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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Por que você quer se esquecer de si mesmo?

Por que você quer se esquecer de si mesmo? Por que você anda tão aborrecido consigo mesmo? Por que você não pode viver consigo mesmo? Por que você não pode ficar alerta e à vontade? Qual é o problema? O problema é que sempre que você está alerta sozinho, você se sente vazio — você sente como se não fosse ninguém. Você sente um nada internamente e esse nada se torna um abismo. Você se assusta e começa a fugir dele. 

Bem lá no fundo de você, você é um abismo, e é por isso que você continua fugindo. Buda chamou esse abismo de não-eu, anatta. Não há ninguém do lado de dentro. Quando você olha, é uma vasta expansão, mas não há ninguém lá — simplesmente o céu interior, um abismo infinito, sem fim, sem começo. No momento em que você olha, tem uma tontura, começa a correr, você foge imediatamente. Mas para onde você pode fugir? Aonde quer que você vá, esse vazio estará com você, porque ele é você. É o seu Tao, a sua natureza. A pessoa tem de chegar a um acordo com isso. 

Meditação nada mais é do que chegar a um acordo com seu vazio interior; reconhecê-lo, não escapar; viver através dele, não fugir; ser através dele, não fugir. Então, subitamente, o vazio torna-se a plenitude da vida. Quando você não foge dele, ele torna-se a coisa mais linda, a mais pura, porque somente o vazio pode ser puro. Se alguma coisa está presente, a sujeira entrou; se há alguma coisa ali, então, a morte entrou; se há alguma coisa ali, então a limitação entrou. Se há alguma coisa ali, então, Deus não pode estar lá. Deus significa o grande abismo, e supremo abismo. Ele está ali, mas você nunca é treinado para olhar para dentro dele. 

É exatamente como quando você vai às montanhas e olhe para dentro do vale: você fica tonto. Então, você não quer olhar porque um medo o invade — você pode cair. Mas nenhuma montanha é tão alta e nenhum vale é tão profundo como o vale que existe dentro de você. E quando quer que você olhe dentro de si, você sente uma tontura, uma náusea — você imediatamente foge, fecha os olhos e começa a correr. Você tem corrido por milhões de vidas, mas não chegou a lugar nenhum, porque não pode. 

A pessoa tem de chegar a termos com o vazio interior. E uma vez que você chega a termos com ele, subitamente, o vazio muda sua natureza — torna-se o todo. Então, ele não é o vazio, não é negativo: ele é a coisa mais positiva da existência. Mas a aceitação é a porta.

OSHO

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Se alguém é infeliz e deseja ser feliz, isso é ambição?

Pergunta: Se alguém é infeliz e deseja ser feliz, isso é ambição?

Krishnamurti: Quando você está sofrendo, deseja ficar livre do sofrimento. Isso não é ambição, é? Isso é o instinto natural de todas as pessoas. É instinto natural de todos nós o não ter medo, o não ter dor física ou emocional. Mas nossa vida é tal que estamos constantemente experimentando dor. Eu como algo que não me faz bem e tenho dor de barriga. Alguém me diz alguma coisa e senti-me ferido. Sou impedido de fazer alguma coisa que desejo fazer e sinto-me frustrado, angustiado. Sou infeliz porque meu pai, ou meu filho, está morto, e assim por diante. A vida está constantemente influindo sobre mim, quer eu goste quer não goste, e sempre estou sendo ferido, decepcionado, tendo reações dolorosas. Assim sendo, o que tenho de fazer é compreender todo esse processo. Mas, veja você, a maioria de nós foge disso.

Quando você sofre no íntimo, psicologicamente, o que é que faz? Busca alguém para consolá-lo; lê um livro ou liga o rádio ou vai fazer puja. Isso tudo são indicações de que se está fugindo do sofrimento. Se você foge de algo, obviamente não o compreende. Mas se olhar para seu sofrimento, se o observar de momento a momento, você começará a compreender o problema nele envolvido, e isto não é ambição. A ambição aparece quando você foge de seu sofrimento, ou quando se apega a ele, ou quando o combate, ou quando gradualmente constrói teorias e esperanças em torno dele. No momento em que foge do sofrimento, o alvo para o qual você corre torna-se muito importante, porque você se identifica com ele. Você se identifica com seus país, com sua posição, com seu Deus, e isto é uma forma de ambição.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Toda forma de fuga do sofrimento torna a mente mais embotada

Quase todos estamos às voltas com o sofrimento. Sofremos de uma ou de outra maneira, física, intelectual, ou interiormente. Somos torturados e nos torturamos a nós mesmos. Conhecemos o desespero, e a esperança, e o medo sob todos os aspectos; e nesse vórtice de conflito e contradições, preenchimentos e frustrações, ciúmes e ódio, debate-se a mente. Aprisionada que está, sofre, e todos sabemos que sofrimentos são estes: o sofrimento ocasionado pela morte, o sofrimento da mente sensível , o sofrimento da mente muito racional e intelectual, que conhece o desespero, porque reduziu tudo a pedaços e nada mais lhe resta. A mente sofredora faz nascer várias filosofias do desespero; busca refúgio através de numerosas vias de esperança, conflito, conforto, através do patriotismo, da política, das argumentações verbais, das opiniões. E para a mente sofredora sempre existe uma igreja, uma religião organizada pronta a acolhê-la e torná-la mais embotada ainda, com suas promessas de consolo.

Conhecemos tudo isso; e quanto mais refletimos , tanto mais intensa a mente se torna e nenhuma saída se encontra. Fisicamente, é possível fazer algo contra o sofrimento, tomar uma pílula, procurar o médico, alimentar-se melhor, mas aparentemente nenhuma saída existe senão pela fuga. Mas a fuga torna a mente muito embotada. Ela poderá ser penetrante em seus argumentos, em suas defesas; mas a mente em fuga está sempre temerosa, porque precisa proteger a coisa em que se refugiou, e, evidentemente, tudo aquilo que protegemos, que possuímos, faz nascer o medo. 

E, assim, o sofrimento continua; conscientemente, talvez, possamos afastá-lo, mas interiormente ele continua existente, corrompendo, putrefazendo. Mas podemos ficar livre dele, totalmente, completamente? Esta me parece a pergunta correta que se deve fazer; porque, se perguntamos "Como ficar livre do sofrimento?", então, o "como" cria o "padrão" do que se deve ou não se deve fazer. e isso significa seguir por uma via de fuga, em vez de enfrentar o problema, a causa-efeito do próprio sofrimento. Assim, antes de começarmos a discutir, gostaria de investigar esta questão. 

O sofrimento perverte e deforma a mente. O sofrimento não é o caminho da Verdade, da Realidade, de Deus (ou como quiserdes chamá-lo). Temos tentado enobrecê-lo, dizendo-o inevitável, necessário, alegando que traz compreensão, etc. Mas a verdade é que, quanto mais intensamente uma pessoa sofre, tanto mais ansiosa se torna de fugir, de criar ilusão, de encontrar uma saída. Parece-me, pois, que a mente são, saudável, deve compreender o sofrimento e ficar completamente livre dele. E isso é possível? 

Ora, como compreender por inteiro o sofrimento? Não estamos tratando de uma única qualidade de sofrimento por que acaso estejam passando ou esteja passando; existem, como sabem, muitas variedades de sofrimento. Mas estamos falando sobre o penar em geral, estamos falando da totalidade da coisa; e como compreender ou sentir o todo? Espero que esteja me fazendo claro. Através da parte nunca é possível sentir o todo; mas, se se compreende o todo, a parte pode então ajustar-se nele e tornar-se, assim, significativa. 

Ora, como se sente o todo? Entendem o que quero dizer? Sentir, não apenas como inglês, mas sentir  a totalidade da humanidade; sentir não apenas a beleza das paisagens da Inglaterra, que são realmente belas, porém a beleza de toda a Terra; sentir o amor total — não apenas o amor por minha mulher e meus filhos, mas o sentimento total de amor; conhecer o sentimento total da beleza, não da beleza de um quadro pendente na parede, ou de um sorriso num rosto belo, ou de uma flor, de um poema, porém aquele sentimento de beleza que transcende todos os sentidos, todas as palavras, toda expressão. Como sentir assim?

(...) A mente que está em conflito, em batalha, em guerra, interiormente, se torna embotada; não é uma mente sensível. Ora, que é que torna a mente sensível, não apenas para uma ou outra coisa, porém sensível como um todo? Quando ela é sensível não apenas para o belo, mas também para o feio, para tudo? Só o é, por certo, quando não há conflito; isto é, quando a mente está tranquila interiormente e, por conseguinte, é capaz de observar todas as coisas exteriores com todos os seus sentidos. Ora, o que é que gera conflito? E existe conflito não apenas na mente consciente, exterior — a mente que está sumamente cônscia de seus raciocínios, seus conhecimentos, sua proficiência técnica, etc. — mas também a mente interior, inconsciente, a qual provavelmente se acha no "ponto de fervura" a todas as horas. O que é pois, que cria o conflito?



(...) O que cria o conflito é, obviamente, o "puxão" em diferentes direções. O homem que se deixou comprometer completamente com alguma coisa é, em geral, insano, desequilibrado; para ele não há conflito: ele é essa coisa. O homem que crê inteiramente numa dada coisa, sem duvidar, sem interrogar, que se identificou completamente com aquilo que crê — esse homem não tem conflito nem problema. Tal é mais ou menos o estado da mente doente. E a maioria de nós gostaria muito de identificar-se, de "comprometer-se" com alguma coisa de tal maneira que não houvesse mais problema algum. Em geral, por não termos compreendido o processo do conflito, só desejamos evitar o conflito. Mas, como já assinalamos, o evitar só produz mais sofrimento. 

Assim, percebendo tudo isso, faço a mim mesmo e, portanto, também a vocês, esta pergunta: O que cria conflito?



Krishnamurti em, O PASSO DECISIVO

sábado, 22 de março de 2014

O desvio da Reflexão Através da Fuga para a Trivialidade



Quanto mais tempo se vive uma existência divorciada da realidade, como simples animal social, mais difícil se torna redescobrir-se como ser humano. 

Em nosso atual clima psicológico, todo incentivo é dado ao homem para desviar os olhos, desde que tenha captado uma rápida visão do "mim" e não tenha gostado do que viu. Quase todas as nossas atividades sociais e culturais não passam, no fundo, de desvios, em relação à extrema solidão do homem. Mesmo o "trabalho" tornou-se uma arma para vencer o tempo, desviar o "pensamento", gastar as energias e encobrir a área de doloroso auto-reconhecimento. Na raiz disso está, realmente, o grave problema: "Que vou fazer com a minha vida? Como irei empregar o tempo depois de ter realizado todas as minhas tarefas, de me haver cansado de todos os "passatempos"? Contudo, a questão se torna de fato pungente quando a compulsão para "fazer coisas" permanece. E a sociedade — principalmente a sociedade Ocidental — trata de nos ver sempre ocupados; há sempre mais a fazer, mesmo além das atividades essenciais para a aquisição dos meios necessários à obtenção de alimentos, roupas e abrigo. Assim, acontece, invariavelmente, que a finalidade central da existência do homem é posta de lado, ou relegada a especialistas — os teólogos, os filósofos e vários outros intérpretes da sabedoria enlatada. Porém, quanto mais tempo se vive uma existência divorciada da realidade, como simples animal social, mais difícil se torna redescobrir-se como ser humano.  Talvez agora a sociedade, através das novas realidades econômicas, faça menos uso dos indivíduos na qualidade de escravos do trabalho — permitindo-lhes mais horas de lazer (ainda para uma pequena minoria) e isso os leve a circunstâncias que podem tornar-se mais favoráveis ao afastamento da inflexível ronda de atividades externas e a refletir sobre elas, livres de qualquer pressão ou da compulsão inerente aos nossos hábitos de pensamento. 


segunda-feira, 3 de março de 2014

Encare o fato e veja o que acontece

Todos nós tivemos experiências de tremenda solidão, onde livros, religião, tudo passou e ficamos tremendamente, interiormente sós, vazios. A maioria de nós não pode encarar esse vazio, essa solidão, e fugimos dela. A dependência é uma das coisas para onde corremos, dependemos porque nós não conseguimos ficar sós conosco mesmos. Temos que ter o rádio ou livros ou conversa, o tagarelar incessante sobre uma coisa ou outra, sobre arte e cultura. Assim nós chegamos nesse ponto em que sabemos que existe este extraordinário sentido de autoisolamento. Podemos ter um emprego muito bom, trabalhar furiosamente, escrever livros, mas interiormente há este tremendo vácuo. Queremos preencher isso e a dependência é um dos meios. Usamos dependência, diversão, trabalho na igreja, religiões, bebida, mulheres, uma dúzia de coisas para encher, encobrir isto. Se virmos que é absolutamente fútil tentar encobrir isto, completamente fútil, não verbalmente, não com convicção e, portanto, concordância e determinação, mas se virmos o total absurdo disto, então estamos frente a um fato. Não é uma questão de como se livrar da dependência; isso não é um fato; isso é apenas uma reação a um fato. Por que eu não encaro o fato e vejo o que acontece? Agora surge então o problema do observador e do observado. O observador diz, “Eu sou vazio; não gosto disso” e foge disto. O observador diz, “Eu sou diferente do vazio”. Mas o observador é o vazio; não é o vazio visto por um observador. O observador é o observado. Há uma tremenda revolução no pensar, no sentir, quando isso acontece.

J. Krishnamurti, The Book of Life

sábado, 14 de setembro de 2013

A mente em conflito deforma tudo que vê

Vamos falar a respeito da meditação, uma das coisas mais extraordinárias — quando sabemos o que significa ter mente capaz de meditar. Ignorá-lo é ser como um cego, incapaz de ver as cores, como um homem de mente embotada. Se não sabemos o que significa meditar, teremos uma vida muito estreita e limitada, por mais inteligentes e eruditos que sejamos, por melhores que sejam os livros que escrevemos ou os quadros que pintamos. Permanecemos fechados num muito estreito círculo de conhecimento — pois o conhecimento é sempre limitado. Para compreender a questão da meditação, temos de examinar a questão da experiência e também de investigar porque buscamos e o que estamos buscando.

No fundo, a nossa vida é confusão, desordem, aflição, agonia. Quanto mais sensíveis somos, tanto maior o nosso desespero e ansiedade, nosso “sentimento de culpa”; e dessa vida desejamos naturalmente fugir, porque nela não encontramos nenhuma solução; não sabemos de que maneira sair de nossa confusão. Desejamos fugir para um outro mundo, uma outra dimensão. Fugimos por meio da música, da arte, da literatura; mas, trata-se sempre de fuga e a coisa para que fugimos é sem realidade, em comparação com aquilo que estamos buscando. Todas as fugas são iguais, não importa se fugimos pela porta de uma igreja, em busca de Deus ou de um Salvador, ou pela porta da bebida ou de diferentes drogas. Não só temos de compreender o que e  porque estamos buscando, mas também temos de compreender essa necessidade de experiências profundas e duradouras, porque só a mente que nada busca, que não exige experiências de nenhuma forma, poderá ingressar numa esfera ou dimensão inteiramente nova. É o que vamos fazer nesta tarde; assim espero.

Nossa vida em si mesma, é superficial, insuficiente, e desejamos uma outra coisa, uma experiência mais sublime, mais profunda. Também, vivemos num inaudito isolamento. Todas as nossas atividades e pensamentos e maneiras de comportar-nos levam-nos a esse isolamento, a essa solidão a que desejamos fugir. Se não compreendermos esse isolamento, não intelectual, verbal ou racionalmente, porém entrando diretamente em contato com o que estamos realmente buscando, entrando em contato com o estado de solidão; se não compreendermos e dissolvermos, completamente, aquele isolamento, toda meditação, toda busca, toda atividade espiritual ou religiosa (assim chamada) será inteiramente fútil, porquanto representará uma fuga ao que somos. É o mesmo que uma mente superficial, embotada, mesquinha, pensar em Deus. Se existe essa coisa em que ela pensa, aquela mente e seu Deus permanecerão sempre muito insignificantes.

A questão consiste em saber se é possível para a mente que está fortemente condicionada, toda enredada nas aflições e conflitos da vida de cada dia, se é possível a essa mente manter-se desperta, tão ampla e profundamente desperta que não haja busca nenhuma, nenhum desejo de experiência. Quando um indivíduo está desperto, quando em si próprio há luz, não há busca e nenhum desejo de mais experiências. Só o homem que está na escuridão vive a buscar a luz. É possível um indivíduo manter-se tão intensamente desperto, tão altamente sensível, física, intelectualmente e a todos os respeitos, que não haja ima única sombra em sua mente? Só então não há mais busca; só então não há mais ânsia de novas experiências.

É possível isso? A maioria de nós vive de sensações, sensações dos sentidos, e o pensamento adiciona-lhes o prazer. Com o pensar nessas sensações, delas obtemos um grande prazer — e, quando há prazer, há sempre dor. Temos de compreender esse processo, como o pensamento cria o tempo, o prazer e a dor; como o pensamento, depois de cria-los, deles procura fugir; e como essa própria fuga gera conflito. Vejo-me aflito e gostaria de ser feliz, de colocar fim a minha aflição. O pensamento criou a aflição, e espera, depois, colocar-lhe fim. Nesse estado dual, o pensamento cria conflito para si próprio.

A maioria de nós se vê nesse estado de isolamento e solidão, nesse estado de vazio. Embora o indivíduo tenha a companhia de sua família ou de outro grupo qualquer, conhece esse estado, essa profunda ansiedade por causa de nada. Pode o indivíduo libertar-se disso, superá-lo, sem procurar preencher esse isolamento, essa solidão, esse vazio, com conhecimentos, experiências, palavras de todo gênero? Você conhece todas as coisas que uma pessoa costuma fazer para preencher o vazio em si existente. Pode-se transcendê-lo? Para compreender uma coisa e dela libertar-se, a pessoa tem de entrar em contato com ela. (...) temos uma imagem do vazio, da solidão, e essa imagem nos impede o direto contato com o fato — a solidão.

Se você se acha em contato com alguma coisa, sua mulher, seus filhos, o céu, as nuvens, qualquer fato, no momento em que o pensamento intervém perde-se o contato. O pensamento nasce da memória. A memória é a imagem, e é daí que você olha e, por conseguinte, verifica-se uma separação entre o observador e a coisa observada.

(...) É essa separação entre observador e a coisa observada que faz o observador desejar mais experiência, mais sensações, e o impele a uma perene busca. (...) enquanto existir o observador, a entidade que está em busca de experiência, enquanto existir o censor, que avalia, julga, condena, não pode haver contato direto com o que é. (...) Enquanto isso não for plenamente compreendido, percebido, elucidado, e sentido profundamente; enquanto não se aprender integralmente, não intelectual ou verbalmente, que o observador é a coisa observada, a vida continuará a ser toda de conflito e contradição entre desejos opostos; o que deveria ser e o que é. Só é possível essa compreensão quando percebemos que estamos olhando uma coisa como “observador” — uma flor, uma nuvem, qualquer coisa. Se a entidade que olha o objeto, o está observando com seus conhecimentos, não há contato com ele.

A mente que está em conflito, de qualquer natureza e em qualquer nível, consciente ou inconsciente, é uma mente torturada; tudo o que vê se deforma... tudo o que essa mente vê se deforma, necessariamente, enquanto existe conflito, o conflito da ambição, do medo, a agonia da separação etc. A mente em conflito é uma mente deformada. Esse conflito só pode acabar quando o observador deixa de existir e só fica a coisa observada. Tem então a virtude, isto é, o comportamento, um significado inteiramente diferente. Virtude é ordem; (...) Se não existir, profundamente, em nós mesmos, essa ordem, o pensamento criará desordem com o nome de virtude.(...) Uma vez compreendido isso, pode-se começar a compreender o que é meditação, porquanto a compreensão do observador e da coisa observada faz parte da meditação.(...) Necessita-se de uma mente muito sutil e ágil, uma mente capaz de raciocinar, uma mente equilibrada, não neurótica. Todas as neuroses se verificam quando há atividade egocêntrica, quando existe o observador desejoso de expressar-se em várias atividades, e, por conseguinte, a criar conflito em si próprio. Tudo isso faz parte da meditação.

Jiddu Krishnamurti — Encontro com o eterno

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Observando a exata natureza de nossas relações

Antes de alterar a sociedade, temos de compreender toda a nossa estrutura, a maneira do nosso pensar, a maneira da nossa ação, a natureza das nossas relações com pessoas, ideias e coisas. A revolução na sociedade deve começar com a revolução no nosso próprio pensar e agir. A compreensão de nós mesmos é de importância precípua, se desejamos realizar uma transformação radical na sociedade; e a compreensão de nós mesmos é autoconhecimento. Ora, temos feito do autoconhecimento uma coisa extremamente difícil e remota. As religiões tornaram o autoconhecimento muito místico, abstrato e distante; mas se examinarmos com cuidado, veremos que o autoconhecimento é muito simples e requer, apenas, atenção às relações; e ele é essencial, se desejamos uma revolução fundamental na estrutura da sociedade. Se você, o indivíduo, não compreende as tendências do seu próprio pensamento, e das suas atividades, a mera realização de uma revolução superficial na estrutura exterior da sociedade só criará mais confusão e sofrimento. Se não conhece a si mesmo, se segue outra pessoa, sem conhecer todo o processo do seu próprio pensar e sentir, você será, obviamente, levado a mais confusão e mais desastres. Afinal de contas, a vida é relação, e sem relações não há possibilidade de vida. Não há vida no isolamento, porque o viver é um processo de relações; e as relações não se efetuam com abstrações, mas sim com a propriedade, com pessoas, com ideias. Em suas relações, você vê a si mesmo, tal como é, não importa como seja, se feio ou belo, se sensível ou grosseiro; no espelho das relações você vê com precisão todo problema novo, toda estrutura de si mesmo, tal como é. Porque você julga impossível alterar fundamentalmente as suas relações, procura fugir, intelectual ou misticamente, e essa fuga só criará novos problemas, mais confusão e mais desastres. Mas se, ao invés de fugir, você examinar a sua vida de relação e compreender toda a estrutura dessas relações, terá a possibilidade de ultrapassar aquilo que está muito próximo. Por certo, para ir longe precisamos começar com o que está muito próximo; mas esse começo com o que está próximo é dificílimo para a maioria de nós, porquanto desejamos fugir do que é, do fato do que somos. Sem compreendermos a nós mesmos não podemos ir longe; e nós estamos em relação contínua, visto que não há existência sem relações. A vida de relação, pois, é o imediato, e para ultrapassarmos o imediato precisamos compreender as relações. Mas preferimos examinar o que está muito distante, o que chamamos Deus ou a Verdade, do que promover uma revolução fundamental em nossas relações; e essa fuga para Deus ou para a Verdade é de toda fictícia, irreal. As relações são a única coisa que temos, e sem compreendermos essas relações nunca descobriremos o que é a realidade ou Deus. Assim, para que se realize uma modificação completa da estrutura social, da sociedade, precisa o indivíduo purificar as suas relações, e essa purificação das relações é o começo da sua própria transformação.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?  



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A fuga pelo intelecto e pelo misticismo

Senhor, quando a vida se afigura muito difícil, quando os problemas crescem, costumamos fugir pelo caminho do intelecto ou pelo caminho do misticismo. Conhecemos a fuga intelectual: racionalização, mais e mais planos engenhosos, técnica e mais técnica, mais e mais reações econômicas à vida, todas muito sutis e intelectuais. E há a fuga através do misticismo, dos livros sagrados, da adoração de uma ideia estabelecida, ideia essa constituída de uma imagem, um símbolo, uma entidade superior, etc. — e pensamos que essa fuga não é inspirada pela mente. Ora, tanto o intelectual como o místico são produtos da mente. A um chamamos intelectual, e ao outro desprezamos, porque a moda agora é desprezar o místico, afastá-lo com o pé; mas todos os dois funcionam pela ação da mente. O intelectual pode ter a capacidade de falar, de expressar-se com mais clareza, mas também ele se recolhe nas suas ideias e ali vive muito tranquilo, indiferente à sociedade, acalentando suas ilusões, nascidas da mente; nessas condições, não vejo nenhuma diferença entre os dois. Tanto um como o outro estão seguindo ilusões da mente, e nem o letrado nem o iletrado, nem o místico, o yogi, que foge, que se retrai do mundo, nem o comissário — nenhum deles pode dar-nos a solução. Somos nós, vocês e eu, a gente comum, que temos de resolver este problema, sem sermos intelectuais nem místicos, sem escaparmos pela racionalização nem por meio de termos vagos e de hipnose por palavras e métodos que são autoprojeções nossas. O que vocês são o mundo é, e se não compreendem a vocês mesmos, o que criarem aumentará sempre a confusão e o sofrimento; mas a compreensão de vocês mesmos está justamente na ação das relações. Ação é relação na qual compreendem a si mesmos, na qual se veem claramente; mas se esperam pela perfeição ou pela compreensão de si mesmos, essa espera equivale a morrer. A maior parte de nós estivemos ativos, e essa atividade deixou-nos vazios, estéreis; e, sendo mordidos, detemo-nos e interrompemos a ação dizendo: “Não quero agir enquanto não compreender”. Esperar, para compreender, é um processo de morte; mas se compreendem inteiramente o problema da ação, do viver minuto por minuto, o que não exige espera, então a compreensão está naquilo que fazem, está na própria ação, e não separada do viver. Viver é ação, viver é relação, e porque não compreendemos as relações, porque evitamos as relações, ficamos na rede das palavras; e as palavras nos mesmerizam de tal sorte que a nossa ação sempre conduz a um caos e a um sofrimento maiores ainda.

(...) Senhor, compreende quais são os valores que estou advogando? Estarei advogando alguma coisa — pelo menos para aqueles poucos que me têm ouvido com sinceras intenções? Não estou lhes dando uma nova coleção de valores para substituir os valões antigos, não estou oferecendo-lhes nenhum substituo; o que digo é que devem olhar para as coisas que possuem nas mãos, que devem examiná-las, investigar a sua verdade, e os valores que então estabelecerem criarão uma nova sociedade. Não cabe a outro qualquer traçar um plano, para o seguirem cegamente, sem saber porque e nem para que, mas é a vocês mesmos que cabe descobrir o valor, a verdade de cada problema. O que estou dizendo é muito claro e muito simples, se o quiserem compreender. A sociedade é o próprio produto de vocês, ela é a “projeção” de vocês. O problema do mundo é o problema de vocês, e para compreenderem esse problema, precisam compreender a si mesmos; e só podem se compreender nas relações, e não nas fugas. Porque para vocês, religião e saber representam meios de fuga, não tem vitalidade, não tem significação. Não querem alterar fundamentalmente as suas relações com os outros, porque fazê-lo significa incômodo, significa perturbação, revolução; por isso ficam falando a respeito do intelectual, do místico, e todos os demais absurdos desse gênero. Senhor, uma nova sociedade, uma nova ordem, não pode ser estabelecida por outras pessoas; ela tem de ser estabelecida por você mesmo. Uma revolução baseada numa ideia, não é revolução, absolutamente. A verdadeira revolução vem de dentro, e essa revolução não pode ser realizada pela fuga, só vem quando compreende as suas atividades diárias, sua maneira de proceder, de pensar, de falar, sua atitude para com o próximo, para com a sua esposa, seu marido, seus filhos. Se não compreende a si mesmo, pode fazer o que quiser, fugir para o mais longe possível, mas só produzirá mais sofrimento, mais guerras, mais destruição.

Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?  

domingo, 18 de agosto de 2013

Sobre o surgimento daquilo que é eterno

Pergunta: Há um impulso em todos nós, para ver Deus, a Realidade, a Verdade. A busca da beleza não é a mesma coisa que a busca da Realidade?

Krishnamurti: Senhores, compreendam que não se pode procurar a Deus. Não se pode procurar a verdade. Porque, quando procuramos, o que achamos não é a verdade. Nossa busca é o desejo de achar o que desejamos. Como podemos procurar uma coisa que desconhecemos? Vocês procuram uma coisa a cujo respeito leram e a que chamam verdade; ou procuram algo a respeito de que possuem um sentimento interior. Precisam, por conseguinte, compreender o motivo da busca de vocês, que é muito mais importante do que a busca da verdade.

Por que procuram, e o que procuram? Vocês não têm vontade de procurar, se são felizes, se há alegria em seus corações. Nós procuramos, porque estamos vazios. Vemo-nos frustrados, somos infelizes, violentos, cheios de antagonismo; é por isso que cremos, e desejamos, por isso, fugir a esse estado, procurando algo maior. Observem a si mesmos e verificarão o que estou lhes dizendo  não se limitando, apenas, a escutarem as minhas palavras. A fim de escaparem de seus atuais conflitos psicológicos, seus sofrimentos, antagonismos, vocês dizem “Estou procurando a verdade”. Não encontrarão a verdade, porque a verdade não vem quando estão a fugir da realidade, daquilo que é. Precisamos compreendê-lo. Para compreendê-lo, não devem sair em busca da solução fora dele. Não podem, pois, procurar a verdade. Ela tem de vir a vocês. Não podem invocar a Deus, e não podem ir a Ele. A adoração, a devoção de vocês é completamente sem valor, porque desejam alguma coisa, estendem a mão para receber uma esmola. Estão, portanto, à procura de quem preencha o vazio de vocês. E sentem mais interesse pela palavra do que pela cosia. Mas se vocês se contentam com aquele extraordinário estado de solidão, sem desvios nem distrações, só então surge na existência aquilo que é eterno. A maior parte de nós está de tal maneira condicionados, de tal maneira fomos educados, que desejamos fugir; e a coisa para a qual fugimos chamamos Beleza. Buscamos a beleza por intermédio de uma coisa qualquer  da dança, dos ritos, da oração, da disciplina, de várias espécies de fórmulas, da pintura, da sensação. Não é exato? Assim, enquanto estivermos à procura da beleza por meio de alguma coisa, nunca conheceremos a beleza, porque a coisa por cujo intermédio a procuramos, se torna sumamente importante. Não a beleza, mas sim o objeto por meio do qual a procuramos, assume toda a importância, e ficamos apegados a ele. Não se acha a beleza por meio de coisa alguma; isso seria apenas uma sensação, que costuma ser explorada pelos astutos. A beleza vem com a regeneração interior, com a completa e radical transformação da mente, o que requer excepcional estado de sensibilidade.

A feiura só é um mal quando não temos sensibilidade. Se são sensíveis ao belo, rejeitando o que é feio, não são sensíveis ao belo. O que mais importa não é o feio, nem o belo, mas sim que haja sensibilidade para ver, para reagir tanto ao que chamamos o feio como o belo.

Mas se só tomam conhecimento do belo e repelem o feio, é a mesma cosia que empurrar um braço; toda a existência de vocês fica desequilibrada. Vocês não fechem a porta ao mal, negando-o, chamando-o de feio, combatendo-o, opondo-se violentamente a ele? Só se interessam pelo belo. Só a ele desejam. Nesse processo perde-se a sensibilidade.

O homem que é sensível tanto ao feio como para o belo, passa além, distancia-se das coisas por meio das quais busca a verdade. Mas não somos sensíveis nem para o belo nem para o feio; vivemos fechados com nossos pensamentos, nossos preconceitos, nossas ambições, nossa ganância e inveja. Como pode ser sensível a mente que é ambiciosa, espiritualmente, ou noutro sentido? Só pode haver sensibilidade quando se compreende todo o processo do desejo; porque o desejo é um processo egocêntrico, e no egocentrismo não é possível descortinar o horizonte. A mente é então sacrificada pelo seu próprio vir-a-ser. A mente só é capaz de apreciar a beleza, através de alguma coisa. Essa mente não é bela. Essa mente não é boa, é uma mente feia, uma mente que está fechada e que busca proteção para si. Nunca essa mente descobrirá a verdade. Só quando a mente deixa de fechar-se com seus ideais, seus interesses e ambições, só então é bela.

Jiddu Krishnamurti   - 27 de janeiro de 1952 – Quando o pensamento cessa


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Observando nossos variados meios de fuga da solidão

Questionador: Como vencer a solidão?

Krishnamurti: E você pode vencer a solidão? Tudo o que você conquista tem de ser conquistado repetidas vezes, não é? O que você compreende chega ao fim, mas o que você conquista nunca chega ao fim. O processo de luta apenas alimenta e fortalece aquilo que se combate.

Ora, o que é essa solidão de que a maioria de nós se dá conta? Nós a conhecemos e fugimos dela, não é? Fugimos dela em todo gênero de atividades. Somos vazios, solitários, e temos medo disso, e por esse motivo tentamos encobri-lo por meio de algo — a meditação, a busca de Deus, as atividades sociais, o rádio, a bebida ou qualquer outra coisa. Faríamos qualquer coisa para não ter de encará-la, estar com ela, compreendê-la. A fuga é a mesma, quer a empreendamos através da ideia de Deus ou do consumo de bebidas. Enquanto se está fugindo da solidão, não há diferença essencial entre prestar culto a Deus e ser viciado em álcool. Socialmente pode haver uma diferença; mas, psicologicamente, o homem foge de si mesmo, do seu próprio vazio, e cuja fuga é a busca de Deus, está no mesmo nível do alcoólatra.

O importante não é, pois, vencer a solidão, mas compreende-la, e não podemos compreender se não a encaramos, se não olhamos para ela diretamente, se ficamos fugindo continuamente dela. E toda a nossa vida é um processo de fuga da solidão, não é? No relacionamento, nosso acúmulo de experiência, tudo o que fazemos, é uma distração, uma fuga desse vazio. Portanto, evidentemente, é preciso colocar fim a essas distrações e fugas. Se queremos compreender algo, temos de dedicar-lhe total atenção. E como podemos dedicar total atenção à solidão se a tememos, se fugimos dela por meio de alguma distração? Logo, quando queremos compreender a solidão, quando a nossa intenção é a de mergulhar total e completamente nela, porque percebemos que não pode haver criatividade enquanto não compreendemos essa insuficiência interior que é a causa fundamental do medo — quando chegamos a esse ponto, cessa toda forma de distração, não é verdade? Muitos riem da solidão, dizendo: Ora, isso é só para os burgueses; pelo amor de Deus, ocupe-se com alguma coisa e esqueça”. Mas o vazio não pode ser esquecido, não pode ser deixado de lado.

Assim, para se compreender de fato essa coisa fundamental a que damos o nome de solidão, todas as fugas devem cessar; mas a fuga não cessa por intermédio da preocupação, da busca de um resultado ou alguma ação do desejo. É preciso ver que, se não compreendemos a solidão, toda forma de ação é uma distração, uma fuga, um processo de auto-isolamento que apenas gera mais conflito, mais angústia.  Dar-se conta desse fato é essencial, porque só assim podemos encarar a solidão.

Então, se formos ainda mais longe, surge o problema de saber se o que chamamos de solidão é uma realidade ou apenas uma palavra. A solidão é uma realidade ou não passa de uma palavra que encobre algo que pode não ser o que pensamos dela? Não é a solidão um pensamento, um resultado do pensar? Ou seja, o pensamento é verbalização baseada na memória; e estaremos nós, com essa verbalização, com esse pensamento, com essa lembrança, olhando o estado que caracterizamos como de solidão? Logo, o simples fato de atribuir um nome a esse estado pode ser a causa do medo que nos impede de observá-lo mais de perto; e se não lhe damos um nome, que é fabricado pela mente, será esse um estado de solidão?

Claro que há diferença entre solidão e estar só. A solidão é o estado último do processo de auto-isolamento. Quanto mais consciente de si, tanto mais isolado você é, e a autoconsciência é o processo de isolamento. Mas o estar só não é estar isolado. O estar só apenas existe quando a solidão desaparece. O estar só é um estado em que todas as influências cessaram por inteiro, tanto as que vêm de fora como a influência interior da memória; e só quando a mente se acha nessa condição de estar sozinha pode ela conhecer o incorruptível. Para chegar a isso, contudo, temos de compreender a solidão, esse processo de isolamento que é o eu e a sua atividade. Assim sendo, a compreensão do eu é o começo do fim do isolamento e, portanto, da solidão.

Jiddu Krishnamurti — Seattle, 9 de agosto de 1950

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Pode a mente abster-se de fugir e olhar de frente o seu vazio?

Pode a mente abster-se de fugir e olhar de frente o seu vazio, esse extraordinário sentimento de solidão, que é a expressão autêntica do "eu"? — visto que o "eu" é a entidade, a consciência que, quando não está em movimento, é vazia. Compreendeis o que estou explicando?...

Afinal de contas, o "ego", o "eu", se expressa na ambição, no desejo de aquisição, na inveja, no ser violento e no lutar para ser não-violento, etc. Tudo isso são expressões do "eu"; e, reconhecendo-as como tais e investigando-as profundamente, vejo também que essas atividades do "eu" resultam justamente do seu extraordinário sentimento de vazio. Não sei se tendes notado que, quando seguimos as pegadas do "eu" como entidade completamente vazia; a mente, em verdade, não quer ver esse vazio, preferindo voltar-lhe as costas, fugir. 

Ora, se sou capaz de compreender o que é esse vazio, então é bem provável que eu possa resolver o problema da violência. Mas, para compreender o que é o vazio, preciso olhá-lo, e não posso olhá-lo se estou fugindo. É justamente a fuga que causa o medo e precipita a ação da inveja, da competição, da crueldade, da inimizade, e tudo o mais. Assim sendo, pode a mente olhar essa coisa, de que está fugindo por meio da ação? espero que me esteja fazendo claro. 

Não tendes consciência de um estado de solidão, de vazio? Não estamos considerando o que deveis fazer a respeito desse estado. Foi esse "que se deve fazer?" que produziu este mundo estúpido e caótico. Estou indagando o que há atrás do desejo de fazer alguma coisa — o que é dificílimo de descobrir, visto que a mente está sempre evitando esse fator central. Mas se a mente for capaz de ficar cônscia, totalmente, de estar vazia, solitária — o que significa o completo descobrimento das atividades do "eu", que a levaram àquele estado — vereis que toda ação sem tal compreensão há de precipitar, necessariamente, a violência, sob diversas formas.

(...) Pode a vossa mente estar cônscia daquele vazio, sem fugir dele? É porque vos sentis vazio e só, que necessitais de um companheiro, que quereis depender de alguém, e essa dependência cria a autoridade, que seguis; e a própria circunstância de estar seguindo uma autoridade, já é um indício de violência. Pode a mente, ao perceber a verdade a esse respeito, deter a sua fuga e olhar a sua própria vacuidade? Compreendeis o que significa "olhar"? Não podeis olhar para aquele vazio se lhe tendes medo, se desejais evitá-lo; só podeis ter conhecimento pleno dele, quando não há espírito de condenação.

(...) Estou cônscio de estar só e vazio, e estou a observar esse vazio; mas não posso observá-lo se o condeno. A condenação é justamente uma distração, que estorva o observar. Ora, posso observar o vazio, tomar conhecimento dele, sem lhe dar um nome? Compreendeis? E, quando não lhe dou nome , o observador é então diferente do vazio a que está observando? É só quando o observador lhe dá nome, que ocorre a separação, não é verdade? 

(...) Quando digo "estou irritado", estou dando nome a uma certa sensação ou reação, e esta própria circunstância cria uma dualidade, não achais? Mas, se não dou nome à sensação, então essa coisa sou eu mesmo. Entendeis? Vede: dou nome a um sentimento porque minha mente está exercitada em reconhecer, em rotular; mas se a mente não põe rótulo em coisa alguma, desaparece então a separação entre observador e a coisa observada. Por outras palavras, quando não se dá nome a uma coisa, só há um único estado, e nesse estado não existe entidade separada, para fazer algo a respeito dessa coisa. A mente — que é violenta, por natureza — já não está operando com relação a uma coisa que deseja compreender, e por conseguinte a sua atividade cessa. 

(...) Enquanto a mente está operando em termos de ambição ou não-ambição, ela cria necessariamente o caos, e lutas, e sofrimentos para si própria e para outros. E se, aprofundando mais o problema, a mente compreende todo o processo relativo a esse impulso para ser alguma coisa, então, invariavelmente, ela chegará ao ponto em que perceberá que está a procurar um meio de fugir ao "ser nada", que é um estado de vazio. E posso compreender esse vazio? Pode a mente penetrá-lo, prová-lo, senti-lo? Por certo, a mente não poderá compreender essa coisa extraordinária que chamamos "vazio", "solidão", enquanto estiver, de alguma maneira, a condenar, enquanto desejar rejeitá-lo, dominá-lo ou ultrapassá-lo. A mente rejeitará sempre esse estado, enquanto estiver a dar-lhe nome; e o reconhecer, o dar nome, é justamente o "processo" peculiar da mente. Afinal, não podeis pensar sem símbolos, sem idéias, sem palavras. E pode a mente deixar de "verbalizar"? Pode acabar com esse processo e considerar aquilo a que chama "vazio", sem lhe dar nome ou criar um símbolo tirado da imaginação? E quando deixa de verbalizar, o estado a que chama "vazio" é então diferente dela própria? Não é, por certo. O que há então é só um estado, em que não há verbalização, não há dar nome, e por conseguinte em que terminou aquela atividade da mente, que separa, que compete, que gera antagonismo. Nesse estado se verifica um movimento completamente diferente. Não há mais violência. Há uma delicadeza, que não pode ser compreendida pela mente que diz: "tenho de ser delicado". A volição cessou de todo — porque a vontade é também produto da violência. 

Krishnamurti - Realização sem esforço

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Inventariando o processo formador de hábitos

A maioria de nós tem inúmeros hábitos. Temos hábitos e idiossincrasias, físicos, e, ao mesmo tempo, hábitos de pensamento. Cremos nisto e não cremos naquilo; somos patriotas, nacionalistas; e observamos tenazmente o seu especial padrão de pensamento. (…) Uma vez firmada numa série de hábitos, a mente parece funcionar um pouco mais livremente, mas, na realidade, ela é irrefletida, “não cônscia”.(1)

Em parte por nossa educação escolar, em parte pelo condicionamento que a sociedade psicologicamente nos impõe, e também por nossa própria indolência, a nossa mente funciona numa série de hábitos. Se não aprovamos determinado hábito de que estamos bem cônscios, lutamos para quebrá-lo, e, quando quebramos um hábito, formamos outro. Parece não haver momento em que a mente esteja livre do hábito.(2) 

Consideremos um hábito muito simples, que muita gente tem: o hábito de fumar. Se você fuma e deseja abandonar o hábito, a idéia de abandoná-lo cria uma resistência contra o fumar. Agora, pelo conflito ou pela resistência, você pode quebrar um hábito, mas isso não liberta sua mente do processo formador de hábitos; o mecanismo criador dos hábitos não deixou de existir.(3)

Temos hábitos de pensamento, hábitos sexuais - uma infinidade de hábitos, que tanto podem ser conscientes como inconscientes; e é sobretudo difícil ficarmos cônscios dos hábitos inconscientes.(4)

Se não estamos libertos do passado, não há liberdade nenhuma, porque, assim, a mente nunca está nova, fresca, “inocente”. (…) A liberdade nada tem que ver com a idade da pessoa (…) com a experiência; e quer-me parecer que a própria essência da liberdade reside na compreensão de todo o mecanismo do hábito, consciente e inconsciente.(5)

Mas, como, de que maneira e em que nível irá se realizar essa revolução? (…) E se observa, também, que a mente, o próprio cérebro se tornou mecânico e, por conseguinte, repetitivo: lhe ensine certo padrão de comportamento, certas normas de conduta, atitudes, desejos, ambições, etc., e ele ficará funcionando dentro desse canal, desse padrão.(6)

O problema, pois, consiste no seguinte: Meu pensamento está condicionado, fixado num padrão; e a qualquer estímulo, que é sempre novo, o meu pensamento só pode reagir de acordo com o seu condicionamento, transformando o novo no velho, modificado. Dessa maneira, o meu pensamento nunca pode ser livre. Meu pensamento, que é o produto de ontem, só é capaz de reagir nas mesmas condições de ontem.(7)

A mente subordinada à autoridade, sujeita à compulsão, não pode absolutamente ter ordem. Veja, pois, que o ajustamento a um padrão, por melhor, mais nobre e mais completo que seja, não produz ordem. Por conseguinte, temos de investigar, dentro de nós mesmos, todo esse “processo” de submissão a um padrão de vida, pois é isso, de fato, o que está acontecendo. Você está na sujeição de uma idéia, como nacional de um país, como hinduísta, como muçulmano. (…) Você está submisso a uma idéia e, portanto, ajustado a uma tradição.(8)

Ora, essa mente, até onde posso ver, funciona tão só como atividade egocêntrica; quer meditando em Deus, quer buscando satisfação sexual, praticando o ideal da “não-violência”, se lançando a reformas sociais. (…) E é possível a mente se libertar dessa atividade egocêntrica, sem compulsão, sem a disciplina do ajustamento a um padrão?(9)

Portanto, qual é a condição interna necessária para sermos nós mesmos, para sermos espontâneos? A primeira condição interna necessária, é que o mecanismo formador de hábitos deve cessar. Qual é a força motriz atrás desse mecanismo?(10) 
O desejo dá uma falsa continuidade ao nosso pensamento, e a mente apega-se a essa continuidade, cujas ações são apenas o seguimento de padrões, ideais, princípios, e o estabelecimento de hábito. Assim, a experiência jamais é nova, fresca, alegre, criativa.(11)

Se existe esse hábito (da vaidade), quando dele vocês se tornarem conscientes, ele desaparecerá se realmente vocês amam todo esse processo de viver. (…) Mas aqueles de vocês que se acham profundamente interessados, (…) observem como este ou qualquer outro hábito cria uma cadeia de memórias que se tornam cada vez mais fortes, até que somente permanece o “eu”, o “mim”. Esse mecanismo é o “eu”, e, enquanto existir esse processo, não pode haver o êxtase do amor, da verdade.(12)

O poder-motor que está por trás da vontade é o medo, e, quando começamos a compreender isso, o mecanismo do hábito intervém, oferecendo novas fugas, novas esperanças. (…) Quando há apenas medo, sem nenhuma esperança de fuga, nos mais negros momentos, na mais completa solidão do medo, aí surge, como do interior de si próprio, a luz que o dissipará. (13)

O ciúme, em quase todos nós, tornou-se um hábito e, como todo hábito, tem continuidade. Quebrar o hábito significa, meramente, estar cônscio do hábito. (…) Estar cônscio de um hábito significa não o condenar, porém, simplesmente, observá-lo. (…) Nesse estado de total percebimento (…) você descobrirá ter eliminado completamente aquele sentimento habitualmente identificado com a palavra “ciúme”.(14)
É só a mente embotada, sonolenta, que cria o hábito e a ele se apega. A mente que está atenta momento a momento - atenta para o que ela própria está dizendo, atenta para o movimento de suas mãos, de seus pensamentos, de seus sentimentos - descobrirá que se terá acabado a formação de hábitos. (…) A mente que se limita a freqüentar a igreja, a recitar orações, que está apegada a dogmas ou que abandona uma seita para ingressar noutra, não é uma mente religiosa. (…) Religiosa é a mente livre, num estado de constante “explosão”.(15)

Um indivíduo é hinduísta, cristão, alemão, russo, suíço, americano, etc., com o respectivo conjunto de hábitos, do qual em geral está inconsciente. Como poderá o indivíduo ficar cônscio desse condicionamento? Como você pode se tornar cônscio do inconsciente, onde se encontra essa imensa série de hábitos não revelados? Como pode ficar cônscio do padrão inconsciente que se acha profundamente enraizado em você? Você procurará um psicanalista (…) para que ele lhe “arranque” o padrão do inconsciente? Isso adiantará? Ou você mesmo se analisará?(16)

O importante é romper essa muralha de condicionamento, de hábito. E muitos de nós achamos que poderemos rompê-la por meio da análise, quer feita por nós mesmos, quer por outrem; mas isso não é possível. A muralha do hábito só pode ser rompida quando a pessoa está completamente cônscia, sem escolha, negativamente vigilante.(17)

Existe um “método de quebrar o hábito”? Ora, método implica tempo, movimento de um ponto de partida para um ponto de chegada. Se você ver por si mesmo que o tempo não lhe liberta do hábito e que, por conseguinte, os métodos e sistemas para nada servem, ficará então frente a frente com a realidade, o fato de que sua mente está enredada no hábito.(18)

E, então, que acontece? Você não está procurando modificar o hábito, não está tentando quebrá-lo. Está simplesmente em presença do fato de que sua mente funciona na rotina do hábito. (…) Se você não tentar alterá-lo, o próprio fato lhe dará uma extraordinária energia, com a qual você pode quebrá-lo completamente. Compreende? (…) Por conseguinte, sua atenção é completa, toda a vossa energia se concentrou, e essa energia destroça totalmente o fato.(19)

Não sei se você já se observou no ato de fumar. Com “se observar” quero dizer “estar cônscio de cada movimento que você faz”: como a sua mão vai ao bolso, retira um cigarro, coloca-o na boca, volta ao bolso para apanhar os fósforos, acende o cigarro, e como, então, “você puxa umas fumaças” e atira fora o fósforo. O importante é se dar conta de todo esse processo, sem lhe resistir, sem rejeitá-lo, sem desejar ficar livre dele - estando, apenas, totalmente cônscio de cada movimento inerente ao hábito.(20)

De modo idêntico, você pode estar cônscio do hábito da inveja, do hábito de adquirir, do hábito do medo; e então, observando, você poderá ver o que está implicado nesse hábito. Verá instantaneamente tudo o que a inveja implica; mas não poderá ver tudo o que a inveja implica, se, na sua observação da inveja, entrar o elemento tempo.(21)

Pensamos que podemos nos libertar da inveja gradualmente e nos esforçamos por afastá-la pouco a pouco, introduzindo assim a idéia do tempo. Dizemos: “Tentarei me livrar da inveja amanhã, ou um pouco mais tarde” - e, entrementes, continuamos invejosos. (…) Ou quebramos um hábito imediatamente, ou ele continua existente, embotando gradualmente a mente e criando novos hábitos.(22)

Se pudermos compreender, nos seu todo, o processo do hábito, talvez tenhamos a possibilidade de pôr fim à formação dos hábitos. Pôr fim a determinado hábito, apenas, é relativamente fácil, mas o problema não fica resolvido. Todos temos vários hábitos, dos quais estamos ou não estamos cônscios; por conseqüência, devemos descobrir se nossa mente se deixou apanhar na armadilha do hábito, e a razão por que cria hábitos.(23)

O nosso pensar não é, na maior parte, “habitual”? Desde crianças, nos têm ensinado a pensar numa certa direção, como cristãos, comunistas (…) e não ousamos nos desviar dessa direção, porque qualquer desvio, em si, representa temor. Assim, o nosso pensar é basicamente “habitual”, condicionado; nossa mente está funcionando dentro de rotinas fixas, e naturalmente temos também hábitos superficiais, que procuramos suprimir.(24)

Se você está agora investigando, procurando descobrir se sua mente pensa sob a influência dos hábitos, (…) então qualquer hábito, como, por exemplo, o de fumar, terá significação toda diferente. Isto é, se lhe interessa investigar o processo do hábito, que se acha num nível mais profundo, você saberá atender ao hábito de fumar de um modo completamente diferente.(25)

Estando bem claro para você, interiormente, que deseja pôr fim não só ao hábito de fumar, mas ao inteiro processo de pensar pela rotina dos hábitos, você já não luta contra o movimento automático de apanhar o cigarro, etc., pois sabe que, quanto mais combatemos um hábito, mais vitalidade lhe damos. Mas, se você está atento e bem cônscio desse hábito, sem combatê-lo, verá que ele desaparecerá por si, no tempo próprio; a mente não está mais ocupada com ele.(26)

A mente detesta a incerteza e necessita, portanto, dos hábitos como meio de segurança. Mas nunca está livre do hábito a mente que se sente segura, e, sim, só aquela que se acha em completa insegurança. (…) A mente que se acha na mais completa insegurança, incerteza; que está sempre a investigar e a descobrir algo; que morre para cada experiência, cada aquisição, e por conseguinte se acha sempre num estado de “não saber” - só essa mente pode ser livre do hábito.(27)

A questão não é de acabar com o hábito, porém, antes, de ver totalmente a estrutura do hábito. Você deve observar como se formam os hábitos e como, pela rejeição de um hábito ou pela resistência a ele, outro hábito se forma. O relevante é estar totalmente cônscio do hábito; porque então, como você mesmo verá, já não há formação de hábitos. O resistir ao hábito, o combatê-lo, ou rejeitá-lo, só pode dar continuidade ao hábito. (…) Mas, se você fica simplesmente cônscio de toda a estrutura do hábito, sem resistência nenhuma, verá então que estará livre do hábito e que, nessa liberdade, ocorre uma coisa nova. (28)

Podem-se quebrar hábitos, sem se criar outro hábito? Meu problema, por certo, não se refere à possibilidade de abandonar um hábito doloroso, ou de conservar um hábito aprazível, mas sim à possibilidade de me tornar livre de todo o mecanismo formador de hábitos. (…) Isto é, posso quebrar, abandonar o pensamento, o padrão que se formou, que se criou através de séculos, sem criar um novo padrão? É isso o que, em geral, gostamos de fazer. (…) Se sou hinduísta, quebro esse padrão e me torno comunista.(29)

Por conseguinte, para eu poder ser livre de todos os padrões, torna-se necessária uma revolta isenta de qualquer incentivo e de qualquer idéia nova. Tal revolta é criadora; esse estado é o “estado de criação”, é o estado puro, não adulterado, não corrompido; porque, aí, não há (…) esperança, (…) oposição, sujeição a nenhum padrão.(30)

A formação da idéia a que a mente se apega, a adesão a uma crença, um hábito, um prazer - tudo isso cria, (…) forma o molde em que a mente se aprisiona. (…) O pensamento é o criador do padrão; o pensamento é sempre condicionado; (…) porque o que penso é resultado do meu acervo mental, e todo pensar é reação a esse fundo. A questão, pois, não é de saber “como me libertar de um padrão ou hábito de pensamento”, mas, sim, “se a mente pode ficar livre da criação de idéias.” (…) Só então há possibilidade de quebrar o padrão e ficar inteiramente livre de todos os padrões.(31)

Em geral, não estamos nada cônscios de nossos hábitos e, por isso, eles se tornaram inconscientes. No momento em que você se torna cônscio de um hábito, você o “arrancou” do inconsciente (…) Mas, no momento em que me torno plenamente cônscio desse hábito e não lhe resisto, mas me limito a observá-lo, então foi ele “arrancado” do inconsciente.(32)

Ora, é porque quase todos os nossos hábitos são inconscientes, que nós não os despedaçamos, não os “dinamitamos”. (…) A questão, pois, é de como estarmos cônscios, plenamente cônscios de todos os hábitos “animalescos”.(33)

Textos de Krishnamurti, extraídos de: Seleta de Krishnamurti
Fontes das citações:
(1) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 155
(2) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 155
(3) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 155-156
(4) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 156-157
(5) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 158
(6) Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 90-91
(7) Da Insatisfação à Felicidade, pág. 26
(8) A Suprema Realização, pág. 178
(9) O Homem Livre, pág. 146
(10) Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 87-88
(11) Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 88
(12) Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 93-94
(13) Palestras em Ommen, Holanda, 1937-1938, pág. 104
(14) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 151
(15) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 158
(16) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 163
(17) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 164
(18) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 175-176
(19) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 176
(20) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 155-156
(21) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 156
(22) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág.156
(23) Realização sem Esforço, pág. 68
(24) Realização sem Esforço, pág. 68-69
(25) Realização sem Esforço, pág. 69
(26) Realização sem Esforço, pág. 69
(27) Realização sem Esforço, pág. 70
(28) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 158
(29) Poder e Realização, pág. 73
(30) Poder e Realização, pág. 75
(31) Poder e Realização, pág. 75
(32) O Homem e seus Desejos em Conflito, lª ed., pág. 162-163
(33) O Homem e seus Desejos em Conflito, lª ed., pág. 163

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Busca da Verdade; Meios de Fuga, Busca sem Motivo

Vejamos, pois, se nos é possível examinar juntos este problema real da busca, (…). Pela busca, é possível achar algo novo? Por que buscamos, e que é que buscamos? Qual o motivo, o processo psicológico que nos impele a buscar? (…). Sem a compreensão desse estímulo, a mera busca será muito pouco significativa, (…). Mas, se pudermos descobrir todo o mecanismo desse processo de busca, então é bem possível que cheguemos a um ponto em que não há mais busca — e talvez seja esse o estado necessário para o aparecimento de algo novo. (1)

(…) Por certo, aquilo que é novo não pode ser reconhecido. O reconhecimento só ocorre através da memória, da experiência acumulada a que denominamos saber. Se reconhecemos uma coisa, essa coisa não é nova, (…) tudo o que achamos é coisa já experimentada, procedendo portanto do “fundo”, da memória. (…) Deus, a verdade, (…) não é reconhecível, deve ser algo totalmente novo; (2)

Não vos parece importante investigarmos o que é que estamos buscando, e por que buscamos alguma coisa? Por que existe em nós esta extraordinária ânsia de procurar e achar, e por que desperdiçamos tanta energia nesta luta? (…). É bem provável que a mente só possa descobrir o que se acha além das medidas do tempo, quando não está mais a buscar — mas isso não significa deva ela estar contentada, satisfeita. (3)

(…) E por que é que buscamos? É por nos sentirmos muito perturbados, muito descontentes com o que somos? Se somos feios, queremos ser belos; se somos ambiciosos, queremos preencher a nossa ambição; se temos talento, queremos tornar esse talento mais vigoroso; (…) se somos medíocres, queremos brilhar; se somos intelectuais, queremos dar significação à vida; se somos religiosos, queremos achar o que reside além da mente, indagando, rogando, rezando, sacrificando, cultivando, disciplinando, etc. (4)

Esse esforço intenso, esse processo de ajustamento é a nossa vida, (…). Nossa vida é um perpétuo campo de batalha, de manhã à noite, e, ignorando a significação dessa luta, recorremos a outra pessoa, (…). Entregamo-nos às crenças, aos livros, aos guias. (5)

Assim, pois, que é que desejamos? Vendo-nos atribulados, queremos paz, vendo-nos em conflito, queremos acabar com o conflito. (…) Lutamos para obter uma coisa, e, depois de obtê-la, seguimos avante, querendo mais. Nossa vida é uma série de exigências de conforto, de segurança, posição, preenchimento, felicidade, reconhecimento, e temos também raros momentos em que desejamos descobrir o que é a verdade, o que é Deus. (6)

(…) Andamos de um padrão para outro, de uma gaiola para outra, de uma filosofia ou sociedade para outra, esperando encontrar a felicidade, (…) nas relações com pessoas, (…) de um retiro tranqüilo (…). E achamos que, se não buscarmos, iremos deteriorar-nos, estagnar-nos. (7)

Ora, não vos parece de todo fútil essa busca? Estar cativo na gaiola de dada disciplina, o ser impelido de uma gaiola, de um sistema, de uma disciplina para outra, isso, evidentemente, não tem significação alguma. Assim sendo, devemos investigar (…) por que buscamos. (8)

Ora, pode-se perceber e compreender imediatamente que é vã toda busca em que há “motivo”? (…) A verdade não se acha no futuro, e se (…) descobrirdes a inutilidade da vossa busca, então esse próprio ato de escutar é o experimentar da verdade, e a busca cessará então. Vossa mente já não estará subordinada a “motivos”, intenções. (9)

Nessas condições, a questão não é de como libertar a mente do “motivo”. A mente não pode (…) libertar-se do “motivo” porque a mente, em si, é causa e efeito, é resultado do tempo. (…) Mas se puderdes escutar e ver a verdade de que, enquanto houver “motivo” na busca, essa busca é toda vã, sem significação, conduzindo apenas a mais aflições e sofrimentos, (…) vereis que a vossa mente susta a busca, porque já não tem “motivo” algum. (10) 

Percebestes, por vós mesmos, a futilidade desta eterna busca com um “motivo” e, por conseguinte, a vossa mente está silenciosa, quieta, não há movimento algum de busca; e essa total tranqüilidade da mente pode ser o estado em que se torna existente o atemporal. (11)

Comecemos pelo que está perto, para irmos longe. Que entendeis por “busca”? Estais em busca da Verdade? E ela pode ser achada pela busca? (…) Busca implica conhecimento prévio, implica algo que já se sentiu e conheceu. (…) A verdade é algo que podemos conhecer, apanhar e guardar? O conhecimento que dela temos, não é uma “projeção” do passado e portanto (…) simples lembrança? (…) E a mente não deve estar tranqüila para que a Realidade possa existir? A busca é esforço para ganhar o mais ou o menos (…); e enquanto a mente for o ponto de concentração, o foco do esforço, do conflito, pode ela estar tranqüila alguma vez? Pode a mente tornar-se tranqüila por meio de esforço? (12)

Veremos. Investiguemos a verdade, em relação à busca. Para o buscar, necessita-se da entidade que busca, separada da coisa buscada; e existe essa entidade separada? O pensador, o experimentador, é diferente ou distinto de seus pensamentos e experiências? (…) Temos, pois, de compreender a mente, o processo do “eu”. Que é essa mente que busca, que escolhe, que tem medo, que nega e justifica? Que é o pensamento? (13)

A palavra “buscar” - tentar alcançar, descobrir - implica que já conhecemos mais ou menos o que desejamos achar. Ao dizermos que estamos buscando a verdade, ou Deus, (…) já devemos ter na mente a respectiva imagem ou idéia. (…) Na meditação, a primeira coisa que se percebe é a inutilidade do buscar; porque a coisa buscada é predeterminada pelo nosso desejo. (14)

A verdade não é uma coisa que se possa experimentar. A verdade não pode ser buscada e achada. Está fora do tempo. E o pensamento, que é tempo, nenhuma possibilidade tem de buscá-la e “pegá-la”. (…) Quando a mente está a buscar uma experiência, por mais maravilhosa que seja, isso significa que o “eu” a está buscando - o “eu”, que é o passado, com todas as suas frustrações, aflições, esperanças. (15)

(…) Esse estado psicológico que cessa de buscar a experiência não significa paralisia mental; ao contrário, é a mente aditiva, acumulativa, que começa a definhar. Acumular é um ato mecânico, repetitivo; tanto a renúncia quanto a mera aquisição são atos mecânicos de imitação. Torna-se livre a mente que destrói este mecanismo de acumulação e defesa; dessa maneira ela se torna indiferente ao ato de experimentar. (16)

Enquanto existir uma entidade a buscar e uma coisa a ser buscada, tem de existir o experimentador, aquele que reconhece e que constitui o núcleo (…) egocêntrico. Desse centro se originam todas as atividades, nobres e ignóbeis: desejo de riquezas e poder, (…) impulso de buscar a Deus, (…). (17)

Quando a mente detém a busca por ter compreendido o total significado da busca, não cairão por si mesmas as limitações que ela a si própria impôs? E ela não se torna então o Imensurável, o Desconhecido? (18)

Vós sois simples e ignorante? Se realmente o fôsseis, encontraríeis um grande deleite no iniciar a verdadeira busca; (…) A sabedoria e a verdade vêm ao homem que diz, verdadeiramente: “Sou ignorante, não sei”. São os simples, os inocentes, e não os que estão repletos de saber, que verão a luz, porque eles são humildes. (19)

Textos de Krishnamurti, extraídos de: Seleta de Krishnamurti
Fontes das citações:

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill