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sábado, 21 de abril de 2018

O estado da mente religiosa

Desejo nesta manhã falar sobre o significado da religião, não apenas para explicá-lo verbalmente, mas também para compreendê-lo profundamente. Mas, antes de nos aprofundarmos nesta questão, precisamos ficar bem esclarecidos sobre o que é mente religiosa, e qual o estado da mente que investiga, de fato, a questão da religião.

Parece-me sumamente importante compreender a diferença entre isolamento e solidão. Quase toda a nossa atividade diária se concentra em torno de nós mesmos; baseia-se em nosso particular ponto de vista, em nossas próprias experiências e idiossincrasias. Pensamos em termos relativos à nossa família, nosso emprego, nossos objetivos, e também em referência a nossos temores, esperanças e desesperanças. Tudo isso é obviamente egocêntrico e torna existente um estado de isolamento, como se pode ver na vida de cada dia. Temos secretos desejos pessoais, ocultos apelos e ambições, e nunca nos achamos em profunda relação com ninguém, nem com as nossas esposas, nem com os nossos maridos ou nossos filhos. Esse isolamento é igualmente um resultado de nossa fuga ao tédio cotidiano, às frustrações e trivialidades de nossa vida diária. É causado, também, pela nossa fuga ao estranho sentimento de solidão que nos assalta quando nos vemos subitamente desligados de tudo, quando tudo está longe de nós e não há comunhão, não há relação com ninguém. Penso que a maioria de nós, aqui presentes — se alguma vez nos conscientizamos do mecanismo de nosso próprio existir — tem sentido profundamente essa solidão.

Em virtude dessa solidão, desse sentimento de isolamento, tratamos de identificar-nos com alguma coisa maior do que nós — pode ser o Estado, um ideal, ou um conceito acerca de Deus. Essa identificação com algo maior ou imortal, algo exterior à esfera de nosso pensamento, chama-se geralmente “religião” e conduz à crença, ao dogma, ao ritual, a atividades separadas de grupos rivais, cada um dos quais crê num diferente aspecto da mesma coisa; assim, o que chamamos religião produz mais isolamento ainda.

E vê-se, também, como o mundo está dividido em nações rivais, cada uma com seu governo soberano e suas barreiras econômicas. Embora todos sejamos entes humanos, temos edificado muralhas entre nós mesmos e nossos semelhantes, com o nacionalismo, a raça, a casta, a classe — o que, por igual, gera isolamento, solidão.

Ora, a pessoa que se envolve na solidão, nesse estado de isolamento nunca terá possibilidade de compreender o que é religião. Poderá crer, ter certas teorias, conceitos, fórmulas, poderá procurar identificar-se com o que chama Deus; mas a religião, assim me parece, nada tem que ver com crenças, sacerdotes, igrejas ou os chamados livros sagrados. Só podemos compreender o estado da mente religiosa ao começarmos a compreender o que é a beleza. E a compreensão da beleza tem de começar pela solidão total. Só nesse estado é que podemos conhecer a beleza.

Solidão, evidentemente, não é isolamento, nem singularidade. Ser “singular” é apenas de algum modo ser excepcional, ao passo que o estar completamente só requer extraordinária sensibilidade, inteligência, compreensão. “Estar completamente só” implica que a pessoa se encontra livre de toda espécie de influência e, por conseguinte, isenta da contaminação social; temos de estar sós para compreender o que é religião — a verdadeira religião, que é descobrir individualmente se existe algo imortal, eterno.

A mente, tal como é na atualidade, resulta de milhares de anos de influência — biológica, sociológica, ambiente, climática, alimentar, etc. Isso também é bem óbvio. Sois influenciados pela alimentação, pelos jornais, por vossa mulher ou marido, por vosso vizinho, pelo político, pelo rádio, pela televisão, e outras coisas mais. Estais sendo influenciados pelo que vos é “despejado”, na mente consciente e na inconsciente, de muitas e diferentes direções. E não é possível estarmos apercebidos dessas numerosas influências, de maneira tal que não nos deixemos enredar por nenhuma delas? Do contrário, a mente se torna um mero instrumento do ambiente. Poderá criar uma imagem do que ela pensa ser Deus ou a Verdade Eterna, e crer nessa coisa, mas continua a ser moldada pelo ambiente, suas exigências, tensões, superstições, pressões; e sua crença não representa, absolutamente, o estado de uma mente religiosa.

Como cristão, fostes criado numa igreja construída pelo homem no decorrer de dois milênios, com seus sacerdotes, dogmas, rituais. Em pequeno, batizaram-vos e enquanto crescíeis disseram-vos o que devíeis crer; passastes por todo esse mecanismo de condicionamento, de “lavagem do cérebro”. A pressão dessa religião, com sua máquina de propaganda, é obviamente forte, sobretudo porque é bem organizada e está apta a exercer influência psicológica mediante a educação, a adoração de imagens, a atemorização, e o condicionamento da mente. Em todo o Oriente, também, as pessoas estão fortemente condicionadas por suas crenças, seus dogmas, suas superstições, e por uma tradição que remonta a dez mil anos ou mais.

Ora, a menos que a mente esteja livre, não terá possibilidade de descobrir o que é verdadeiro — e estar em liberdade é achar-se livre de qualquer influência. Tendes de livrar-vos da influência da nacionalidade, e da influência de vossa igreja, com suas crenças e dogmas; e deveis também libertar-vos da avidez, da inveja, do medo, do sofrimento, da ambição, da competição, da ansiedade. Se não estamos livres de todas essas coisas, as numerosas pressões exteriores e interiores criarão um estado contraditório, neurótico, e, em tais condições, não podemos, em circunstância nenhuma, descobrir o que é verdadeiro ou se existe alguma coisa que transcenda o tempo.

Vemos, pois, o quanto é necessário que a mente se livre de toda influência. Será isso possível? Se não é possível, não pode então haver descobrimento do que é eterno, do Supremo. Para uma pessoa descobrir se isso é possível ou não, terá de conscientizar-se dessas numerosas influências, não só aqui, neste pavilhão, mas também em sua vida de cada dia. Terá de observar como estão elas contaminando, moldando, condicionando a mente. É óbvio que não se pode estar apercebido a todas as horas das inúmeras e diferentes influências que se precipitam na mente; mas pode-se perceber a importância — e este me parece o ponto crucial da questão — de nos livrarmos de todas influências; e, uma vez compreendida essa necessidade, o inconsciente percebe a influência, ainda que a mente consciente possa, muitas vezes, não percebê-la.

Está claro?

O que estou tentando assinalar é o seguinte: Há influências sobremodo sutis a moldar a mente; e a mente que está sendo moldada por influências, as quais se encontram sempre na esfera do tempo, não pode de modo nenhum descobrir o eterno, ou se tal coisa existe. A questão, pois, é esta: se a mente consciente não tem possibilidade de perceber todas as influências, que deverá fazer? Se, seriamente, vos fizerdes esta pergunta, de modo que ela exija vossa total atenção, vereis que a parte inconsciente de vós mesmos, que não se acha inteiramente ocupada quando as camadas superficiais da mente estão funcionando, toma as coisas a seu cuidado, e observa as influências que vão surgindo.

Considero importante compreender isso; porque, se cuidardes meramente de resistir às influências ou delas vos defender, essa resistência, que é uma reação, criará na mente mais um condicionamento. A compreensão do mecanismo total da influência deve ocorrer sem esforço algum, ter o caráter de percepção imediata. O que sucede é isto: se perceberdes realmente a imensa importância de não vos deixardes influenciar, então, uma certa parte de vossa mente se encarregará desse trabalho, sempre que conscientemente estiverdes ocupado com outras coisas — e essa parte é muito vigilante, ativa e desperta. Impede, pois, ver de pronto a enorme importância de não se ser influenciado por nenhuma circunstância ou pessoa. Este é o ponto essencial — e, não, como resistir à influência, ou o que cumpre fazer quando se está sendo influenciado. Uma vez tenhais compreendido esse fato central, vereis que há uma parte da mente que está sempre desperta e vigilante, sempre pronta a eximir-se de qualquer influência, ainda a mais sutil. Desse estado não influenciado provém uma solidão completamente diferente do isolamento. E há necessidade de solidão, porquanto a beleza se encontra fora da esfera do tempo, e só a mente que está só pode saber o que é a beleza.

Para a maioria, a beleza é questão de proporções, forma, tamanho, contorno, cor. Vemos um edifício, uma árvore, uma montanha, um rio, e dizemos que é belo; mas aí está ainda a “entidade exterior”, o experimentador que observa essas coisas e, por conseguinte, o que chamamos “beleza” acha-se ainda na esfera do tempo. Mas, eu sinto que a beleza está fora do tempo e que, para conhecê-la, o experimentador deve deixar de existir. O experimentador não é mais do que uma simples acumulação de experiência, que serve para julgar, avaliar, pensar. Quando a mente contempla um quadro, ou ouve música, ou observa a correnteza de um rio, ela geralmente o faz apoiada naquele fundo de experiência acumulada; olha do passado, da esfera do tempo — e, para mim, isso não é conhecer a beleza. Conhecer a beleza, ou seja descobrir o eterno, só é possível quando se está totalmente só — e isso nada tem que ver com o que dizem os sacerdotes, com o que dizem as religiões organizadas. A pessoa deve estar livre de influência, de contaminação da sociedade, dessa estrutura psicológica de avidez, inveja, ansiedade, medo. Deve estar liberta de tudo isso. Dessa liberdade provém a solidão, e só no estado de solidão pode a mente conhecer o que existe fora da esfera do tempo.

A beleza e aquilo que é eterno não podem ser separados. Podeis pintar, escrever, observar a natureza, mas se há qualquer forma de atividade do “eu” — qualquer atividade egocêntrica do pensamento — então o que percebeis deixa de ser beleza, porque ainda compreendido na esfera do tempo; e, se não compreenderdes a beleza, de modo nenhum descobrireis o que é eterno; porque essas duas coisas estão unidas. Para descobrir o eterno, o imortal, deve a pessoa estar livre do tempo — sendo o tempo tradição, conhecimento acumulado e a experiência do passado. Não é questão de “crer” ou de “não crer” — pois tais coisas são “imaturas”, extremamente infantis, e nenhuma relação têm com o caso. Mas quem tem sério interesse e deseja realmente descobrir, abandonará totalmente a atividade egocêntrica do isolamento e alcançará, dessa maneira, um estado no qual se verá completamente só; e apenas nesse estado de solidão total podemos compreender a beleza, o eterno.

As palavras iludem, porquanto, símbolos que são, não constituem a realidade. Elas encerram um significado, um conceito, porém não são a própria coisa. Assim, quando falo do eterno, deveis averiguar se estais meramente sendo influenciados por minhas palavras ou enredados numa crença — o que seria uma infantilidade.

Pois bem; para se averiguar se existe tal coisa — o eterno — é preciso compreender o que é o tempo. O tempo é algo verdadeiramente extraordinário; mas não me refiro ao tempo cronológico, ao tempo cronométrico, que é tão evidente quanto necessário. Aludo ao tempo como continuidade psicológica. E é possível vivermos sem essa continuidade? O que dá a continuidade é, obviamente, o pensamento. Se penso numa coisa constantemente, ela tem continuidade. Se alguém olha diariamente para o retrato da própria esposa, com isso lhe dá continuidade. Mas, é possível viver-se neste mundo sem se dar continuidade à ação, de modo que a ação seja sempre nova? Isto é, posso morrer para cada ação, em todo o correr do dia, de maneira que a mente jamais acumule e, por conseguinte, nunca se deixe contaminar pelo passado, mantendo-se, assim, perenemente nova, fresca, indene? Eu digo que isto é possível, que podemos viver assim, o que não significa que tal coisa é para vós uma realidade. Vós mesmos é que deveis descobri-lo.

Começamos, dessa forma, a perceber que a mente deve estar completamente só, mas não isolada. Nesse estado de total solitude surge a percepção de uma extraordinária beleza, de algo não criado pela mente. Isso nada tem que ver com o juntar algumas notas musicais, ou espalhar tintas para pintar um quadro; mas, achando-se só, a mente está imersa na beleza e, em consequência, é sobremodo sensível; e, sendo sensível, é inteligente. Sua inteligência não é a inteligência da sagacidade ou do saber, nem tampouco a capacidade de fazer determinada coisa. É inteligente, no sentido de não estar sendo dominada, nem influenciada, de ser sem medo. Mas, para achar-se nesse estado, a mente deve ser capaz de renovar-se todos os dias — e isso significa morrer, cada dia, para o passado, para tudo o que conheceu.

Ora, como disse, a palavra, o símbolo, não é a realidade. A palavra “árvore” não é a árvore, e devemos, pois, estar atentos para não nos deixarmos enredar em palavras. Estando a mente livre da palavra, do símbolo, torna-se bem sensível e apta a investigar e fazer descobrimentos.

Afinal, busca o homem essa coisa há longo tempo, dos tempos mais antigos à atualidade. Deseja encontrar algo que não seja de concepção humana. Embora as religiões organizadas nada signifiquem para o ser inteligente, contudo elas sempre proclamaram existir algo transcendente; e o homem nunca deixou de procurar essa coisa, porque sempre viveu no sofrimento, na aflição, na confusão, no desespero. Vendo-se em incessante estado de transitoriedade, deseja encontrar algo permanente, perdurável, que tenha continuidade, e sua busca, por consequência, sempre esteve confinada na esfera temporal. Mas, como se pode observar, não há nada permanente. Nossas relações, nossos empregos — tudo é transitório. Dado o nosso medo a essa transitoriedade, estamos sempre em busca de algo permanente, que chamamos “o imortal”, “o eterno”, ou como preferirdes. Mas, essa busca do permanente, do imortal, do eterno, é mera reação e, por conseguinte, sem validade. Só quando a mente está livre desse desejo de certeza, pode começar a descobrir se tal coisa existe — o eterno — algo que transcende o espaço, o tempo, o pensador e a coisa em que pensa ou a que busca. O observar e compreender tudo isso requer plena atenção e a flexibilidade da disciplina resultante de tal atenção. Nessa atenção, não há distração, não há tensão, não há movimento em nenhum sentido; porque todo movimento, todo motivo dessa natureza, resulta de influência, quer do passado, quer do presente. Nesse estado de atenção livre de esforço apresenta-se uma extraordinária consciência de liberdade, e só então — achando-se totalmente vazia, quieta, serena — está a mente capacitada a descobrir o eterno.

Talvez desejeis fazer perguntas a respeito do que foi dito nesta manhã.

PERGUNTA: Como pode uma pessoa ficar livre do desejo de certeza?

KRISHNAMURTI: A palavra “como” supõe método, não achais? Se sois arquiteto e eu vos pergunto como se constrói uma casa, podeis dizer-me o que se tem de fazer, porque há um método, um sistema, uma maneira de executar esse trabalho. Mas a observância de um método ou sistema condiciona a mente; vede, pois, o obstáculo que suscita o emprego da palavra “como”.

E, também, precisamos compreender o desejo. Que é desejo? Outro dia estive examinando isso, e espero que aqueles que então estiveram presentes tenham apreendido o significado do que eu disse e não se sintam enfadados com o que agora estou dizendo. Porque, com efeito, a pessoa pode ouvir estas palestras numerosas vezes, é cada vez perceber algo novo.

Que é o desejo? Como disse naquele dia, há o ver ou perceber, depois o contato e ainda a sensação e, por fim, o aparecimento do que chamamos “desejo”. É isto, por certo, o que acontece. Prestai toda a atenção. Vejo, por exemplo, um belo carro. Desse próprio ato de ver, mesmo sem tocar o carro, há sensação, que cria o desejo de conduzi-lo, de possuí-lo. Não nos interessa, aqui, o como resistir ou livrar-se do desejo, porque o homem que resistiu ao desejo e pensa ter ficado livre dele está em verdade paralisado, morto. O importante é compreender todo o mecanismo do desejo, quer dizer, compreender tanto a sua importância como sua total insignificância. Nós temos de saber, não como extinguir o desejo, mas, sim, descobrir aquilo que lhe dá continuidade.

Ora, que é que dá continuidade ao desejo? O pensamento, pois não? Primeiro vê-se o carro, vem depois a sensação, seguida do desejo; e se o pensamento não intervém e não dá prosseguimento ao desejo, dizendo: “Preciso possuir este carro; como poderei adquiri-lo?” — então o desejo termina. Entendeis? Não estou acentuando a necessidade de ficarmos livres do desejo; muito ao contrário! Mas é preciso compreender a natureza do desejo; porque veremos então que não haverá a sequência do desejo, senão outra coisa completamente diferente.

Assim, o importante não é o desejo em si, porém o fato de lhe darmos continuidade. Por exemplo, damos continuidade ao sexo por meio do pensamento, de imagens, de fotografias, da sensação, da lembrança; mantemos viva a memória dessas coisas pensando nelas, e isso faz vibrar a sexualidade e os próprios sentidos. Bem sei que os prazeres sensuais têm real importância, mas nós lhes atribuímos, pelo desejo de repetição, um exagerado valor em nossa vida. Consequentemente, o relevante não é que nos livremos do desejo, porém que lhe compreendamos a estrutura, e como o pensamento lhe dá vitalidade; isso basta. A mente é então livre e ninguém precisa procurar um meio de libertar-se do desejo. No momento em que o procuramos, envolvemo-nos em conflito. Sempre que vedes um carro, uma mulher, uma casa, ou o que quer que vos atraia, o pensamento interfere e desperta o desejo, e tudo se torna um problema interminável.

O essencial é vivermos uma vida sem esforço, sem um só problema; e pode-se viver sem problema algum quando se compreende a natureza do esforço e se percebe claramente a inteira estrutura do desejo. Temos, em geral, inúmeros problemas; e para estarmos isentos de problemas cumpre pôr fim a cada problema tão logo ele surja. Já consideramos suficientemente este assunto, e não pretendo examiná-lo de novo. Todavia, é absolutamente necessário não ter a mente problema algum e, assim, a pessoa viver uma vida sem esforço. Por certo, esta é a única mente religiosa, porquanto terá compreendido o sofrimento e a terminação do sofrimento; ela é sem medo e, por conseguinte, a luz de si própria.

Krishnamurti, Saanen, 2 de agosto de 1964,
A mente sem medo



A silenciosa mente iluminada

Nesta manhã desejo falar sobre um assunto talvez estranho para os ouvintes. Afigura-se-me uma das coisas mais importantes da vida o clarificar a mente, o esvaziá-la de toda experiência e pensamento, de modo que ela se torne fresca, nova, sã; porque só a mente sã pode, com sua liberdade, descobrir o verdadeiro. Esta sanidade não é um estado permanente. Não significa que a mente alcançou um resultado e aí se deixa ficar. É o estado da mente que, achando-se desimpedida, é capaz de renovar-se a todo instante, sem esforço. E essa renovação, essa liberdade para descobrir, é de imenso significado, já que a maioria das pessoas vive superficialmente; vive com os seus conhecimentos e informações e os julga suficientes. Mas, sem a meditação, nossa vida é bem superficial. Por “meditação” não entendo contemplação ou oração. Para a pessoa achar-se no “estado de meditação”, ou, melhor, para nele entrar naturalmente, sem esforço, deve primeiro compreender a mente superficial, a mente vulgar, aquela que em regra se satisfaz com informações. Tendo acumulado conhecimentos ou adquirido uma certa capacidade técnica, que nos habilita a exercer determinada especialidade, para vivermos neste mundo com leviandade, contentamo-nos em viver nesse nível, sem nenhuma compreensão de qualquer problema psicológico que acaso se apresente. Parece-me, pois, sobremodo relevante observar a superficialidade da mente, e investigar se ela pode transcender a si própria.

Quanto mais conhecimento e preparo uma pessoa tem, tanto maior a sua capacidade na vida diária; e é óbvio que necessitamos desses conhecimento, desse preparo, dessa capacidade, pois não podemos “jogar fora” as máquinas e a ciência e volver ao estado primitivo. Isso seria proceder como algumas pessoas ditas “religiosas” que querem retornar a uma tradição ou ressuscitar antigos conceitos e fórmulas filosóficas, destruindo, dessa maneira, a si próprias e ao mundo em que vivem. A Ciência, a Matemática, as técnicas atualmente à disposição do homem, são coisas absolutamente necessárias. Mas o viver neste mundo tecnológico, de conhecimentos e ilustração que rapidamente se avolumam, tende a tornar-nos superficiais; e, em geral, contentamo-nos em permanecer nesta superficialidade, visto que o conhecimento e a tecnologia nos fazem ganhar mais dinheiro, mais confortos, mais da chamada “liberdade” — coisas essas bem respeitadas numa sociedade degradada e em desintegração. Assim, para poder ultrapassar a si própria, deve a mente compreender as limitações da tecnologia, do conhecimento e da ilustração, e ficar livre dessas limitações.

Como se pode observar, as nossas atividades, as nossas emoções, as nossas reações neurológicas são pouco profundas, superficiais. Vivendo, como vive a maioria, na superfície, procuramos alcançar as profundezas, penetrando cada vez mais, porquanto depressa nos cansamos dessa maneira leviana de viver. Quanto mais inteligentes, mais intelectuais, e apaixonados formos, tanto mais perceberemos a superficialidade de nossa existência; ela se torna cansativa, aborrecida, e sem significação. Assim, trata a mente superficial de descobrir a finalidade da vida ou de procurar uma fórmula que lhe dê sentido. Luta essa mente para viver consoante uma ideia por ela própria concebida, ou uma crença que aceitou; eis porque age sempre de maneira superficial. É necessário perceber com toda a clareza esse fato.

O que nesta manhã vamos fazer é tirar, uma por uma, as camadas superficiais, para penetrarmos até à origem, até à última profundeza das coisas. A superficialidade se perpetua pela experiência, e por esta razão releva compreender o inteiro significado da experiência.

Em primeiro lugar, vemos quanto a especialização tecnológica de toda espécie tende a tornar a mente estreita, vulgar, limitadaqualidades que constituem a verdadeira essência do burguês. Então, superficial que é, ela busca o que chama “significado da vida”, projetando, ao mesmo tempo, um padrão que lhe é grato, lucrativo, aprazível, e a esse padrão se ajusta. Esse mecanismo lhe confere uma certa determinação, certo ímpeto, um senso de realização.

Cumpre também compreender profundamente essa coisa chamada experiência. Vivendo uma vida superficial, estamos sempre em busca de experiências mais amplas e profundas. Por esta razão é que tantos frequentam as igrejas, tomam Mescalina, experimentam LSD, ácido lisérgico e várias outras drogas, em busca de novas excitações, estímulos e sensações. Buscamos também experiência através da arte, da música, de novas, mais modernas formas de expressão.

Pois bem; a mente que deseja achar-se numa grande profundidade — achar-se, e não produzir esse estado — deve compreender todas essas coisas. “Compreender” não é entender apenas intelectualmente uma comunicação verbal, porém, antes, perceber incontinenti a verdade relativa à questão. Essa percepção imediata é compreensão. Pode-se argumentar e discutir interminavelmente a propósito de opiniões, mas isso não fará nascer a compreensão. Requer-se, isto sim, sensibilidade, percebimento, uma certa hesitação, uma atitude experimental, que nos dão a capacidade de aprender com rapidez.

Assim, qual é a natureza da experiência? Todos desejamos novas experiências, não é verdade? Estamos cansados do “velho”, das coisas que nos têm causado dor ou sofrimento. A rotina do escritório, dos rituais religiosos, dos rituais do culto do Estado — de tudo isso estamos fartos, cansados, exaustos, daí desejarmos novas experiências, novas diretrizes e em diferentes planos. Mas, por certo, só a pessoa que não busca nem acumula experiência poderá viver em profundidade.

Resulta a experiência de um desafio e uma “resposta”. A reação pessoal a um desafio pode ser adequada ou inadequada, conforme nossa maneira de ser, nosso condicionamento. Isto é, “respondemos” a cada desafio conforme o nosso fundo, nossa própria limitação. Essa “resposta” a desafio é experiência; e toda experiência deixa um resíduo, que chamamos conhecimento.

Por outras palavras, no passar por várias experiências, a mente atua como uma peneira, na qual cada experiência deixa um certo sedimento. Esse sedimento é memória, e com essa memória vamos ao encontro da próxima experiência. Assim, cada experiência — por mais ampla e profunda e vital que seja — deixa novo depósito de sedimento, ou memória, tornando, assim, mais forte o nosso condicionamento.

Por certo, isto não é uma opinião, não é questão de crerdes no que dizemos. Se vos observardes, vereis ser isso o que realmente sucede. Este orador descreve como é peculiar à mente o acumular experiência, e observais esse “mecanismo” em vós mesmos. Portanto, não há nada para crer, nem estais sendo hipnotizados por palavras.

Assim, pois, cada experiência, de qualquer natureza que seja, deixa um sedimento que se torna o passado, convertido em memó­ria, e nesse sedimento vivemos. Esse sedimento é o “eu”, a verdadeira estrutura da atividade egocêntrica. Percebendo a natureza limitada dessa atividade egocêntrica, buscamos novas e mais amplas experiências, ou perguntamos como se pode romper essa limitação, a fim de encontrar algo superior. Mas, toda busca dessa natureza é ainda atividade de acumulação, e só vai aumentar os restos, o sedimento da experiência, seja a experiência de um minuto, de um dia, seja a de dois milhões de anos.

Ora, vós tendes de ver esse fato com toda a clareza. Deveis ter consciência dele, assim como tendes consciência de estar com fome. Quando sentis fome, ninguém precisa dizer-vos nada — trata-se de uma experiência pessoal, vossa. Analogamente, deveis perceber claramente, por vós mesmos, que toda experiência — de afeto, de compaixão, de orgulho, de ciúme, de inspiração, de medo, qualquer uma — deixa na mente um resíduo; e que a constante repetição e a sobreposição de novas camadas a esse resíduo ou sedimento constituem a totalidade do mecanismo de nosso pensar, de nosso existir. Toda atividade nascida desse mecanismo, em qualquer nível que seja, há de ser inevitavelmente superficial; e a mente que deseja investigar a possibilidade de descobrir um estado de originalidade, ou um mundo não contaminado pelo passado, deve compreender esse processo de experiência.

Surge, assim, a questão: é possível ficar-se livre de toda atividade egocêntrica, sem nenhum esforço, sem se tentar dissolvê-la e, dessa maneira, convertê-la num problema?

Espero estar esclarecendo bem a questão; se não, o que direi mais adiante ficará completamente obscuro.

Agora, a palavra “meditação” significa, em geral, pensar a respeito de uma coisa, investigá-la, refletir profundamente nela; ou pode significar um estado mental contemplativo, independente do mecanismo de pensamento. É uma palavra de pouca significação nesta parte do mundo, porém sobremodo significativa no Oriente. Muito se tem escrito sobre o assunto, e há escolas que advogam diferentes métodos ou sistemas de meditação.

A meditação, para mim, não é nenhuma dessas coisas. Meditação é o total “esvaziamento” da mente — e não se pode esvaziar a mente à força, de acordo com um certo método, escola ou sistema. Mais uma vez é necessário perceber a extrema falácia de todos os sistemas. A prática de um sistema de meditação é busca de experiência; é esforço para alcançar uma experiência mais elevada, ou a experiência final; e quem compreende a natureza da experiência rejeita tudo isso, que se acaba para sempre, porque sua mente já não está seguindo ninguém; ela não busca experiência, e nenhum desejo tem de visões. A busca de visões, o intento de aumentar a sensibilidade por meios artificiais, — drogas, disciplinas, rituais, adoração, oração — constitui atividade egocêntrica.

Nossa questão, pois, é a seguinte: Como pode a mente que se tornou superficial por influência da tradição, pela ação do tempo, da memória, da experiência — como pode essa mente libertar-se, sem esforço, de sua superficialidade? Como pode tornar-se tão desperta que a busca de experiência nada mais signifique? Compreendeis? A mente iluminada não pede mais luz — ela própria é luz; e toda influência, toda experiência que penetra nessa luz, nela se consome de instante a instante, de modo que a mente está sempre clara, imaculada, indene. Só a mente iluminada, a mente sã, pode ver o que está fora dos limites do tempo. E como pode nascer esse estado de espírito?

Tornei clara a questão? Esta não é uma questão minha; é, ou deve ser, uma questão de interesse geral, e, portanto, eu não a estou impondo. Se eu vos impusesse esta questão, vós a tornaríeis um problema, dizendo: “Como fazer isso?” É uma questão que deve nascer de vosso percebimento, porque tendes vivido, tendes observado, e também visto o que é este mundo, e bem conheceis a vossa maneira de agir. Tendes lido, acumulado conhecimentos, progredido em vosso saber. Tendes visto pessoas, com mente semelhante a computadores, professores capazes de “desenrolar” uma espantosa quantidade de conhecimentos, e haveis conhecido teólogos de ideias fixas, em torno das quais desenvolveram maravilhosas teorias. Conscientizando-vos de tudo isso, inevitavelmente deveis ter feito a vós mesmos a pergunta: como pode a mente, prisioneira do tempo, produto do passado, “jogar fora” o passado, completamente, com facilidade, sem nenhum esforço? Como pode ficar livre do tempo, sem ter nenhuma diretiva ou motivo, de modo que possa achar-se na fonte da vida?

Ora, quando esta pergunta vos é feita, por vós mesmo ou por outro, qual a vossa reação? Não me respondais, por favor; escutai, apenas. Trata-se de uma pergunta de grande significado. Não é uma simples pergunta retórica, a que se pode responder prontamente ou pô-la de lado. É uma pergunta de extraordinária importância para a pessoa que penetrou as futilidades da religião organizadas e “varreu” todos os sacerdotes e gurus, templos, igrejas, rituais, incensos — atirou tudo isso aos ventos. E se já atingistes este ponto, a vós mesmos deveis ter interrogado: Como pode a mente ultrapassar a si própria?

Que fazeis quando vos vedes diretamente em presença de um imenso problema, quando algo de tremendo e imediato vos sucede? É tão vital e exigente a experiência, que completamente vos absorve, não é verdade? Vossa mente é tomada por esse singular acontecimento, de modo que se aquieta. Esta é uma qualidade de silêncio A mente “reage” como uma criança a quem se deu um brinquedo interessante. O brinquedo absorve a criança, fazendo-a concentrar-se e, assim, momentaneamente, ela se esquece de suas travessuras o correrias. E o mesmo acontece com os adultos ao verem-se diante de um “caso” incomum, especial. Não compreendendo o verdadeiro significado dessa experiência, a mente fica sob o seu domínio e se torna entorpecida, chocada, paralisada, de modo que transitoriamente silencia. Isso é uma coisa que já deveis ter experimentado.

E há, também, uma espécie de silêncio mental que se apresenta ao considerar-se um problema com inteira concentração. Nesse estado não há distração, porque, momentaneamente, não temos outro pensamento, outro interesse. Não olhamos para nenhum outro lado, porque só estamos interessados nessa coisa; intensifica-se a concentração, que tudo o mais exclui, e nesse esforço há uma vitalidade, uma exigência, uma premência que também produz certa qualidade de silêncio.

Quando a mente se absorve num brinquedo ou imerge de todo num problema, está apenas fugindo. Quando imagens, símbolos palavras como “Deus”, “Salvador”, etc. — dela se apoderam, isso também é uma fuga profunda, uma fuga à realidade, e nessa fuga há um determinado silêncio. Se a mente se sacrifica, ou de si mesma se esquece, pela identificação completa com uma coisa, poderá ficar tranquila — mas acha-se num estado neurótico. O desejo de identificação com um objetivo, uma ideia, um símbolo, uma nação, uma raça — denuncia um estado neurótico, tal como o da maioria das pessoas pretensamente religiosas. Estas estão identificadas com o Salvador, com o Mestre, com isto ou aquilo, identificação que lhe dá invulgar impetuosidade e lhes traz determinada visão beatifica da vida — e isso é uma atitude totalmente neurótica.

E há também aquela que aprendeu a concentrar-se, que a si própria ensinou a nunca desviar a atenção da ideia, da imagem, do símbolo que ela própria “projetou” à sua frente. E que acontece nesse estado de concentração? Toda concentração é esforço, e todo esforço é resistência. É como um homem edificar em torno de si uma muralha defensiva, com uma pequena abertura pela qual olha uma única ideia ou pensamento, de modo que nunca possa ser abalado, posto num estado de incerteza. Nunca estais “aberto”, porém vivendo sempre dentro de vossa concha de concentração, atrás das muralhas de vossa inspirada busca de alguma coisa, e disso vos vem um sentimento de grande vitalidade, uma impetuosidade que vos habilita a fazer coisas extraordinárias — socorrer os “favelados”, viver no deserto, praticar toda a sorte de “boas obras”; mas, trata-se ainda da atividade egocêntrica da mente, que se concentrou numa só coisa, com exclusão de tudo o mais. E também isso lhe confere uma certa serenidade tornando-a silenciosa.

Ora, há uma espécie de silêncio que nenhuma relação tem com esses estados neuróticos, e é aí que se nos apresenta a dificuldade; porque, infelizmente — e digo-o sem ofensa — em regra somos neuróticos. Assim, para podermos compreender o que é esse silêncio, devemos antes de tudo libertar-nos completamente de todo e qualquer estado neurótico. Nesse silêncio não existe autopiedade, nem desejo de resultado, nem “projeção” de imagens; não há visões, nem luta para nos concentrarmos. Vem esse silêncio, sem ser solicitado, uma vez compreendida a absorção da mente numa ideia, e as várias formas de concentração que a pessoa pratica; e, também, quando se compreende todo o mecanismo do pensar. Dessa observação, dessa vigilância da atividade mental egocêntrica, vem um senso de disciplina bem flexível; e essa disciplina é necessária. Não é uma disciplina defensiva, reacionária; nada tem que ver com o ficar sentado a um canto, de pernas cruzadas, e outras infantilidades. Nela, não há imitação, nem ajustamento, nem esforço para alcançar resultado. O observar todos os movimentos do pensamento e do desejo, a fome de novas experiências, o mecanismo de identificação com uma certa coisa — apenas observar e compreender tudo isso produz, naturalmente, uma facilidade de disciplina em inteira liberdade. Disciplinada a compreensão, surge um percebimento próprio e imediato, um estado de atenção completa. Nessa atenção, há virtude — e esta é a única virtude. A moralidade social, o caráter desenvolvido pela resistência e segundo a respeitabilidade e a ética social — isso não é virtude nenhuma. Virtude é a compreensão de toda a estrutura social que o homem levantou em torno de si; e é, também, a compreensão do chamado “auto-sacrifício” mediante identificação e controle. Dessa compreensão nasce a atenção, e só na atenção se encontra a virtude.

Deveis ter uma mente virtuosa; mas aquela que apenas procura ajustar-se aos padrões sociais e religiosos de determinada sociedade, quer comunista, quer capitalista, não é virtuosa. É necessária a virtude porque sem virtude não há liberdade; mas, como a humildade, ela não é cultivável. Não podemos cultivá-la, assim como não podemos cultivar o amor. Mas, havendo plena atenção, há também virtude e amor. Dessa atenção vem o silêncio total, não só no nível da mente consciente, mas também no nível do inconsciente. Tanto o consciente como o inconsciente são em verdade triviais, e a percepção dessa trivialidade liberta-nos do passado e do presente. Dando-se total atenção ao presente, surge-nos interiormente uma certa tranquilidade, indicativa de que já não buscamos experiência. Todo experimentar terminou, porque nada mais há para experimentar. Estando sempre desperta, a mente é a luz de si própria. Nessa quietude, nesse silêncio, encontra-se a paz. Não a paz dos políticos, não a paz entre duas guerras. Paz não nascida de reação. E quando a mente está, assim, sobremodo tranquila, pode então prosseguir. A atuação da tranquilidade difere inteiramente do movimento da atividade egocêntrica. O atuar da tranquilidade é criação. Quando a mente é capaz de mover-se com essa placidez, ela conhece a morte e o amor; e pode, então, viver neste mundo e ao mesmo tempo estar livre do mundo.

PERGUNTA: Desejo ardentemente o silêncio, mas vejo que minhas tentativas para alcançá-lo se tornam cada vez mais lamentáveis.

KRISHNAMURTI: Em primeiro lugar, não podeis desejar ardentemente o silêncio; não sabeis nada, absolutamente nada, a seu respeito. Ainda que algo soubésseis, isso não seria o silêncio, porque, então, não se trataria da realidade. Por isso, é preciso ter muito cuidado ao dizer-se: “Sei”.

Vede, senhor! O que conheceis, reconheceis. Eu vos reconheço porque ontem vos encontrei. Após ouvir o que então dissestes, e tendo visto vosso modo de ser, digo que vos conheço. O que sei já é coisa do passado, e daquele passado eu vos reconheço. Mas o silêncio não pode ser reconhecido; nele não há nenhum mecanismo de reconhecimento. Eis o que, antes de tudo, importa compreender. Para reconhecermos uma coisa, já devemos tê-la experimentado, conhecido antes, ou lido a seu respeito, ou ter-lhe ouvido a descrição, mas o que se pode reconhecer, descrever, não é aquele silêncio.

Por ele ansiamos porque nossa vida é superficial, vazia, monótona, estúpida, e por isso desejamos fugir de suas detestáveis lides. Mas, não podemos fugir da vida; temos de compreendê-la. E para compreendermos uma coisa, não devemos dar-lhe pontapés, nem evitá-la. Cumpre ter grande amor, verdadeira afeição por aquilo que queremos compreender. Se desejamos compreender uma criança, não podemos coagi-la, forçá-la, ou compará-la com seu irmão mais velho. Devemos olhar a criança, observá-la com carinho, ternura, afeição, com tudo o que de bom possuímos. Analogamente, devemos compreender essa coisa vulgar que chamamos “nossa vida”, com seus ciúmes, conflitos, aflições, canseiras, pesares. Dessa compreensão provém uma diferente tranquilidade, que não pode ser procurada às apalpadelas.

Há uma interessante história de um discípulo que foi ter com o Mestre. Encontrava-se este num belo e bem irrigado jardim, e o discípulo sentou-se perto dele — não bem à sua frente, porque sentar-se diretamente à frente do Mestre não seria respeitoso. Assim, sentando-se ao lado, o discípulo cruza as pernas e fecha os olhos. Então, pergunta o Mestre: “Meu amigo, que estais fazendo?” Abrindo os olhos, o discípulo responde: “Mestre, estou tentando alcançar a consciência do Buda” — e torna a fechar os olhos. Daí a momentos, o Mestre apanha duas pedras e começa a esfregar uma na outra, com muito barulho; então o discípulo desce das alturas em que andava e pergunta: “Mestre, que estais fazendo?” Ao que o Mestre responde: “Estou esfregando estas duas pedras, para fazer que uma delas se torne um espelho.” Diz então o discípulo: “Mas, Mestre, isso jamais conseguireis, ainda que fiqueis um milhão de anos a esfregá-las.” Sorri, então, o Mestre e responde: “De modo idêntico, meu amigo, podeis ficar aí sentado um milhão de anos, que nunca alcançareis o que estais tentando alcançar.” — E é isso o que todos nós estamos fazendo. Estamos tomando posições; estamos desejando alguma coisa, buscando algo, às apalpadelas — o que exige esforço, luta, disciplina. Mas sinto dizer-vos que nenhuma dessas coisas vos abrirá a porta. O que o fará é a compreensão sem esforço; apenas olhar, observar, com afeição, com amor. Mas não podeis ter amor se não sois humilde; e só é possível a humildade quando nada desejais, nem dos deuses nem de nenhum ente humano.

Krishnamurti, Saanen, 30 de julho de 1964,
A mente sem medo

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Só é criativa a mente vazia, livre do conhecido

Só é criativa a mente vazia, livre do conhecido

Para muita gente, a religião é provavelmente uma espécie de entretenimento. Os velhos recorrem à religião, e o mesmo fazem as pessoas algo neuróticas. Com a palavra "religião", refiro-me não só às igrejas organizadas, com toda a segurança interior que oferecem, mas também às variadas e extravagantes formas de crença, dogma, ritual a que aderem tantas pessoas. A religião, para a maioria das pessoas, não é coisa séria. Na Rússia, o governo está atualmente permitindo a religião organizada, porque, politicamente, ela não tem muita importância; não contém o germe da revolta, não é um centro revolucionário e, portanto, deixam-na existir.

E qual será a importância que tem a religião na vida de cada um de nós, aqui presentes? Por "religião" estou agora entendendo algo inteiramente diferente, algo tão importante, se não muito mais importante do que ganhar o próprio sustento. Para mim, religião é algo a que damos todo o nosso coração e mente e corpo — tudo o que temos. Não é uma espécie de passatempo, ou coisa a que recorremos quando já velhos, "com um pé na cova", porque não temos mais o que fazer; é algo que se torna "devastadoramente" importante, extremamente necessário, como verdadeiro roteiro de nosso viver, do despertar ao adormecer — para que cada pensamento, cada ato, cada movimento de nosso sentir seja observado, considerado, pesado. A religião, para mim, abarca a totalidade da vida. Não é coisa reservada aos especialistas, aos ricos ou aos pobres, à elite ou ao intelectual. E, como o pão, algo de que tendes necessidade. E não sei quantos de nós a levam tão a sério — o que não significa que se deva ser intolerante, fanático, inacessível, sectário, ou uma pessoa excepcional. A religião não exige conhecimento ou crença, porém, tão só, extraordinária inteligência e, também, o homem religioso necessita de liberdade, liberdade completa.

Embora falemos de liberdade, a maioria de nós não deseja ser livre. Não sei se já observastes este fato. No mundo moderno — em que a sociedade está altamente organizada, onde se observa progresso e mais progresso, onde a produção de utilidades se tornou tão vasta e tão fácil — o indivíduo se torna escravo das posses, das coisas, e nelas encontra sua segurança física e emocional. Por conseguinte, não desejamos realmente ser livres. Por "liberdade" entendo "liberdade total", e não liberdade numa certa direção; e penso que devemos exigi-la, com firmeza, de nós mesmos.

Liberdade é diferente de revolta. Toda revolta é contra alguma coisa; o indivíduo se revolta contra algo e é pró algo. Revolta é reação, mas a liberdade não o é. No estado de liberdade, não estais livre de alguma coisa. Quando estais livre de alguma coisa, estais, com efeito, em revolta contra essa coisa; portanto, não sois livre. Liberdade não significa "estar livre de alguma coisa"; a mente, em si própria, é livre. Este é um sentimento extraordinário: a mente ser livre em si própria, conhecer a liberdade por amor à própria liberdade.

Ora, se o indivíduo não é livre, não vejo como possa ser criador. Não estou empregando a palavra "criador" no estreito sentido de "homem que pinta quadros, escreve poesias ou inventa máquinas". Tais indivíduos, para mim, não são criadores, absolutamente. Poderão ter momentânea inspiração; mas, criação é coisa muito diferente. Só pode haver criação quando há liberdade total. Nesse estado de liberdade, há plenitude, e, então, o escrever uma poesia, pintar um quadro, ou esculpir uma pedra, tem sentido completamente diferente. Já não é mera expressão da personalidade, nem resultado de frustração, nem busca de compradores; é coisa toda diferente. Acho que devemos reclamar nosso direito de conhecer esta liberdade, não apenas em nós mesmos, mas também no exterior; disto vou tratar por alguns instantes nesta manhã.

Em primeiro lugar, acho que devemos diferençar entre liberdade, por um lado, e revolta ou revolução, por outro lado. Revolta e revolução são, essencialmente, reação. Há a revolta da extrema-esquerda contra o capitalismo, e a revolta contra o predomínio da igreja. Há, também, revolta contra o Estado policial, contra o poder da tirania organizada — mas, hoje em dia tal revolta não compensa, pois, muito calmamente, "eles" vos liquidam, se desembaraçam de vós.

A liberdade, para mim, é coisa inteiramente diferente. Liberdade não é reação, porém, antes, o estado mental que se torna existente quando compreendemos a reação. Reação é "resposta a desafio", é prazer, cólera, medo, dor psicológica; e, na compreensão dessa tão complexa estrutura de reação, encontraremos a liberdade. Vereis, então, que liberdade não é estar livre da cólera, da autoridade, etc. Ela é um estado per se, que devemos experimentar por causa dele próprio e não por estarmos contra alguma coisa.

Em geral, estamos interessados em nossa própria segurança. Precisamos de companhia e esperamos achar a felicidade numa dada relação; queremos ser famosos, criar, expressar-nos, expandir-nos, realizar-nos; queremos poder, posição, prestígio. Em grau maior ou menor, é isso, com efeito, o que interessa à maioria de nós; e liberdade, Deus, verdade, amor, se tornam algo que se procurará depois. Assim, como disse, nossa religião é uma coisa superficial, uma espécie de entretenimento sem muita importância em nossa vida. Satisfazemo-nos com trivialidades e, por esta razão, não há o alertamento, o percebimento necessário para se compreender esse complexo mecanismo que se chama viver. Nossa existência é luta constante, esforço vão, interminável — com que fim? Ela é uma gaiola em que estamos aprisionados, gaiola que construímos com as nossas reações, nossos temores, desesperos, ansiedades. Todo o nosso pensar é uma reação; deveis lembrar-vos de que examinamos esta questão, há dias, quando foi feita a pergunta: "Qual a verdadeira função do pensamento?" Examinamo-la, muito atentamente, e descobrimos que todo o nosso pensar é reação, "resposta" da memória. Toda a estrutura de nossa consciência, de nosso pensamento, é o resíduo, o reservatório de nossas reações. O pensamento, evidentemente, nunca poderá produzir liberdade, porquanto a liberdade não resulta de reação. Liberdade não é rejeição das coisas que nos causam dor e, tampouco, afastamento das coisas que nos dão prazer e das quais nos tornamos escravos.

Por favor, como disse outro dia, não aceiteis nada do que está dizendo este orador. Olhai-o, sem aceitá-lo, nem rejeitá-lo, mas procurando perceber o fato, individualmente, pela observação de vós mesmo.

A consciência constitui toda a esfera de nosso pensamento, todo o campo da ideia e da ideação. O pensamento organizado se torna a ideia, da qual resulta a ação; e a consciência se constitui de muitas camadas de pensamento, ocultas e patentes, conscientes e inconscientes. É a esfera do conhecido, da tradição, da memória do que foi. É o que temos aprendido, o passado em relação ao presente. O passado transmitido através de séculos, o passado da raça, da nação, da comunidade, da família; os símbolos, as palavras, as experiências, o choque dos desejos contraditórios; as inumeráveis lutas, prazeres e dores; as coisas que aprendemos de nossos antepassados e as modernas tecnologias que se lhes acrescentaram — tudo isso constitui a consciência, é o campo do pensamento, o campo do conhecido, e nós vivemos na superfície desse campo. Somos exercitados desde a infância para adquirir conhecimentos, competir; aprendemos uma técnica, especializamo-nos numa certa direção, a fim de termos um emprego e ganhar a vida. Nisso consiste toda a nossa educação, de modo que continuamos a viver na superfície; e, abaixo da superfície, está o passado imenso, o tempo incalculável. Tudo isso constitui o conhecido. Embora não estejamos apercebidos do inconsciente, ele está, contudo, no campo do conhecido.

Tende a bondade de ir seguindo isto, observando a vós mesmos, observando vossa própria consciência. Quanto mais sensíveis, quanto mais vigilantes fordes, tanto melhor percebereis o conflito existente entre o consciente e o inconsciente. Se esse conflito exige ação e não encontrais um modo de agir, tornais-vos neuróticos ou ides acabar num hospício; e, assim sendo, tendes inúmeros psicólogos, analistas, que procuram lançar uma ponte sobre esse abismo, e resolver o conflito.

O inconsciente, embora esta palavra sugira algo oculto, de que não temos percebimento, faz também parte do conhecido; ele é o passado. Podeis desconhecer o inteiro conteúdo do inconsciente, podeis não o ter examinado, observado, mas provavelmente tendes sonhos, comunicações procedentes daquela vasta região subterrânea da mente. Ela existe, e é o conhecido, porque é o passado. Nela nada existe de novo; e devemos compreender por nós mesmos o que se encerra neste estado que não é novo, já que "inocência" é independência do conhecido.

Este é um dos problemas mais importantes da vida moderna, porque somos educados, exercitados, condicionados para permanecer na esfera do conhecido, na qual existe ansiedade, desespero, sofrimento, confusão, aflição. Só os "inocentes" podem ser criadores, são capazes de criar algo novo, e não apenas produzir mecanicamente um quadro, um poema, ou o que quer que seja. O inconsciente faz parte do "conhecido", e a maioria de nós permanece na superfície do "conhecido", porque é o roteiro que seguimos na vida. Dirigimo-nos todos os dias ao escritório, à sua rotina, seu tédio; tememos perder nosso emprego; sujeitamo-nos às exigências, pressões, tensões da vida moderna; somos solicitados por apetites sexuais e outros mais. Tal é o nível em que vivemos. Desse nível queremos achar algo muito mais profundo, porque não estamos satisfeitos com ele, e, assim, nos voltamos para a música, a pintura, a arte, os deuses, as inumeráveis religiões. Quando tudo isso falha, passamos a adorar o Estado, como se fosse a suprema maravilha, ou a praticar a vida de comunidade — sabeis com quantas falácias gostamos de entreter-nos, quantas novidades inventamos, inclusive foguetes para irmos à Lua. E, quando nos vemos insatisfeitos com tudo isso, voltamo-nos para dentro; ou, se somos muito intelectuais, analisamos, desmantelamos tudo, mas temos nosso Jesus, nosso Cristo particular. Tal é nossa vida.

Ora, a única liberdade verdadeira é a que consiste em estar livre do "conhecido". Acompanhai-me por um instante. É estar livre do passado. O conhecido tem seu lugar próprio, é claro. Preciso conhecer certas coisas, para que possa "funcionar" na vida de cada dia. Se eu não soubesse onde resido, perder-me-ia. E há o saber acumulado das ciências, da medicina e de várias tecnologias, o qual se vai acrescentando constantemente. Tudo isso está contido no campo do "conhecido", e tem seu lugar próprio. Mas o "conhecido” é sempre mecânico. Toda experiência que tivestes, seja do passado remoto, seja apenas de ontem, está no campo do "conhecido", e dai, desse fundo, reconheceis toda experiência ulterior. No campo do conhecido, há sempre apego, com os concomitantes temores e desesperos, e a mente aprisionada nesse campo, por mais extenso e amplo que seja, não é livre. Poderá escrever livros muito engenhosos, poderá saber como se vai à Lua, inventar máquinas as mais complicadas e maravilhosas — se tivestes ocasião de ver algumas dessas máquinas, sabereis que são realmente maravilhosas — mas essa mente está ainda aprisionada na esfera do conhecido.

A consciência é produto do tempo; o pensamento está alicerçado no tempo, e o que o pensamento produz está sempre na sujeição do tempo. Assim, o homem que deseja livrar-se do sofrimento, precisará livrar-se do "conhecido" — o que significa que precisará compreender toda essa estrutura da consciência. E pode-se compreendê-la por meio da análise, que é também um "mecanismo" de pensamento? Que significa "compreender uma coisa"? Qual o estado da mente que compreende? Estou falando sobre compreender, e não sobre aquilo que se compreende. Entendeis o que quero dizer? Estou investigando o estado da mente que diz "compreendo". A compreensão é resultado de pensamento e dedução? Examinais uma coisa crítica, razoável, sã e logicamente e dizeis depois "compreendo-a"? Ou a compreensão é coisa de todo diferente?

Outro dia, quando aquele senhor perguntou "Qual a verdadeira função do pensamento?" — deveis lembrar-vos de que falamos sobre a "resposta" da mente a "desafio". Quando a pergunta nos é familiar, a resposta é imediata. Quando um pouco mais complicada, ou obscura, a resposta leva tempo, pois nesta demora estais a pensar, a rebuscar na memória, para depois responderdes, tal como os computadores, por associação. Uma pergunta mais complicada requer intervalo maior ainda. Ora, estas três "respostas", que naquele dia chamamos (a), (b) e (c), constituem, todas, partes do "mecanismo" do pensamento, e se acham no campo do "conhecido". Dentro desse campo, pode-se produzir, pode-se inventar, pode-se pintar quadros, fazer as coisas mais extraordinárias, até mesmo ir à Lua; nada disso, porém, é criação. Essa perene busca de grandes feitos e de expressão pessoal é de todo em todo pueril, pelo menos para mim.

Ora, estar livre de tudo isso é estar livre do "conhecido"; é o estado da mente que diz: "Não sei"e não está procurando resposta. Essa mente se acha, toda ela, num estado, de "não-procura", de "não-expectativa"; e só nesse estado pode-se dizer "compreendo". É o único estado em que a mente é livre, e desse estado podeis olhar as coisas conhecidas — mas não vice-versa. Do conhecido não tendes possibilidade de ver o desconhecido; mas, uma vez compreendido o estado da mente que é livre, ou seja a mente que diz "não sei" e permanece "não sabendo" e é, por conseguinte, "inocente" — então, desse estado, podeis "funcionar", ser cidadão, homem casado, etc. Então, o que fazeis tem cabimento, tem significação na vida. Mas, nós permanecemos no campo do conhecido, com todos os seus conflitos, lutas, disputas, agonias, e, desse campo, queremos encontrar o "desconhecido". Por conseguinte, não estamos verdadeiramente em busca da liberdade. O que queremos é a continuação, o prolongamento da mesma velharia: do conhecido.

Assim, a meu ver, o importante é compreendermos por nós mesmos esse estado em que a mente está livre do conhecido, porque só então ela pode descobrir, por si mesma, se há ou não uma Imensidade. O ficar meramente a funcionar no campo do conhecido — quer esse funcionamento se verifique à esquerda, à direita, ou no centro — é materialismo grosseiro, ou como preferirdes chamá-lo. Aí, não há solução para nada, porque aí só há desdita, luta, competição sem fim, a busca de uma segurança nunca encontrável. E isso o que interessa à maioria dos jovens, não? Querem, em primeiro lugar, segurança para si próprios, sua família, segurança em seus empregos, e mais tarde, talvez, se lhes sobrar tempo e tiverem inclinação para isso, irão procurar outra coisa mais. Quando a crise se torna demasiado intensa, tratais de procurar uma solução feliz, conveniente, e com ela ficais satisfeito. Não me refiro, absolutamente, a esta espécie de busca. Refiro-me a coisa toda diferente. Refiro-me à mente que compreendeu por inteiro a função do "conhecido"; e a mente não tem possibilidade de compreender esse campo tão extremamente complexo, se não compreender a si própria, a totalidade de sua consciência.

Ora, ninguém pode compreender a si próprio mediante auto-exame, introspecção, análise. Isto é bastante claro. Não há necessidade de me estender a este respeito, há? A mente, de modo nenhum, pode compreender a si própria por meio de análise, porque, na análise, há separação entre o analista e a coisa analisada, e, por conseguinte, conflito crescente e contínuo. Toda análise, todo esforço de sondagem, indagação, pesquisa, parte do centro, já condicionado, carregado das acumulações do tempo, que é o conhecido. Por mais que tente penetrar o inconsciente, o analista faz sempre parte do "conhecido". Uma vez tenhais apreendido a verdade desta asserção, então — apesar de todos os analistas e psicólogos — vereis o total conteúdo do inconsciente e o compreendereis num relance de olhos. A compreensão só ocorre num súbito clarão, e não no decurso do tempo, pela acumulação de conhecimentos livrescos, etc. Ou vedes uma coisa imediatamente, ou absolutamente não a vedes. Os sonhos poderão dar indicações, símbolos, sugestões a respeito de algo, mas esse algo ainda é parte do "conhecido"; e a mente deve esvaziar-se, de todo, do "conhecido". Deve estar livre desse mecanismo que chamamos "pensar".

Se estais ouvindo pela primeira vez esta asserção de que deveis ficar livres do pensamento, talvez digais: "Pobre homem, perdeu o juízo!" Mas, se escutastes realmente, não só desta vez, mas em todos os anos em que — alguns dentre vós — vindes lendo a respeito desta matéria, sabereis que o que se está dizendo é de extraordinária vitalidade, contém uma penetrante verdade. Só a mente que se "esvaziou" do conhecido, é criadora. Esse estado é ação. O que a mente cria então não interessa a si própria. Esse estado livre do conhecido, é o estado em que a mente se acha em criação. Como pode a mente que se acha em criação estar interessada em si própria? Por conseguinte, para poderdes compreender aquele estado mental, deveis conhecer a vós mesmo, observar o mecanismo de vosso próprio pensar — observá-lo, e não alterá-lo, modificá-lo; observá-lo, simplesmente, assim como vos vedes num espelho. Quando há liberdade, pode-se então fazer uso do conhecimento, sem destruir a humanidade. Mas, quando não há liberdade e se faz uso do conhecimento, cria-se sofrimento para todos, não importa que isso aconteça na Rússia, na América, na China ou onde quer que seja. Chamo séria a mente que, apercebida do conflito do conhecido, nele (no conhecido) não se acha enredada, não está tentando modificá-lo, melhorá-lo; porque, por esse caminho, nunca terá fim o sofrimento e a aflição.

Krishnamurti, Saanen, 11 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho


A mente religiosa e o correto estado de relação


A mente religiosa e o correto estado de relação

[...] Para mim, o mais importante na vida é termos uma mente religiosa, porque, então, tudo o mais entra no correto estado de relação — tudo; ocupações, saúde, casamento, sexo, amor, e os inumeráveis problemas e tribulações que a vida nos oferece — tudo é compreendido. A mente religiosa não é uma coisa facilmente alcançável, mediante a leitura de uns poucos livros, a audição de uma série de palestras, ou pelo nos exercitarmos para uma certa postura. Mas, eu acho que nós precisamos de uma mente assim, e Oxalá possamos encontrá-la no decorrer destas palestras — não deliberadamente, não mediante qualquer espécie de cultivo, ou pelo desenvolvimento de certa capacidade, mas encontrá-la "no escuro", inesperadamente, sem o sentirmos.

A mente, que inclui tanto o consciente como o inconsciente, é, como já observamos, um vasto campo de contradição. Está toda envolvida em ingente luta, dilacerada por muitos conflitos, batalhas, choques do desejo; e, em tais condições, a mente não tem possibilidade de compreender o que significa ser religioso. O que quer que faça — se vai à igreja, se lê livros sagrados, ou se executa qualquer das demais coisas que costumamos fazer, em nossas pueris tentativas para descobrir se há Deus, se há vida futura, etc. — essa mente nunca encontrará aquele extraordinário estado religioso. Eis porque acho tão importante, principalmente durante estas três semanas, que estejamos profundamente apercebidos deste campo interior de conflito. Parece-me que são raros os que estão perfeitamente apercebidos desta batalha incessante que se trava continuamente dentro de cada um de nós; e, como estive mostrando outro dia, o importante não é o que cumpre fazer em relação a isso, porém o importante é que o vejamos, porque o próprio ato de ver a coisa é libertador.

Desejo, pois, nesta manhã, apreciar o fato relativo ao conflito e à degeneração — pois os dois andam juntos, não são separados. Onde há conflito, consciente ou inconsciente, profundo ou superficial, ele destrói a sensibilidade, a sutileza, a agilidade da mente. O conflito produz embotamento, insensibilidade. Por conflito entendo "ter problemas"; e, para estarmos livres de conflito, de contradições, temos, por certo, de compreender essa coisa que se chama "consciência", "mente" — a coisa que somos.

Vou examinar isso, não teórica, abstratamente ou de maneira explicativa, mas examiná-lo — assim espero — com vossa cooperação. Isto é, vós e eu iremos "viajar" juntos; não ireis apenas escutar-me, porém, no próprio ato de escutar, observar o mecanismo de vossa própria consciência.

Como sabeis, há duas maneiras de olhar uma coisa. Ou a olhamos, porque nos disseram que devemos olhar e o que devemos procurar; ou olhamos porque desejamos descobrir, e, assim, pomo-nos a caminho para descobrir. Quando sentis fome, tratais de comer, ninguém precisa dizer-vos nada. Mas, o dizerem-vos que deveis comer e o sentirdes fome são duas coisas inteiramente diferentes. Este ponto, pois, nos deve ficar bem claro. Não estou dizendo que deveis olhar ou o que deveis procurar, mas vamos olhar juntos, e juntos vamos descobrir. Isso será para cada um de nós uma experiência "de primeira mão", porque nenhum de nós está dirigindo o outro. Espero que isto esteja claro.

Este é um problema muito complexo, e para o examinarmos necessitamos de uma mente que seja capaz de olhar, de observar, sem logo dizer: "O que estou vendo me agrada, gosto disso", ou "Não me agrada, não gosto disso." Necessitamos de uma mente "científica", uma mente que não desfigure, que não dê colorido àquilo que vê. O importante é produzir uma transformação no mesmo mecanismo de nosso pensar, na própria matriz, na própria composição da mente. É necessária uma revolução — não revolução econômica ou social, porém revolução na consciência, no verdadeiro centro de nosso ser; e tal revolução só pode ocorrer quando se compreende esta questão do conflito. O conflito, em qualquer nível da consciência, superficial ou profundo, é o fator da deterioração.

Não aceiteis isto, simplesmente; não aceiteis nada do que diz este orador. Mas tratemos de examinar juntos este problema do conflito, palavra que para mim significa auto-contradição, autopiedade, e impulso para o preenchimento, com sua inevitável frustração. Há ajustamento, imitação, e a contradição inerente ao desejar alterar o que é para outra coisa que chamamos "o ideal" — a contradição entre o que eu sou e o que eu deveria ser. A contradição envolve competição, o desejo de ser uma pessoa admirável, famosa, com todas as concomitantes lutas, o batalhar, o ansiar, o medo de não ser algo, a agonia do desespero; tudo isso, e muito mais ainda, está contido na palavra "contradição", e é o fator da deterioração.

Somos educados para viver em conflito perpétuo: econômica, moral e espiritualmente, nossa sociedade está baseada no conflito, e todos os instrutores religiosos nos têm dito que devemos disciplinar-nos, que devemos lutar para sermos ou nos tornarmos algo. Temos sempre o modelo, o herói nacional ou religioso; imitamos o santo, o Salvador, aquele que atingiu a meta; há sempre esse abismo entre o homem que sabe e o homem que não sabe e se acha numa luta perpétua para saber: o estúpido que luta para se tornar inteligente. Tal é a estrutura psicológica de nossa sociedade. Somos impelidos pela ambição, adoramos o sucesso e condenamos o malogro; multiplicamos nossas angústias e vivemos numa luta incessante para nos libertarmos delas.

Esta batalha se trava continuamente, quer estejamos dormindo, quer acordados, quer saiamos a passeio, quer fiquemos sentados, imóveis. Tal é nosso destino; para ele fomos educados, e o aceitamos. É o estado em que vivemos. Nessas condições, a mente nunca está lúcida, porém sempre confusa, sempre em contradição consigo mesma.

Observai, por favor, vosso próprio estado. Mas, de que maneira vos observais? Observais como um observador que observa algo separado dele próprio, caso em que há uma divisão, uma contradição entre o observador e a coisa observada? Ou observais sem a presença do observador? Segui isto, por favor, porque é importante. Quando estamos observando o mecanismo extremamente complexo de nossa própria consciência, cuja vera essência é o conflito, devemos compreender o que entendemos por olhar, observar. Estou certo que a maioria de nós observa como alguém que o faz pelo lado de fora a olhar para dentro. Estais apercebidos de vossos conflitos, e estais a observá-los como censor, como juiz, como observador separado da coisa observada. É isso o que em geral fazemos, e é isso o que nos impede de compreender esta coisa tão complexa que se chama "conflito" — seu enorme peso e conteúdo, suas variedades. Quando observais como quem está de fora a olhar para dentro, criais, sem dúvida, conflito, não achais? Não estais compreendendo o conflito, porém, apenas, tornando-o maior. Apercebido do conflito existente em si próprio, o observador diz: "Preciso alterar isto; não gosto de conflito. Gosto do prazer". O observador, pois, tem sempre essa atitude de julgar, de censurar, e, quando se observa dessa maneira, não se está compreendendo o conflito; pelo contrário, ele está sendo multiplicado. Tornei bem claro este ponto?

Para mim, todo o mecanismo psicanalítico redunda em intensificação do conflito, e não pode dar a libertação do conflito. Eu gostaria que percebêsseis este fato, de uma vez por todas, que percebêsseis sua verdade e beleza, pois saberíeis, então, o que significa olhar, não com olhos de censor, porém, olhar, simplesmente. Se olhardes com olhos de censor, ireis aumentar vosso conflito; mas, se observardes, sem ser de um centro, começareis a compreender esse "mecanismo" extraordinário que se chama a consciência, que é a própria essência do conflito, da luta, que é um lutar incessante para "vir a ser", reprimir, alcançar.

Observais aquelas montanhas cobertas de neve, aqueles morros e vales, e a terra verde; e como os observais? Vede-os de um centro que analisa? Ou vedes, simplesmente, sua beleza extraordinária? Há, decerto, diferença entre percepção e análise. Se se vê com certa clareza esta diferença, então, ficará também claro que a análise não produz nenhuma revolução. A análise poderá ajudar-vos a ajustar-vos à sociedade, a remover algumas de vossas peculiaridades, de vossas idiossincrasias, de vossas neuroses; mas não é disso que estamos tratando. Estamos falando de coisa muito mais fundamental do que o mero ajustamento a uma sociedade corrompida. Análise supõe analista e coisa analisada. O analista é o censor, o juiz que examina, que interpreta, que condena ou aprova o que se está vendo, e, por conseguinte, cria mais conflito. Não é isso, absolutamente, o que estamos fazendo; estamos fazendo coisa completamente diferente, isto é, tratando de compreender o conflito existente, não só no exterior, no mundo, mas também em nosso interior. Estou empregando a palavra "compreender" no sentido de "observar sem tomar posição". Quando assim procedeis, já tendes um campo de observação em que não existe conflito. Não sei se estais percebendo a verdade disso.

Sabeis tão bem como eu que há conflito exterior. Uma nação está colocada contra outra nação, e os governos soberanos, com seus exércitos, se acham constantemente na iminência de guerra. Vemos competição, antagonismo criado pelas divisões de raça e de classe, e a batalha constante do Oriente com o Ocidente, dos que estão bem nutridos com os milhões que padecem fome na Ásia. Observa-se um "explosivo" aumento de população, com sua ameaça de fome geral, e a sombra temerosa de uma guerra nuclear. Tudo isso são fatos óbvios, está nos lábios de todos os políticos, de todos os reformadores — a guerra fria que ora se verifica e que, a qualquer momento, poderá tornar-se "quente".

E há, também, a batalha interior que se trava em cada um de nós: autocontradições, problemas não resolvidos e aqueles que só foram temporariamente resolvidos — produzindo, tudo isso, sua marca na mente. Desejamos ser pessoa importante, famoso pintor, escritor, orador, importante homem de negócios, e, se não o conseguimos, sentimo-nos frustrados — o que acarreta mais outra forma de conflito.

Temos, pois, conflito exterior e conflito interior; e o exterior não difere essencialmente do interior. São ambos parte do mesmo movimento, semelhante ao vaivém da maré. Separá-los é coisa absurda, estúpida, porque são uma só e mesma coisa. Deveis atender ao problema como um todo, e não dividi-lo em "interior" e "exterior"; do contrário, nunca sereis capaz de compreendê-lo. No momento em que separais o exterior do interior, aumentastes o conflito em que vos vedes envolvido.

Ora bem, vendo-se essa batalha incessante, essa autocontradição de cada um, que cumpre fazer? O conflito interior poderá envidar um certo esforço, produzir um certo resultado. Pode, e não raro o faz, produzir quadros, poemas, literatura, movimentos religiosos (assim chamados), mas tudo isso permanece no campo do conflito, é fator de degeneração. "Ajuda" outros a degenerar. Isto é bem óbvio. Assim, toda forma de conflito, quer dele estejamos apercebidos, quer não, e toda ação resultante desse conflito, constituem fator de degeneração.

Por favor, não aceiteis o que estou dizendo, porque, aceitá-lo significa apenas concordar verbalmente; e aqui não estamos para concordar ou discordar verbalmente. Isto aqui não é uma sociedade de debates.

Vede, há séculos e séculos que estamos sendo criados nesta ideia de que precisamos lutar para ser ou alcançar algo. Lutamos para ter êxito neste mundo, e pensamos também que pelo conflito alcançaremos a divindade, ou criaremos algo, no sentido artístico ou religioso. Vede os inumeráveis santos que consigo mesmos batalharam para alcançar um estado considerado espiritual, e como tal reconhecido pelas igrejas. O conflito, pois, é uma "instituição" veneranda, coisa divinizada por nós. Vemo-lo representado em antigas pinturas egípcias e nas cavernas de Lescaux, onde se retrata o homem em batalha com os animais, o bem contra o mal, na esperança de que o bem prevaleça sobre o mal. O conflito é um processo histórico; é como uma vaga descomunal que constantemente nos colhe — e dessa vaga fazemos parte.

Ora, para vermos o conflito — esse mecanismo histórico-social de que fazemos parte — como fator deteriorante, necessitamos de muita atenção e de verdadeira inteligência. Em maioria, não reconhecemos o conflito como fator de deterioração, porque nos habituamos a ele. Na escola, nos negócios, em tudo o que fazemos, o conflito, a rivalidade é nossa maneira de vida, e ninguém quer admitir que ele seja profundamente destrutivo. Uns poucos poderão admiti-lo teoricamente, mas não de fato. Assim, examinemos isso.

Como disse, há muitas variedades de conflito. As pessoas ditas religiosas têm suas variadas disciplinas. Controlam, subjugam a si próprias; ajustam-se a um padrão que chamam espiritual, ou imitam um certo herói; aceitam a autoridade de um salvador, de um instrutor e, de acordo com seus ditames, lutam para viver. Se são verdadeiramente sérias — como os monges cristãos e certas pessoas da Índia que renunciaram ao mundo — sua vida é uma perene batalha de autocontrole, autodisciplina.

E, consideremos nossa própria vida. Alguns dentre vós talvez fumem. Podeis achar absurdo ser-se escravo de um hábito; entretanto, quanto vos é difícil abandonar uma coisa tão insignificante como o hábito de fumar, quantas torturas isso vos custa! Daí resulta conflito; e, naturalmente, quando se trata de coisas mais emocionais, como o sexo, etc., o conflito se torna indizível agonia. Mas, estais acostumados com o conflito, que se vos tornou hábito, vossa maneira de vida. O conflito foi santificado, tornou-se respeitável; e, se vem uma pessoa, como eu, dizer-vos que se pode viver sem conflito, ou vos tornais sardônico e dizeis "Pobre coitado!", ou procurais imitar sua maneira de vida e, por conseguinte, de novo vos vedes em conflito.

Como disse, quer estejamos apercebidos disso, quer não, a totalidade da consciência, tudo isso que chamamos pensamento, é conflito — pensamento como palavra, como símbolo, pensamento como reação da memória, não só a memória de ontem, mas a de muitos milhares de dias passados. E, se não pensásseis, que aconteceria? Ficaríeis vegetando, satisfeito com o que sois, qual uma vaca? Ou "não pensar nada" representa um estado extraordinariamente vital, significando que compreendestes e vos libertastes completamente dessa reação mecânica da memória, que é o cérebro, a "responder" com todas as suas acumulações de experiência, na forma de conhecimento?

Em geral, desistimos do esforço de nos libertarmos do conflito e deixamo-nos levar pela corrente, permitindo, assim, que a mente se embote; e se o conflito se torna demasiado doloroso, recorremos a uma crença em Deus, esperando, dessa maneira, encontrar a paz; mas isso, mais cedo ou mais tarde, se torna outra fonte de conflito. Ou, receando que, se nenhum conflito tivéssemos, iríamos vegetar, embotar-nos, quedar-nos satisfeitos, conservamos bem afiado o gume do conflito, argumentando intelectualmente com outros, lendo e instruindo-nos sobre as mais variadas matérias. Mas, há uma maneira de nos abeirarmos deste problema, que requer inteligência na forma mais elevada, a mais alta sensibilidade, e esta maneira é: observar, estar apercebido da totalidade desse mecanismo de conflito, sem fazer escolha. Se nele entrardes, vereis que, nesse estado de percebimento, vossa mente compreende imediatamente todo problema que surge, de modo que não se proporciona ao conflito solo para enraizar-se.

Pois bem. É sobre isto que vou falar, e não sobre como fugir ao conflito — o que, afinal, é o que fazeis, recorrendo ao vosso deus predileto ou ao vosso analista favorito; vou falar sobre como compreender negativamente todo esse mecanismo de conflito. Por compreensão negativa entendo o estado em que a mente olha um problema, ou uma montanha, sem "verbalizar": ela, apenas, olha. É o estado da mente que não interpreta, que não censura ou escolhe, mas está apercebida sem escolha. A mente, então, não diz: "Gosto disto e não gosto daquilo" — porém apenas observa com uma atenção total; e nesse estado mental vereis que toda espécie de conflito, em qualquer nível de vosso ser, terminará. A mente sem conflito é a única mente religiosa; mas, ainda não conheceis esse estado. E por mais encantados que vos sintais com minha descrição, isso nenhum valor tem.

Para o homem ou a mulher que deseja verdadeiramente compreender a beleza, o extraordinário significado de uma vida livre de conflito — e eu digo que essa vida é possível — a coisa mais importante é que se esteja totalmente apercebida da totalidade do conteúdo da consciência. Estar "totalmente apercebido" não significa analisar, porém, simplesmente, observar. E aí está nossa maior dificuldade, porquanto, através de um milênio de hábito, vimos sendo exercitados para julgar, para condenar, para comparar, para identificar-nos; esta é nossa reação instintiva e, por conseguinte, nunca observamos realmente.

Assim, podeis, vós que viveis num mundo feito de conflito, que mantém o conflito através de preenchimentos e frustrações, e que exige que também vivais em conflito, num estado de auto-contradição — podeis, pela compreensão, pela sensibilidade a todo esse mecanismo, ficar totalmente livres de conflito? Por certo, só a mente sem problemas, sem as cicatrizes do conflito, é inocente; e só a mente inocente pode conhecer o Imensurável.

Krishnamurti, Saanen, 9 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill