O amor é quase impossível no estado comum da mente humana. O amor só é possível quando a pessoa já atingiu o ser, não antes. Antes disso, é sempre alguma outra coisa. Continuamos chamando-o de amor, mas, algumas vezes, é quase estúpido chamá-lo de amor.
Um homem se enamora de uma mulher porque gosta do modo como ela caminha ou da sua voz, ou do modo como ela diz "olá", ou de seus olhos. Outro dia eu estava lendo que uma amiga e Jerry Brown da Califórnia disse: "Ele tem as mais lindas sobrancelhas do mundo". Não há nada de errado nisso — sobrancelhas podem ser belas — se você se apaixona pelas sobrancelhas, então mais cedo ou mais tarde, fica frustrado, porque as sobrancelhas são uma parte muito pouco essencial da pessoa.
E por coisa tão pouco essenciais as pessoas se apaixonam: o formato do nariz, a cor da face, a proporção do corpo ou os olhos. Essas coisas não são essenciais, porque quando você vive com uma pessoa, não está vivendo com a proporção do corpo. Não está vivendo com as sobrancelhas ou com a cor do cabelo. Quando você vive com uma pessoa, ela é uma coisa muito grande e vasta... quase indefinível e essas pequenas coisas na periferia logo perdem o sentido. Mas, então, de repente, fica-se surpreso. O que fazer?
Todo amor começa de um jeito romântico. Mas no momento em que a lua-de-mel termina, ele termina, porque não se pode viver com romance. Tem-se de viver com a realidade — e a realidade é totalmente diferente. Quando você vê uma pessoa, não vê a totalidade da pessoa; vê apenas a superfície. É como se você tivesse se enamorado de um automóvel por causa da sua cor. Você nem mesmo olhou sob o capô; pode não haver nenhum motor ou talvez alguma coisa esteja com defeito. No final, a cor não importará.
Quando duas pessoas ficam juntas, suas realidades, suas realidades interiores entram em conflito e as coisas mais exteriores tornam-se sem sentido. O que fazer, então, com as sobrancelhas, com os cabelos e com o estilo do cabelo? Você quase começa a esquecê-los. Eles não o atraem mais porque estão lá. E quanto mais você conhece a pessoa, mais fica com medo, porque então, você chega a conhecer a loucura dela e ela fica conhecendo a sua. Então ambos se sentem trapaceados e ficam com raiva. Um começa a se vingar do outro como se um estivesse enganando ou trapaceando o outro. Ninguém está trapaceando ninguém, embora todos sejam trapaceados.
Uma das mais básicas coisas a se compreender é que quando você ama uma pessoa, você a ama porque ela não está disponível. Agora ela está disponível, então como pode o amor existir?
Você queria ficar rico porque era pobre. Todo o desejo de se tornar rico era por causa da sua pobreza. Agora que você está rico não faz caso disso. Ou veja isso de uma outra forma: você está com fome, então fica obcecado por comida. Mas quando está se sentindo bem e seu estômago está cheio, quem se importa, quem pensa em comida?
O mesmo acontece com o que você chama de amor. Você está correndo atrás de uma mulher e ela continua se retraindo, fugindo de você. Você fica cada vez mais apaixonado e então corre ainda mais atrás dela. E isso faz parte do jogo. Toda mulher sabe, intimamente, que ela tem de fugir para que a perseguição continue por mais tempo. É claro que ela não foge muito a ponto de você esquecê-la completamente. Ela tem de permanecer à vista, seduzindo, fascinando, chamando, convidando — e ainda assim fugindo.
Então, primeiro o homem corre atrás da mulher e ela tenta fugir. Uma vez que o homem apanhou a mulher, imediatamente toda a direção muda. Então o homem começa a fugir e a mulher começa a perseguir — "Onde você vai? Com quem você está falando? Por que está atrasado? Com quem você esteve?"
E o problema todo é que ambos se sentiam atraídos um pelo outro porque eram desconhecidos um para o outro. O desconhecido foi o que atraiu, o não familiar foi a atração. Agora ambos conhecem bem um ao outro. Conhece a topografia do outro — o corpo, a mente. Fizeram amor muitas vezes, e agora isso se tornou quase uma repetição. No máximo, é um hábito, um relaxamento, mas o romance se foi.
Então eles se sentem entediados. O homem tornou-se um hábito, a mulher se tornou um hábito. Um não pode viver sem o outro por causa do hábito e não podem viver juntos porque não há nenhum romance.
Este é o ponto real onde a pessoa tem de compreender se isso é amor ou não. E não se deve iludir a si mesmo,deve-se ser claro. Se era amor, ou se apenas um fragmento disso era amor, essas coisa passarão. Então a pessoa deve entender que essas coisas são naturais. Não há nada para se ficar com raiva. E você ainda ama a pessoa. Mesmo conhecendo-a você ainda a ama.
Na verdade, se o amor existe, você ama a pessoa ainda mais, porque a conhece. Se o amor está presente, ele sobrevive. Se não está, desaparece. As duas coisas são boas. Para um estado comum da mente, o que eu chamo de amor não é possível. Ele só acontece quando você tem um ser muito integrado. O amor é uma função do ser integrado. Não é romance. Não tem nada a ver com essas tolices. Ele vai diretamente para a pessoa e vê dentro da alma.
O amor, assim, é um tipo de afinidade com o ser mais interior da pessoa — e, então, ele é totalmente diferente. Todo amor pode crescer dessa forma, deve crescer dessa forma, mas noventa e nove por cento dos amores nunca crescem até esse ponto. Esses tumultos e problemas são tantos que podem destruir tudo.
Mas não estou dizendo que a pessoa deva se apegar. A pessoa deve estar alerta e consciente. Se o amor era apenas essas tolices, desaparecerá. Não vale a pena se preocupar a respeito. Mas se ele é real, sobreviverá através de todos os tumultos. Portanto, apenas observe...
O amor não é a questão. A questão é a sua consciência. Isso pode ser apenas uma situação na qual a sua consciência crescerá e você se tornará alerta sobre si mesmo. Talvez esse amor desapareça, mas o próximo será melhor; você escolherá com uma melhor consciência. Ou talvez este amor, com uma melhor consciência, mude de qualidade. Assim, aconteça o que acontecer, deve-se permanecer aberto.
Portanto, apenas observe. Tudo está indo bem.
O S H O — O Cipreste no Jardim
O S H O — O Cipreste no Jardim