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sábado, 1 de abril de 2017

Será que conhecemos o real coração de nosso ser?


No contexto de nossa experiência pessoal, sabemos que a consciência é mais do que a mente racional. Possuímos todo um undo interior de reações e respostas; vivenciamos amor e apreciação, e sentimos alegria quando abrimos nosso coração para os outros. Os nossos sentimentos de bem-estar brotam de uma fonte interior que não entendemos completamente. Sabemos da existência da intuição e da inspiração, mas não temos meios de explicá-las; conhecemos a criatividade mas não conseguimos despertá-la por um ato racional ou volitivo. Somos sensíveis a uma sensação de admiração e poder que transcende o nosso senso de eu, e podemos manifestar compaixão pelos nossos semelhantes.

Estas parecem ser respostas humanas universais ao fato de vivermos em um mundo intrinsecamente belo, que se altera de momento para momento, em um desdobrar que é sempre novo. Porém, nossas reações a este mundo vivo e cambiante são interpretadas e julgadas pela parte da nossa mente que nos diz o que desejar, o que rejeitar, e o que irá nos "fazer" felizes, como se não tivéssemos, dentro de nós, meios para "ser" felizes. Aplicamos rótulos que são inteiramente nossos, mas que derivam do nosso condicionamento cultural. Como este aspecto condicionado da mente não consegue penetrar as barreiras do processo da percepção, ele não consegue conhecer o coração do nosso ser, a parte nossa que responde ao verdadeiro e ao real. 

Quando o conhecimento do ser humano não passa além da fisiologia e dos aspectos mais visíveis da consciência, como é que podemos sequer pensar sobre todas as coisas que o homem possui como direito inato, ou pensar em abrir novas possibilidades de crescimento? 

Nossa consciência é receptiva por natureza, e pode se sustentar a partir de influxos de apreciação e alegria. Porém, como um grande lago, ela pode se exaurir quando sua energia corre apenas para fora. Quando a consciência fica continuamente preocupada e pressionada, cheia de pensamentos, desejos e expectativas, não abrimos espaço algum para revitalização. Com o tempo, nossa consciência fica cansada. Os sentidos, inadequadamente sustentados por nossa percepção, tornam-se amortecidos e embotados, exigindo formas cada vez mais intensas de estimulação externa. 

O nosso modo atual de viver e de estar no mundo não consegue impedir que isto aconteça. Por maior que seja o número de fatos que tenhamos sob nosso comando, e por melhor que aprendamos a manipular informações, o uso que fazemos da mente não é suficientemente dinâmico para despertar o poder pleno da nossa consciência. 

Apesar de todo o nosso esforço para satisfazer o desejo natural do homem de uma vida mais saudável e feliz, há sinais de que uma form profunda está crescendo no seio das mais prósperas sociedades. Necessidades e desejos parecem estar aumentando, em vez de diminuir. À medida que ingressamos no futuro, inventando novas aplicações para o nosso conhecimento e produzindo uma torrente infindável de novos produtos, parecemos forçados a andar mais depressa, impelidos por um querer inquieto que não se deixa serenar. Sob certo aspecto, nossa criatividade está sendo canalizada no sentido de conceber e dar forma a novos produtos, para que possamos, então, desejar novas criações. 

Nossas vidas hoje caminham rapidamente, transportando-nos em uma onda de desejos, e permitindo-nos pouco tempo para desfrutar em profundidade qualquer experiência. Enquanto uma festa de produtos e prazeres se estende à nossa frente, temos tempo apenas para provar e passar adiante, seguindo as imagens dos nossos desejos de um lugar para outro. Estamos sempre em movimento; levados por pensamentos e imagens para longe de nosso centro vital, ficamos sem lugar de descanso, sem uma verdadeira morada.

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade              

Será que a mente racional, de fato, comanda o nosso ser?


Ao refletir sobre as complexidades da mente, pode ser útil pensarmos em nossa consciência comum como um navio, tendo como capitão a mente racional e valorativa, que mapeia o curso que nossa vida irá seguir. Nossos sentidos e sistema nervoso, bem como os centros cognitivos da mente, possuem todos suas próprias redes que distribuem força para todo o navio. No entanto, eles também trabalham em conjunto, coordenados pela mente. 

O intrincado sistema de alimentação de força do nosso navio-mente inclui incontáveis interações que estimulam a energia da consciência, evocando correntes de força que entram em nossa cognição com grande ímpeto, à medida que pensamentos explodem em imagens. Estas imagens multiplicam-se, refletem-se, fundem-se e dividem-se em mais imagens, que dão continuidade aos mesmos processos. Interagindo umas com as outras e criando de volta inúmeras réplicas, estas imagens cambiantes estruturam-se em padrões definidos. Os padrões de imagens encontram-se também em movimento, dividindo-se em reformando-se em um sem-número de combinações, Toda esta atividade transcorre dentro do pensamento, como se o pensamento em si fosse uma esfera de prismas facetados, cada qual tendo a oportunidade e o brilho de um diamante. 

Pensamentos isolados giram para fora desta esfera, para se disporem em progressão linear, dentro de uma cadeia de pensamentos correlatos. Estes, por sua vez, interagem entre si e se proliferam numa complexa dinâmica interna, que inclui surtos de impressões sensoriais, percepções, lembranças, associações e interpretações, que jorram juntas e respondem umas às outras sem cessar.

Mesmo antes que consigamos vislumbrar um pensamento que vem surgindo, o processo está quase que concluído, despertando sentimentos e emoções que canalizam mais energia para ciclos padronizados. O sistema inteiro está pré-programado para disparar automaticamente, com o início do processo de percepção. 

Nosso navio-mente navega num oceano de emoções, algumas vezes encontrando bom tempo, outras atravessando tempestades. O oceano, em movimento com as correntes alternadas dos desejos, raramente é calmo; guiando o navio através de águas incertas, o capitão toma decisões que determinam o nosso curso. 

Mas será que podemos confiar em nosso capitão para nos guiar com sabedoria? Em um nível, pensamos que conhecemos a nossa mente. Treinamos suas capacidades racionais e as utilizamos e as utilizamos para conferir uma ordem coerente à nossa vida. Podemos testar a sensibilidade dos nossos sentidos e localizar, em nosso cérebro, os centros que a eles correspondem; podemos acompanhar a trajetória do processo da percepção, definir nossas faculdades integrativas e analíticas, e mensurá-las de acordo com uma escala de definições. Mas será que estes métodos conseguem revelar toda a extensão da capacidade humana? 

Quanto mais de perto olhamos para a natureza da mente, menos confiantes ficamos. Consideramos a mente o árbitro do nosso conhecimento. Tudo aquilo que constitui a nossa realidade é percebido pela mente. A mente nos diz o que é conhecível e o que é inconhecível; nossas perguntas surgem dentro da mente e são respondidas pela mente. A mente mede, a mente interpreta, a mente desenvolve diálogos com a mente, a mente avalia e julga, a mente decide. 

Quando investigamos a natureza do nosso mundo interior de sentimentos, emoções, pensamentos, lembranças, associações e conceitos, vemos que a mente é, igualmente, o árbitro da nossa experiência. Porém, se tentamos investigar o campo que está por trás das nossas percepções e pensamentos, a mente se mostra curiosamente silenciosa. Parece que a mente consegue apenas fazer mensurações dentro de padrões de pensamentos e de conceitos; a mente não tem medidas para ela mesma. 

Será que a mente racional comanda verdadeiramente o nosso ser? Como é ela influenciada por emoções, por sentimentos e pelas flutuações na receptibilidade dos nossos sentidos? Qual é a verdadeira natureza do pensamento? Existiriam outros aspectos da nossa consciência que não entendemos por inteiro? Se existissem, como é que ficaríamos sabendo? O que acontece com a nossa consciência quando dormimos, quando passamos horas sem consciência de que estávamos pensando? Será que realmente sabemos quem somos, e, em caso negativo, será que podemos saber para onde estamos indo? 

Podemos nós confiar na capacidade da nossa mente discernir entre o verdadeiro e o aparente, ou distinguir entre valores reais e superficiais? Mesmo quando pensamos que estamos sendo racionais ou razoáveis, será que este é sempre o caso? Nossa posição pode parecer razoável na superfície e, no entanto, estar fundamentada em suposições falsas. Se somos hábeis, conseguimos justificar quase que qualquer posição que tenhamos interesse em assumir. Mesmo inconsequentemente, podemos mudar de uma posição para outra, em diferentes ocasiões, automaticamente ajustando os "fatos" de modo a se encaixarem nos nossos propósitos. Da mesma forma que tendemos a ser enganados por aparências externas, tendemos a aceitar argumentos lógicos como convincentes, sem examinar muito de perto as suposições que estão apoiados. É possível que vejamos a palavra escrita de maneira ainda menos crítica do que a falada. Como os pensamentos que as precederam, as palavras tendem a ser "verossímeis" quando apresentadas "racionalmente" — esquecendo-nos de que tanto as palavras quanto a lógica são produtos da mente humana. 

As percepções são instantaneamente nomeadas e rotuladas pela mente, dando origem ao pensamento e ideias que criam uma determinada versão da realidade. Nosso senso de "realidade" é especialmente acentuado quando estamos envolvidos por uma forte emoção, como por exemplo, a raiva. Aí, afirmamos, negamos, rejeitamos, tudo com a base no que "sabemos" ser o correto. No entanto, daí a instantes, podemos estar nos sentindo ternos e carinhosos. Então, pode ser que a nossa realidade seja diferente; os motivos da nossa raiva talvez não sejam mais contundentes; mais tarde, podemos até negar a nossa raiva passada. Será que uma "realidade" era menos real do que a outra? Que tipo de fio une estas duas "realidades"? Nós poderíamos, provavelmente, estabelecer uma ligação que soasse muito plausível. Será que estas ligações são válidas, ou será que são suposições? Será que são verdadeiras em si mesmas, ou será que são aquilo que gostaríamos de acreditar que fosse verdade? Como é que podemos saber?

A "construção" da nossa realidade pode ser vista mais claramente em circunstâncias em que sentimos necessidade de nos "acobertar". Raramente precisamos mentir — geralmente existem muitas "meias verdades" que servem para nos proteger. Em um certo sentido, nenhuma das nossas respostas precisa estar errada, embora todas possam ser enganosas. Facilmente perdemos de vista as formas sutis pelas quais escondemos a verdade pura de nós mesmos e dos outros. Uma vez que tenhamos explicado nosso comportamento e a outra pessoa tenha aceito nossas razões, nossa mente pode tomá-las como sendo toda a verdade. As palavras conferem solidez às nossas razões; depois que as palavras são pronunciadas, podemos facilmente nos convencer de que são verdadeiras. Não temos proteção alguma contra tais enganos, que nascem da qualidade oscilante de nossa própria mente. É possível que a nossa "realidade" seja mais "flexível" e instável dos que nos damos conta.

Esta qualidade oscilante parece permear todas as nossas experiências. Por exemplo, valorizamos nosso direito de "mudar de ideia", mas será que esta "mudança" toma por base conhecimentos novos que investigamos a fundo? Ou será que ela reflete apenas uma alteração de interesse ou de motivação? Até que ponto é estável a nossa ligação com as coisas que possuem valor e valem a pena buscar? Como é que podemos confiar em nossas ideias, quando elas podem "mudar", ser mudadas ou influenciadas tão facilmente?

Não dispondo de um maior conhecimento sobre o funcionamento da mente, alimentamos nossa consciência com uma dieta mista de coisas verdadeiras e falsas, reais e artificiais, a começar dos pensamentos que surgem em nossa mente. Quando acreditamos na realidade dos pensamentos e imagens criados pelo impulso arrebatador da cognição, fundimos nossa consciência a ilusões, e plantamos as sementes do auto-engano. A cada vez que surgem percepções mais pensamentos são criados, repetindo-se o processo de fusão da nossa consciência a ilusões. 

Nossa consciência fica sintonizada neste processo contínuo; as sementes anteriormente plantadas deitam raízes e se desenvolvem. A qualidade de pureza original da percepção diminui; uma qualidade de inquietação permeia todas as nossas experiências, condicionando nossa visão de nós mesmos e do nosso meio. Ao buscar contato com o real, encontramos o superficial, o provisório e o artificial.

Dado que a nossa consciência tem uma fixação tão forte no polo objetivo das nossas experiências, fica muito difícil olharmos para dentro e nos estudarmos de perto. Apesar de todos os nossos conhecimentos a respeito do mundo observável, e da nossa engenhosidade em manipular o nosso meio ambiente, pouco sabemos sobre a nossa própria natureza.

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade        

A formação da limitada e separatista mente dual


Em algum ponto no passado, os seres humanos começaram a reconhecer contrastes de luz e sombra como formas isoladas às quais podiam dar nomes. Contrastando, identificando e nomeando formas, eles criaram um mundo de polaridades interdependentes (dualidade): grande e pequeno, duro e macio, macho e fêmea. Embora todas estas distinções, bem como os rótulos aplicados a elas, foram criação da mente humana e variassem em caráter de cultura para cultura, com o tempo adquiriram maior substância e passaram a ser vistas como efetivamente sólidas e reais.  

A partir desta única semente, com raiz no processo da percepção, os seres humanos criaram o "eu" e o seu mundo. Eles se transformaram em espectadores que vivenciavam seu meio comum como um mundo objetivo. Ao olhar para dentro, podiam refletir sobre os contrastes que percebiam em seus próprios estados interiores, e dar nomes a sentimentos e emoções. Assim, foi-lhes possível distinguir entre gostos e aversões, prazer e dor; podiam recordar e refletir sobre suas sensações. Empregando nomes, os seres humanos podiam avaliar sua experiência e expressar preferências e opiniões. 

Gradativamente, os nomes foram adquirindo maior significado, através de associações com outros nomes; conceitos se tornaram mais complexos. Mais tarde, criou-se uma base que viria possibilitar pensamentos mais abstratos e sofisticados. Derivados desta longa cadeia de desenvolvimentos, moldados pela linguagem, pela cultura e pelo meio ambiente, nossos atuais padrões mentais evoluíram ao longo de muitos milhares de anos. 

Durante toda a história da humanidade, a parte da nossa consciência que se liga a objetos recebeu contínuos reforços. Canais profundos foram entalhados em nossa mente, direcionando nossa energia mental para o plano dos objetos, e distanciando-a da dimensão aberta da consciência. A cada pensamento ou sensação, nossa mente agora ágil com a velocidade de uma corrente elétrica para absorver o mundo aparentemente objetivo. Desde o nascimento, somos condicionados a estes padrões de percepção, pensamento e reação

Automaticamente, empregamos estes padrões para interpretar objetos e situações, e responder a eles. Esta forma única de reagir é tudo o que conhecemos: como um trem segue seus trilhos, parecemos predestinados a seguir o caminho demarcado pelo curso da nossa evolução. Embora possamos estar convencidos de que estamos pensando e agindo de acordo com nossas próprias escolhas, na verdade vivemos condicionados por um sentido de separação e pelo jogo de atração e repulsão das polaridades. Estamos fadados a avaliar e reagir a todas as coisas em termos de agradável e desagradável, desejável e não-desejável, bom e ruim. 

Comprometidos com uma visão baseada na dualidade, e confinados às estruturas conceituais que emergem a partir desta visão, não conseguimos conceber a possibilidade de uma estrutura mais aberta para os nossos pensamentos e ações. Quase nada existe em nosso modo de vida que nos leve a qualquer indagação sobre os nossos padrões de percepção e pensamento, ou a qualquer reflexão sobre as inclinações mais profundas da nossa maneira de ver a nós mesmos e ao nosso mundo. 

Ao mesmo tempo, a força atrativa do mundo objetivo tornou-se mais intensa do que em qualquer outra época. As sociedades modernas deram luz a inúmeras tecnologias novas, colocando em movimento um tipo moderno de evolução, alimentado pela inventividade da mente racional. Embora nossa evolução científica e tecnológica seja um desenvolvimento recente na história do planeta, sua força fez crescer de forma significativa o impulso natural das mudanças. 

[...] À medida que o mundo se torna mais caótico e confuso, será que estaremos sendo mais e mais atraídos pela previsibilidade racional do computador? Será que alguns de nós poderão chegar até a se identificar mais com a inteligência computadorizada do que com seus semelhantes? (o aparelho celular como exemplo). Será que com o tempo vamos começar a avaliar nossa própria inteligência por comparação aos computadores?
[...] As respostas a estas perguntas precisam estar fundadas em um conhecimento do ser humano que seja o mais completo possível. Antes que sejamos arrastados na direção de um futuro que talvez não se apresente da maneira como desejamos, precisamos olhar de perto para a nossa situação atual, e começar um processo de exame da base mesma do nosso conhecimento — nossa consciência humana e a natureza da nossa mente. 

sexta-feira, 31 de março de 2017

Os conceitos e a "linha de enredo" do pensamento

Se refletirmos sobre a natureza dos conceitos e sobre a maneira não-crítica como aceitamos a realidade que eles criam, poderemos ter a impressão de estar presos no meio de um elaborado programa de computador que funciona sem a nossa decisão consciente. E, no entanto, tendemos a achar que comandamos o nosso pensamento. Somos nós que estamos operando o programa, ou será que é ele que está nos operando? Seríamos capazes de nos separar do programa e permitir que os nossos pensamentos e ações fossem informados por um conhecimento mais abrangente e confiável, intrínseco ao nosso próprio ser?

À luz de uma compreensão mais ampla, será que poderíamos retreinar a nossa mente para uma forma mais satisfatória de visão? Seria possível uma visão que conseguisse penetrar as nossas estruturas e padrões conceituais? Haveria um meio de abrirmos os nossos conceitos e revitalizá-los com significados que nos permitissem comunicar nossas ideias de forma mais completa? Poderíamos encontrar conceitos que fossem mais próximos da qualidade imediata de nossa experiência, e mais sintonizados com os nossos insights e sentimentos?

Talvez haja meios de vislumbrarmos um lado mais sutil da nossa consciência que poderia nos permitir examinar, com maior clareza, os padrões fixos da mente. Quando relaxamos o corpo, podemos diminuir o ritmo dos pensamentos e das imagens, e observar mais diretamente o processo dos pensamentos em si. 

Este relaxamento não precisa de qualquer técnica especial. É simplesmente uma questão de observarmos os pensamentos que vêm, sem comentários nem interpretações. Quando experimentamos esta maneira de observar o funcionamento da mente, o que vemos talvez não seja bem o que esperávamos: pode parecer não muito importante. Porém, com o tempo, é possível que comecemos a observar com uma qualidade de concentração relaxada e não-forçada, a qual, em si mesma, pode constituir uma experiência nova. Esta forma de olhar para dentro pode levar a importantes insights acerca da natureza dos pensamentos, bem como uma nova consciência das ligações que existem entre os pensamentos e os sentimentos.

Os pensamentos, quando deixados por si só, tendem a caminhar até um ponto em que pausam, quase como se tivessem convergido para uma parede vazia. Pode ser que já tenhamos vivenciado esta pausa, num momento em que seguíamos rigorosamente um determinado encadeamento de pensamentos, ou que nos percebemos "entalados" num problema. A qualquer momento, a mente pode ficar silenciosa por um instante. Se notamos esta pausa, geralmente consideramos que chegamos ao fim de uma cadeia de pensamentos. Se nenhum pensamento novo surge para continuá-la, voltamos nossa atenção para um outro assunto. 

No entanto, este aparente "beco sem saída", onde os pensamentos caminham para um único ponto e se desfazem, pode também representar a porta para um novo conhecimento. Focalizando-nos neste ponto com uma concentração equilibrada, podemos ver possibilidades de um modo de conhecer que se encontra além de nossos padrão habitual de pensamento.

Se permanecermos relaxados e atentos, poderemos perceber uma sensação de luminosidade, como se através do silêncio brilhasse uma luz. O fluxo normal dos pensamentos e o hábito de fixarmos a atenção no conteúdo dos pensamentos, dão-nos poucas oportunidades de perceber a presença de luz em nossas imagens mentais. Se afrouxarmos nosso apego ao conteúdo dos pensamentos e ficarmos atentos aos pensamentos em si, poderemos percebê-los surgindo de dentro desta luminosidade, logo antes de tomarem a forma de palavras.

O processo acontece tão rápido que imediatamente identificamos os pensamentos com palavras, ou talvez com blocos inteiros de palavras que dão início a um diálogo interno. À proporção que mais interpretações vão se seguindo, e que conceitos vão se combinando e evocando fortes cores emocionais, podemos nos dar conta de que os nossos sentimentos estão onerados por uma sensação de peso que parece escura e séria. Que pensamentos contribuem para esta sensação pesada? O que aconteceu com as qualidades de abertura e luz com as quais o processo havia se iniciado?

Ao fazermos estas perguntas, talvez o fluxo dos pensamentos faça novamente uma pausa, por um breve momento. Porém, quase que imediatamente, um novo fluxo de pensamentos se põe em movimento, durando um período longo ou talvez apenas poucos instantes, antes que uma nova sequência se inicie. De onde vêm estas fileiras de pensamentos? O que acontece quando tomamos posse dos nossos pensamentos e conscientemente os guiamos em uma direção específica?

Talvez pareça não haver pausas no fluxo dos pensamentos: somos envolvidos por uma sequência que tem um tema ou uma "linha de enredo", quando, de repente, o conteúdo muda e nos vemos no meio de uma outra história. Como fomos parar de uma história na outra? Será que cada uma delas tem um começo e um fim, ou será que são contínuas? Elas se sobrepõem, influenciado-se umas às outras?

Ao questionarmos os pensamentos desta maneira, conseguimos afrouxar nosso apego e fixação ao conteúdo dos pensamentos, e ganhar novos insights acerca dos nossos processos mentais. Cada pensamento constitui uma oportunidade para observarmos a nossa mente e aprendermos com ela. Com maior experiência, podemos começar a ver como os pensamentos podem, na verdade, criar confusão e prolongar estados mentais indesejáveis. Com o tempo, ficará mais óbvio o modo como um pensamento gera outro, e como a dinâmica dos pensamentos tende a se auto-propelir, alimentando e realimentando ciclos de impulsos que correm pela mente.

Da mesma forma que um tecelão cria uma tapeçaria, definindo a trama básica do tecido, e depois ornamentando-a com um desenho após outro, nossa mente parece ter pensamentos e imagens em réplicas intermináveis. Quando pegamos o começo de um pensamento, podemos observar como ele se inicia com um padrão simples, aberto e espaçoso, que vai se tornando mais denso, à medida que imagens se entrecruzam para formar padrões cada vez mais complexos.

Ao estimular lembranças e associações que evocam um universo de sentimentos e emoções, os pensamentos perdem sua abertura, enquanto vão se proliferando e se entrelaçando. Concomitantemente, podemos perceber nossas faculdades críticas em ação, rotulando nossa experiência como felicidade, depressão, êxtase, tédio, raiva, como algo nobre ou condenável. 

À medida que cada experiência é carimbada e testemunhada pela mente, nossos pensamentos a seu respeito tornam-se mais conscientes e "reais"; então, identificamo-nos com a experiência e reagimos a ela de acordo com o nosso condicionamento. Dentre todas as possibilidades de enxergarmos uma determinada experiência, vamos, quem sabe, optar por chamá-la de "prazer". A seguir, projetamos a experiência fora de nós, e decidimos que queremos ter aquela experiência. Ao buscarmos as coisas que associamos com o prazer, encontramos a nossa própria imagem do que o,prazer "deve ser". Ao tentar agarrar um objeto, esperando sentir prazer e desejando prolongá-lo, experimentamos prazer por apenas um curto tempo. Quase que imediatamente, sentimos que ele escorrega em nossa mão.

Observar os movimento de ir e vir dos pensamentos nos permite ver como a mente apõe rótulos às percepções, sentimentos e emoções, e como ela então produz comentários e mais comentários sobre o que estamos vivendo. Ao ver estes padrões de pensamento sendo tecidos diante de nossos olhos, podemos nos perguntar se eles, na realidade, formam uma trama sólida. Talvez seja possível nos vermos — não só a nossa personalidade, aparência e atividades, mas a própria raiz do nosso ser —  de modo diferente. Uma visão assim nova e aberta poderia aliviar a mente das tendências que congelam a experiência e nos deixam vulneráveis a confusões. Assim que descobrimos que é possível soltar a garra dos conceitos que nos enredam em dores emocionais, teremos dado os primeiros passos em direção a uma compreensão nova, capaz de transformar a qualidade de todas as nossas experiências.

Com um maior discernimento acerca de quem somos e do que somos, por que percebemos, sentimos, compreendemos e interpretamos da maneira como fazemos, seria possível considerar tudo o que sabemos de uma perspectiva inteiramente nova. Poderíamos, então, analisar nossas pressuposições mais a fundo, decidindo por nós mesmos o que é possível e  que não é possível mudar, que forma de pensar são saudáveis e úteis, e quais delas nos envolvem em sofrimentos desnecessários. À medida que continuássemos a questionar, nossos pensamentos poderiam se tornar mais vitais e mais claros, abrindo novas possibilidades de autocompreensão e de maior controle sobre a direção da nossa vida.

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade

É possível ver tudo como que pela primeira vez?

Será que conseguimos sequer pensar em alguma coisa para a qual não temos um conceito? Se não tivéssemos um conceito de amor, será que poderíamos ter expectativas sobre como é o amor, ficar decepcionados quando nossas experiências não correspondessem a estas expectativas, ou então fantasiar sobre as pessoas que amamos? Se não tivéssemos noção alguma de amor, poderíamos ter ódio? E como seria se não tivéssemos nenhum conceito de "eu", ou da nossa pessoa como, de alguma forma, separada dos outros? Então, o que iríamos amar ou odiar? Será que poderíamos ficar apegados a pessoas ou coisas, sentir insegurança ou temer rejeição? Se a sociedade não fosse capaz de nos apresentar ideais que não se casassem com a realidade da nossa situação, será que iríamos nos sentir culpados por não nos pormos à altura desses ideais? Que diferença poderia haver na qualidade da nossa vida se não tivéssemos nenhum "deveria" ou "gostaria" em nosso idioma? 

Se olharmos com cuidado para a nossa experiência, poderemos ver que muitas coisas que parecem substanciais e reais são, na verdade, noções formadas por nossa mente. Ao operá-las em nosso pensamento e empregá-las em nosso cotidiano, tendemos a esquecer que são formulações mentais, e nos relacionamos com elas como se fossem reais. Assim, por exemplo, a felicidade não é inerente aos objetos que desejamos, mas nasce da maneira como interpretamos uma certa qualidade de entusiasmo. Por mais que valorizemos a felicidade, ela é também um conceito, um nome que aprendemos a aplicar a certos tipos de situações ou sentimentos.

Sem a nossa ideia de felicidade, e sem as muitas noções ligadas a ela sobre o que nos deixa felizes, será que iríamos saber se éramos felizes? Será que poderíamos ser infelizes? Será que teríamos os mesmos sentimentos se nos faltasse uma palavra para expressá-los? Como é que poderíamos ficar pensando ser éramos felizes, ou então nos sentir carentes se não o fôssemos?

É quase impossível imaginar como seria a vida sem estes conceitos familiares. Passamos a confiar em nossas atuais estruturas e padrões conceituais, tomando por um reflexo razoavelmente seguro da verdade, e não vemos nenhuma razão para questioná-los. Mas será que as nossas estruturas conceituais aumentam as nossas opções de estar e atuar no mundo, ou seriam elas limitadas demais para atender às nossas necessidades? Será que os nossos conceitos atuais são capazes de acomodar todo o conhecimento que nos é possível adquirir, ou será que eles se tornaram demasiadamente rígidos para sustentar uma perspectiva mais abrangente com relação ao conhecimento?

Quando dependemos de conceitos de uma maneira automática — seja ao pensar, falar ou escrever — podemos, na realidade, estar diminuindo nossa capacidade de comunicação. Todos nós vivemos em um mundo mental próprio; nossas experiências pessoais condicionaram as conotações específicas dos conceitos que utilizamos. Embora nosso mundo mental coincida em parte com os das outras pessoas, eles nunca são completamente idênticos. Ao dependermos de um conhecimento que seja filtrado através de conceitos, não conseguimos comunicar plenamente os significados que tencionamos transmitir; ficamos sutilmente isolados uns dos outros. Embora todos nós empreguemos as mesmas palavras diariamente, há um hiato em nossa comunicação que não pode ser fechado por completo. 

Quando traduzimos os conceitos de uma cultura para os de outra, o hiato na comunicação se amplia. O significado de cada conceito pode parecer o mesmo, mas as conotações associadas a eles podem variar enormemente. Hoje em dia, à medida que o inglês e outros idiomas ocidentais estão cada vez mais usados nas comunicações internacionais, os povos do mundo parecem estar caminhando em direção a um corpo comum de conceitos. No entanto, o que é compartilhado talvez seja apenas algo superficial; as mesmas palavras podem ter significados diferentes dentro de culturas diferentes. Mesmo a estrutura de diferentes idiomas pode influenciar muito a capacidade de expressarmos importantes nuances de significado. Assim, há um grande potencial para confusões e mal-entendidos. Podemos, sem saber, perder conhecimentos valiosos no processo de tradução. É também possível que os povos do mundo venham a se comportar como parceiros dentro de um mau relacionamento, que trocam palavras e procuram se reassegurar, mas que não dispõem de uma base para uma comunicação real. 

Seriam os nossos padrões conceituais necessariamente a melhor base para expandirmos a nossa compreensão de nós mesmos e do nosso mundo? Já exploramos as pressuposições que estão por baixo dos nossos conceitos? Se as condições do nosso passado tivessem sido diferentes, é possível que outros padrões mentais tivessem se desenvolvido com igual facilidade; aí, estaríamos vivendo em outro panorama mental, tão confiantes em nosso senso de realidade quanto estamos hoje. O que agora consideramos como nossas verdades inquestionáveis e auto-evidentes poderia nem sequer existir; não teríamos como pensar nelas, ansiar por elas, sofrer com elas, lutar por elas.     

No endurecimento dos conceitos, a morte do criativo


Os conceitos, a princípio, são fluídos e flexíveis, mas vão-se tornando mais fixos, à medida que amadurecemos. Quando aprendemos pela primeira vez um conceito — como, por exemplo, "espaço" ou "consciência" — somos muito receptivos às nuances que o cercam; podemos brincar com ele por um período, questioná-lo e explorar suas possibilidades. Assim que sentimos que o "conhecemos", tendemos a perder o interesse. Nossa disposição para reexaminar, descartar ou expandir a abrangência do conceito diminui; a palavra já não está mais viva, sujeita a modificações à luz de novos conhecimentos, mas sim, congelada como um dado ou informação que possuímos. Lançamos mão dela automaticamente em nosso processo mental, que passa a ser mais uma questão de rememorar do que uma atividade criativa

Ao recorrer exclusivamente às nossas estruturas e padrões conceituais, vamos lentamente contraindo a abertura natural da mente. Fica difícil percebermos as nuances sutis do momento, que se refaz constantemente. No ato da percepção, nossa mente apreende e interpreta as informações sensoriais, e nos devolve conceitos pré-fabricados que possuem associações e cores emocionais específicas, baseadas em nossa experiência passada. Estas associações emergem simultaneamente com o conceito, projetando uma situação passada sobre o presente, e condicionando a forma como enxergamos uma dada experiência. Não respondemos necessariamente à experiência imediata mas, sim, à experiência tal como filtrada através dos nossos conceitos, lembranças, imagens e associações.

Ao identificar uma situação no presente como semelhante a uma outra no passado, tendemos a reagir automaticamente, reduzindo nossa capacidade de avaliar a situação presente de forma espontânea. Vinculados deste modo ao passado, não conseguimos perceber a ampla gama de alternativas que estão disponíveis no presente, diminuindo assim nossas opções de ação. Esta tendência obscurece nossa visão; ao perdermos contato com a dinâmica aberta do momento vivo, passamos a viver dentro de um mundo amortecido. 

Quando os conceitos se tornam assim fixos em nossa consciência, não somos capazes de perceber nada de novo. Impossibilitados de notar as sutilezas de cada situação, à medida que ela vai se modificando, chegamos a repetir os mesmos gestos e os mesmos comentários em situações que parecem iguais. Quando nossa mente se acostuma a estas reações automáticas, ela se torna preguiçosa e desatenta, especialmente em ambientes que lhe são familiares. Nossos pontos de vista fixos nos dão uma sensação de segurança. Sentimos que "conhecemos" os objetos do nosso mundo; sentimos que "conhecemos" as pessoas e os demais seres vivos. Esperamos que as coisas permaneçam as mesmas e que preencham as nossas expectativas do que achamos que elas devam ser e fazer. 

Quanto mais reforçamos essa passividade e recorremos a conceitos amortecidos, mais a nossa mente resiste a qualquer tentativa de reexaminar aquilo que sabemos. À medida que tentamos, à força, encaixar nossa experiência em moldes rígidos, nosso mundo interior vai-se tornando cada vez menor e mais limitado, em vez de enriquecer-se com as nossas experiências do dia a dia. Confinados a conceitos que limitam os sentimentos e as compreensões que podemos expressar conseguimos apenas reeditar os padrões que prendemos, tal como os nossos pais, nossos avós, os pais dos nossos avós, etc. É possível que todo o conhecimento que adquirimos com a nossa educação formal e com as nossas experiências, represente apenas associações cada vez mais complexas de conceitos que pouco significado têm para uma vida humana. Tais conceitos são muito congelados, muito particularizados, muito distantes do mundo das coisas vivas para expressar nossos níveis mais profundos de experiência. 

Até que questionemos, analisemos e reavaliemos os conceitos que utilizamos para nos expressar, ficamos restritos a apenas um conjunto de interpretações sobre as nossas experiências. Quer elas se ajustem à realidade do que está acontecendo, quer nos tragam sofrimento desnecessário, não nos permitimos outra escolha a não ser viver neste mundo limitado. Mesmo que o nosso mundo mental seja solitário e que tenhamos pouco prazer com as nossas experiências, os nossos pensamentos nos são familiares e nos proporcionam uma ilusão de segurança e controle, que nos conserva presos a eles. É possível que não vejamos nenhuma alternativa para este modo de entender a nós mesmos e ao nosso mundo. Porém, quando até mesmo pensamentos como este dependem de conceitos que nunca examinamos em profundidade, como podemos saber que não existem outra possibilidades? 

Os conceitos e a limitação "do que É"

Será que nossos pensamentos e ações poderiam ser orientados por um conhecimento mais abrangente e confiável, intrínseco ao nosso próprio ser?

Todos nós vivemos dentro de um mundo interior de imagens, pensamentos e lembranças, que se alteram continuamente, evocando uma rica trama de sentimentos, emoções e humores. Por vezes surgem imagens vívidas em nossa mente, que estimulam uma cadeia de pensamentos; outras vezes, podemos sentir a nossa mente procurando focar uma ideia. Inicialmente, talvez percebamos simplesmente que estamos vendo imagens ou pensando pensamentos, mas logo o pensamento toma mais corpo; percebemos as palavras concretas em nossa mente, à medida que as pensamos ou as expressamos em nossa fala ou por escrito.

As palavras que expressam imagens e pensamentos são conceitos agrupados em cadeias que esclarecem as suas inter-relações. Os conceitos são as unidades a partir das quais a nossa língua é construída, e os seus significados constituem a substância do nosso conhecimento. Inúmeros conceitos que empregamos hoje tiveram sua origem muito tempo atrás.  Ao longo de toda a história da humanidade, os conceitos deram nascimento uns aos outros, ramificando-se e proliferando-se como as trepadeiras na selva.

Os conceitos podem ser simples elementos identificadores, como “árvore” e “casa”, ou noções mais abstratas, como “liberdade”, “amor” ou “justiça”. Eles são construídos por meio de um processo de distinções, segundo um padrão lógico que contrasta “isto” com “não-isto”. O “verde” distingue-se do “não-verde”; a “árvore” distingue-se de tudo que seja “não-árvore”. Estas distinções dependem todas umas das outras — “alto” ganha seu significado em comparação a “baixo”, “grande” tem sentido em comparação a “pequeno”.

À medida que continuamos a nos deparar com novos objetos, podemos rotulá-los, distinguindo-os daquilo que já conhecemos... Estas distinções simples servem de base para conceitos mais complexos, que se valem dos significados de muitos outros conceitos. “Liberdade” tem sentido porque podemos definir o que significa ser “não-livre”. Podemos fazer uma ideia de “amor” fazendo um contraste entre tudo o que associamos a amor e aquilo que seja “não-amor”.

Em algum momento de nossa infância, nós nos vimos pensando e falando, usando conceitos e reagindo a eles. De nossos pais, amigos e demais influências do nosso complexo condicionamento social, absorvemos nossa estrutura conceitual básica. Quando éramos crianças, ficávamos fascinados com formas que se moviam e com padrões de luz e sombra; aprendemos a reconhecer nossos pais e a distinguir objetos. Já fazíamos associações entre as coisas que víamos, ouvíamos, cheirávamos, saboreávamos e sentíamos através do nosso corpo. Podemos ter desenvolvido uma noção de que as nossas associações continham significado, mas não dispúnhamos de palavras para expressá-lo.

Ouvindo as palavras ditas à nossa volta, aprendemos a dar nome às formas e qualidades do nosso mundo. Este processo foi desenvolvido por meio de tentativas e erros; as palavras que a princípio ligávamos aos objetos que nos rodeavam nem sempre correspondiam às palavras empregadas pelos outros... Corrigidos e recorrigidos muitas vezes, moldamos nossas primeiras impressões de modo a se encaixarem nos conceitos dos adultos, e começamos a associar formas e sons “corretamente”.

Com o tempo, não precisávamos mais ouvir os sons como sons — eles tocavam nossos conceitos de imediato, de modo que “ouvimos significados” diretamente. Os conceitos se tornaram um modo conveniente de nos referirmos a objetos conhecidos, sem ter que descrever precisamente o que estávamos vendo ou exatamente o que queríamos dizer.

Concomitantemente, fomos ensinados de que forma reagir a estes conceitos: o que podíamos e não podíamos tocar, o que valorizar, o que querer e o que rejeitar; aprendemos até com o que ficar alegre e com o que ficar triste.  De acordo com os costumes da nossa cultura, foi-nos ensinado o modo apropriado de categorizar, pensar e usar todas as coisas em nossa experiência.

Gradativamente, muitas associações começaram a se acumular em torno dos conceitos. Elas eram capazes de tocar lembranças e evocar reações complexas. Podíamos, ao falar a palavra “casa”, despertar uma infinidade de sentimentos e associações que conferiam a este conceito um significado especial para nós. Desta forma, talvez, muitas palavras adquiriram um profundo significado pessoal, do mesmo modo que certas cenas, cheiros, sons e sensações algumas vezes pareciam ressoar com significados intensos e inexplicáveis.

No entanto, tudo o que tinha significado pessoal para nós, precisava ser expresso dentro de conceitos disponíveis em nossa língua. Tínhamos que aceitar os significados que nos eram dados, e deixar não-expressos os significados e sentimentos que não tínhamos condições de comunicar. Os conceitos que aprendíamos refletiam sobre nós, e assim começamos a pensar com as palavras da nossa língua. As palavras que agora se formam tão espontaneamente em nossa mente são, todas elas, conceitos que nos foram transmitidos pelos outros. Este conceitos condicionam, hoje, a maneira como vemos a nós mesmos e ao nosso mundo, como pensamos e como respondemos àquilo que acontece à nossa volta. Eles criam a nossa realidade do cotidiano, e nós os utilizamos para interpretar todas as nossas experiências.  

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

É possível ver e ouvir ao outro sem preconceito?

Existe o ver sem preconceito? Só a mente que não tem conclusão, essa é a mente que pode ver. A outra não pode. Se eu tiver um conhecimento prévio desse armário, a mente identifica-o como um armário. Olhar para esse armário sem a acumulação prévia de preconceitos ou mágoas, é olhar. Se eu tiver mágoas, memórias, dor, prazer, desagrado anterior, não olhei. (...) (Krishnamurti em, Tradition and Revolution)

Desejo agora dizer uma coisa que considero importante: é de suma relevância a maneira como escutais. Em geral, ou ouvis só as palavras, concordando ou discordando, intelectualmente, ou ouvis com a mente ocupada em interpretar, traduzindo desse modo o que ouvis em conformidade com vossos preconceitos pessoais. Escutais (…) comparando o que ouvis com o que já sabeis. Essa maneira de ouvir impede-vos o escutar (…) Mas se, ao contrário, escutardes sem condenar nem aceitar, (…) com certo grau de atenção, assim como escutais o murmúrio do vento entre as folhas, se escutardes com todo o vosso ser, (…) vosso coração e vossa mente, então talvez possamos estabelecer entre nós um estado de comunicação. Teremos então a possibilidade de entender-nos mutuamente, de maneira muito simples e direta. (…) (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 13)

Em geral nós escutamos de maneira casual, ouvindo apenas o que desejamos ouvir, não damos atenção ao que é penetrante ou perturbador e prestamos ouvido unicamente às coisas que nos são agradáveis, que nos satisfazem. (…) É uma verdadeira arte o escutar sem preconceito, sem (…) defesas, (…) pôr de parte todos os nossos conhecimentos adquiridos, nossas idiossincrasias e pontos de vista, com o intuito de descobrir a verdade contida em cada questão. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 5)

Em regra, escutamos porque desejamos que nos digam o que devemos fazer, ou a fim de nos ajustarmos a dado padrão, ou, ainda, escutamos com o simples intuito de colher mais conhecimentos. Se aqui estamos com tal atitude, nesse caso o “processo” de escutar terá pouco valor (…) (O Homem Livre, pág. 153)

Não sabemos escutar para descobrir o que é; queremos impingir a outro as nossas idéias e opiniões, forçar o outro no molde do nosso pensamento. Nossos pensamentos e juízos são muito mais importantes, para nós, do que o descobrimento do que é. (…) Para escutar, devemos estar livres. (…) Devemos estar livres para ficarmos silenciosos, porque só então há possibilidade de escutar. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 243-244)

Pode-se dizer que, em geral, não escutamos; ouvimos uma grande quantidade de palavras, interpretando o que ouvimos com nossas opiniões, rejeitando-o ou aceitando-o. Mas, por “escutar” eu entendo: escutar realmente, sem tradução, sem interpretação, sem opinião; escutar (…) sem espírito de condenação - o que não significa necessariamente “aceitação”. Ao contrário, (…) fazemo-lo, com efeito, com um sentimento de afeição e amor; por que, sem atenção e interesse não é possível escutar coisa alguma. (…) (A Essência da Maturidade, pág. 61)

Ora, pode-se ouvir de diferentes maneiras. Podemos ouvir, procurando interpretar o que o outro está dizendo, ou comparando o que se está dizendo com o que já sabemos. Podeis ouvir com todas as reações de vossa memória ativa. Mas só há uma única maneira de escutar realmente, que é escutar sem a “tagarelice” de nosso próprio pensamento. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 13)

Não sei se já experimentastes escutar simplesmente uma coisa agradável ou desagradável, sem “projetardes” o vosso próprio processo de pensar. (…) Assim, talvez possais (…) escutar simplesmente, sem concordar nem discordar do que se diz, sem “projetar” vossas próprias idéias ou interpretações - mas sem que com isso estejais sendo hipnotizados. Pelo contrário, o escutar exige atenção completa.

Mas atenção não é concentração. Concentrar-se é enfocar, excluir, e nessa exclusão cria uma barreira ao escutar. (…) Quando escutais com naturalidade e calma, sem exclusão, estais escutando tudo, não apenas as palavras, e estais também cônscios de vossas próprias e interiores reações. As palavras são então o meio de abrir a porta através da qual podeis olhar a vós mesmos. (Idem, pág. 13-14)

Não sei se alguma vez já observastes - quando estais a ouvir alguém que conheceis há muitos anos, com quem tendes certa familiaridade - o pouco que escutais. Já sabeis o que a pessoa vai dizer. Já tendes opinião formada, (…) certas conclusões, imagens, que impedem o verdadeiro escutar.

Penso que, se soubésseis escutar (…) também tudo o que vos cerca na vida diária; (…) todos os barulhos, o incessante tagarelar de vosso amigo, (…) esposa ou marido, as murmurações de vossa mente, o monólogo que ela entretém continuamente, sem condenar nem justificar, (…) esse escutar traria uma ação bem diferente da ação do pensamento calculista e disciplinado. (A Importância da Transformação, pág. 46)

Vede, por favor, que vós e eu estamos aprendendo juntos; e, para aprender, é necessário escutar. Escutar é aprender. (…) Escutar é ação. Se vós e eu soubéssemos escutar os sucessos humanos, tudo o que está ocorrendo no mundo, as filosofias, os dogmatismos, (…) a televisão - se tudo soubermos escutar, então o próprio ato de escutar se tornará ação; e nisso consiste, a meu ver, a arte de escutar.

Se sabeis escutar o trem que passa, (…) vosso vizinho, o rádio, a vós mesmos; (…) o sofrimento, a confusão, o enorme conflito entre os homens (…) então, talvez, esse próprio escutar será ação. E é disso que necessitamos: ação. Mas, para agir, necessitamos de simplicidade (…) A simplicidade nasce da alta sensibilidade e da compreensão do sofrimento. (O Descobrimento do Amor, pág. 153-154)

Não é importante descobrir a maneira de escutar? Parece que, em geral, não escutamos coisa alguma. Escutamos por detrás de várias cortinas de preconceitos, examinando o que se diz como hinduísta, (…) muçulmano, (…) cristão, com uma opinião já formada. Não ouvimos livremente, calmamente e em silêncio. Ouvimos com a intenção de concordar ou discordar, ou (…) predispostos à argumentação; não ouvimos com o propósito de descobrir. A mim me parece importantíssimo saber ouvir, (…) ler, ver, observar. (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 115)

Temos tantos preconceitos, conclusões e opiniões, temos conhecimentos acerca de tantos assuntos, os quais obviamente impedem a percepção. Quero saber o que você está falando a respeito. Devo escutar, e escutar implica que não deve haver interpretação, mas que devo realmente escutar. Isso implica que, enquanto eu estiver escutando, não deve haver comparação com aquilo que anteriormente aprendi, porque você pode estar dizendo alguma coisa inteiramente diferente. (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 85)

Então, eu devo ter a capacidade e a arte de escutar, senão eu não posso entender o que você está falando sobre o assunto. Da mesma forma, deve-se observar claramente o que está ocorrendo externa e internamente, sem nenhuma imagem; é isso possível? Significa observar realmente, sem condicionamento, não como um cristão, um comunista, um hippie, um quadrado e tudo o mais; escutar tão completamente que se possa ver sem distorção alguma. É isso possível? (Idem, pág. 85)

Se escutastes tudo isso realmente, vereis que vem um despertar e, observareis então que vossa mente é purificada pelo extraordinário milagre que se opera quando escutamos uma coisa que é um fato. Escutando o fato, sem resistência, tereis uma mente nova, (…) não mais enredada nas conclusões do passado, (…) sem temor. Estando só, essa mente é o eterno, o real, porque a verdade está só, a cada momento. (…) Só a mente que está só, purificada, sozinha, pode ver a verdade (…) (Visão da Realidade, pág. 169)

Posso garantir-vos que temos possibilidade de livrar-nos da velha “fita”, da velha maneira de pensar, de sentir, de reagir, dos inúmeros hábitos que adquirimos. Isso é possível quando se presta realmente atenção. Se a coisa que estamos escutando é, para nós, verdadeiramente séria, (…) então haveremos de escutar de tal maneira que o próprio ato de escutar apagará tudo o que é velho. Experimentai isso (…) (A Questão do Impossível, pág. 14)

Senhores, quando falo de influência, refiro-me a todas as qualidades de influência, e não a uma determinada influência. Ao escutarmos, temos de estar intensamente cônscios, para não nos deixarmos influenciar, nem conduzir. (…) Mas, (…) se puderdes escutar um fato sem resistência, seja uma coisa dita por vossa mulher, (…) filho, por um carregador, seja (…) deste orador, descobrireis então por vós mesmos que podeis ultrapassar toda influência, que podeis livrar-vos completamente dessa destrutiva influência da sociedade. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 136-137)

Nessas condições, poderia uma pessoa escutar sem nenhum preconceito, nenhuma conclusão, sem interpretação? Porque, é bastante evidente, nosso pensar é condicionado (…) Estamos condicionados como hinduístas, comunistas ou cristãos, e tudo o que escutamos, seja novo, seja velho, é sempre apreendido através da cortina desse condicionamento; por conseguinte, nunca, nunca conseguimos chegar-nos a um problema com a mente nova. Por essa razão, torna-se importantíssimo saber escutar. É bem clara a necessidade de uma revolução total no indivíduo; (…) (Visão da Realidade, pág. 138-139)

(…) Vós escutais de dentro da vossa experiência: tendes conclusões, passastes por experiências inumeráveis, provações, sofrimento, aflições, e é com esse fundo que estais escutando; estais escutando com uma conclusão. Isso é escutar? Se escuto o que dizeis, que talvez seja novo, diferente, com a mente já entrincheirada em certa ideologia, (…) experiência, num conhecimento específico, pode a minha mente escutar? (…) Há, pois, uma arte de escutar, e eu acho essa arte muito importante (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 115)

(…) A mente condicionada não pode escutar, não é livre para escutar. Mas se fordes capazes de escutar de maneira total, creio que se verificará então uma revolução fundamental, não produzida por nenhuma ação do “eu”, a qual, por conseguinte, será uma verdadeira transformação. (…) (Viver sem Temor, pág. 18)

Ora, quando escutamos - e isso é uma verdadeira arte - é necessária certa tranqüilidade do intelecto. Como acontece com a maioria de nós, o intelecto está incessantemente ativo, sempre a reagir ao desafio de uma palavra, idéia ou imagem; e esse constante processo de reação e desafio não produz compreensão. (…) (O Passo Decisivo, pág. 200)

Escutar, se posso dizê-lo, não é processo de concordar, condenar, interpretar, mas, sim, de olhar cada fato totalmente, globalmente. Para isso, o intelecto deve estar quieto, porém muito vivo, capaz de seguir (o que se diz) correta e racionalmente, não sentimental ou emocionalmente. Só então é possível considerar os problemas da existência humana como um processo total, e não fragmentariamente. (Idem, pág. 200)

Há o ouvir e o escutar. Quando você ouve, concorda ou discorda, e diz: “eu concordo com ele, (…) gosto ou não gosto, ele é convincente ou não é convincente”. Mas, quando você está realmente escutando - isto é, dando sua completa atenção - o que acontece? O que ocorre (…), sendo a atenção sua mente, coração, nervos, corpo, tudo (…) escutando? Sua mente está completamente quieta? (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 123)

Não argüindo concordando, discordando, opondo ou formando nenhuma opinião. É um ato de completo escutar. Nesse ato de escutar há comunhão real, não há? Comunhão no sentido de completo relacionamento. Não há desentendimento. (…) Nunca damos nossa total atenção a coisa alguma. Mas apenas aprendemos o que é se concentrar. Concentração significa exclusão. Por conseguinte, concentração não é atenção. Na atenção não há fronteiras. (Idem, pág. 123)

Não sei se alguma vez examinastes a maneira como escutais (…) Quando tentamos escutar, (…) estamos sempre a projetar nossas opiniões e idéias, (…) preconceitos, nosso fundo, (…) inclinações, (…) impulsos; (…) Só se pode escutar quando nos achamos num estado de atenção, (…) silêncio, em que todo aquele fundo está em suspenso, quieto; então há possibilidade de comunicação. (Como Viver neste Mundo, pág. 8)

Há várias coisas a considerar. Se escutais com o fundo ou com a imagem que formastes do orador, se o escutais atribuindo-lhe certa autoridade (…) então é bem evidente que não estais escutando. Estais escutando a “projeção” que à vossa frente colocastes, e esta vos impede de escutar. Assim (…) é impossível a comunicação. (…) (Idem, pág. 8)

Nessas condições, se sabeis escutar, (…) quando compreendemos o condicionamento da nossa mente - então a compreensão mesma do nosso condicionamento liberta a mente. Percebei claramente que sois um hinduísta (…) Assim sendo, só é possível escutar e estudar o problema de maneira correta quando a mente é capaz de operar sem estar ancorada em algum fundo de conhecimento ou experiência (background) (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 11)

A mente, pois, tem de estar livre, fantasticamente livre, dos interesses de “eu” e das âncoras do conhecimento, para que possa observar o problema e, desse modo, produzir uma revolução total. (Idem, pág. 11)

(…) Nessas condições, pois, se pudermos discutir serenamente, sem nos bombardearmos mutuamente com idéias, examinando cada problema meticulosamente, com sensatez, inteligência, vereis que, sem necessidade de esforço (…) ocorrerá a revolução. (O Problema da Revolução Total, pág. 12)

Talvez tenhais escutado (…) Se souberdes escutar tranqüilamente, sem esforço, sem interpretação, o que se está dizendo, e, bem assim, tudo o que vos circunda, verificareis que estais escutando não só o que está muito perto de vós, mas também coisas que estão (…) muito longe - aquilo que não tem medida, nem espaço, que não está aprisionado em palavras nem no tempo. (…) Quando a mente se acha de fato tranqüila, por estar toda enlevada pela canção do seu próprio escutar, só então desponta na existência o imensurável, o eterno. (Visão da Realidade, pág. 260)

(…)Tendes de escutar com a totalidade do vosso ser, sem esforço algum, sem luta, e com a intenção de compreender, de explorar, de descobrir, de achar realmente a Verdade ou a falsidade (…) A meu ver, tal ato de escutar é meditação. (…) (As Ilusões da Mente, pág. 37)

(…) Só podeis escutar quando vossa mente está quieta, quando não “reage” imediatamente, quando há um intervalo entre a reação e o que se ouve dizer. Então, nesse intervalo, há quietude, silêncio. Só nesse silêncio há a compreensão que não é compreensão intelectual. (…) Esse intervalo é o cérebro novo. A reação imediata é o cérebro velho (…) (O Magistério da Compreensão, pág. 10)

Fonte: Instituição Cultural Krishnamurti

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Onde há dependência, há medo e não amor

Já observaram como nascem as ideias e como a mente se apega a elas? Você tem uma ideia de alguma coisa bela que viu quando saiu para dar um passeio, e sua mente volta àquela ideia, àquela lembrança. Você lê um livro e encontra uma ideia em que se apegar. Então precisa ver como surgem as ideias e como elas se tornam um meio de obter conforto e segurança interior, algo a que a mente se apegue. 

Já refletiu sobre essa questão das ideias? Se você tem uma ideia e eu tenho uma ideia, e cada um de nós acha que sua própria ideia é melhor que a do outro, nós discutimos, não é? Tento convencê-lo, e você tenta me convencer. O mundo todo está edificado sobre ideias e sobre o conflito que existe entre elas; e se analisar o problema, você verá que o simples fato de apegar-se a uma ideia não tem sentido. Mas já observou como seu pai, sua mãe, seus professores, seus tios e tias, todos se apegam ferrenhamente ao que pensam?

Ora, como surge uma ideia? Como passa alguém a ter uma ideia? Quando você tem a ideia de sair para um passeio, por exemplo, como essa ideia aparece? É muito interessante descobrir isto. Se observar, verá como uma ideia desse tipo toma o corpo e como a sua mente se apega a ela, pondo de lado tudo o mais. A ideia de sair para dar um passeio é uma reação a uma sensação, não é? Você já saiu para passear antes e isso deixou uma sensação agradável; você quer fazer  o mesmo de novo; assim a ideia é criada e posta em ação. Quando você vê um belo carro, há uma sensação, não há? A sensação provem precisamente de olhar o carro. A sua simples vista cria a sensação. Da sensação nasce a ideia: "eu quero aquele carro, é meu carro" — e a ideia então se torna muito dominante. 

Buscamos segurança nas posses e nas relações exteriores, bem como, interiormente, nas ideias e nas crenças. Eu acredito em Deus, em rituais; eu creio que deva me casar de certo modo; creio em reencarnação, em vida após a morte; e assim por diante. Todas essas crenças são criadas por meus desejos, por meus preconceitos, e eu me apego a elas. Tenho seguranças externas, fora da minha pele, por assim dizer; e também tenho seguranças internas; removas-as ou conteste-as, e ficarei com medo; eu o empurrarei para o lado, e lutarei com você se você ameaçar minha segurança. 

Ora, existirá isso de segurança? Compreende? Nós temos ideias acerca de segurança. Podemos nos sentir seguros com nossos pais ou num dado emprego. Nosso modo de pensar, nosso modo de viver, nosso modo de encarar as coisas — com tudo isto podemos estar satisfeitos. A maioria de nós fica muito feliz de poder cercar-se de ideias seguras. Mas poderemos jamais estar seguros, por mais salvaguardas exteriores e interiores que tenhamos? Externamente, nosso banco pode falir amanhã, nosso pai ou mãe pode morrer, pode acontecer uma revolução. Mas haverá alguma segurança nas ideias? Gostamos de pensar que estamos seguros em nossas ideias, em nossas crenças, em nossos preconceitos; mas estaremos? Tudo isto são paredes irreais; são meras concepções nossas, meras sensações. Gostamos de crer que existe um Deus que está velando por nós, ou que renasceremos mais ricos, mais nobres do que agora. Pode ser que isso aconteça, ou pode ser que não aconteça. Então podemos ver por nós mesmos, se examinarmos as seguranças exteriores e interiores, que na vida não há absolutamente segurança alguma.

Se vocês perguntarem aos refugiados do Paquistão ou do leste da Europa, eles certamente lhes dirão que não existe segurança exterior. Mas eles acham que existe segurança interior e apegam-se nessa ideia. Vocês podem perder a sua segurança externa, mas ficarão, então, muito mais ansiosos por construir a segurança internamente, e não querem deixá-la desaparecer, o que implica maior medo. 

Se amanhã, ou no prazo de alguns anos, seus pais lhe disserem com quem querem que vocês se casem, vocês ficarão com medo? Claro que não, porque vocês são criados para fazer exatamente o que lhes é determinado; vocês são educados por seus pais, pelo guru, pelo sacerdote, a pensar de acordo com certos princípios, a agir de certa maneira, a sustentar suas crenças. Mas se lhe pedissem para decidir por si mesmos, não ficariam completamente atrapalhados? Se seus pais lhes dissessem que se casassem com quem bem entendessem, vocês teriam um calafrio, não teriam? Tendo sido sempre condicionados pela tradição, pelo medo, vocês não querem que lhes seja permitido decidir por si mesmos. Ficar só é perigoso, e vocês não querem nunca ser deixados sós. Não querem nunca tomar uma decisão por conta própria. Nunca desejam ir passear sozinhos. Todos querem estar fazendo alguma coisa como formigas ativas. Têm medo de resolver qualquer problema, de enfrentar qualquer exigência da vida; e, estando amedrontados, fazem coisas caóticas e absurdas. Como um homem com uma tigela de mendigo, vocês aceitam sem refletir o que quer que se lhes ofereça. 

Vendo todas essas coisas, uma pessoa realmente reflexiva passa a libertar-se de todo tipo de segurança, interior e exterior. Isso é extremamente difícil, porquanto significa que você está só — só, no sentido de que não é dependente. No momento em que você depende, há medo; e quando há medo, não há amor. Quando você ama, você não está só. A sensação de solidão só aparece quando você tem medo de ficar só e de não saber o que fazer. Quando se é controlado por ideias, isolado por crenças, o medo é inevitável; e quando você tem medo, está completamente cego. 

Assim, os professores e pais, conjuntamente, têm de resolver este problema do medo. Mas, infelizmente, seus pais temem o que vocês poderão fazer se não se casarem, ou se não conseguirem um emprego. Eles temem que vocês se desencaminhem na vida ou o que os outros digam, e, por causa desse medo, eles querem levá-los a fazer determinadas coisas. O medo deles está revestido do que chamam amor. Eles querem cuidar de vocês, portanto vocês precisam fazer fazer isto ou aquilo. Mas se vocês forem além da parede da chamada afeição ou consideração deles, verificarão que há medo gerado pela segurança de vocês, por sua respeitabilidade; e vocês também têm medo, porque têm dependido dos outros por muito tempo. 

Eis porque é muito importante que vocês, desde cedo, comecem a contestar e a derrubar essas sensações de medo, de modo a não serem isolados por elas e a não se fecharem em ideias, tradições e hábitos, para que sejam seres humanos livres, dotados de vitalidade criativa.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

É preciso transcender os estreitos limites da tradição

Pergunta: Você diz que seguir a tradição invariavelmente gera mediocridade. Mas sem nenhuma tradição, não nos sentiremos desorientados?

Krishnamurti: O que você entende por "tradição"? A transmissão, de pais para filhos, por escrito ou oralmente, de uma crença, um costume, de experiência, conhecimento científico, musical, artístico, religioso, ou moral. Por certo, é isso que entendemos por "tradição". E, quando,  de forma vã, estou repetindo as tradições que me foram transmitidas, essa repetição torna minha mente embotada, medíocre. O conhecimento é necessário para o exercício de certas profissões. Para construir uma ponte, dividir o átomo, operar um motor, produzir as muitas coisas que nos são necessárias na vida moderna, é imprescindível o conhecimento; mas o conhecimento se torna tradicional, a mente deixa de criar e fica funcionando, apenas, de maneira mecânica. Há máquinas que calculam muito mais rapidamente do que homem;e se, religiosamente ou por outras maneiras, nos limitamos a aceitar a tradição, não há dúvida que ficaremos funcionando exatamente como máquinas. A tradição nos oferece uma certa segurança, na sociedade, e temos medo de sair dessa trilha. Temos medo do que os vizinhos digam de nós; temos uma filha para casar e, portanto, precisamos ter cuidado. Nossa mente, como é fácil observar, funciona de maneira tradicional e por essa razão nos tornamos medíocres e perpetuamos os nossos sofrimentos. 

Verbalmente, reconhecemos esse fato, mas interiormente e em nossa ação, não o reconhecemos, porque todos desejamos segurança. E a segurança é uma coisa muito estranha. No momento em que a buscamos, criamos invariavelmente circunstâncias e valores produtores de insegurança — como se vê acontecer no mundo, hoje em dia. Todos estamos em busca de segurança, em todos os sentidos — segurança econômica, social, nacional — e no entanto esse próprio desejo de segurança está produzindo mais caos e aumentando a insegurança. 

A mente, pois, funciona dentro da rotina da tradição, porque aí espera encontrar segurança; e uma mente em segurança não é livre para descobrir. Não se pode repudiar a tradição, mas se se compreender o seu processo total, as suas consequências psicológicas, veremos que a segurança já não terá significação nenhuma e não será mais necessário "repudiá-la", porque ela cai por si mesma, qual uma folha seca.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Não pode haver investigação sem liberdade

O que é que está lhe fazendo escutar, senhor? O que lhe faz ouvir a alguém que diz coisas completamente contrárias a tudo que você acredita e a tudo o que lhe é claro? É sua personalidade, sua fama, a propaganda espalhafatosa, o barulho que se faz ao redor dele? É isso que lhe faz escutar? Se é, então a sua escuta tem pouquíssima significação. O que é, pois, que está lhe fazendo escutar? Talvez seja o fato de você se ver em presença de algo que acontece ser verdadeiro, e apesar de você se achar preso, não pode deixar de escutá-lo; todavia, você retornará ao seu estado condicionado. É isso o que está lhe fazendo escutar? Ou você está realmente escutando? Entende? Você está escutando realmente, ou acontece que você já se acostumou a ficar sentado e quieto, quando alguém fala, porque gosta de ser prelecionado? 

Estas não são perguntas vãs. Eu estou realmente procurando averiguar por que razão, quando se diz uma coisa verdadeira, não há reação imediata. Esta é a verdadeira pergunta que estou fazendo. Você diz, ou eu digo, que não pode haver investigação sem liberdade, oque, evidentemente, é verdadeiro; é um fato, não importa quem seja a pessoa que o enuncia. Ora, por que razão esse fato não produz uma reação imediata, incisiva? Ou têm esse fato uma certa ação misteriosa, peculiar, que não pode exteriorizar-se imediatamente? Alguém expressou o fato de que, para a investigação, é necessária a liberdade, não se pode estar amarrado — e você escutou esse fato. Ainda que o tenha escutado parcialmente, apenas, o fato lançou raízes na sua mente, porque tem uma certa vitalidade; a semente brotará, não dentro de um certo período, mas brotará, e talvez por isso seja importante prestar ouvidos aos fatos, não importa se voluntariamente, conscientemente, ou apenas distraidamente. Mas tal é, justamente, o caráter da propaganda. Repete-se constantemente: "Compre tal sabonete"... e você acaba comprando. É isto o que está acontecendo aqui? Se você ouve repetir constantemente um certo fato e dentro de certo tempo começa a proceder de acordo com o fato, esse procedimento é completamente diferente da ação própria do fato. 

Senhor, é hora de parar. Não lhe pedirei para refletir sobre estas coisas, porque apenas refletir sobre elas é sem significação; mas se deseja realmente investigar a fundo este problema do buscar e o que significa "ser sério", neste caso a mente terá de descobrir a maneira de investigar, e descobrir o que é investigação. Qualquer suposição, qualquer conclusão, qualquer apego ao conhecimento ou à experiência, é um empecilho à investigação. Enquanto a mente está presa a uma certa conclusão, toda investigação representa uma luta desmedida, um processo de esforço, atrito, ruptura. Mas se a mente percebe que só pode haver investigação quando há liberdade, tem então a investigação um significado de todo diferente. Se se percebe isso claramente, nunca mais se será escravo de nenhum guru, nenhuma fórmula, nenhuma crença. Então você e eu podemos combinar as nossas investigações e, como resultado disso, cooperar, agir, viver. Mas enquanto a nossa mente estiver presa, terá de haver "seu caminho" e "meu caminho", "sua opinião" e "minha opinião", "sua senda" e "minha senda", e todas as demais divisões e subdivisões que se põem entre um homem e outro homem. 

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

Qual o meio para nos livrarmos do apego as nossas crenças e conclusões?

Senhor, a liberdade não está implícita na investigação? Eis porque a liberdade está no começo, e não no fim. Quando você diz: "Preciso me submeter a todas estas disciplinas, a fim de me tornar livre", isto é o mesmo que dizer: "Conhecerei o estado de sobriedade, depois de me embebedar". Certo, a investigação só é possível em liberdade. A liberdade, portanto, deve estar no começo, e enquanto ela não existir, embora o que você fizer possa ser, social e convencionalmente, uma coisa satisfatória, essa coisa é destituída de significação. Terá um certo valor para as pessoas que desejarem sentir-se em segurança, mas não tem o valor do descobrimento. Ainda que tais pessoas se levantem muito cedo para submeter-se a todos os rigores da disciplina, eu digo que estas pessoas NÃO SÃO SÉRIAS. A seriedade está no percebimento de que a mente está amarrada a uma experiência, uma crença, e no libertar-se dessa experiência ou crença — COISA QUE VOCÊ NÃO DESEJA FAZER. Não é importante, pois, investigar isso? Do contrário, você virá aqui diariamente, todos os anos, e ficará apenas ESCUTANDO PALAVRAS, que terão muito pouca significação. 

(...) Senhor, como se pode investigar com a mente presa? Isto é um simples enunciado de razão comum, senso comum. Se o seu guru diz: "este é o caminho", e você fica preso a isso, como PODE OLHAR MAIS LONGE? Você procura o guru com o fim de investigar — e se deixa prender pelas suas palavras, hipnotizar pela sua personalidade, e acaba enredado nas coisas que ele preconiza. Seu impulso primitivo é investigar, mas esse impulso está baseado no desejo de encontrar uma esperança ou satisfação, ou seja o que for. Por isso, digo que, para investigar é necessário, em primeiro lugar, de liberdade. Estou mudando a direção do seu processo de pensar, que é EVIDENTEMENTE FALSO, ainda que os livros sagrados digam o contrário.

Interpelante: O que vem depois da investigação?

Aí está uma pergunta puramente intelectual, se me permite dizê-lo. Você não está vendo? Deseja saber o que acontecerá "depois", e isso é de ordem teórica. A mente se apraz em fabricar palavras, especular. Eu respondo: você o descobrirá. — É o mesmo que um prisioneiro perguntar: "Como será, depois que eu sair da prisão?" Para saber, ele terá de deixar a prisão.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Só pela seriedade é possível o conhecimento da natureza real que somos

Parece-me que o que se faz necessário é uma revolução total na consciência. E não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados a crenças, idéias e conceitos. Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishad e demais livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação moral, porém, nunca a enfrentar realidades. O que nos cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão e conflito, e tratar de compreende-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada, para começar. Não há outra solução. Temos de enfrentar-nos assim como somos e não como deveríamos ser segundo um certo padrão ou ideal. Temos de ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação radical.
Dirão vocês: "Que feito ou valor pode ter uma transformação individual? Como poderá isso alterar o curso da existência humana? Que pode um só indivíduo fazer?" — Esta me parece uma pergunta errônea, porque não existe tal coisa — consciência individual; só há consciência, da qual somos uma parte. Um indivíduo pode segregar-se, cercar-se dentro de um determinado espaço chamado "eu". Mas esse Eu está relacionado com o todo, esse Eu, não é separado. E, com a transformação dessa seção especial, dessa determinada parte, podemos influir na totalidade da consciência. Considero muito importante compreender que não estamos falando de salvação individual ou reforma individual, porém, sim, da necessidade de estarmos conscientes da parte em relação com o todo. Desse percebimento nascerá uma ação que atingirá o todo. (...) Devemos descobrir, sem dúvida, uma fonte diferente, uma diferente maneira de vida que não esteja em contradição com o nosso viver de cada dia, e ao mesmo tempo, promover uma profunda compreensão religiosa da vida.
Para mim, o importante não é apenas a imediata "resposta" aos diferentes "desafios" — resposta que deve ser adequada — mas também resposta que seja produto de uma vida profundamente religiosa. Entendo por "vida religiosa", não uma vida ritualista, de ajustamento a determinado padrão, porém, a vida religiosa resultante da compreensão. Porque, sem o conhecimento de nós mesmos — o que realmente somos — por mais desonestos, falsos, astutos, hipócritas e ignóbeis que sejamos, não temos base para nenhuma ação ou pensamento religioso.
(...) Se não há autoconhecimento, se não há compreensão do Eu — não do "Eu superior", do Eu com "E" maiúsculo — porém do "eu" ordinário, do homem que frequenta diariamente o escritório, que é apaixonado, irascível, violento, cruel, hipócrita, acomodado — se não há essa compreensão total, completa, de todo nosso ser, nesse caso, toda ação, todo pensamento, toda idéia, só conduzirá a mais confusão e mais angústia.
E parece-me que temos em mãos uma imensa tarefa, tarefa que exige seriedade. Por esta palavra, entendo a capacidade de prosseguir até o fim na busca da Verdade ou numa pesquisa qualquer. Por não sermos verdadeiramente sérios, somos muito superficiais, fáceis de distrair e de satisfazer. Mas, para investigar profundamente em si próprio, o indivíduo tem de ser sério em extremo, e conservar-se nesse estado de seriedade. E isso requer energia; ninguém pode ser sério se não tem energia. Não deve essa energia ser esporádica, acidental, porém uma energia constante, capaz de observar um fato tal como é, e capaz de seguir esse fato até o fim — uma energia espantosa, tanto mental, como corporal.
E, para se ter energia, não deve haver conflito, já que o conflito é o principal fator de deterioração. Somos pessoas que foram educadas para viver em conflito. Toda a nossa vida é conflito, dentro e fora de nós — com o próximo, com nós mesmos, e em nossas relações. Tudo o que tocamos, tanto psicológica como ideologicamente, gera conflito. E o conflito é o maior fator de deterioração.
Ora, a meu ver, a compreensão desse conflito, compreensão não parcial porém total, é a mais importante tarefa da mente humana. Porque, só com a completa terminação do conflito podem terminar todas as ilusões; só então tem a mente a possibilidade de penetrar fundo, na investigação da Verdade, no investigar se algo existe além do tempo. E só essa mente é capaz de descobrir o que é o amor e de descobrir o estado mental criador, porque tudo o mais, em qualquer forma que seja, é pura especulação. A mente religiosa não especula; move-se, tão somente, de fato para fato. E não é possível observar o fato quando há conflito ou tensão de qualquer espécie.
Assim, creio que o nosso problema principal resulta de termos perdido completamente a religião, o espírito religioso. Vocês podem ter templos, frequentar o templo, usar vestes sagradas, cultivar todas as demais futilidades desse gênero; mas não são pessoas verdadeiramente religiosas. E o problema do mundo não pode ser resolvido em nenhum outro nível, exceto o religioso.
A vida verdadeiramente religiosa é aquela que vivemos na compreensão do conflito e libertados do conflito.
Nosso principal interesse, por conseguinte, é este: a compreensão do conflito interior e exterior. Esses dois ("interior" e "exterior") não são coisas separadas. O mundo não está separado de vocês e de mim; vocês são o mundo e o mundo é vocês. Isto não é uma teoria; se observarem bem, verão que é um fato real. Vocês estão condicionados pela sociedade em que vivem... Vocês são considerados como um indivíduo nascido neste país, educado de acordo com uma certa tradição, crendo ou não crendo em Deus. Vocês são moldados pela sociedade, pelas circunstâncias. Suas crenças, suas conduta, suas maneira de pensar, tudo é resultado do condicionamento de vocês pela sociedade em que vivem. Este é um fato óbvio, irrefutável. Mas, separamos o mundo como uma coisa diferente de nós, porque o mundo é forte demais, com todas as suas pressões, tensões e conflitos, com suas inumeráveis exigências e as condições da existência. E dele nos retraímos para dentro de nós mesmos, refugiando-nos em nossas crenças, nossas esperanças, temores, conceitos especulativos. Por isso há separação entre nós e o mundo. Mas, se observarem, verão que o mundo não difere de nós — é como a maré, que flui e reflui. Se não compreenderem o mundo exterior, não compreenderam o interior. E, para compreende-lo, devem observá-lo — não de um dado ponto de vista, porém, da mesma maneira como um cientista observa. O cientista só observa em seu laboratório, mas nós, entes humanos, devemos observar o mundo de cada dia, em nossas relações, em nossas atividades. E, como disse, para compreendermos toda esta existência complexa, tormentosa, desesperante — existência sem amor e sem beleza — temos de compreender o conflito.
Surge o conflito, decerto, quando há contradição — contradição de diferentes desejos, diferentes exigências, tanto consciente como inconscientes. Mas, em geral, estamos conscientes desses conflitos. E, se estamos conscientes, não temos solução para eles; por isso, tratamos de distanciar-nos deles, buscando refúgio na religião, no trabalho social ou em entretenimentos vários, tais como ir ao templo, ir ao cinema, ou beber. E só há possibilidade de se resolverem os conflitos, quando a mente é capaz de compreender a si própria.
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill