Quanto mais tempo se vive uma existência divorciada da realidade, como simples animal social, mais difícil se torna redescobrir-se como ser humano.
Em nosso atual clima psicológico, todo incentivo é dado ao homem para desviar os olhos, desde que tenha captado uma rápida visão do "mim" e não tenha gostado do que viu. Quase todas as nossas atividades sociais e culturais não passam, no fundo, de desvios, em relação à extrema solidão do homem. Mesmo o "trabalho" tornou-se uma arma para vencer o tempo, desviar o "pensamento", gastar as energias e encobrir a área de doloroso auto-reconhecimento. Na raiz disso está, realmente, o grave problema: "Que vou fazer com a minha vida? Como irei empregar o tempo depois de ter realizado todas as minhas tarefas, de me haver cansado de todos os "passatempos"? Contudo, a questão se torna de fato pungente quando a compulsão para "fazer coisas" permanece. E a sociedade — principalmente a sociedade Ocidental — trata de nos ver sempre ocupados; há sempre mais a fazer, mesmo além das atividades essenciais para a aquisição dos meios necessários à obtenção de alimentos, roupas e abrigo. Assim, acontece, invariavelmente, que a finalidade central da existência do homem é posta de lado, ou relegada a especialistas — os teólogos, os filósofos e vários outros intérpretes da sabedoria enlatada. Porém, quanto mais tempo se vive uma existência divorciada da realidade, como simples animal social, mais difícil se torna redescobrir-se como ser humano. Talvez agora a sociedade, através das novas realidades econômicas, faça menos uso dos indivíduos na qualidade de escravos do trabalho — permitindo-lhes mais horas de lazer (ainda para uma pequena minoria) e isso os leve a circunstâncias que podem tornar-se mais favoráveis ao afastamento da inflexível ronda de atividades externas e a refletir sobre elas, livres de qualquer pressão ou da compulsão inerente aos nossos hábitos de pensamento.