O homem moderno está condicionado a ver a atividade como uma virtude — mesmo mera atividade, indiferente às suas consequências. Tudo grita para ele: — Vá, homem, vá... e se ele não "for", já pode considerar-se morto. Geralmente, portanto, o contemplativo é visto como algo semelhante a um peixe morto, bem como uma ameaça à ordem estabelecida das coisas. Isso se dá principalmente porque a existência leva as pessoas a se sentirem constrangidas quanto à sua incessante e (im)pensante atividade — a forma pela qual conferem tanta importância ao que quer que seja que estejam fazendo, jamais discutindo o valor intrínseco de alguma coisa. Uma pessoa pode, é natural, racionalizar suas atividades, das explicações que as justifiquem, e assim por diante — mas tudo isso tem pouco sentido quando se trata das necessidades reais da vida. Porque, se se aprofundar, acabará por descobrir as pressões que estão por trás da atividade, e ficará claro que a atividade, em si mesma, não importa muito, realmente. Aqui estamos tocando em outra característica significativa do homem moderno: ele jamais está livre da tensão e esforço. Está matando-se lentamente, através de pressão auto-imposta, sempre se fustigando, jamais relaxando. Mesmo quando ostensivamente relaxa, "afastando-se de tudo", leva consigo o hábito dos negócios, que já está gravado em seu coração.
Poucas pessoas existem neste mundo — verdadeiros "forasteiros", como poderiam ser chamadas — que tenham experimentado a autoconfrontação e chegado a um ponto de vista diametralmente oposto ao que constitui uma forma sadia de vida. Essas pessoas veem a descuidada atividade mecânica do homem dos dias atuais, impulsionados pela ganância, pelo medo, pelo tédio, pela ambição, como uma forma de morte; e a vida contemplativa como a forma de ocupação mais real, mais vital. Falando pessoalmente, e dizendo isso de uma forma talvez um tanto rude, não vejo obrigação nenhuma para o homem, de fazer qualquer coisa. Tudo quanto ele realmente precisa fazer é respirar, e mesmo isso é opcional, se não fosse involuntário. É óbvio que não estamos falando, aqui, de obrigações em sentido estreito, relativo — tal como os deveres para com a família, o empregador, a comunidade, as obrigações econômicas, e assim por diante — mas estamos tratando da finalidade da liberdade na mais profunda significação da palavra. E, se algum sentido há nessa palavra, a liberdade, então, deve significar o direito da autodeterminação . (Na realidade, liberdade é autodeterminação — em ambos os sentidos da expressão. primeiro ela significa a determinação que é essa entidade a que nos referimos como "eu" e com a qual temos convivido todos esses anos, e, em segundo lugar, desde que tenhamos descoberto isso, o direito de sermos nós mesmos, de deixar o "eu" sozinho num mundo onde pressões adaptadoras são exercidas para modelar o indivíduo de acordo com algum padrão "aprovado). E essa autodeterminação inclui, obviamente, a cada um o direito de ser senhor de seu próprio destino, e de se "abster" (de qualquer ação, mundana ou não) se assim o desejar. (E, sem falar na sabedoria disso, em tal direito à autodeterminação seria, logicamente, incluído também, o direito de auto-imolação física).
O exercício do direito de se abster não significa, entretanto, na prática, que uma pessoa deva tornar-se, de súbito, cem por centro indolente — pelo contrário; mas realmente significa o fim de ser manejado, seja pelo "eu" seja pelo "não-eu". A pessoa chega finalmente a um estado em que pode dizer, de todo o coração e sem a menor reserva: "Que seja". Então, quando não mais existe a compulsão do "eu devo...", uma certa calma se estabelece, na qual a coisa mais sensata a fazer é prosseguir com a autoconfrontação até o "amargo" fim (ou como quer que seja).
Se a pessoa prosseguir, logo se torna (literalmente) "dolorosamente óbvio" que a ela não é atribuído nenhum valor, que a importância dada as suas ações e a suas memórias é uma fantasia da imaginação, despedida de sentido, e que a verdadeira significação está no entendimento de que não há nenhum propósito na vida — uma conclusão aparentemente negativa que, paradoxalmente, contém tremendas implicações positivas. Vemos que "objetivo" foi apenas um resultado, uma projeção do nosso exagerado sentimento de auto-importância que nega o fato da brevidade do ego, dando-lhe uma permanência desprovida de qualquer apoio na realidade.
Tendo visto tudo isso, a pessoa vive tanto o que É, que não mais haverá questão do que deveria ser; portanto, por mais complicadas que sejam as circunstâncias nas quais possa encontrar-se, não haverá mais luta para modificar as coisas — embora, também paradoxalmente, a atitude de menos resistência possa acarretar modificações muito grandes, realmente. Já não há pressões, e mais uma vez a vida é doce. Não é essa uma liberação em relação ao tempo, já que todos os "objetivos" devem, inevitavelmente, ficar no futuro, criando mais "obrigações". Assim, não se obtém logo a resposta para a indagação: Que fazer... como viver, embora não seja exatamente o que se espera?
Então, quando a calma tornou-se Vazio, a inquieta, esforçada entidade, que está sempre planejando, sempre se afligindo a propósito do seu futuro, é, ela própria, uma parte desse Vazio. Porque a carga tremenda do "que fazer da sua vida" foi afastada, e, por assim dizer, retirada para ombros alheios, há uma sensação relaxante.* Por que a pessoa já vive cercada pela camisa-de-força de uma identidade arbitrariamente assumida — socialmente induzida pelos preguiçosos hábitos de pensamento — há, também, a experiência de uma liberdade total.
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* Pode ser necessário enfatizar, aqui, que a passividade pressuposta na abstenção quanto à realização dos desejos de uma pessoa não é, de maneira nenhuma, a mesma coisa que a passividade do místico que "abandona" conscientemente sua própria vontade diante de um "poder maior". "Não seja feita a minha vontade e sim a Tua..." Não estamos falando aqui de renúncia (que realmente fortalece a vontade, porque renunciar alguma coisa também é um ato de vontade!), mas do abandono espontâneo do desejo de continuar com as habituais atividades auto-engrandecedoras, porque a pequenez e a falta de significação fundamental destas estão claramente percebidas. É como se a pessoa ficasse entediada com tudo aquilo (isto é, o pequeno "mim", com suas eternas exigências) e esteja agora em posição de dar completa atenção às coisas que dizem respeito ao "não-mim", ou ao Eu maior. Quando isso acontece, o "mim" ficou absorvido pelo "não-mim", ou na linguagem de Ramana Maharshi, o eu verdadeiro (também descrito como "mim-mim") é reconhecido. E essa declaração sugere que nada existe fora do eu, que nossa vida passada, com todos os seus sofrimentos, fora baseada na realidade — o mundo de Maya — portanto tinha sido vã. Essa reorientação representa um verdadeiro ponto de reversão e torna disponível uma tremenda quantidade de energia vital.