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quinta-feira, 19 de abril de 2018

Só é criativa a mente vazia, livre do conhecido

Só é criativa a mente vazia, livre do conhecido

Para muita gente, a religião é provavelmente uma espécie de entretenimento. Os velhos recorrem à religião, e o mesmo fazem as pessoas algo neuróticas. Com a palavra "religião", refiro-me não só às igrejas organizadas, com toda a segurança interior que oferecem, mas também às variadas e extravagantes formas de crença, dogma, ritual a que aderem tantas pessoas. A religião, para a maioria das pessoas, não é coisa séria. Na Rússia, o governo está atualmente permitindo a religião organizada, porque, politicamente, ela não tem muita importância; não contém o germe da revolta, não é um centro revolucionário e, portanto, deixam-na existir.

E qual será a importância que tem a religião na vida de cada um de nós, aqui presentes? Por "religião" estou agora entendendo algo inteiramente diferente, algo tão importante, se não muito mais importante do que ganhar o próprio sustento. Para mim, religião é algo a que damos todo o nosso coração e mente e corpo — tudo o que temos. Não é uma espécie de passatempo, ou coisa a que recorremos quando já velhos, "com um pé na cova", porque não temos mais o que fazer; é algo que se torna "devastadoramente" importante, extremamente necessário, como verdadeiro roteiro de nosso viver, do despertar ao adormecer — para que cada pensamento, cada ato, cada movimento de nosso sentir seja observado, considerado, pesado. A religião, para mim, abarca a totalidade da vida. Não é coisa reservada aos especialistas, aos ricos ou aos pobres, à elite ou ao intelectual. E, como o pão, algo de que tendes necessidade. E não sei quantos de nós a levam tão a sério — o que não significa que se deva ser intolerante, fanático, inacessível, sectário, ou uma pessoa excepcional. A religião não exige conhecimento ou crença, porém, tão só, extraordinária inteligência e, também, o homem religioso necessita de liberdade, liberdade completa.

Embora falemos de liberdade, a maioria de nós não deseja ser livre. Não sei se já observastes este fato. No mundo moderno — em que a sociedade está altamente organizada, onde se observa progresso e mais progresso, onde a produção de utilidades se tornou tão vasta e tão fácil — o indivíduo se torna escravo das posses, das coisas, e nelas encontra sua segurança física e emocional. Por conseguinte, não desejamos realmente ser livres. Por "liberdade" entendo "liberdade total", e não liberdade numa certa direção; e penso que devemos exigi-la, com firmeza, de nós mesmos.

Liberdade é diferente de revolta. Toda revolta é contra alguma coisa; o indivíduo se revolta contra algo e é pró algo. Revolta é reação, mas a liberdade não o é. No estado de liberdade, não estais livre de alguma coisa. Quando estais livre de alguma coisa, estais, com efeito, em revolta contra essa coisa; portanto, não sois livre. Liberdade não significa "estar livre de alguma coisa"; a mente, em si própria, é livre. Este é um sentimento extraordinário: a mente ser livre em si própria, conhecer a liberdade por amor à própria liberdade.

Ora, se o indivíduo não é livre, não vejo como possa ser criador. Não estou empregando a palavra "criador" no estreito sentido de "homem que pinta quadros, escreve poesias ou inventa máquinas". Tais indivíduos, para mim, não são criadores, absolutamente. Poderão ter momentânea inspiração; mas, criação é coisa muito diferente. Só pode haver criação quando há liberdade total. Nesse estado de liberdade, há plenitude, e, então, o escrever uma poesia, pintar um quadro, ou esculpir uma pedra, tem sentido completamente diferente. Já não é mera expressão da personalidade, nem resultado de frustração, nem busca de compradores; é coisa toda diferente. Acho que devemos reclamar nosso direito de conhecer esta liberdade, não apenas em nós mesmos, mas também no exterior; disto vou tratar por alguns instantes nesta manhã.

Em primeiro lugar, acho que devemos diferençar entre liberdade, por um lado, e revolta ou revolução, por outro lado. Revolta e revolução são, essencialmente, reação. Há a revolta da extrema-esquerda contra o capitalismo, e a revolta contra o predomínio da igreja. Há, também, revolta contra o Estado policial, contra o poder da tirania organizada — mas, hoje em dia tal revolta não compensa, pois, muito calmamente, "eles" vos liquidam, se desembaraçam de vós.

A liberdade, para mim, é coisa inteiramente diferente. Liberdade não é reação, porém, antes, o estado mental que se torna existente quando compreendemos a reação. Reação é "resposta a desafio", é prazer, cólera, medo, dor psicológica; e, na compreensão dessa tão complexa estrutura de reação, encontraremos a liberdade. Vereis, então, que liberdade não é estar livre da cólera, da autoridade, etc. Ela é um estado per se, que devemos experimentar por causa dele próprio e não por estarmos contra alguma coisa.

Em geral, estamos interessados em nossa própria segurança. Precisamos de companhia e esperamos achar a felicidade numa dada relação; queremos ser famosos, criar, expressar-nos, expandir-nos, realizar-nos; queremos poder, posição, prestígio. Em grau maior ou menor, é isso, com efeito, o que interessa à maioria de nós; e liberdade, Deus, verdade, amor, se tornam algo que se procurará depois. Assim, como disse, nossa religião é uma coisa superficial, uma espécie de entretenimento sem muita importância em nossa vida. Satisfazemo-nos com trivialidades e, por esta razão, não há o alertamento, o percebimento necessário para se compreender esse complexo mecanismo que se chama viver. Nossa existência é luta constante, esforço vão, interminável — com que fim? Ela é uma gaiola em que estamos aprisionados, gaiola que construímos com as nossas reações, nossos temores, desesperos, ansiedades. Todo o nosso pensar é uma reação; deveis lembrar-vos de que examinamos esta questão, há dias, quando foi feita a pergunta: "Qual a verdadeira função do pensamento?" Examinamo-la, muito atentamente, e descobrimos que todo o nosso pensar é reação, "resposta" da memória. Toda a estrutura de nossa consciência, de nosso pensamento, é o resíduo, o reservatório de nossas reações. O pensamento, evidentemente, nunca poderá produzir liberdade, porquanto a liberdade não resulta de reação. Liberdade não é rejeição das coisas que nos causam dor e, tampouco, afastamento das coisas que nos dão prazer e das quais nos tornamos escravos.

Por favor, como disse outro dia, não aceiteis nada do que está dizendo este orador. Olhai-o, sem aceitá-lo, nem rejeitá-lo, mas procurando perceber o fato, individualmente, pela observação de vós mesmo.

A consciência constitui toda a esfera de nosso pensamento, todo o campo da ideia e da ideação. O pensamento organizado se torna a ideia, da qual resulta a ação; e a consciência se constitui de muitas camadas de pensamento, ocultas e patentes, conscientes e inconscientes. É a esfera do conhecido, da tradição, da memória do que foi. É o que temos aprendido, o passado em relação ao presente. O passado transmitido através de séculos, o passado da raça, da nação, da comunidade, da família; os símbolos, as palavras, as experiências, o choque dos desejos contraditórios; as inumeráveis lutas, prazeres e dores; as coisas que aprendemos de nossos antepassados e as modernas tecnologias que se lhes acrescentaram — tudo isso constitui a consciência, é o campo do pensamento, o campo do conhecido, e nós vivemos na superfície desse campo. Somos exercitados desde a infância para adquirir conhecimentos, competir; aprendemos uma técnica, especializamo-nos numa certa direção, a fim de termos um emprego e ganhar a vida. Nisso consiste toda a nossa educação, de modo que continuamos a viver na superfície; e, abaixo da superfície, está o passado imenso, o tempo incalculável. Tudo isso constitui o conhecido. Embora não estejamos apercebidos do inconsciente, ele está, contudo, no campo do conhecido.

Tende a bondade de ir seguindo isto, observando a vós mesmos, observando vossa própria consciência. Quanto mais sensíveis, quanto mais vigilantes fordes, tanto melhor percebereis o conflito existente entre o consciente e o inconsciente. Se esse conflito exige ação e não encontrais um modo de agir, tornais-vos neuróticos ou ides acabar num hospício; e, assim sendo, tendes inúmeros psicólogos, analistas, que procuram lançar uma ponte sobre esse abismo, e resolver o conflito.

O inconsciente, embora esta palavra sugira algo oculto, de que não temos percebimento, faz também parte do conhecido; ele é o passado. Podeis desconhecer o inteiro conteúdo do inconsciente, podeis não o ter examinado, observado, mas provavelmente tendes sonhos, comunicações procedentes daquela vasta região subterrânea da mente. Ela existe, e é o conhecido, porque é o passado. Nela nada existe de novo; e devemos compreender por nós mesmos o que se encerra neste estado que não é novo, já que "inocência" é independência do conhecido.

Este é um dos problemas mais importantes da vida moderna, porque somos educados, exercitados, condicionados para permanecer na esfera do conhecido, na qual existe ansiedade, desespero, sofrimento, confusão, aflição. Só os "inocentes" podem ser criadores, são capazes de criar algo novo, e não apenas produzir mecanicamente um quadro, um poema, ou o que quer que seja. O inconsciente faz parte do "conhecido", e a maioria de nós permanece na superfície do "conhecido", porque é o roteiro que seguimos na vida. Dirigimo-nos todos os dias ao escritório, à sua rotina, seu tédio; tememos perder nosso emprego; sujeitamo-nos às exigências, pressões, tensões da vida moderna; somos solicitados por apetites sexuais e outros mais. Tal é o nível em que vivemos. Desse nível queremos achar algo muito mais profundo, porque não estamos satisfeitos com ele, e, assim, nos voltamos para a música, a pintura, a arte, os deuses, as inumeráveis religiões. Quando tudo isso falha, passamos a adorar o Estado, como se fosse a suprema maravilha, ou a praticar a vida de comunidade — sabeis com quantas falácias gostamos de entreter-nos, quantas novidades inventamos, inclusive foguetes para irmos à Lua. E, quando nos vemos insatisfeitos com tudo isso, voltamo-nos para dentro; ou, se somos muito intelectuais, analisamos, desmantelamos tudo, mas temos nosso Jesus, nosso Cristo particular. Tal é nossa vida.

Ora, a única liberdade verdadeira é a que consiste em estar livre do "conhecido". Acompanhai-me por um instante. É estar livre do passado. O conhecido tem seu lugar próprio, é claro. Preciso conhecer certas coisas, para que possa "funcionar" na vida de cada dia. Se eu não soubesse onde resido, perder-me-ia. E há o saber acumulado das ciências, da medicina e de várias tecnologias, o qual se vai acrescentando constantemente. Tudo isso está contido no campo do "conhecido", e tem seu lugar próprio. Mas o "conhecido” é sempre mecânico. Toda experiência que tivestes, seja do passado remoto, seja apenas de ontem, está no campo do "conhecido", e dai, desse fundo, reconheceis toda experiência ulterior. No campo do conhecido, há sempre apego, com os concomitantes temores e desesperos, e a mente aprisionada nesse campo, por mais extenso e amplo que seja, não é livre. Poderá escrever livros muito engenhosos, poderá saber como se vai à Lua, inventar máquinas as mais complicadas e maravilhosas — se tivestes ocasião de ver algumas dessas máquinas, sabereis que são realmente maravilhosas — mas essa mente está ainda aprisionada na esfera do conhecido.

A consciência é produto do tempo; o pensamento está alicerçado no tempo, e o que o pensamento produz está sempre na sujeição do tempo. Assim, o homem que deseja livrar-se do sofrimento, precisará livrar-se do "conhecido" — o que significa que precisará compreender toda essa estrutura da consciência. E pode-se compreendê-la por meio da análise, que é também um "mecanismo" de pensamento? Que significa "compreender uma coisa"? Qual o estado da mente que compreende? Estou falando sobre compreender, e não sobre aquilo que se compreende. Entendeis o que quero dizer? Estou investigando o estado da mente que diz "compreendo". A compreensão é resultado de pensamento e dedução? Examinais uma coisa crítica, razoável, sã e logicamente e dizeis depois "compreendo-a"? Ou a compreensão é coisa de todo diferente?

Outro dia, quando aquele senhor perguntou "Qual a verdadeira função do pensamento?" — deveis lembrar-vos de que falamos sobre a "resposta" da mente a "desafio". Quando a pergunta nos é familiar, a resposta é imediata. Quando um pouco mais complicada, ou obscura, a resposta leva tempo, pois nesta demora estais a pensar, a rebuscar na memória, para depois responderdes, tal como os computadores, por associação. Uma pergunta mais complicada requer intervalo maior ainda. Ora, estas três "respostas", que naquele dia chamamos (a), (b) e (c), constituem, todas, partes do "mecanismo" do pensamento, e se acham no campo do "conhecido". Dentro desse campo, pode-se produzir, pode-se inventar, pode-se pintar quadros, fazer as coisas mais extraordinárias, até mesmo ir à Lua; nada disso, porém, é criação. Essa perene busca de grandes feitos e de expressão pessoal é de todo em todo pueril, pelo menos para mim.

Ora, estar livre de tudo isso é estar livre do "conhecido"; é o estado da mente que diz: "Não sei"e não está procurando resposta. Essa mente se acha, toda ela, num estado, de "não-procura", de "não-expectativa"; e só nesse estado pode-se dizer "compreendo". É o único estado em que a mente é livre, e desse estado podeis olhar as coisas conhecidas — mas não vice-versa. Do conhecido não tendes possibilidade de ver o desconhecido; mas, uma vez compreendido o estado da mente que é livre, ou seja a mente que diz "não sei" e permanece "não sabendo" e é, por conseguinte, "inocente" — então, desse estado, podeis "funcionar", ser cidadão, homem casado, etc. Então, o que fazeis tem cabimento, tem significação na vida. Mas, nós permanecemos no campo do conhecido, com todos os seus conflitos, lutas, disputas, agonias, e, desse campo, queremos encontrar o "desconhecido". Por conseguinte, não estamos verdadeiramente em busca da liberdade. O que queremos é a continuação, o prolongamento da mesma velharia: do conhecido.

Assim, a meu ver, o importante é compreendermos por nós mesmos esse estado em que a mente está livre do conhecido, porque só então ela pode descobrir, por si mesma, se há ou não uma Imensidade. O ficar meramente a funcionar no campo do conhecido — quer esse funcionamento se verifique à esquerda, à direita, ou no centro — é materialismo grosseiro, ou como preferirdes chamá-lo. Aí, não há solução para nada, porque aí só há desdita, luta, competição sem fim, a busca de uma segurança nunca encontrável. E isso o que interessa à maioria dos jovens, não? Querem, em primeiro lugar, segurança para si próprios, sua família, segurança em seus empregos, e mais tarde, talvez, se lhes sobrar tempo e tiverem inclinação para isso, irão procurar outra coisa mais. Quando a crise se torna demasiado intensa, tratais de procurar uma solução feliz, conveniente, e com ela ficais satisfeito. Não me refiro, absolutamente, a esta espécie de busca. Refiro-me a coisa toda diferente. Refiro-me à mente que compreendeu por inteiro a função do "conhecido"; e a mente não tem possibilidade de compreender esse campo tão extremamente complexo, se não compreender a si própria, a totalidade de sua consciência.

Ora, ninguém pode compreender a si próprio mediante auto-exame, introspecção, análise. Isto é bastante claro. Não há necessidade de me estender a este respeito, há? A mente, de modo nenhum, pode compreender a si própria por meio de análise, porque, na análise, há separação entre o analista e a coisa analisada, e, por conseguinte, conflito crescente e contínuo. Toda análise, todo esforço de sondagem, indagação, pesquisa, parte do centro, já condicionado, carregado das acumulações do tempo, que é o conhecido. Por mais que tente penetrar o inconsciente, o analista faz sempre parte do "conhecido". Uma vez tenhais apreendido a verdade desta asserção, então — apesar de todos os analistas e psicólogos — vereis o total conteúdo do inconsciente e o compreendereis num relance de olhos. A compreensão só ocorre num súbito clarão, e não no decurso do tempo, pela acumulação de conhecimentos livrescos, etc. Ou vedes uma coisa imediatamente, ou absolutamente não a vedes. Os sonhos poderão dar indicações, símbolos, sugestões a respeito de algo, mas esse algo ainda é parte do "conhecido"; e a mente deve esvaziar-se, de todo, do "conhecido". Deve estar livre desse mecanismo que chamamos "pensar".

Se estais ouvindo pela primeira vez esta asserção de que deveis ficar livres do pensamento, talvez digais: "Pobre homem, perdeu o juízo!" Mas, se escutastes realmente, não só desta vez, mas em todos os anos em que — alguns dentre vós — vindes lendo a respeito desta matéria, sabereis que o que se está dizendo é de extraordinária vitalidade, contém uma penetrante verdade. Só a mente que se "esvaziou" do conhecido, é criadora. Esse estado é ação. O que a mente cria então não interessa a si própria. Esse estado livre do conhecido, é o estado em que a mente se acha em criação. Como pode a mente que se acha em criação estar interessada em si própria? Por conseguinte, para poderdes compreender aquele estado mental, deveis conhecer a vós mesmo, observar o mecanismo de vosso próprio pensar — observá-lo, e não alterá-lo, modificá-lo; observá-lo, simplesmente, assim como vos vedes num espelho. Quando há liberdade, pode-se então fazer uso do conhecimento, sem destruir a humanidade. Mas, quando não há liberdade e se faz uso do conhecimento, cria-se sofrimento para todos, não importa que isso aconteça na Rússia, na América, na China ou onde quer que seja. Chamo séria a mente que, apercebida do conflito do conhecido, nele (no conhecido) não se acha enredada, não está tentando modificá-lo, melhorá-lo; porque, por esse caminho, nunca terá fim o sofrimento e a aflição.

Krishnamurti, Saanen, 11 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho


terça-feira, 10 de abril de 2018

O sofrimento e a mente religiosa


O sofrimento e a mente religiosa

Esta é a última palestra. Discorrerei sobre o sofrimento e a mente religiosa. Há sofrimento em toda a parte, exterior e interiormente. Vemo-lo tanto nas altas como nas baixas camadas sociais. Ele existe há milhares de anos, diversas teorias já se conceberam a seu respeito e as religiões dele já falaram muito; entretanto, ele continua. É possível extinguir o penar, ficar realmente, interiormente, de todo livre dele? Não existe só o sofrimento da velhice e da morte, mas também o sofrimento do insucesso, da ansiedade, da culpa, do medo, o sofrimento causado pela contínua brutalidade, pela crueldade do homem para com o homem. Pode-se extirpar a causa desse sofrimento — não em outrem, mas em nós mesmos? Ora, por certo, se desejamos efetuar qualquer transformação, ela deve começar em nós mesmos. Afinal, não há separação entre o indivíduo e a sociedade. Nós somos a sociedade, o “coletivo”. Como franceses, russos, ingleses, hindus, somos o resultado de reações coletivas, desafios e influências coletivas. E no transformar esse centro individual, talvez se possa alterar a consciência coletiva.

A meu ver, a presente crise não é tanto uma crise do mundo exterior, mas uma crise existente na consciência, no pensamento, em nosso ser inteiro. E acho que só a mente religiosa pode resolver esse sofrimento, pode dissipar inteira e completamente todo o mecanismo do pensamento e o resultado que o pensamento produz, na forma de sofrimento, medo, ansiedade e culpa.

Já tentamos tantas maneiras de nos livrarmos do sofrimento: frequentar a igreja, refugiar-nos em crenças e dogmas, aderir a várias atividades sociais e políticas — e inumeráveis outras maneiras de fugir a essa perpétua corrosão do medo e do sofrimento. Só a mente religiosa pode resolver o problema. E por “mente religiosa” entendo algo completamente diferente da mente, do intelecto que crê na religião. Não há religião onde há crença. Não há religião se existe dogma, perpétua repetição de palavras, palavras, palavras, sejam em sânscrito, sejam em latim, sejam noutra língua qualquer. “Ir à missa” é uma forma de entretenimento como outra qualquer; não é religião. Religião não é propaganda. Quer vosso intelecto seja condicionado pela “gente da igreja”, quer pelos comunistas, é a mesma coisa. Religião é algo inteiramente diferente de crença e não crença; e desejo penetrar bem na questão relativa à mente religiosa. Fique, portanto, bem claro para nós que religião não é a fé que professais: isso é muito infantil. E onde não há madureza, não pode deixar de haver sofrimento. Requer-se muita madureza para se descobrir o que é uma mente verdadeiramente religiosa. Esta não é, por certo, a mente que crê, nem aquela que segue qualquer espécie de autoridade, seja a do maior dos instrutores, seja a do chefe de determinada seita. Assim, evidentemente, a mente religiosa está livre de todo sectarismo e, por conseguinte, de toda autoridade.

Posso digressionar agora um pouco, para dizer umas breves palavras a respeito de outra coisa? Alguns de vós vindes escutando estas palestras com bastante assiduidade, nestas últimas semanas. E se vos fordes daqui com uma grande coleção de conclusões, com um novo conjunto de ideias e frases, ir-vos-eis de mão vazias, ou com as mãos cheias de cinzas. Conclusões e ideias, de qualquer espécie que sejam, não resolvem o sofrimento. Assim, espero sinceramente que não fiqueis apegados às palavras mas viajeis junto comigo, a fim de podermos ultrapassar as palavras e descobrir, por nós mesmos, o que é real e, daí, empreender viagem para mais longe. O descobrimento do que existe em nós mesmos, como fato e realidade, faz nascer uma reação e ação de natureza completamente diferente. Espero, pois, não leveis convosco as cinzas das palavras, da memória.

Como dizia, a mente religiosa está livre de toda autoridade. E é muito difícil estar livre da autoridade — não só da autoridade imposta por outrem, mas também da autoridade da experiência que acumulamos, que é do passado, que é tradição. E a mente religiosa não tem crenças, não tem dogmas; ela se move de fato para fato e é, portanto, uma mente científica. Mas a mente científica não é a mente religiosa. A mente religiosa inclui a mente científica; mas a mente treinada no saber científico não é mente religiosa.

A mente religiosa se interessa pela totalidade — não por uma determinada função mas, sim, pelo total funcionamento da existência humana. O intelecto se interessa por determinada função; especializa-se. Ele funciona especializadamente, como cientista, médico, engenheiro, músico, artista, escritor. São estas técnicas especializadas, limitadas, que criam a divisão, não só exterior, mas também interiormente. O cientista, provavelmente, é considerado como a pessoa mais importante de que necessita a sociedade hoje em dia, tal como o é o médico. A função, portanto, se torna de suma importância; e a ela está ligada a posição, e posição é prestígio. Assim, onde há especialização tem de haver contradição e uma limitação, e esta é a função do intelecto.

Cada um de nós, por certo, funciona dentro de uma estreita rotina de reações autoprotetórias. É aí que tem nascença o “eu”, o “ego” — no intelecto, com suas defesas, agressões, ambições, frustrações e sofrimentos.

Há, pois, uma diferença entre o intelecto e a mente. O intelecto é “separativo”, “funcional”, não pode ver o todo; ele funciona dentro de um padrão. E a mente é a totalidade que pode ver o todo. O intelecto está contido na mente; mas o intelecto não contém a mente. E por mais que o pensamento se purifique, se requinte e se controle, ele de modo nenhum pode conceber, formular ou compreender o todo. É a capacidade da mente que percebe o todo, e não o intelecto.

Mas nós desenvolvemos o intelecto num grau espantoso. Toda nossa educação se restringe ao cultivo do intelecto, porque há vantagem no cultivo de uma técnica, na aquisição de conhecimento. A capacidade de perceber o todo, a totalidade da existência — esta percepção não tem o móvel da vantagem; por esse motivo a desprezamos. Para nós, função importa mais que a compreensão. E só há compreensão quando há o percebimento do todo. Ainda que o intelecto seja capaz de discernir a razão, o efeito, a causa das coisas, o sofrimento não pode ser resolvido pelo pensamento. É só quando a mente percebe a causa, o efeito, o mecanismo total, e passa além, é só então que tem fim o sofrimento.

Para a maioria de nós, a função se tomou muito importante porque a ela está ligada a posição, a situação, a classe. E quando a posição se torna existente em virtude da função, há contradição e conflito. Como respeitamos o cientista e desprezamos o cozinheiro! Como veneramos o Primeiro Ministro, o General, e desconsideramos o soldado! Vemos, pois, que há contradição quando a posição está aliada à função; há distinção de classes, lutas de classes. Uma sociedade poderá procurar extirpar as classes, mas enquanto a posição acompanhar a função, tem de haver classes. E é isso o que todos desejamos. Todos desejamos posição, que significa poder.

Como sabeis, o poder é uma coisa extraordinária. Todos o ambicionam: o eremita, o general, o cientista, a dona-de-casa, o marido. Todos desejamos o poder: o poder que o dinheiro confere, poder para dominar, o poder do saber, o poder da capacidade. Ele nos dá posição, prestígio, e é isso que desejamos. E o poder é coisa má, seja o poder do ditador, seja o poder da esposa sobre o marido ou do marido sobre a esposa. É mau, porque força outrem a submeter-se, a ajustar-se; e nesse processo não há liberdade. Mas nós o ambicionamos, muito sutilmente ou muito cruelmente; e é por isso que buscamos o saber. O conhecimento é importantíssimo para a maioria de nós, e temos na mais alta consideração o homem ilustrado, com suas sutilezas intelectuais, porque ao saber se associa o poder.

Tende a bondade de escutar, não apenas a mim, mas à vossa mente, vosso intelecto e coração. Observai-os, para verdes com que avidez a maioria de nós deseja esse poder. E, quando há busca de poder, não há aprender. Só a mente “inocente” pode aprender; só a mente jovem, fresca, se deleita em aprender, e não a mente, o intelecto pejado de saber, de experiência. A mente religiosa, pois, está sempre aprendendo, e não há fim ao aprender. Aprender não é acumulação de conhecimentos. No conservar e aumentar o saber, deixamos de aprender. Segui isto até o fim.

Quando se observam todas essas coisas, pode-se ficar apercebido de um extraordinário sentimento de isolamento, solidão. Em geral, temos experimentado ocasionalmente esse sentimento de estar completamente só, fechado, sem relação com nenhuma coisa ou pessoa. E ao se perceber isso, sente-se medo; quando existe medo, apresenta-se imediatamente o impulso, a ânsia de fugir-lhe. Segui tudo isso interiormente, porque não estou aqui pronunciando uma conferência; estamos, realmente, jornadeando juntos. E se puderdes fazer essa viagem, saireis daqui com uma mente bem diversa, um diferente intelecto.

Temos de passar por esse sentimento de solidão, mas não o podeis fazer se tendes medo. Essa solidão é, em verdade, criada pela mente, com suas reações autoprotetórias, suas atividades egocêntricas. Se observardes vosso próprio intelecto, vereis como vos estais isolando em tudo o que fazeis e pensais. Tudo isso que se relaciona com “meu nome, minha família, minha posição, minhas qualidades, minhas aptidões, minha propriedade, meu trabalho” — vos está isolando. Assim, tendes a solidão, e não a podeis evitar. Vós tendes de passar por ela de maneira tão real como passais por uma porta. E para passardes por ela, tendes de “viver com ela”. E “viver com a solidão”, “passar pela solidão”, significa alcançar uma coisa muito superior, um estado muito mais profundo, que é o “estar só” — completamente só, sem conhecimento. Com isso não quero dizer que nos privemos do conhecimento mecânico superficial, necessário à existência diária; o intelecto não precisa ser completamente drenado, mas o que quero dizer é que o conhecimento que adquirimos e armazenamos não deve ser usado para nossa própria expansão e segurança psicológica. Com a palavra “solidão” me refiro a um estado não atingível por nenhuma espécie de influência. Já não é um estado de isolamento, porque o isolamento foi compreendido; compreendeu-se todo o processo mecânico do pensar, da experiência, do desafio e reação.

Não sei se já refletistes alguma vez sobre este problema do desafio e reação. O intelecto está sempre reagindo a toda espécie de desafio, consciente ou inconsciente. Toda influência se imprime no intelecto, e o intelecto reage. Tende a bondade de seguir isto, porque, se penetrardes mais profundamente, vereis que não há mais desafio nem reação — mas isso não significa que a mente se acha adormecida. Pelo contrário, está completamente desperta, tão desperta que já não necessita de nenhum desafio e nem há necessidade de nenhuma reação. Esse estado, em que não há na mente desafio ou reação, porque ela compreendeu todo o mecanismo — esse estado é “solidão”. Assim, a mente religiosa compreende tudo isso, passa por tudo isso, não através do tempo, mas pelo imediato percebimento.

O tempo traz compreensão? Tereis compreensão amanhã? Ou só há compreensão no presente ativo, agora? Compreensão é ver uma dada coisa totalmente, imediatamente. Mas essa compreensão é impedida pela avaliação, sob qualquer, forma. Todo verbalizar, condenar, justificar, etc., impede o percebimento. Dizeis: “Precisa-se de tempo para compreender. Preciso de muitos dias para isso”. E durante “estes muitos dias” o problema vai lançando raízes mais profundas na mente, e se torna muito mais difícil erradicado, seja qual por esse problema. A compreensão, pois, está no presente imediato e não em prazos de tempo. Quando percebo uma coisa com toda a clareza, imediatamente, há compreensão. O “imediato” é que importa, e não o adiamento. Se bem percebo o fato de que sou colérico, ciumento, ambicioso, etc., se o percebo sem emitir opinião, avaliação, ou juízo, então o próprio fato começa a operar imediatamente.

Assim, a qualidade da “solidão” é o estado próprio de uma mente de todo desperta. Ela não está pensando em termos de tempo. E isso é verdadeiramente extraordinário, como vereis se o investigardes. A mente religiosa, pois, não é uma mente “evolucionária”; porque à Realidade está fora do tempo. Importa realmente compreender isso, se chegastes até aí em vossa viagem de descobrimento.

Notai que o tempo cronológico e o tempo psicológico são duas coisas diferentes. Nós estamos falando sobre o tempo psicológico, a exigência interior de mais dias, mais tempo para realizar algo — e isso sugere o ideal, o herói, o intervalo entre o que sois e o que deveríeis ser. Dizeis que para transpor esse intervalo, lançar uma ponte sobre ele, necessita-se de tempo; mas tal atitude é uma forma de indolência, porque podereis ver essa coisa imediatamente, se lhe derdes toda a vossa atenção.

À mente religiosa, portanto, não interessa o progresso, o tempo; ela se acha num estado de constante atividade, mas não no sentido de “vir a ser” ou “ser”. Podeis verificar isso agora, embora provavelmente não o desejeis fazer. Porque, se o fizerdes, vereis que a mente religiosa é destrutiva; pois sem destruição não há criação. Há destruição, quando a totalidade da mente aplicou sua atenção ao que é. O perceber o falso como falso, percebê-lo completamente, é a destruição do falso. Não é a ação destrutiva dos comunistas, dos capitalistas — nenhuma dessas infantilidades. A mente religiosa é destrutiva e, por ser destrutiva, é criadora. Criação é destruição.

E não há criação quando não há amor. Para nós, o amor é uma coisa estranha. Vós dividistes o amor em paixão, concupiscência, amor carnal e amor divino, amor da família, amor da pátria, e continuais por aí além a dividi-lo e tomar a dividir. E na divisão, há contradição, conflito e sofrimento.

O amor, para a maioria de nós, é paixão, concupiscência; e neste próprio mecanismo de identificação com outro há contradição, conflito, e o começo do sofrimento. E, para nós, o amor se extingue. O fumo (criado por esse processo) — o ciúme, o ódio, a inveja, a avidez — destrói a chama. Mas onde está o amor, aí está a beleza e a paixão. Deveis ter paixão, mas não traduzais prontamente esta palavra em “paixão sexual”. Por “paixão” entendo a “paixão da intensidade”, essa energia que de pronto percebe as coisas, claramente, ardentemente. Sem paixão, não há austeridade. A austeridade não é mera renúncia, nem o possuir restrito, ou autocontrole, pois tudo isso é sem importância, insignificante. A austeridade vem com o desprendimento, e no desprendimento, há paixão e, por conseguinte, beleza. Não a beleza criada pelo homem; não a beleza artística, embora eu não queira dizer que aí não haja beleza. Mas refiro-me a uma beleza que transcende o pensamento e o sentimento. E esta só pode surgir quando há alta sensibilidade intelectual, bem como corpórea e mental. E não pode haver sensibilidade dessa natureza e qualidade quando não há completo desprendimento, quando o intelecto não se está abandonando inteiramente à totalidade daquilo que a mente percebe. Porque só com esse abandono há paixão.

A mente religiosa, pois, é a mente destrutiva. E é a mente religiosa que é mente criadora, porque o que a interessa é a totalidade da existência. O seu criar não é como a ação criadora do artista, porque a este só interessa um certo segmento da existência e ele procura expressar o que aí sente, assim como o homem mundano procura expressar-se nas atividades de seus negócios — embora o artista se considere superior a qualquer outro. A criação, pois, se verifica quando há compreensão da totalidade da vida, e não de uma única parte dela.

Agora, se o intelecto alcançou este ponto e compreendeu todo o mecanismo da existência, descartando-se de todos os deuses que o homem fabricou, de seus salvadores, seus símbolos, seu céu, seu inferno, então, como há completa solidão, poder-se-á empreender uma jornada de todo diferente. Mas é necessário chegar até aí, antes de se poder negar ou afirmar a existência de Deus. Daí por diante, há o verdadeiro descobrimento, porque o intelecto, a mente destruiu completamente tudo o que conhecia. Só então é possível penetrar no “desconhecido”; só então se apresenta o Incognoscível. Ele não é o Deus das igrejas, dos templos, das mesquitas; não é o Deus de vossos temores e crenças. Existe uma realidade que só pode ser encontrada na compreensão total do mecanismo integral da existência, e não de apenas uma parte dela.

Então a mente, como vereis, se torna sobremodo quieta e tranquila, e o intelecto também. Não sei se já alguma vez notastes o vosso intelecto em funcionamento, se vosso intelecto já alguma vez percebeu a si mesmo em ação! Se estivestes assim atento, sem escolha, negativamente, deveis ver que o intelecto está perenemente “tagarelando”, “falando sozinho” ou sobre alguma coisa, acumulando e armazenando conhecimentos. Está em ação a todas as horas, conscientemente, nos níveis superficiais, e também profundamente, em sonhos, sugestões, comunicações de ideias, etc. Ele está sempre em movimento, mudando, atuando; jamais tranquilo. E é necessário que a mente, o intelecto se mantenha sereno, quieto, sem nenhuma contradição, nenhum conflito. Do contrário, é inevitável a “projeção” da ilusão. Mas, quando a mente e o intelecto estão completamente tranquilos, sem movimento algum — após terem-se apagado todas as formas de visão, influência e ilusão — então, nessa tranquilidade, a totalidade irá mais longe, em sua jornada, para receber aquilo que não é mensurável pelo tempo, o Indenominável, o Eterno, o Imperecível.

Krishnamurti, Paris, 24 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

sábado, 7 de abril de 2018

O homem religioso não quer reformar a sociedade

O homem religioso não 
quer reformar a sociedade

PERGUNTA: Admitindo-se que a religião é da mais alta importância na vida, a pessoa verdadeiramente religiosa não se sentirá interessada na situação desditosa de seu semelhante?

KRISHNAMURTI: Tudo depende de quem é que chamais "pessoa religiosa" e do que entendeis por "sentir-se interessado". Tende a bondade de prestar atenção, senhores. O homem religioso deveria ocupar-se com reformas sociais? Que está acontecendo, realmente, no mundo? A pessoa dita religiosa se preocupa com os sofrimentos, as tribulações e a pobreza de seu semelhante, que exigem uma reforma da sociedade. Isto sucede aqui na Índia e noutras partes.

Ora, como sabemos, a produção de utilidades está aumentando muito e é bem provável que daqui a cinquenta ou cem anos haja alimentação e roupa e morada para todos; porque os comunistas têm esse alvo em mira, pelos métodos brutais e tirânicos que lhe são próprios, e os capitalistas têm igual objetivo, para servir aos seus próprios fins. Estamos todos trabalhando para minorar a pobreza e fomentar a produção, pelo uso de métodos cada vez mais eficientes, de novas invenções mecânicas, etc. Tudo isso está sucedendo e continuará a suceder em escala maior ainda — como deve ser. Mas, não há dúvida, o que é de primacial importância é ver a pobreza, ver a degradação, ver como o homem está tratando o homem — o que é algo aterrador — e também senti-lo, em vez de perguntar o que se deve fazer. O que se deve fazer, virá a seu tempo. Mas quase todos nós perdemos o amor pelo homem, em nossa atividade para reformar o homem. Essa reforma vai ser realizada pelo comunismo, de acordo com seus princípios violentos, pelo socialismo, pelo capitalismo e pela constante pressão das nações pobres sobre as nações opulentas. Essa própria pressão provocará uma mudança, uma revolução.

Ora, o problema é este: — Quem é o homem religioso? E deve um homem religioso interessar-se por essa reforma social, em que se trata de acabar com a pobreza e possibilitar uma distribuição equitativa dos bens materiais? É evidentemente necessário extirpar a pobreza, ter boa saúde, alimentação suficiente, casas adequadas para morar, etc.; e isso haverá de realizar-se, por meio da legislação, da pressão, da produção em massa, etc.

Mas que entendemos nós por um homem religioso? Por certo, o homem religioso é o que trabalha para libertar o indivíduo e a si próprio de todas as crueldades e sofrimentos da vida — o que significa que ele é livre de crenças. Esse homem não obedece a nenhuma autoridade, não segue a ninguém, porque ele é a luz de si mesmo; e essa luz irradia do autoconhecimento, é a libertação que vem à existência quando o indivíduo compreende completamente a si mesmo. O homem religioso é aquele que é criador, não no sentido de pintar quadros ou escrever poesias, mas porque nele atua uma força de criação imorredoura, eterna.

Ora, esse homem religioso que descobre sempre coisas novas, de momento a momento, esse homem ir-se-á ocupar com reformas sociais? Ou permanecerá fora da sociedade, socorrendo o indivíduo que se debate nesta luta interminável? Certo, o homem religioso permanece fora da sociedade, porque para ele não existe autoridade. Ele não busca resultados e, por conseguinte, os resultados surgem sem que ele nada faça para consegui-los. Esse homem não se interessa por nenhuma reforma social.

Notai bem: A reforma social é necessária, mas há muita gente trabalhando pela reforma social. E qual a razão dessa atividade? É por amor que a ela se entregam? Ou essa atividade, a que chamam reforma social, é um meio de essas pessoas se preencherem a si mesmas? Notar o mendigo na rua, ver a aterradora pobreza e a degradação existente nas aldeias, e sentir isso, ter amor, compaixão, pelo mendigo, pelo aldeão, isso não é o mesmo quê nos preenchermos numa atividade de reforma social — mesmo quando exerçamos atividades desta natureza. Mas quando a vossa pessoa se torna importante, numa atividade social, isto não acontece porque vos estais preenchendo com tal atividade? E quando isso acontece, já não amais; e o amar, o ter compaixão, o ser sensível ao belo e ao feio, isso é muito mais importante do que nos preenchermos num certo trabalho ostensivo, a que chamamos reforma social.


Assim, o homem religioso é que é o verdadeiro revolucionário, e não o que quer realizar uma revolução no sentido econômico. O homem religioso não reconhece nenhuma autoridade, não é ávido nem ambicioso, não está visando a resultados, não é político; por conseguinte só ele é capaz de realizar a reforma correta. Eis porque é importante que todos nós, não como grupos, mas como indivíduos, nos libertemos imediatamente das crenças e dogmas, da avidez e da ambição. Se assim procederdes, vereis como a mente se tornará cheia de vitalidade. E o homem é então um reformador num sentido completamente diferente, porque irá ajudar-nos a libertar a mente, para descobrir e ser criadora. A mente que está ocupada, não pode ser criadora. A mente que se ocupa em preencher a si mesma, nunca descobrirá o desconhecido. Só a mente que se acha completamente desocupada, pode descobrir e compreender o eterno, e essa mente produzirá sua ação peculiar, na sociedade.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
4 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Na chama da percepção está a liberdade religiosa

Na chama da percepção está a liberdade religiosa

Embora tenhamos numerosos problemas, e cada um deles pareça produzir muitos outros, poderíamos verificar agora se não seria muito mais acertado não buscar a solução de problema algum. Nossa mente parece incapaz de ocupar-se com a vida como um todo; é bem evidente que nos ocupamos de nossos problemas fragmentariamente, separadamente, fora da perspectiva total. O mais importante, talvez, se temos problemas, não é buscarmos para eles uma solução imediata, mas termos a paciência de investigá-los profundamente, para vermos se podem ser resolvidos pelo exercício da vontade. Releva, a meu ver, não a maneira de resolver os problemas, porém, sim, a maneira como os consideramos. Porque, sem liberdade, de qualquer maneira que os consideremos, nossa ação será restrita; sem liberdade, qualquer solução - econômica, política, pessoal ou qualquer que seja - só acarretará mais sofrimentos e mais confusão. Por esta razão, considero muito importante averiguarmos o que é a verdadeira liberdade, descobrirmos por nós mesmos o que é a liberdade.

Só há uma liberdade: a liberdade religiosa; não existe outra liberdade. A liberdade que oferece o chamado "Governo de Bem-Estar", a liberdade econômica, nacional, política etc., que se nos dá, não é liberdade, em absoluto, e só pode levar a um caos maior e a piores sofrimentos — fato muito óbvio para qualquer observador atento. Penso, pois, que deveríamos aplicar nosso tempo, nossa energia e pensamento, inteiramente à investigação do que é "liberdade religiosa" — a descobrir se tal coisa existe realmente. Esta investigação — se desejamos levá-la a bom termo, sem nos deixarmos desviar por atrações de espécie alguma — exige muita penetração, energia e perseverança. Acho que merece a pena concentrar-nos, todos nós, neste problema: que significa ser "religiosamente livre"? É possível libertar a mente — isto é, nossa própria mente, a mente individual — da tirania das igrejas, das crenças organizadas, dos dogmas, dos sistemas de filosofia, das várias práticas da ioga, e todas as preconcepções sobre o que seja a Realidade ou Deus, e, livres de tudo isso, descobrirmos por nós mesmos se existe "liberdade religiosa"? Porque, sem dúvida, só a liberdade religiosa pode oferecer, definitiva e fundamentalmente, a solução de todos os nossos problemas, tanto individuais como coletivos. Isso, com efeito, significa: pode a mente descondicionar-se? Porque, em última análise, nossa mente é resultado do tempo, da tradição, de uma vasta experiência, não só a experiência do presente, mas também a experiência coletiva do passado.

A questão, pois, não é de como enobrecermos o nosso condicionamento, como melhorá-lo — como está tentando fazer a maioria de nós — porém, antes, de libertarmos completamente o nosso espírito de todos os seus condicionamentos. A questão verdadeira, parece-me, não é de decidirmos a que religião pertencer, que sistema de filosofia adotar, que disciplinas praticar para alcançarmos a percepção de uma realidade existente além dos limites da mente, porém, sim, de descobrirmos por nós mesmos, pela nossa compreensão individual, pela investigação própria e autoconhecimento, se a mente pode ser livre. Esta é a maior de todas as revoluções, a única revolução — a libertação da mente de todos os seus condicionamentos. Afinal de contas, para descobrir algo que seja eterno, descobrir se tal coisa existe, não deve a mente pensar em termos de tempo; não deve acumular o passado, visto que tal acumulação gera o tempo. As próprias experiências que colhemos têm de ser postas fora, porque elas manufaturam, constroem o tempo. Nossa mente, sem dúvida, resulta do tempo, condicionada pelo passado, pelas inumeráveis experiências, lembranças que acumulamos e que nos emprestam continuidade.

Assim sendo, pode-se ser livre religiosamente, de fato, no sentido mais profundo da palavra "religião"? Porque religião, bem de ver, não são ritos, dogmas, não é moral social, frequentar a igreja todos os domingos, a prática da virtude, o bom comportamento, que nos levam à respeitabilidade. Nada disso é religião, por certo. Religião é muito mais do que isso, coisa muitíssimo diferente.

Se desejamos verificar o significado de ser "religiosamente livre", acho necessário seja compreendido, integralmente, o problema da vontade, do desejo, com seus alvos, atividades, propósitos, "projeções" inumeráveis — a armadilha em que a mente está cativa. Parece-me, pois, que os nossos problemas só poderão ser resolvidos, em definitivo, se deixarmos "queimar-se" totalmente o mecanismo da vontade, coisa que parecerá completamente estranha a um espírito ocidental, e mesmo à mentalidade oriental. Porque, ao fim de contas, esta suposta religião, que geralmente aceitamos, está baseada essencialmente no processo do "vir a ser algo", de por fim alcançar certo estado, que é projetado ou inventado, não é verdade? Podemos, em raros momentos, experimentar um "novo estado", mas imediatamente pomo-nos a persegui-lo — o que também implica o cultivo da vontade de ser, de ser algo — e nele estará o processo do tempo, não é verdade?

Se a mente deseja alcançar algo além do tempo, além das limitações das experiências, baseadas essencialmente no condicionamento da ação, do pensamento, do sentimento; se desejamos alcançar algo além de tudo isso, sem dúvida é necessário que nossa mente, constituída que é de tantas atividades e desejos, finde, cesse as suas atividades. E isto, na verdade, significa compreensão de todo o mecanismo da mente condicionada. Afinal de contas, é bem óbvio, a mente condicionada, que se formou e moldou segundo a cultura de uma dada sociedade, não pode encontrar algo que se acha além de todo o pensar. E a compreensão que nos faz achar o que está além é revolução — a verdadeira religião.

O que é significativo, portanto, não é que sejais cristão, budista ou hinduísta, um "seguidor", um homem que troca uma religião por outra para satisfazer sua particular vaidade, aceitando certas formas de rituais e abandonando as antigas — sabeis as sensações que se experimenta quando se assiste a uma cerimônia religiosa. Tudo isso, a meu ver, é prejudicial, completamente inútil, para a mente que deseja descobrir o verdadeiro. Mas o abandono desse caminho, por ação da vontade, só pode naturalmente gerar mais condicionamento, o que acho muito importante compreender. Estamos habituados a exercer esforço, visando a um resultado. É por isso que nos exercitamos; praticamos certas virtudes e lutamos por alcançar certo padrão de moralidade, o que indica esforço, de nossa parte, para chegarmos a algum lugar, não é verdade? Seria desejável refletirmos sobre isto, discuti-lo, investigá-lo juntos, investigar como libertar a mente de todo condicionamento; se ela pode ser descondicionada pela ação da vontade, pela análise de todos os mecanismo de pensamento e suas respectivas reações; ou se existe uma maneira totalmente diferente de proceder, ou seja, com um percebimento em que sejam "queimados" pela raiz todos os processos de pensamento. Todo pensar, obviamente, é condicionado; não existe "pensar livre" — tal coisa não existe. O pensar, sendo produto de nosso condicionamento, nossa cultura, nosso clima, nosso fundo social, econômico, político, nunca pode ser livre. Os próprios livros que ledes, as próprias praxes que observais, têm suas bases no vosso próprio fundo (background); e todo pensar só pode provir desse mesmo fundo. Assim, se pudermos estar vigilantes (poderemos apreciar mais adiante o que significa "estar vigilante"), talvez possamos "descondicionar" a mente, sem o processo da vontade, sem a determinação de descondicioná-la. Porque determinação denota uma entidade que deseja, uma entidade que diz: "Tenho de descondicionar a minha mente". Essa própria entidade é produto do nosso desejo de alcançarmos certo resultado; portanto, já existe um conflito. Mas podemos estar apercebidos de nosso condicionamento, simplesmente apercebidos? Assim, não há conflito algum. Na chama desse percebimento, se o permitimos, podem consumir-se todos os nossos problemas. No fundo, todos temos o sentimento de que existe alguma coisa além do nosso pensar, dos nossos insignificantes problemas e tribulações. Há, porventura, momentos em que "experimentamos" esse estado. Mas tais experiências, infelizmente, se tornam um obstáculo ao ulterior descobrimento de coisas mais importantes; pois nossa mente gosta de apegar-se a toda coisa que experimentamos. Tomando tal coisa pelo real, ficamos-lhe apegados; mas, justamente este apego impede o experimentar de coisa muito mais importante. A questão, por conseguinte é: pode a mente condicionada olhar-se a si própria, perceber o seu condicionamento, sem fazer escolha, abstendo-se de comparações e de condenação, para ver se na chama desse percebimento não se consome, pela raiz, o problema, o pensamento, que a preocupam? Não há dúvida de que toda espécie de acumulação, de conhecimentos ou de experiência, toda espécie de ideal, toda "projeção" da mente, toda prática deliberada para moldar a mente — o que ela deve ser e não deve ser —, não há dúvida de que tudo isso está paralisando o processo da investigação, do descobrimento. Se examinardes bem esta questão, se refletirdes a fundo a seu respeito, vereis que a mente tem de estar livre de todo condicionamento para que possa ter "liberdade religiosa". E é só nesta liberdade religiosa que todos os nossos problemas podem ser resolvidos.

Nossa investigação, por conseguinte, deve visar não à solução de nossos problemas imediatos, mas, sim, a descobrir se a mente — não só a mente consciente, mas também a inconsciente, a mente profunda, onde estão depositadas todas as tradições, lembranças e herança racial —, se a totalidade da mente pode ser posta de lado, abandonada. Acho que tal coisa só é possível quando a mente é capaz de um estado de percebimento em que não haja exigência em nenhum sentido, nem pressão de espécie alguma, um estado de simples vigilância e percebimento. Penso ser uma das coisas mais difíceis o nos pormos assim vigilantes, porque o problema imediato, a solução imediata, nos está prendendo toda a atenção, e por isso são tão superficiais as nossas vidas! Ainda que recorramos a todos os analistas, leiamos todos os livros, adquiramos muito saber, frequentemos as igrejas, rezemos, meditemos, pratiquemos muitas disciplinas, nossa vida, não obstante, é muito superficial, pois não sabemos penetrar-lhe as profundezas. A meu ver, a compreensão, o modo de penetração que nos levará às maiores profundidades, está no percebimento, no estarmos apercebidos, simplesmente, dos nossos pensamentos e sentimentos, sem condenação e sem comparação - no simples observar. Se o experimentardes, vereis como isso é difícil; porque nossa educação, em todos os seus aspectos, só nos prepara para condenar, aprovar, comparar. Nessas condições, parece-me que o nosso problema — que na realidade independe do tempo — é o de descobrirmos por nós mesmos, "experimentarmos" diretamente o que significa libertar a mente de todos os condicionamentos. É relativamente fácil livrar-se do nacionalismo, das qualidades raciais hereditárias, de certas crenças e dogmas, não pertencer a nenhuma igreja ou religião — isso é relativamente fácil para todo aquele que refletiu seriamente sobre estes assuntos; mas é muito mais difícil ir mais longe do que isso, ultrapassar estes limites. Pensamos ter feito muito quando sacudimos de nós algumas das camadas superficiais de nossa cultura ocidental ou oriental. Mas o penetrarmos mais além, sem ilusões, sem enganarmos a nós mesmos, isso é extremamente difícil. À maioria de nós nos falta para tal a necessária energia. Não me refiro à energia que se cria pela abstinência, pela renúncia, pelo ascetismo, pelo controle, pois a energia oriunda dessas coisas é de uma qualidade falsificada, já que desfigura a observação; refiro-me àquela energia que nasce quando a mente já não está buscando coisa alguma, já não sente necessidade de buscar, nem de descobrir, nem de "experimentar", e, portanto, está verdadeiramente tranquila. Só nesse estado a mente é capaz de descobrimento; porque só a mente tranquila está apta a receber algo que não é "projeção" dela própria. A mente tranquila é livre — é a mente religiosa. Podemos considerar realmente este assunto, não como um grupo, "experimentando" coletivamente, o que, aliás, é relativamente fácil, mas podemos, como indivíduos, investigar realmente e descobrir por nós mesmos até que grau e até que profundidade estamos condicionados? E podemos estar apercebidos desse condicionamento sem lhe opormos nenhuma reação, sem condená-lo, sem procurarmos alterá-lo, sem substituirmos o antigo condicionamento por um condicionamento novo, estar apercebidos com tanta simplicidade e tão profundamente que o próprio "mecanismo" de condicionamento — que, afinal, é simplesmente o desejo de estar seguro, o desejo de permanência — seja "queimado" pela raiz? Podemos descobrir isso por nós mesmos — e não porque outro falou a seu respeito — percebê-lo diretamente, de modo que a própria raiz, o próprio desejo de segurança, permanência, seja de todo consumido? É esse desejo de permanência, quer no futuro quer no passado, esse apego à experiência acumulada, que nos impele à busca da segurança. E esse desejo não pode ser "queimado", consumir-se de todo? Porque é ele que cria condicionamento. Esse desejo, que quase todos temos, de saber, buscando nesse saber nossa própria segurança, esse desejo de experiência, para nos tornarmos mais fortes, não se pode acabar definitivamente — não pela volição, mas fazendo-o consumir-se na chama do percebimento, de modo que a mente fique livre de todos os seus desejos, e possa então surgir aquilo que é eterno?

Penso ser esta a verdadeira revolução, e não a comunista ou qualquer outra forma de revolução. Estas não resolvem os nossos problemas; pelo contrário, aumentam-nos, multiplicando as nossas tribulações, o que, mais uma vez, é um fato bem óbvio. Sem dúvida, a única revolução verdadeira é a que liberta a mente de seu condicionamento e, por conseguinte, da sociedade. Não é, pois, a mera reforma da sociedade. O homem que está libertado da sociedade, uma vez que está livre de condicionamento, agirá pela sua maneira própria, e sua ação, por sua vez, influirá na sociedade. Nosso problema, por conseguinte, não é a reformação — como melhorar a sociedade, como ter um "Estado de Bem-Estar" comunista, socialista, ou coisa parecida. Nosso problema não se refere à revolução econômica ou política, nem à paz pelo terror. Para um homem verdadeiramente sério estas coisas não constituem problemas. O seu problema real é o de investigar se a mente pode libertar-se, de todo, de seu condicionamento e, talvez, nesta investigação, neste silêncio extraordinário, descobrir aquilo que ultrapassa todas as medidas.

Tenho aqui várias perguntas, e, antes de a elas responder, acho importante verificar o que é que entendemos por "um problema". Só existe algum problema quando a mente está ocupada, não achais? Tende a bondade de escutar e permita-me sugerir-vos que não salteis a conclusões, uma vez que estamos tentando investigar juntos. Quando a mente está ocupada, seja com Deus, seja com assuntos culinários, com uma pessoa, uma ideia, uma virtude, sua ocupação inevitavelmente tem de criar problemas. Se estou ocupado com o descobrimento de Deus ou da Verdade, esta minha ocupação se torna um problema, porque me ponho então a indagar, a mendigar, em busca do método mais eficaz etc.

A verdadeira questão, por conseguinte, não se relaciona com o problema em si, porém, sim, precisamos investigar porque anda a mente sempre ocupada, porque busca a mente ocupações. Não me refiro às atividades diárias, dos negócios etc., mas à ocupação psicológica da mente, a qual tem relação com a nossa vida de cada dia. Pouco importa com o que estejamos ocupados: se a respeito de Deus, da Verdade, do amor, do sexo, de assuntos culinários — tudo é a mesma coisa, não há "ocupações nobres". A mente busca ocupações, precisa estar ocupada com alguma coisa, tem horror a se ver não ocupada. Verificai, numa ocasião qualquer, quanto vos ocupam os vossos problemas e o que sucederia se não estivésseis tão ocupados: descobriríeis logo o horror que a mente tem de ver-se sem nenhuma ocupação. Nossa cultura, nossa educação, em todos os seus aspectos, nos ensinam que a mente deve estar ocupada; no entanto, acho que a própria ocupação cria o problema. Isto não significa que não existem problemas; há problemas, mas eu acho que a ocupação com o problema é que nos impede de compreendê-lo.

É realmente interessante observar a mente, observar a nossa própria mente, e verificar como está sempre ocupada com uma coisa ou com outra; nunca se acha um momento em que ela esteja quieta, desocupada, vazia, nunca se encontra num espaço sem limites. Como andamos sempre tão ocupados, os nossos problemas aumentam sem cessar. E a mera solução de um dado problema, sem se compreender por inteiro o mecanismo da ocupação mental, só tem o efeito de criar outros problemas. Assim sendo, não haverá possibilidade de compreendermos esta peculiar insistência da mente em estar ocupada, seja com ideias, especulações, conhecimentos, ilusões, estudos, seja com sua própria virtude e seus próprios temores? Estar livre de tudo isso, ter uma mente não ocupada, é muito difícil, porquanto significa, com efeito, a cessação de todas estas reações da memória, que chamamos "pensar".

Krishnamurti, Primeira Conferência em Londres
17 de junho de 1955


quinta-feira, 9 de junho de 2016

As religiões são fábricas de dependentes

As religiões lhe ensinaram que você não é parte deste mundo; você está aqui para ser punido, para arrepender-se de seu "pecado original." Eles tinham que fazer isso a fim de criar Deus de acordo com seus ensinamentos, que é uma ficção poética; e para criar o paraíso, que é uma extensão da ambição humana; e para fazer as pessoas temerosas do inferno, que é para criar um grande medo bem no centro da alma humana.

Claro que estas ficções são muito proveitosas para os sacerdotes. Nenhuma religião aceita o simples, o natural e factual fenômeno de que o homem é uma unidade - corpo e consciência juntos - e esse mundo não está separado do homem.

O homem está enraizado neste mundo assim como as árvores estão enraizadas. E as raízes são partes tão essenciais da árvore como as flores. De fato, sem raízes não haveria nenhuma árvore!

Este planeta, esta terra é nossa mãe e somos todos parte de uma força de vida - partes da existência oceânica. E porque somos um bem dentro em nosso centro, existe a possibilidade de amar.

Sou contra todas as religiões organizadas, sem nenhuma exceção. Pela simples razão de que a verdade não pode ser organizada, o amor não pode ser organizado - não é política.

Todas essas religiões fizeram vocês partes da multidão, dependentes da multidão. Eles retiraram sua individualidade, sua liberdade, sua inteligência. Em lugar disso eles deram falsas crenças, que nada significam.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

O nascimento de uma ciência de conscientização

Sou contra todas as assim chamadas religiões porque elas não são de maneira nenhuma religiões. Sou pela religião, mas não pelas religiões.

A religião verdadeira só pode ser uma, exatamente como a ciência. Você não tem um físico Maometano, um físico Hindu, um físico Cristão; isso seria bobagem. Mas foi isso que as religiões fizeram – elas transformaram o mundo inteiro num hospício.

Se a ciência é uma, então porque a ciência do interior não seria uma também?

A ciência explora o mundo objetivo e a religião explora o mundo subjetivo. O trabalho delas é o mesmo, só a direção e a dimensão delas são diferentes.

Numa era mais iluminada não haverá tal coisa como religião, haverá somente duas ciências: a ciência objetiva e a ciência subjetiva. Ciência objetiva lida com as coisas, ciência subjetiva lida com o ser.

É por isso que digo que sou contra as religiões, mas não contra religião. Contudo, essa religião ainda está pra nascer. Todas as antigas religiões farão tudo ao seu alcance para matá-la, para destruí-la – porque o nascimento de uma ciência de conscientização será a morte de todas essas assim chamadas religiões que têm explorado a humanidade por milhares de anos.

O que irá acontecer com suas igrejas, sinagogas, templos? O que irá acontecer com seus sacerdotes, seus papas, seus shankaracharyas, seus rabis? É um grande negócio. E essas pessoas não irão permitir facilmente o nascimento da verdadeira religião.

Mas chegou o momento na história humana quando as garras das antigas religiões estão afrouxando.
O homem está apenas formalmente dando atenção ao Cristianismo, Judaísmo, Hinduísmo, Maometismo, porém basicamente qualquer um que tenha alguma inteligência não está mais interessado em todo esse lixo. Ele pode ir a sinagoga e para a igreja e para a mesquita por outras razões, mas essas razões não são religiosas; essas razões são sociais. Vale a pena ser visto na sinagoga; é respeitável, e não há nenhum dano. Isso é exatamente como se associar ao rotary clube ou ao lions clube. Essas religiões são clubes antigos que têm um jargão religioso em torno delas, mas olhe um pouco mais fundo e você descobrirá que todas elas são pura embromação sem nenhuma substância dentro.

Sou pela religião, mas essa religião não será uma repetição de qualquer religião que você esteja familiarizado.

Essa religião será uma rebelião contra todas essas religiões. Ela não irá levar o trabalho delas adiante; ela irá encerrar completamente o trabalho delas e iniciar um novo trabalho – a real transformação do homem.

Você me pergunta: Qual é o erro fundamental de todas essas religiões? Existem muitos erros e eles são todos importantes, mas primeiro eu gostaria de falar sobre o mais fundamental. O erro mais fundamental de todas as religiões é que nenhuma delas teve coragem suficiente para aceitar que existem coisas que não sabemos. Todas elas fingiram saber de tudo, todas elas fingiram conhecer tudo, que todas elas eram oniscientes.

Porque isso aconteceu? – porque se você aceitar que você é ignorante sobre alguma coisa então dúvidas surgem nas mentes de seus seguidores. Se você é ignorante a respeito de alguma coisa, quem sabe? – você pode ser ignorante também sobre outras coisas. Qual é a garantia? Para torná-la a toda prova, todos eles fingiram, sem exceção, que são oniscientes.

A coisa mais bonita sobre a ciência é que ela não finge ser onisciente."

O S H O

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Despedace todas as ideologias tolas

Noventa e nove por cento de sua religião nada mais é do que uma estratégia para mantê-lo de algum modo são. 

Buda é um tipo de pessoa totalmente diferente. Ele é o arqui-inimigo da indústria de entretenimento; ele é alguém que deseja dizer a verdade, e deseja expô-la como ela é. Ele despedaça todas as ideologias tolas, ele simplesmente o choca desde as raízes. E, se você ficar disponível a ele, ele pode se tornar uma porta — uma porta de volta ao lar; uma porta, uma soleira, que pode tornar você capaz de retroceder à natureza. 

Em todas as culturas e civilizações complicadas existem mentirosos profissionais e contadores profissionais da verdade, mas eles não são muito diferentes; eles são a mesma pessoa. Os mentirosos profissionais são chamados de advogados e os contadores profissionais a verdade são chamados de sacerdotes; eles simplesmente repetem as escrituras. 

Buda não é nem mentiroso nem contador profissional da verdade. Ele simplesmente deixa seu coração disponível a você; ele deseja compartilhar. Portanto, todo sacerdócio indiano ficou contra ele. Ele foi expulso de seu próprio país, seus templos foram queimados e suas estátuas, destruídas. Muitas escrituras budistas estão disponíveis agora somente em traduções chinesas ou tibetanas, pois seus originais foram perdidos; eles devem ter sido queimados. 

Milhares de budistas foram assassinados neste país não-violento. Eles foram queimados vivos. Buda chocou profundamente os contadores profissionais da verdade; ele estava resolvido a destruir todo o negócio deles. Ele simplesmente o tornou um segredo aberto.

O S H O 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Quem busca por segurança nunca torna-se religioso

A religião não é tradicional, não pode ser, por sua própria natureza. A tradição é o que está morto. A tradição já passou, já morreu, é apenas a poeira do passado, apenas a memória. A religião está sempre viva, respirando. A religião nunca pode ser tradicional. Sempre que uma religião se torna tradicional, serve mais ao Diabo do que a Deus; serve mais à morte do que à vida. Assim, ela serve aos políticos, aos padres, às organizações, às igrejas, mas não serve ao espírito do homem, e deixa de ser uma abertura para o futuro. A tradição está voltada para trás e nós temos que ir para a frente. Olhar para trás não serve para nada, e não só não serve para nada, como é prejudicial e perigoso. Não podemos ir para trás, temos que ir para a frente, e se ficarmos olhando para trás, certamente haverá problemas. 

Outra coisa: a religião não está nas escrituras, não pode estar. As escrituras são palavras mortas. Sim, houve religião um dia, vibrando naquelas palavras, ao serem pronunciadas por um Mestre vivo. Quando Krishna falou o Srimat Bhagavad Gita para arjuna, isso era vivo. Era vivo por causa de Krishna, era radiante por causa de Krishna. Quando ele desapareceu, o Bhagavad Gita tornou-se um cadáver. Palavras mortas: você pode continuar analisando aquelas palavras, interpretando de uma maneira ou de outra... Existem milhares de comentários sobre o Gita, alguns até bem famosos. Na verdade, quando alguém lê o Gita, dá sua própria interpretação. O significado dado por Krishna foi perdido; desapareceu junto com ele. A cobra já passou... Só restou o seu rastro na areia. É esse rastro que você continua cultuando como uma escritura. 

Quando Jesus andou sobre a terra e falou a seus discípulos, suas palavras eram uma verdade vibrante, palpitante de vida. A palavra não estava morta; a palavra era Deus, a palavra era a própria verdade. A palavra tinha em si um coração; era plena de amor, experiência, existência, ser. Quando Jesus se foi, a vida se foi. Depois, você pode colecionar palavras e fazer quantos evangelhos quiser, mas eles não serão de nenhuma ajuda. 

A religião real nunca está nas escrituras, e a pessoa religiosa que busca, sinceramente, não vai atrás de escrituras, e sim de um Mestre — um Mestre vivo... Se você puder entrar em contato com um Mestre vivo, então as escrituras mortas tornar-se-ão vivas novamente; elas tornam-se vivas somente através de um Mestre vivo — não há outra maneira, porque o Mestre vivo é a única escritura. Quando um Mestre vivo toca o Bhagavad Gita, este torna-se vivo; quando ele toca os Evangelhos, eles tornam-se vivos. Quando um Mestre recita o Alcorão, ele torna-se vivo novamente. O Mestre dará sua própria vida a essas palavras e elas começarão a pulsar. Mas, diretamente, você não pode encontrar religião nas escrituras. 

Assim, a religião não está na tradição, não está nas escrituras e não está nos rituais. O rituais são formalidades. A menos que você esteja em comunhão com um Mestre vivo, os rituais são apenas um peso morto. Eles oprimirão, esgotarão, matarão você, e você ficará perdido em infinitas formalidades. Com um Mestre vivo, nasce um novo ritual; que vem com o contato; existe um contexto, uma referência viva para esse ritual, que não é aprendido através de tradições mortas, transferidas de geração a geração. Você o vive — e, vivendo-o, aprende-o. 

(...) A religião não está nos rituais. Sempre que existe uma religião, existe ritual, mas isso é bem diferente. Como você pode evitar de tocar os pés de Buda, quando ele está perto de você? Impossível. Você só pode fazer duas coisas, e ambas são rituais: ou você toca seus pés, ou você lhe atira pedras. Mas ambas são rituais — uma é o do amigo e outra é o do inimigo. O ponto principal é que não se pode omitir Buda, não se pode ser indiferente. O fenômeno é tal, que não se pode ignorá-lo. Ou você se torna um amigo ou se torna um inimigo; você tem de escolher. Você tem que tomar uma atitude, e essa atitude é ritual. Mas, nesse caso, nasceu em seu coração, não foi aprendido com outra pessoa. Ela simplesmente surge em seu ser. 

(...) A religião não está na tradição, nem nos rituais e nem nas chamadas religiões: hindu, cristã, muçulmana. A religião não tem adjetivos. Religião é simplesmente religião, como amor é amor.(...) A religião não está nas religiões;está isenta de qualquer adjetivo, de qualquer definição, e cada um tem que buscá-la. Ninguém pode nascer numa religião; a religião tem que nascer em você. Você tem que abrir sua alma e receber a religião. Ela está se derramando em toda a parte... mas você está carregando brinquedos substitutos, moedas falsas, em suas mãos, pensando que tem religião. Ela não está na igreja, não está na mesquita, não está no templo. Vá onde está um mestre vivo: ela está lá. Isso também existe apenas por alguns momentos — o Mestre se vai, e a religião desaparece...

Religião é algo individual, cada um tem que buscar por si mesmo. Não é um fenômeno social, não tem nada a ver com a multidão, com o coletivo. É algo privado, tão íntimo quanto o amor. Você vem a ela sozinho, em profunda intimidade e privança... você abre seu coração. A religião é espontânea no sentido de que você não pode aprendê-la. Você pode estar nela, mas não pode aprendê-la. É tão espontânea quanto o amor. Você alguma vez aprendeu o que é o amor? No dia em que o homem tiver que aprender a amar, será o dia do Juízo Final. Esse dia parece estar cada vez mais próximo, principalmente no Ocidente, e particularmente na América. Livros estão sendo escritos: Como amar, Como fazer amigos — livros tolos, porque se o homem esqueceu como amar, nenhum livro pode ensiná-lo. Ensinar a humanidade a amar é o mesmo que querer ensinar um peixe a nadar — tolice completa. O mesmo acontece com a religião. Ela não pode ser aprendida, pode somente ser apreendida; é algo contagioso. Se você vai a algum lugar onde existe uma pessoa santa, você pode apreender, absorver a religião. 

Religião é rebelião. É rebelião contra a morte, contra tudo o que está morto; é rebelião contra o exterior: contra a política, a ganância, a sociedade, a cultura, a civilização. Religião é uma rebelião: ela diz que temos de escutar a parte mais profunda de nosso ser, e segui-la aonde quer que ela nos leve. Aonde for... sem medo das consequências, escutaremos aquela pequena voz dentro de nós e a seguiremos. Religião é um risco. As pessoas que sempre procuram a segurança nunca poderão torna-se religiosas; é muito perigoso. Se você passar através do perigo, passará através da crucificação... e somente depois da crucificação vem a ressurreição. 

OSHO em, A DIVINA MELODIA
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill