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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Pode uma pessoa realmente libertar-se da tradição?

Interrogante: Pode uma pessoa libertar-se realmente da tradição? Pode alguém ficar livre do que quer que seja? Ou a questão é de nos esquivarmos dela e não nos deixarmos preocupar com ela? Você tem falado muito a respeito do passado e do seu condicionamento; mas tenho de fato alguma possibilidade de libertar-me disso que constitui o próprio "fundo" de minha vida? Ou só tenho a possibilidade de modificar esse fundo em conformidade com diferentes desafios e necessidades externas, a ele me acomodar, em vez de me livrar dele? Essa me parece ser uma das coisas mais importantes, e eu gostaria de compreendê-la porque sempre tive o sentimento de que estou levando um fardo, o peso do passado. Eu bem gostaria de aliviar-me dele para sempre. É possível isso?

Krishnamurti: "Tradição" não significa transportar o passado para o presente? O passado não são apenas nossas heranças pessoais, mas também o peso do pensamento global de um determinado grupo de pessoas que vivem numa determinada cultura e tradição. Levamos conosco toda a acumulação de conhecimentos e experiências da raça e da família. Tudo isso é o passado: o transporte do conhecido para o presente, que forma o futuro. Não é tradição tudo o que a História nos ensina? Você pergunta se uma pessoa pode libertar-se dela. Antes de mais nada, porque deseja ela libertar-se? Porque deseja aliviar-se dessa carga? Porquê? 

Interrogante: Isso me parece bem simples. Eu não desejo ser o passado; quero ser eu mesmo. Quero expurgar-me de toda essa tradição, para poder tornar-me um ente humano novo. Penso que na maioria de nós existe esse sentimento, esse desejo de renascer. 

Krishnamurti: Você não pode "tornar-se novo" pelo simples fato de o desejar ou de lutar para ser novo. Você tem, não só de compreender o passado, mas também de descobrir quem é. Você não é o passado? Não é a continuação do que foi, modificado pelo presente?

Interrogante: São em minhas ações e pensamentos, mas minha existência não o é. 

Krishnamurti: Pode-se separar as duas coisas — a ação e o pensamento — da existência? Meu pensamento, minha ação, minha existência, meu viver e minhas relações — tudo isso não é a mesma coisa? A fragmentação em "eu" e "não eu" faz parte dessa tradição.

Interrogante: Você quer dizer que, quando não estou pensando, quando o passado não está funcionando, eu estou completamente apagado, deixei de existir?

Krishnamurti: Deixemos de perguntas supérfluas e consideremos o ponto com que iniciamos esta palestra. Pode uma pessoa libertar-se do passado — não apenas do passado recente, mas também do passado imemorial — do passado coletivo, racial, humano, animal? Você é todo ele, dele não está separado. E você perguntou se tem a possibilidade de pô-lo de parte e renascer. O "você" é o passado e, quando você deseja renascer como uma entidade nova, a nova entidade que você imagina é uma projeção da velha, coberta da palavra "nova". Mas, por baixo, você é o passado. A questão, pois, é se o passado pode ser posto de parte ou se continua a haver, infinitamente, uma forma "modificada" de tradição — a mudar, a acumular, a rejeitar, porém sempre o passado, em diferentes combinações. O passado é a causa, e o presente o efeito, e hoje — o efeito do ontem — se torna a causa do amanhã. Essa cadeia é a maneira de ser do pensamento, pois o pensamento é o passado. Você pergunta se pode ser detido esse movimento de ontem para o hoje. Pode-se olhar e examinar o passado, ou isso é completamente impossível? Para olhá-lo, o observador deveria estar fora dele — mas não está. E apresenta-se, assim, outro problema: Se o próprio observador é o passado, como isolar o passado, para observá-lo? 

Interrogante:  Posso observar uma coisa objetivamente...

Krishnamurti: Mas você, o observador, é o passado que está tentando observar a si próprio. Você só pode "objetivar" a si mesmo como uma imagem que formou através dos anos, em relações de toda espécie e, portanto, o "você" que "objetiva" é memória e imaginação — o passado. Você quer olhar-se como se fosse uma entidade diferente daquela que está olhando, mas, você é o passado, com seus velhos juízos, avaliações, etc. A ação do passado está a observar, a olhar, a memória do passado. E, assim, você nunca ficará livre do passado. O contínuo exame do passado pelo próprio passado perpetua o passado; esta é a ação mesma do passado, a ação mesma da tradição. 

Interrogante: Que ação então é possível? Se eu sou o passado — e vejo que o sou — então, tudo o que eu faço para apagar o passado estará aumentando o passado. Vejo-me assim numa situação irremediável! Que posso fazer? Não posso rezar, porque a invenção de um Deus é também o passado. Não posso recorrer a outrem, porque esse outrem é também uma criação de meu desespero. Não posso fugir, porque no fim de minha fuga, vejo que ainda estou levando o meu passado. Não posso identificar-me com uma imagem não pertencente ao passado, porque essa imagem é igualmente projeção minha. Em vista de tudo isso, vejo-me numa situação irremediável, em desespero. 

Krishnamurti: Porque você diz "situação irremediável" e "desespero"? Não está traduzindo o que vê como sendo o passado, numa ansiedade emocional, por não poder alcançar um certo resultado? Com isso, está novamente fazendo o passado atuar. Ora, você pode olhar todo esse movimento do passado, com todas as suas tradições, sem desejar se livrar dele, sem modificá-lo ou dele fugir; ficar simplesmente a observá-lo, sem nenhuma reação? 

Interrogante: Mas, como temos dito no decurso desta palestra, como posso eu observar o passado, se sou o passado? Eu não posso de modo nenhum olhá-lo!

Krishnamurti: Pode olhar a si mesmo, que é o passado, sem nenhum movimento do pensamento, que é o passado? Se você pode olhar sem pensar, sem avaliar, gostar, não gostar, julgar, isso é olhar com os olhos não contaminados pelo passado. É olhar em silêncio, sem barulho produzido pelo pensamento. Nesse silêncio, não há o observador e a coisa que ele está observando — o passado. 

Interrogante: Você quer dizer que, quando se olha sem avaliação ou julgamento, o passado desapareceu? Mas, ele não desapareceu — existem ainda os milhares de pensamentos, e ações, e todas as ninharias que, um momento atrás, pulavam. Olho, e vejo que tudo isso existe ainda. Como você pode dizer que o passado desapareceu? Poderá ter detido, momentaneamente, o seu movimento...

Krishnamurti: Quando a mente está em silêncio, esse silêncio é uma dimensão nova, e se alguma ninharia subsistir, será instantaneamente dissolvida, porque a mente tem agora uma energia de qualidade diferente, que não é a energia gerada pelo passado. É isto que importa verdadeiramente: ter essa energia que dissipa tudo o que vem do passado. O "transportar" do passado é uma energia de espécie diferente. O silêncio dissolve essa outra energia; o maior absorve o menor e permanece intato. Semelhante o mar, que recebe as águas impuras do rio e permanece puro. Isso é que é importante. Só essa energia pode apagar o passado. Ou temos o silêncio, ou temos o barulho do passado. No silêncio, o barulho cessa, e o novo é esse silêncio. Não é você que se torna novo. Esse silêncio é infinito, e o passado é limitado. Na plenitude do silêncio, o condicionamento do passado cai por terra.

Krishnamurti em, A luz que não se apaga

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Quem busca por segurança nunca torna-se religioso

A religião não é tradicional, não pode ser, por sua própria natureza. A tradição é o que está morto. A tradição já passou, já morreu, é apenas a poeira do passado, apenas a memória. A religião está sempre viva, respirando. A religião nunca pode ser tradicional. Sempre que uma religião se torna tradicional, serve mais ao Diabo do que a Deus; serve mais à morte do que à vida. Assim, ela serve aos políticos, aos padres, às organizações, às igrejas, mas não serve ao espírito do homem, e deixa de ser uma abertura para o futuro. A tradição está voltada para trás e nós temos que ir para a frente. Olhar para trás não serve para nada, e não só não serve para nada, como é prejudicial e perigoso. Não podemos ir para trás, temos que ir para a frente, e se ficarmos olhando para trás, certamente haverá problemas. 

Outra coisa: a religião não está nas escrituras, não pode estar. As escrituras são palavras mortas. Sim, houve religião um dia, vibrando naquelas palavras, ao serem pronunciadas por um Mestre vivo. Quando Krishna falou o Srimat Bhagavad Gita para arjuna, isso era vivo. Era vivo por causa de Krishna, era radiante por causa de Krishna. Quando ele desapareceu, o Bhagavad Gita tornou-se um cadáver. Palavras mortas: você pode continuar analisando aquelas palavras, interpretando de uma maneira ou de outra... Existem milhares de comentários sobre o Gita, alguns até bem famosos. Na verdade, quando alguém lê o Gita, dá sua própria interpretação. O significado dado por Krishna foi perdido; desapareceu junto com ele. A cobra já passou... Só restou o seu rastro na areia. É esse rastro que você continua cultuando como uma escritura. 

Quando Jesus andou sobre a terra e falou a seus discípulos, suas palavras eram uma verdade vibrante, palpitante de vida. A palavra não estava morta; a palavra era Deus, a palavra era a própria verdade. A palavra tinha em si um coração; era plena de amor, experiência, existência, ser. Quando Jesus se foi, a vida se foi. Depois, você pode colecionar palavras e fazer quantos evangelhos quiser, mas eles não serão de nenhuma ajuda. 

A religião real nunca está nas escrituras, e a pessoa religiosa que busca, sinceramente, não vai atrás de escrituras, e sim de um Mestre — um Mestre vivo... Se você puder entrar em contato com um Mestre vivo, então as escrituras mortas tornar-se-ão vivas novamente; elas tornam-se vivas somente através de um Mestre vivo — não há outra maneira, porque o Mestre vivo é a única escritura. Quando um Mestre vivo toca o Bhagavad Gita, este torna-se vivo; quando ele toca os Evangelhos, eles tornam-se vivos. Quando um Mestre recita o Alcorão, ele torna-se vivo novamente. O Mestre dará sua própria vida a essas palavras e elas começarão a pulsar. Mas, diretamente, você não pode encontrar religião nas escrituras. 

Assim, a religião não está na tradição, não está nas escrituras e não está nos rituais. O rituais são formalidades. A menos que você esteja em comunhão com um Mestre vivo, os rituais são apenas um peso morto. Eles oprimirão, esgotarão, matarão você, e você ficará perdido em infinitas formalidades. Com um Mestre vivo, nasce um novo ritual; que vem com o contato; existe um contexto, uma referência viva para esse ritual, que não é aprendido através de tradições mortas, transferidas de geração a geração. Você o vive — e, vivendo-o, aprende-o. 

(...) A religião não está nos rituais. Sempre que existe uma religião, existe ritual, mas isso é bem diferente. Como você pode evitar de tocar os pés de Buda, quando ele está perto de você? Impossível. Você só pode fazer duas coisas, e ambas são rituais: ou você toca seus pés, ou você lhe atira pedras. Mas ambas são rituais — uma é o do amigo e outra é o do inimigo. O ponto principal é que não se pode omitir Buda, não se pode ser indiferente. O fenômeno é tal, que não se pode ignorá-lo. Ou você se torna um amigo ou se torna um inimigo; você tem de escolher. Você tem que tomar uma atitude, e essa atitude é ritual. Mas, nesse caso, nasceu em seu coração, não foi aprendido com outra pessoa. Ela simplesmente surge em seu ser. 

(...) A religião não está na tradição, nem nos rituais e nem nas chamadas religiões: hindu, cristã, muçulmana. A religião não tem adjetivos. Religião é simplesmente religião, como amor é amor.(...) A religião não está nas religiões;está isenta de qualquer adjetivo, de qualquer definição, e cada um tem que buscá-la. Ninguém pode nascer numa religião; a religião tem que nascer em você. Você tem que abrir sua alma e receber a religião. Ela está se derramando em toda a parte... mas você está carregando brinquedos substitutos, moedas falsas, em suas mãos, pensando que tem religião. Ela não está na igreja, não está na mesquita, não está no templo. Vá onde está um mestre vivo: ela está lá. Isso também existe apenas por alguns momentos — o Mestre se vai, e a religião desaparece...

Religião é algo individual, cada um tem que buscar por si mesmo. Não é um fenômeno social, não tem nada a ver com a multidão, com o coletivo. É algo privado, tão íntimo quanto o amor. Você vem a ela sozinho, em profunda intimidade e privança... você abre seu coração. A religião é espontânea no sentido de que você não pode aprendê-la. Você pode estar nela, mas não pode aprendê-la. É tão espontânea quanto o amor. Você alguma vez aprendeu o que é o amor? No dia em que o homem tiver que aprender a amar, será o dia do Juízo Final. Esse dia parece estar cada vez mais próximo, principalmente no Ocidente, e particularmente na América. Livros estão sendo escritos: Como amar, Como fazer amigos — livros tolos, porque se o homem esqueceu como amar, nenhum livro pode ensiná-lo. Ensinar a humanidade a amar é o mesmo que querer ensinar um peixe a nadar — tolice completa. O mesmo acontece com a religião. Ela não pode ser aprendida, pode somente ser apreendida; é algo contagioso. Se você vai a algum lugar onde existe uma pessoa santa, você pode apreender, absorver a religião. 

Religião é rebelião. É rebelião contra a morte, contra tudo o que está morto; é rebelião contra o exterior: contra a política, a ganância, a sociedade, a cultura, a civilização. Religião é uma rebelião: ela diz que temos de escutar a parte mais profunda de nosso ser, e segui-la aonde quer que ela nos leve. Aonde for... sem medo das consequências, escutaremos aquela pequena voz dentro de nós e a seguiremos. Religião é um risco. As pessoas que sempre procuram a segurança nunca poderão torna-se religiosas; é muito perigoso. Se você passar através do perigo, passará através da crucificação... e somente depois da crucificação vem a ressurreição. 

OSHO em, A DIVINA MELODIA

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Liberte-se da horrorosa teia das gerações mais velhas

Vocês sabem que eu venho falando sobre o medo; e é muito importante que tomemos consciência do medo. Você sabe como ele passa a existir?Por todo o mundo podemos ver que as pessoas são transtornadas pelo medo, têm as ideias, os sentimentos e as atividades torcidos pelo medo. Por isso, temos de examinar o problema do medo e de todos os ângulos possíveis, não só do ponto de vista moral e econômico da sociedade, mas também do ponto de vista de nossos conflitos psicológicos interiores. 

Como já disse, o medo pela segurança interior ou exterior desorienta nossa mente e deturpa o pensamento. Espero que vocês tenham refletido um pouco sobre isso, porque quanto maior a clareza com que o considerem e lhe percebem a verdade, tanto mais livres estarão de todo tipo de dependência. As pessoas mais velhas não criaram uma sociedade maravilhosa; os pais, os ministros, os professores, os governantes, os sacerdotes não criaram um mundo bonito. Pelo contrário, criaram um mundo brutal e assustador, em que todos estão sempre lutando contra alguém; em que um grupo está contra outro, uma classe contra outra, uma nação contra outra, uma ideologia ou conjunto de crenças contra outra. O mundo em que vocês estão crescendo é horrível, é infeliz; nele, as pessoas mais idosas procuram sufocá-los com suas ideias, com suas crenças, com sua fealdade; e se vocês se limitarem a seguir o padrão horroroso dos mais idosos, que criaram esta sociedade monstruosa, qual será o sentido de se deixarem educar, qual o sentido até mesmo de viver?

Se olharem em torno de vocês, vocês verão que por todo o mundo há espantosa destruição e miséria humana. Vocês podem ler sobre guerras na história, mas não têm a experiência real delas, de como as cidades são completamente destruídas, de como a bomba de hidrogênio, ao ser lançada numa ilha, faz a ilha toda desaparecer. Navios são bombardeados e vão pelos ares. Há uma terrível destruição de vido ao assim chamado progresso, e é num mundo assim que vocês estão crescendo. Vocês podem viver uma época feliz enquanto são jovens, uma fase divertida; mas quando ficarem mais velhos, a não ser que permaneçam bem alertas, observando seus próprios pensamentos e sentimentos, vocês perpetuarão este mundo de batalhas, de ambições desmedidas, mundo em que cada qual compete com o próximo, em que há miséria, fome, superpopulação e doenças. 

Por isso, enquanto vocês são jovens, não será acaso importantíssimo que sejam ajudados, pelo tipo certo de professor, a refletir sobre todas essas coisas, em lugar de serem apenas preparados para passar por alguns exames tediosos? A vida é sofrimento, morte, amor, ódio, crueldade, doença, inanição, e vocês precisam começar a considerar todas estas coisas. Aí está por que me parece bom que examinemos juntos esses problemas, para que a inteligência de vocês desperte e vocês passem a ter algum sentimento real sobre todas essas coisas. Então não crescerão apenas para se casar e tornar-se funcionários alienados ou máquinas de procriar, perdendo-se nesse horrível modelo de vida como água e areia?

Uma das causas do medo é a ambição, não é? E porventura não são todos vocês ambiciosos? Qual é a sua ambição? Passar em algum exame? Tornar-se governador? Ou, se forem muito jovens, talvez só desejem ser maquinistas de trem, para guiar trens por cima de pontes. Mas por que motivo vocês são ambiciosos? O que quer dizer isso? Já pensaram nisso? Já observaram como os mais idosos são ambiciosos? Em sua própria família, já não ouviram seu pai ou tio falar sobre obter um maior salário ou ocupar alguma posição proeminente? Em nossa sociedade, todo mundo está fazendo isso, tentando alcançar o topo. Todos querem ser alguém, não é verdade? O funcionário quer tornar-se gerente, o gerente quer ser algo maior, e assim por diante indefinidamente — é a contínua faina do vir-a-ser. Se sou professor, quero tornar-me diretor; se sou diretor, quero tornar-me secretário da educação. Se você é feio, deseja ficar bonito. Ou quer ter mais dinheiro, mais roupas, mais mobília, mais casas, mais propriedades — mais e mais e mais. Não só exteriormente, mas interiormente também, no chamado sentido espiritual, você quer se tornar alguém, embora cubra essa ambição com um dilúvio de palavras. Não perceberam isso? E vocês acham que tudo está perfeitamente certo, não é? Vocês acham que isso tudo é perfeitamente normal, justificável, certo.

Agora, o que tem feito a ambição no mundo? Pouquíssimos de nós têm sequer pensado nisso. Ao ver um homem lutando para ganhar, para adquirir, para passar à frente de alguém, já se perguntaram o que está no coração dele? Se vocês olharem para o próprio coração, quando vocês mesmos são ambiciosos, quando estão lutando para se tornarem alguém, em sentido espiritual ou terreno, vocês encontrarão ali o verme do medo. O homem ambicioso é o mais medroso dos homens, porque tem medo de ser o que é. Ele diz: "Se continuar sendo o que sou, não serei nada; portanto devo ser alguém, devo tornar-me magistrado, juiz, ministro." Se examinarem atentamente esse processo, se penetrarem a cortina das palavras e das ideias, se ultrapassarem as paredes do status e do sucesso, descobrirão que o que existe é medo; porque o homem ambicioso tem medo de ser o que é. Ele acha que aquilo que ele é, em si mesmo, é insignificante, pobre, feio; sente-se só, totalmente vazio, por isso diz: "Preciso realizar alguma coisa". Então, ou vai em busca do que chama Deus, que é apenas uma outra forma de ambição, ou procurar tornar-se alguém no mundo. Desse modo, sua solidão, sua sensação de vazio interior — que o amedronta verdadeiramente — é coberta. Ele foge disso, e a ambição torna-se o meio pelo qual pode escapar.

Então, o que está acontecendo no mundo? Todos estão lutando contra alguém. Um homem se sente inferior a outro e luta para alcançar o topo. Não há amor, não há consideração, não há pensamento profundo. Nossa sociedade é uma constante batalha de homens contra homens. Essa luta é fruto da ambição de vir a ser alguém, e as pessoas mais velhas o encorajam a ser ambiciosos. Eles querem que você se torne alguém, que se casem com um homem rico ou uma mulher rica, ou tenham amigos influentes. Sendo medrosos, feios em seus corações, eles procuram fazê-los semelhantes a eles; e vocês, de seu lado, querem ser iguais a eles, porque vêem o encanto disso tudo. Quando o governador aparece, todos se curvam para recebê-lo, dão-lhe grinaldas, fazem discursos. Ele gosta disso, e vocês também. Você se sentem honrados se lhe conhecem o tio ou o criado, e se deleitam ao sol da ambição dele, de suas realizações. Desse modo vocês são facilmente presos na teia horrorosa das gerações mais velhas, no padrão desta sociedade monstruosa. Só se estiverem muito alertas, mantendo-se constantemente vigilantes, só se não tiverem medo e não aceitarem tudo irrefletidamente, mas questionarem sempre as coisas — só, então, vocês escaparão de ser presos irão além e criarão um mundo diferente.

Eis porque é importante que vocês encontrem sua verdadeira vocação. Sabem o que quer dizer "vocação"? Algo que gostam de fazer, que lhes seja natural. Afinal de contas, é esta a função da educação — ajudá-los a se desenvolverem independentemente, de modo a ficarem livres da ambição e a poderem encontrar sua verdadeira vocação. O homem ambicioso nunca encontrou sua verdadeira vocação; se a tivesse encontrado não seria ambicioso.

Portanto, é responsabilidade dos professores e do diretor ajudá-los a ser inteligentes, livres do medo, para que possam encontrar a sua verdadeira vocação, o seu próprio modo de vida, o modo por que queiram realmente viver e ganhar a vida. Isto implica uma revolução no pensamento; porque, em nossa atual sociedade, acredita-se que o homem que sabe falar, o homem que sabe escrever, o que sabe governar, o que possui um grande carro está numa posição maravilhosa; e o homem que trabalha sem descanso no jardim, que cozinha, que ergue uma casa, esse é desprezado.

Você tem consciência de seus próprios sentimentos quando vê um pedreiro, quando vê um consertador de ruas, ou um motorista de táxi, ou alguém puxando uma carroça? Já observou como lhe tem um desprezo absoluto? Para você ele mal chega a existir. Você o desconsidera; mas quando alguém tem algum título, ou é um banqueiro, comerciante, guru, ou ministro, você imediatamente o respeita. Mas se você encontrar sua verdadeira vocação, ajudará a romper completamente este sistema podre; porque então, seja você jardineiro, pintor ou maquinista, estará fazendo algo que gosta de fazer com todo o seu ser; e isso não é ambição. Fazer algo maravilhosamente bem, fazê-lo completamente, verdadeiramente, de acordo com o que você pensa e sente profundamente — isso não é ambição e aí não há medo.

Ajudá-los a descobrir sua verdadeira vocação é muito difícil, porquanto significa que o professor tem de prestar muita atenção a cada aluno para descobrir do que o mesmo é capaz. Ele precisa ajudá-lo a não ter medo, mas a contestar, a questionar, a investigar. Você pode ser um escritor em potencial, ou poeta, ou pintor. Seja o que for, se você realmente gosta de fazê-lo, não será ambicioso; porque no amor não há ambição.

Por isso, não será importante, enquanto vocês são jovens, que os outros os ajudem a despertar sua própria inteligência e desse modo a encontrar a verdadeira vocação? Então vocês amarão o que fizerem, por toda a vida, o que quer dizer que não haverá ambição, nem competição, nem luta contra outros por causa de posições, por causa de prestígio; e então talvez sejam capaz de criar um novo mundo. Nesse mundo novo, todas as coisas horríveis das gerações mais velhas cessarão de existir — suas guerras, seus malfeitos, seus deuses desunidores, seus rituais que não significam absolutamente nada, seus governos soberanos, sua violência. Eis porque a responsabilidade dos professores, e dos estudantes, é muito grande.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

É preciso transcender os estreitos limites da tradição

Pergunta: Você diz que seguir a tradição invariavelmente gera mediocridade. Mas sem nenhuma tradição, não nos sentiremos desorientados?

Krishnamurti: O que você entende por "tradição"? A transmissão, de pais para filhos, por escrito ou oralmente, de uma crença, um costume, de experiência, conhecimento científico, musical, artístico, religioso, ou moral. Por certo, é isso que entendemos por "tradição". E, quando,  de forma vã, estou repetindo as tradições que me foram transmitidas, essa repetição torna minha mente embotada, medíocre. O conhecimento é necessário para o exercício de certas profissões. Para construir uma ponte, dividir o átomo, operar um motor, produzir as muitas coisas que nos são necessárias na vida moderna, é imprescindível o conhecimento; mas o conhecimento se torna tradicional, a mente deixa de criar e fica funcionando, apenas, de maneira mecânica. Há máquinas que calculam muito mais rapidamente do que homem;e se, religiosamente ou por outras maneiras, nos limitamos a aceitar a tradição, não há dúvida que ficaremos funcionando exatamente como máquinas. A tradição nos oferece uma certa segurança, na sociedade, e temos medo de sair dessa trilha. Temos medo do que os vizinhos digam de nós; temos uma filha para casar e, portanto, precisamos ter cuidado. Nossa mente, como é fácil observar, funciona de maneira tradicional e por essa razão nos tornamos medíocres e perpetuamos os nossos sofrimentos. 

Verbalmente, reconhecemos esse fato, mas interiormente e em nossa ação, não o reconhecemos, porque todos desejamos segurança. E a segurança é uma coisa muito estranha. No momento em que a buscamos, criamos invariavelmente circunstâncias e valores produtores de insegurança — como se vê acontecer no mundo, hoje em dia. Todos estamos em busca de segurança, em todos os sentidos — segurança econômica, social, nacional — e no entanto esse próprio desejo de segurança está produzindo mais caos e aumentando a insegurança. 

A mente, pois, funciona dentro da rotina da tradição, porque aí espera encontrar segurança; e uma mente em segurança não é livre para descobrir. Não se pode repudiar a tradição, mas se se compreender o seu processo total, as suas consequências psicológicas, veremos que a segurança já não terá significação nenhuma e não será mais necessário "repudiá-la", porque ela cai por si mesma, qual uma folha seca.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill