Hoje em dia, parece que há muitos comentários acerca da liberdade, o que talvez não seja completamente espantoso numa sociedade que não é livre. Um homem, quando na prisão, anseia sempre pela amplidão do mundo além de suas grades. Instintivamente, muitos de nós sentem que a liberdade é um dos maiores benefícios na Terra, se não for o maior. Todavia, a palavra “liberdade”, como a palavra “amor”, apresenta-se de um modo opressivo. O que significa ela realmente para nós? Será liberdade de pensamento, ou liberdade da opressão, da miséria e da interferência do governo? Poderíamos definir muitas outras espécies de liberdade; porém, embora todas sejam necessárias numa sociedade honesta, nada significam quando comparadas à Liberdade no sentido mais fundamental da palavra, e pelo qual aqui nos interessamos. Essa Liberdade apresenta-se como uma condição interior da mente, que se desenvolve, apesar da independência ou falta da mesma; ao mesmo tempo, ela representa o único meio genuíno para a realização da liberdade exterior. Uma sociedade livre jamais pode nascer dos esforços de escravos, não importando o que façam. E somos escravos, e o seremos enquanto não reconhecermos que estamos completamente condicionados, que todos os nossos atos se originam no passado.
Fundamentalmente, a liberdade interior é estar-se livre das exigências do eu, que pode ser “você”, “eu”, bem como também a sociedade por nós criada. Uma vez não existindo maior tirania do que a do eu, a liberdade interior é a liberdade definitiva. Talvez possam perguntar: De que modo isso acontece? Como posso eu, sendo eu mesmo, ficar livre de “mim”? Este parece ser um caso no qual a simples lógica não nos levará muito longe, porque, obviamente, a nossa terminologia já dá a questão como provada. Uma vez que as palavras são imprescindíveis à comunicação, deveríamos usá-las parcimoniosamente, conferindo-lhes apenas um grau provisório quanto à finalidade de seus significados. Deste modo, criamos a liberdade necessária para irmos além das palavras, o que é importante para uma compreensão de qualquer profundidade.
Paradoxalmente, perder o nosso Eu é encontrar a nós mesmos. Isso quer dizer que devemos descobrir o que somos, não num sentido teórico — como ficar sabendo que somos filhos de Deus ou feitos à Sua imagem, ou qualquer uma dessas tolices — mas descobrir realmente, por nós mesmos, o que é a energia, a energia que é experimentada pelo “Eu”. Isso devido a que o Eu não deve ser constituído de uma abstração e, portanto, jamais pode ser descrito. Ele está constantemente em movimento; é a coisa mais evanescente que existe no mundo. No momento em que o senhor pensa conhecê-lo, já se torna uma coisa inteiramente diversa. Por não estar ele dentro do campo da ciência, o senhor não poderá descobrir o que seja essa “eu” por meio de uma outra pessoa qualquer — mesmo que fosse o seu psicanalista, o seu guru favorito ou este escritor.
Assim, as poucas palavras com as quais podemos apenas sugerir a natureza da “autognose” não terão qualquer sentido, a não ser que estejamos usando realmente o sistema da autodescoberta, que é meditação no sentido mais exato da palavra. Para compreender a natureza do eu, devemos estar atentos às nossas ações, pensamentos e sentimentos; devemos observar todos os anseios secretos, os desesperos silenciosos e os conflitos íntimos da mente, sem nos deixarmos arrebatar pelo que vemos. No momento em que nos deixamos arrebatar, não haverá mais observação, que deveria envolver-se tão pouco com a cena observada como no funcionamento de uma máquina fotográfica. Assim, se pudermos ficar “descuidadamente conscientes” ao nos observarmos, talvez descubramos que a cada momento o nosso comportamento é baseado na lembrança de uma experiência passada; essa experiência anterior que procura a continuação, a intensificação, a modificação e cria o futuro. Toda ação está preocupada em ligar a situação atual com a situação passada, proporcionando alguma continuidade a esse passado. Conseqüentemente, jamais vivemos no momento presente, embora intelectualmente possamos saber que somente este último existe. Não é estranho? Ao mesmo tempo deve-se observar que jamais aceitamos aquilo que é e que continuamente desejamos moldar aquilo que é no que deveria ser, condicionando-o com base na experiência anterior. E a sensação de divergência entre aquilo que é e o que deveria ser — que representa, na realidade, uma espécie de resistência contra o que é — não significa outra coisa senão o sentido do Ego, e se encontra na raiz de todo conflito; portanto, representa o único obstáculo para nossa liberdade. Estar realmente livre significa estar inteiramente submerso naquilo que é, não mais preocupado com o que possa ocorrer àquele Eu medíocre, e assim sem maiores projetos para o futuro.
Ora, quando já não estamos mais criando o tempo como uma necessidade psicológica, ainda existe um Eu? É evidente que não estamos falando do Eu físico — com suas necessidades puramente físicas — mas do centro psicológico, com suas muitas compulsões, que representa o foco de toda angústia mental. Se esse centro está temporariamente inativo, embora por um curto período, não significará isso a libertação de uma tremenda carga e uma indizível sensação de alívio? Se nos libertamos do ponto central, podemos viver inteiramente com aquilo que é, sem conflitos, até mesmo se o que é abrange uma sociedade de não-libertos. Isso não significa que estejamos satisfeitos com as coisas conforme elas são; ou que, tendo provado a liberdade total, digamos “estou bem, Jack” — e ignoremos, ou olhemos para baixo, para aqueles que ainda estão algemados pelos seus desejos, pela falta de compreensão do espírito sempre agitado. Ao contrário, isso significa que, pela primeira vez, vemos claramente a premência de uma revolução total na conscientização, sem nos identificarmos, por pouco que seja, com a sua necessidade. Isto acontece porque já não existe mais qualquer divisão entre nós, como entidade separada, e nossos semelhantes. E, parecendo um contra-senso, é somente nesse estado que podemos ser realmente eficientes ao provocar essa mudança radical em nossa conscientização e, portanto, na sociedade. A sociedade não pode ser libertada de fora, impondo a ela uma série de valores; sua estrutura psicológica intrínseca não é afetada por qualquer revolução política, embora drástica, ou por qualquer legislação, conquanto humanística. Ela só pode ser libertada do lado de dentro mediante uma completa transformação da conscientização, que está por baixo de todas as suposições e motivações básicas da sociedade. Isso significa que quando um “indivíduo” se liberta, com essa atitude ele faz mais pela libertação da humanidade do que todos os movimentos coletivos de libertação na História. Os feitos destes últimos não passam de pálidos reflexos do processo de auto-realização.