo tenha se descartado de sua ignorância. Ela sobrevive com todo vigor. Seu conhecimento filosófico não faz qualquer diferença em seu caráter. De fato, como assinala o Sábio, o filósofo livresco está até mesmo em piores condições do que os outros homens. Seu coração é assediado por novos apegos — dos quais o iletrado está livre — que não lhe dão tempo para dedicar-se à tarefa de descobrir o Ser Real. Muitas vezes não têm nem mesmo consciência da premente necessidade de se prepararem para tal empreita, harmonizando o conteúdo de sua mente e dirigindo suas energias para o Ser, e não para o mundo. Infere-se daí que, quem conhece o Ser apenas por intermédio de livros, não o conhece mais do que a gente simples. Por essa razão o Sábio compara o filósofo livresco ao gramofone. Não é melhor do que ninguém pela sua erudição, assim como o gramofone não é melhor pelas boas coisas que repete.

(...) Os livros, devemos lembrar, não passam de sinais indicadores na estrada da sabedoria, que nos liberta; logo, essa sabedoria não pode ser encontrada nos livros. O Ser que precisamos conhecer está no INTERIOR e não no exterior. Caso a sabedoria desperte, nessa oportunidade, o Ser, refulgindo em todo o seu esplendor, mostrar-se-á diretamente, sem qualquer agente intermediário. O estudo dos livros porém engendra a ideia de que o Ser é algo externo, que se precise conhecer como um objeto, por intermédio da mente.

(...) Compreendemos, assim, que todos os nossos sofrimentos são devidos à nossa ignorância sobre o Ser Real. Devemos vencê-la se quisermos gozar a verdadeira felicidade, pois a remoção da causa é a única forma de cura radical que existe. O mais é tratamento paliativo, que pode até mesmo, no final de contas, ser maléfico, agravando, na verdade, a doença. E só poderemos ficar livres dessa ignorância, por meio da experiência com o Ser.

(...) Não é empresa fácil, pois o instrumento a ser usado nesse trabalho é a mente. Ela tem que se desligar de tudo o mais e dirigir-se para o Ser Real. Mas a mente não se desliga facilmente de suas preocupações costumeiras. Se for forçada a isso, não se concentra, e logo volta ao ponto de partida. Assim é porque está cheia de ideias que são frutos da ignorância; e tais ideias rebelam-se para defender a vida de sua geratriz, a ignorância, porque a vida desta é também delas. Temos, portanto, de liquidar todas essas ideias.

(...) Por serem causadas pela ignorância primordial, provavelmente tais ideias são falsas. E é lógico que o conhecimento falso é o inimigo do despertar da Verdade. Portanto, é necessário que examinemos essas ideias e as rejeitemos, se julgadas incorretas; ou mesmo apenas duvidosas. Somente assim estaremos seguros contra sublevações traiçoeiras, ao empreendermos a busca do Ser Real.

Nessa análise, devemos guiar-nos pela absoluta devoção à Verdade. O Gita nos diz: "Aquele que ama a Verdade e submete todo o seu ser ao amor da Verdade, A encontrará". Essa condição é muito importante. É claro que não pode haver amor parcial pela Verdade. Um amor à Verdade sendo limitado implica amor também pela inverdade, em maior ou menor grau. O amor perfeito pela Verdade significa uma total boa-vontade para renunciar a tudo que se julgue ser falso, em decorrência de uma análise justa. Implica, também, a capacidade de submeter a exame completo e imparcial todas as crenças que temos agora quanto ao mundo, à alma e a Deus. O amante da Verdade caracteriza-se por não ter maior apego as suas crenças do que às crenças alheias. Conserva-as a título de hipóteses e pode calmamente refletir sobre a possibilidade de achar que são insustentáveis e dignas de renúncia. É a isenção de apego às suas próprias crenças que lhe permite fazer uma análise imparcial de sua validade. E, se em decorrência dessa análise, julgar que não são válidas, não somente renuncia a elas, como também fica sempre alerta contra a possibilidade de que voltem, até que venham a perder a influência sobre ele. Por conseguinte, devemos cuidar para que sejamos devotos somente da Verdade, e livres de erros. E em prol da Verdade, renunciar ao amor que devotamos às nossas crenças, de modo que a Verdade possa reinar suprema em nossos corações quando a tivermos encontrado.

O que se conhece como filosofia é apenas este exame imparcial de todas as nossas ideias — do conteúdo inteiro de nossa mente. Somente isso é verdadeira filosofia. Tudo o mais não passa de pseudofilosofia. E podemos afirmar com segurança que pseudofilósofos são aquele que, ou não compreenderam o fato de que ignoram o Ser, ou estão completamente satisfeitos de permanecerem sujeitos a tal ignorância.

Consideraremos agora como nos certificaremos de que, em nosso filosofar, evitaremos os engodos que se emboscam em nosso caminho, e de que chegaremos a ideias que não serão adversárias da nossa Busca do Ser Real.

(...) Quem quiser filosofar direto deve evitar os erros de tais filósofos. Deve escolher as provas que sejam adequadas. Deve procurar e encontrar evidências oriundas de experiência, experiência que NÃO seja fruto da ignorância.

Provas válidas, portanto, NÃO se originam da experiência de homens ignorantes, mas sim da experiência dos Sábios, que estão totalmente livres da ignorância. Somente com base na experiência deles podemos construir uma filosofia que atenuaria a influência que a ignorância exerce atualmente sobre nós, tornando, assim, possível que encetemos a nossa Busca, levando-a até o fim, para que possamos, por nossa vez, adquirir experiência similar.

WHO  

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Alcançando o verdadeiro estado religioso

Conhecendo todo o conteúdo da mente — suas negações, suas resistências, suas atividades disciplinares, seus vários esforços por segurança, tudo o que condiciona e limita seu pensar — pode a mente, como um processo integrado, estar totalmente livre para descobrir o que é eterno? Porque, sem esse descobrimento, sem essa experiência dessa realidade, todos os nossos problemas com suas soluções só conduzirão a mais desastres e misérias. Isso é óbvio, vocês podem constatá-lo na vida cotidiana. Individualmente, politicamente, internacionalmente, em cada atividade, estamos criando mais e mais problemas, que são inevitáveis enquanto não tenhamos alcançado esse estado religioso que só é atingível quando a mente se encontra totalmente livre.

Após ouvirem isto, vocês podem, mesmo que por um só momento, conhecer essa liberdade? Não podem, pelo simples fato de que eu a estou sugerindo, o que então seria apenas uma ideia, uma opinião sem qualquer sentido. Mas se vocês me acompanharam seriamente, estão começando a se conscientizar do processo de seus próprios pensamentos, de suas tendências, de seus propósitos, de seus motivos e, estando conscientes, estão sujeitos a chegar a um estado no qual a mente não estará mais buscando, escolhendo, lutando por alcançar. Tendo percebido seu próprio processo total, a mente se torna extraordinariamente quieta, sem qualquer tendência, sem qualquer volição, sem qualquer ato de vontade. Vontade é ainda desejo, não é? O homem que é ambicioso, na acepção mundana, tem um forte desejo de vencer, de ser bem-sucedido, de ficar famoso e exercita a vontade para sua própria auto-importância. Da mesma forma, nós exercitamos a vontade para desenvolver a virtude, para alcançar o assim chamado estado espiritual. Mas eu estou falando de uma coisa completamente diferente, destituída totalmente de qualquer desejo, de qualquer ação voltada a uma fuga, de qualquer compulsão a ser isto ou aquilo.

Ao analisar o que estou dizendo, vocês estão exercitando a razão, não estão? Mas a razão só pode levar até aí e não além. Precisamos, obviamente, exercitar a razão, a capacidade de refletir completamente a respeito das coisas e não parar pela metade. Mas quando a razão tiver atingido os seus limites e não puder ir além, então a mente deixará de ser um instrumento da razão, da astúcia, de cálculo, de ataque e defesa porque o próprio centro de onde emana todos os nossos pensamentos, todos os nossos conflitos, terá chegado ao fim.

Desse modo, agora que vocês escutaram o que eu disse, sem dúvida estão começando a estar conscientes de si mesmos, a cada momento, durante o dia, em suas várias atividades. A mente está começando a conhecer a si mesma, com todos os seus desvios, suas resistências, suas crenças, suas buscas, suas ambições, seus temores, suas ânsias de realização. Estando consciente de tudo isso, não é possível á mente, mesmo que por um só instante, estar absolutamente quieta, conhecer um silêncio no qual existe liberdade? E quando existe essa liberdade do silêncio, não é a mente, em si, eterna?

Para experimentar o não-conhecido, a própria mente precisa ser o não-conhecido. A mente, até agora, é o resultado do conhecido. Que é você senão o acúmulo do conhecido, de todos os seus problemas, de suas vaidades, de suas ambições, de suas dores, de suas realizações e de suas frustrações? Tudo isso é o conhecido, o conhecido no tempo e no espaço, e enquanto a mente estiver trabalhando dentro do âmbito do tempo, do conhecido nunca poderá ser o não conhecido, só poderá continuar experimentando aquilo que conheceu. Por favor, isso não é algo complicado ou misterioso. Estou descrevendo fatos óbvios de nossa existência diária. Sob o peso do conhecido, a mente anseia descobrir o não-conhecido. Como pode ela? Todos falamos de Deus — em toda religião, em todos os templos e igrejas essa palavra é usada para, mas sempre dentro da imagem do conhecido. Somente poucos, os muito poucos que abandonam todas as igrejas, templos e livros, vão além e descobrem.

No momento, a mente é o resultado do tempo, do conhecido, e quando essa mente se decide a descobrir, só pode descobrir o que já experimentou, o que é o conhecido. Para descobrir o desconhecido, a mente tem que libertar-se completamente do conhecido, do passado, não através de uma análise lenta, não exumando pouco a pouco o passado, interpretando cada sonho, estudando cada reação, mas vendo a verdade de tudo isso completamente, instantaneamente, enquanto vocês estão aí sentados. Enquanto a mente for resultado do tempo, do conhecido, nunca poderá descobrir o não-conhecido, que é Deus, realidade, ou o nome que vocês lhe deem. Ver a verdade disso liberta a mente do passado. Não traduzam imediatamente libertação do passado por não saberem o caminho de casa. Isso é amnésia. Não reduzam as coisas a um pensamento infantil. Mas a mente se torna livre a partir do momento que reconhece a verdade de que ela não pode descobrir o real — esse extraordinário estado do não-conhecido — quando está arcada sobre o peso do conhecido. Conhecimento, experiência são o “eu”, o ego, a personalidade que acumulou, que reuniu; portanto, todo conhecimento precisa ser sustado, toda experiência posta de lado. E quando existe o silêncio da liberdade, não é a própria mente o eterno? Está ela, então, experimentando algo totalmente novo, que é o real; mas para experimentar o real, a mente precisa ser o real. Por favor não digam que a mente é a realidade. Não é. A mente só pode experimentar a realidade quando estiver totalmente livre do tempo.

Todo esse processo de descoberta é religião. Certamente que religião não é aquilo que vocês acreditam ser. Não tem nada a ver com o fato de vocês serem cristãos ou budistas, maometanos ou hindus. Essas coisas não têm importância; elas constituem um obstáculo e a mente que vai descobrir precisa estar completamente despida de tudo isso. Para ser nova, a mente precisa estar sozinha. Para que a eterna criação se concretize, a própria mente precisa estar nesse estado para recebe-la. Mas, enquanto ela estiver cheia de trabalhos e de lutas, enquanto estiver sobrecarregada de conhecimentos e complicada por meio de bloqueios psicológicos, a mente nunca estará livre para receber, entender, descobrir.

A pessoa verdadeiramente religiosa não é a que está mergulhada em crenças, dogmas, rituais. Ela não tem crenças; está vivendo de momento a momento, nunca acumulando nenhuma experiência e, portanto, é ele o único ser revolucionário. A verdade não é uma continuidade do tempo; ela precisa ser descoberta de novo, a cada momento. A mente que reúne, que amealha, que valoriza qualquer experiência não tem condições de viver cada momento descobrindo o que é novo.

Aqueles que estão realmente interessados, que não são amadores, que não estão apenas se divertindo com tudo isso, têm uma extraordinária importância na vida porque se tornarão uma luz para si mesmos e, talvez, para os outros. Falar de Deus sem experimentação, sem possuir a mente totalmente livre e, através disso, aberta para o não-conhecido, tem muito pouco valor. É como pessoas adultas que se divertem com brinquedos; e quando estamos nos divertindo com brinquedos; e quando estamos nos divertindo com brinquedos, chamando isso de “religião”, geramos maior confusão, mais miséria.

Somente quando entendemos nosso processo de pensar, quando não estamos mais perturbados em nossos próprios pensamentos é que é possível à mente estar quieta. E só então o eterno se concretiza.


Jiddu Krishnamurti — Ojai, 5 de julho de 1953

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill