No estudo dos processos mentais, deparamo-nos muita vez com uma situação denominada "círculo vicioso" — trata-se realmente de um estado bastante vicioso, quando psicológico. O que vem a seguir parece-me ser exemplo da situação. Para entender de alguma forma qualquer coisa, precisamos de inteligência. Não me refiro à agudeza intelectual exigida para o entendimento cabal de um processo de dedução lógica, o processo de ideação — mas a essa inteligência criadora capaz de compreender o novo e o desconhecido, aquilo que não se deduz a partir do velho, isto é, o "aqui e agora". Essa inteligência só ocorre com o ego em inatividade. Quando o ego é forte, não existe tal inteligência. E, para que o cérebro esteja inativo, também se exige uma certa inteligência, qual seja, a de ver o ego como ele é realmente, em suas atividades incessantes. Só quando passarmos a conhecer o ego é que se tornará possível libertarmo-nos dele. Conseqüentemente, para a pessoa de ego forte — e só ela pode transcendê-lo — é humanamente impossível obter a faculdade do "prajna" — esse profundo entendimento que não é conhecimento.
Entretanto, podemos agora compreender que, com o rompimento efetivo do círculo vicioso, o processo de iluminação é repentino e não progressivo, pois a inteligência e a dissolução do ego se fortalecem mutuamente como numa reação em cadeia. Talvez o único fator capaz de interromper o círculo vicioso, o fator que atua como elemento catalisador, seja o interesse, o "espírito de investigação", como é chamado no Zen. Quando nos interessamos por alguma coisa, a bem de si mesmo, o ego se retrai automaticamente; é deslocado temporariamente pelo objeto com que mantém comunhão completa. Só então podemos olhar calmamente para a coisa que nos interessa, sem a interposição de nossas idéias. É nesse estado passivo, porém alerta, que a inteligência se coloca à nossa disposição — e não se trata aqui da habilidade ou da acuidade intelectual de que fomos ou não dotados ao nascer. É um estado de Inteligência que transcende todos os predicados pessoais — de modo que a vida espiritual não é mais difícil para os "simples" do que para os "espertos" ou intelectuais. Devido à natureza do círculo vicioso descrito acima, o estado normal de não-iluminação tende a perpetuar-se; porém, a necessidade de buscar a verdade pela verdade tende a aumentar a clareza: "Procura e acharás."
Robert Powell - Zen e Realidade