Penetrar no Vazio não constitui apenas etapa dificílima de transição, mas também, de início, uma experiência bastante dolorosa. Ao realizarmos o Vazio na mente, poderemos entender de maneira clara, simultaneamente, que se separam de nossas vidas os fatores negativos — fontes de sofrimento mais óbvias — assim como os positivos: desde os prazeres mais primitivos até os mais refinados, as muitas coisas por que "ansiávamos". Essa sensação de vazio, de lacuna, eqüivale ao sofrimento de uma grande dor, a um sentimento de desespero. Só quando abandonamos por completo o mundo do pensamento e nos achamos diretamente no Vazio, quando nos tornamos o Vazio, é que cessa a dor, porque ela é causada por um resquício da necessidade de realização de um desejo. Nessa etapa, por mais rarefeito ou sutil que seja esse desejo, ele ainda subsiste e continuará existindo até que a pessoa que vive a experiência, o ego, se vá por inteiro. Enquanto isso não ocorre, existe o medo da absorção completa pelo Vazio, o medo em relação ao nada, ou, antes, o receio de perder a antiga vida costumeira e de romper com os velhos hábitos.
Parece humanamente impossível deixar de viver por alguma coisa e começar a viver. No Zen, essa é a fase denominada "A Grande Dúvida" que antecede ao satori. No entanto, de quando em quando — em especial na infância — experimentamos, de maneira bem espontânea e inesperada, momento em que o simples fato de viver representa uma bem-aventurança e nada mais desejamos. Nessas ocasiões, a descoberta realmente importante na vida do homem talvez seja a de que a forma mais elevada de Felicidade está à mão, mesmo para quem não possua ou não seja nada — ou exatamente por isso. Acredito que o japonês seja a única língua que possui um termo para a experiência desse estado de existência, a palavra "wabi", provavelmente a palavra mais refinada de todas as línguas. Talvez, ainda, encontremo-la no poemeto a propósito do mestre do Zen Pang Chü-shih, do século IX, que, por nada possuir, vivia continuamente no Vazio:
O velho Pang de nada precisa no mundo:
Tudo com ele é vazio, mesmo a cadeira que não possui,
O Vazio absoluto reina em seu lar;
E que lar vazio, sem tesouros!
Ao nascer do sol, caminha pelo Vazio,
Ao pôr-do-sol, adormece no Vazio;
Sentado no Vazio, entoa seus cantos vazios,
E suas vazias palavras retumbam no Vazio.*
(*) D. T. Suzuki, Essays in Zen Buddhism, Vol. 2, p. 297; Lon-
dres, Luzac, 1927, 1933, 1934, reeditado por Rider, 1949, 1950, 1951.
Robert Powell - Zen e Realidade