Na antiga busca da libertação humana, dois padrões predominantes podem ser assinalados. Nas grandes regiões do Oriente, a preocupação principal foi sempre a de uma libertação interior, que atribuía apenas uma importância secundária ao mundo exterior, material. Esta atitude contribuiu naturalmente para uma espécie de Quietismo, no que se refere à atividade mundana e, assim, a uma negligência das condições materiais da vida.
No Ocidente, a libertação do gênero humano prosseguiu principalmente em termos sociais, isto é, exteriores. Através do melhoramento das condições físicas por meio de uma tecnologia em rápido desenvolvimento e também por determinadas formas da chamada legislação “esclarecida”, os governantes procuraram proporcionar “o máximo de felicidade para o maior número de pessoas” — mesmo se o número dos realmente beneficiados nem sempre fosse muito grande.
Nenhum desses extremos opostos da atitude tem a probabilidade de criar um ótimo clima psicológico para a libertação da consciência. Por um lado, um homem faminto estará demasiadamente ocupado em providenciar alimento, para ele e sua família, para se incomodar com seu bem-estar espiritual — um estômago vazio não é especialmente propício para a meditação, embora alguns pareçam julgar que sim — e a luta pela sobrevivência física num mundo hostil consumirá uma grande quantidade de energia que, de outra forma, poderia estar disponível para a busca da felicidade.
Por outro lado, a luta individual para “melhorar” a si próprio, numa sociedade orientada para o material, tem a probabilidade de ficar irreparavelmente perdida nessa busca. O indivíduo também desviará grande quantidade de energia essencial para metas irrelevantes e, em muitos casos, nem mesmo saberá “do que se trata”, tendo perdido completamente o contato com a origem do seu próprio ser.
Entretanto, existe ainda um terceiro enfoque relativo à possibilidade da libertação humana, que não é simplesmente um caminho intermediário ou um ajuste entre aqueles acima mencionados mas, de fato, a negação de ambos. Este Caminho, desde tempos imemoriais, foi reconhecido por pessoas, tanto do Ocidente como do Oriente, como a única solução plausível para o problema da servidão humana. Resumindo, ele se baseia no fato de não haver divisão entre o “interior” e o “exterior”; aquilo a que chamamos vida “espiritual” na realidade nada mais é do que a vida cotidiana; a Vida é indivisível. Isto significa que a “mudança interna” da mente é um ato assimétrico, a não ser que acompanhado do correspondente fenômeno exterior. Da mesma forma, ajustar o exterior — por exemplo, legislando sobre a paz, contra a discriminação racial, etc. — sem a correspondente mudança do espírito, é um ato igualmente assimétrico. Disto se segue que qualquer tipo de libertação que não seja apenas aparente, parcial ou temporária, deve ser um processo espontâneo, no qual a “vontade” não desempenha nenhum papel — um processo que resulta apenas de uma compreensão profunda de todo o campo da atividade consciente. Portanto, a única libertação verdadeira é a do homem que vive inteira e intensamente neste mundo, sem quaisquer restrições mentais, embora talvez este não seja o seu mundo.
Com tal enfoque, estritamente não-dualista da Realidade, é possível um modo de vida realmente coordenado, no qual tudo, embora aparentemente irrelevante, assume um significado mais profundo. Por exemplo, sondar a insubstancialidade do átomo pode concorrer para o autoconheci mento, ao se examinar com clareza a nulidade de nossa própria natureza. Inversamente, conhecendo a si mesmo, o observador pode lançar novas luzes sobre o mundo, o qual, afinal de contas, só se torna conhecido pela intervenção dos sentidos do observador. Da mesma forma, e de acordo com este ponto de vista, a Sociedade não pode estar divorciada do indivíduo, porque política, econômica e psicologicamente ele é, em sua totalidade, um produto dessa Sociedade. Querer saber qual dos dois é basicamente mais real assemelha-se muito àquela pergunta proverbial sobre o ovo e a galinha. Isso porque viver é agir, e porque cada ação afeta diretamente o relacionamento com os outros e com todo o ambiente; um homem em busca da emancipação é um indivíduo engajado. A pessoa “religiosa” que se esquiva de toda forma de atividade mundana, por estar 100 por cento de seu tempo ocupada na realização da salvação pessoal, representa um absurdo tão grande quanto a pessoa “mundana”, que emprega todo o seu tempo ganhando dinheiro, sem jamais fazer nada que não seja essencialmente “vantajoso”. Nem sequer se trata de equilibrar a própria atividade — digamos, combinando uma determinada dose de “meditação” com uma quantidade equivalente de “boas ações”. O homem que é sincero consigo mesmo e, por conseguinte, nunca se conforma, representa um fator importuno para as forças sombrias do conservadorismo no mundo, mesmo que ele não se empenhe em “derrubar o governo”. Tal espécie de homem, no transcorrer de uma existência exercerá um efeito tremendo sobre a sociedade; embora, talvez, imperceptivelmente, tenha contribuído de um modo real para a mudança dessa sociedade.
Robert Powell - A Mente livre
No Ocidente, a libertação do gênero humano prosseguiu principalmente em termos sociais, isto é, exteriores. Através do melhoramento das condições físicas por meio de uma tecnologia em rápido desenvolvimento e também por determinadas formas da chamada legislação “esclarecida”, os governantes procuraram proporcionar “o máximo de felicidade para o maior número de pessoas” — mesmo se o número dos realmente beneficiados nem sempre fosse muito grande.
Nenhum desses extremos opostos da atitude tem a probabilidade de criar um ótimo clima psicológico para a libertação da consciência. Por um lado, um homem faminto estará demasiadamente ocupado em providenciar alimento, para ele e sua família, para se incomodar com seu bem-estar espiritual — um estômago vazio não é especialmente propício para a meditação, embora alguns pareçam julgar que sim — e a luta pela sobrevivência física num mundo hostil consumirá uma grande quantidade de energia que, de outra forma, poderia estar disponível para a busca da felicidade.
Por outro lado, a luta individual para “melhorar” a si próprio, numa sociedade orientada para o material, tem a probabilidade de ficar irreparavelmente perdida nessa busca. O indivíduo também desviará grande quantidade de energia essencial para metas irrelevantes e, em muitos casos, nem mesmo saberá “do que se trata”, tendo perdido completamente o contato com a origem do seu próprio ser.
Entretanto, existe ainda um terceiro enfoque relativo à possibilidade da libertação humana, que não é simplesmente um caminho intermediário ou um ajuste entre aqueles acima mencionados mas, de fato, a negação de ambos. Este Caminho, desde tempos imemoriais, foi reconhecido por pessoas, tanto do Ocidente como do Oriente, como a única solução plausível para o problema da servidão humana. Resumindo, ele se baseia no fato de não haver divisão entre o “interior” e o “exterior”; aquilo a que chamamos vida “espiritual” na realidade nada mais é do que a vida cotidiana; a Vida é indivisível. Isto significa que a “mudança interna” da mente é um ato assimétrico, a não ser que acompanhado do correspondente fenômeno exterior. Da mesma forma, ajustar o exterior — por exemplo, legislando sobre a paz, contra a discriminação racial, etc. — sem a correspondente mudança do espírito, é um ato igualmente assimétrico. Disto se segue que qualquer tipo de libertação que não seja apenas aparente, parcial ou temporária, deve ser um processo espontâneo, no qual a “vontade” não desempenha nenhum papel — um processo que resulta apenas de uma compreensão profunda de todo o campo da atividade consciente. Portanto, a única libertação verdadeira é a do homem que vive inteira e intensamente neste mundo, sem quaisquer restrições mentais, embora talvez este não seja o seu mundo.
Com tal enfoque, estritamente não-dualista da Realidade, é possível um modo de vida realmente coordenado, no qual tudo, embora aparentemente irrelevante, assume um significado mais profundo. Por exemplo, sondar a insubstancialidade do átomo pode concorrer para o autoconheci mento, ao se examinar com clareza a nulidade de nossa própria natureza. Inversamente, conhecendo a si mesmo, o observador pode lançar novas luzes sobre o mundo, o qual, afinal de contas, só se torna conhecido pela intervenção dos sentidos do observador. Da mesma forma, e de acordo com este ponto de vista, a Sociedade não pode estar divorciada do indivíduo, porque política, econômica e psicologicamente ele é, em sua totalidade, um produto dessa Sociedade. Querer saber qual dos dois é basicamente mais real assemelha-se muito àquela pergunta proverbial sobre o ovo e a galinha. Isso porque viver é agir, e porque cada ação afeta diretamente o relacionamento com os outros e com todo o ambiente; um homem em busca da emancipação é um indivíduo engajado. A pessoa “religiosa” que se esquiva de toda forma de atividade mundana, por estar 100 por cento de seu tempo ocupada na realização da salvação pessoal, representa um absurdo tão grande quanto a pessoa “mundana”, que emprega todo o seu tempo ganhando dinheiro, sem jamais fazer nada que não seja essencialmente “vantajoso”. Nem sequer se trata de equilibrar a própria atividade — digamos, combinando uma determinada dose de “meditação” com uma quantidade equivalente de “boas ações”. O homem que é sincero consigo mesmo e, por conseguinte, nunca se conforma, representa um fator importuno para as forças sombrias do conservadorismo no mundo, mesmo que ele não se empenhe em “derrubar o governo”. Tal espécie de homem, no transcorrer de uma existência exercerá um efeito tremendo sobre a sociedade; embora, talvez, imperceptivelmente, tenha contribuído de um modo real para a mudança dessa sociedade.
Robert Powell - A Mente livre