A questão é a seguinte: O que é essa experiência? Ou melhor, já que uma
experiência só pode ser realmente conhecida por uma pessoa que por ela tenha
passado, podemos perguntar: Qual é a natureza dessa experiência? E, tentando
indicar uma resposta de algum tipo para essa pergunta, acho que isso é
extremamente difícil, pela simples razão já mencionada, ou seja, porque é
difícil ou mesmo impossível que uma pessoa preste um testemunho verdadeiro e
confiável sobre uma experiência que ocorreu a outrem.
Se eu pudesse usar as palavras exatas do mestre, sem nenhuma influência
derivada seja de mim mesmo, seja da interpretação de um amigo, as coisas
poderiam ser diferentes. Mas eu não pretendo fazer isso. Ainda que eu pudesse
fazê-lo, a forma científica do velho mundo, na qual seus pensamentos se
manifestaram, provavelmente seria como um obstáculo e fonte de confusão, em
lugar de ser uma ajuda para o leitor. Na verdade, no caso dos livros sagrados,
onde encontramos grande quantidade de informação acessível e autorizada, os
críticos do Ocidente, embora em sua maioria concordem em que aí jazem
experiências reais, não chegam a uma conclusão única sobre o significado
dessas experiências.
Por essas razões, prefiro não tentar ou pretender dar o ensinamento
exato, sem preconceitos, sobre os Gurus hindus e suas experiências, mas apenas
indicar, com minhas próprias palavras, tanto quanto possível, e empregando
minha forma de pensamento moderna, o que considerei ser a direção na qual
devemos olhar para esse mundo de conhecimentos antigos, que influenciaram de
forma notável e estupenda o Oriente, e que ainda hoje é a sua principal
característica que o diferencia do mundo ocidental.
Em primeiro lugar, quero prevenir-me contra um erro extremamente fácil
de se cometer. É fácil concluir, e muitas vezes assim ocorreu, em todos os
casos em que se atribui a uma pessoa a possessão de uma faculdade fora do
comum, que essa pessoa subiu de nossa esfera à região sobrenatural e possui,
portanto, todas as faculdades próprias dessa região. Por exemplo, se ele ou ela
são considerados possuidores da clarividência, supõe-se que conheçam ou devam
conhecer todas as coisas. Caso uma pessoa tenha demonstrado o que parece ser um
poder milagroso, em qualquer circunstância ou tempo, pergunta-se, até mesmo de
forma depreciativa, por que ele ou ela não demonstraram tal poder em outras
ocasiões e em outros casos.
Devemos precatar-nos contra todas essas generalizações banais. Se existe
uma forma de consciência mais elevada, que pode ser obtida pelo homem, acima
daquela atualmente por ele possuída, é provável, embora não certo, que ela se esteja desenvolvendo lentamente e com inúmeras
pausas em seu caminho. No passado remoto do homem e dos animais, a
consciência da sensação e a consciência do eu desenvolveram-se sucessivamente,
cada uma delas dando origem a inúmeros ramos que se espalharam continuamente.
Em algum momento da vasta experiência desse novo crescimento, uma nova forma de
consciência deve ter parecido milagrosa, comparada à anterior. Imaginemos a
maravilha que deve ter sido a revelação primeira do sentido da visão e como
deveria ser inconcebível para aqueles que ainda não o possuíam, embora
certamente os primeiros empregos dessa faculdade devam ter sido carregados de
desilusão e erro. E pode ser que haja uma visão interior, que transcende a
vista, tanto quanto a vista transcende o tato. É mais do que provável que nos
ocultos nascimentos do tempo espreite uma consciência que não é aquela dos
sentidos ou a do eu, ou que, pelo menos, inclui e ultrapassa totalmente a essas
duas; uma consciência na qual o contraste entre o eu e o mundo exterior, a
distinção entre sujeito e objeto desaparecerá. Aquela porção do mundo onde
somos admitidos através dessa consciência (chame-o de sobrenatural ou como
quer que queira), provavelmente é, pelo menos, tão vasta e complexa como a
parte que já conhecemos e o progresso nessa região deve ser pelo menos tão
lento, trabalhoso, fundado em tentativas várias, descontínuo e incerto, como
na já conhecida. Não há um súbito ascender do corredor
ao Olimpo e os caminhos que levam de um ao outro, quando os encontramos, são
longos e se confundem em sua variedade.
Não devemos supor que aquelas pessoas que atingiram uma porção dessa
região sejam semideuses ou infalíveis. Na realidade, em muitos casos, a extrema
novidade e estranheza da experiência dão origem a sequências fantasmagóricas de
especulação ilusória. A essas pessoas deveríamos considerá-las como os tipos
mais elevados da humanidade, sendo aquelas que adquiriram algumas novas
faculdades que já estão no ar, embora nem sempre assim ocorra, e há casos, que
podem ser facilmente reconhecidos, nos quais pessoas decididamente deficientes
ou de baixa natureza moral adquirem poderes que deveriam pertencer aos graus
mais elevados da evolução, e que, em função disso, tornam-se extremamente
perigosas.
Os mestres hindus insistem sobre tudo isso. Eles dizem — e eu acho que
isso exprime a realidade da sua experiência — que nada existe de anormal ou
milagroso sobre o assunto. Afirmam que a aquisição das
faculdades é, em resumo, o resultado de uma longa evolução e treinamento e que
há distintas leis que as dirigem e uma ordem que prevalece entre elas.
Reconhecem a existência de pessoas com um poder demoníaco, que adquiriram
certos poderes sem que a eles corresponda uma determinada evolução moral. Admitem que as fases mais elevadas de consciência são raras
e que até hoje poucos foram os que as atingiram. Tendo estabelecido,
pois, esses poucos princípios, penso que podemos prosseguir, dizendo que o que
os Gnani
procuram e obtêm é uma nova ordem de consciência,
à qual podemos chamar pelo nome universal de Consciência Cósmica, em oposição à consciência corpórea especial e individual que
nos é familiar. Não posso afirmar que na filosofia hindu seja usada a precisa
correspondência a essa expressão "consciência universal". Entretanto,
o Sat-chit-ánanda-Brahm,
meta de todos os iogas, indica essa mesma ideia. "Sat" significa a realidade;
"chit", o conhecimento, a percepção; "ánanda",
a bênção;
a unidade de todos é a manifestação do Brahma.
O Ocidente procura pela consciência individual, pela mente enriquecida,
por percepções instantâneas e por memórias, pelas esperanças e medos
individuais, ambição, amores, conquistas; pelo eu, o eu localizado em todas as
suas fases e formas e sequer desconfia que exista uma consciência universal. O Oriente busca a consciência universal e nos
casos em que essa busca é satisfeita, o eu individual e a vida transformam-se
em um mero filme e são apenas sombras, veladas pela glória que lhes é revelada
do outro lado.
A consciência individual assume a forma do Pensamento, que é fluido e
móvel, em estado permanente de mudança, em luta constante com o sofrimento e os
esforços. A outra Consciência não se manifesta sob a forma de pensamento. Ela
toca, ouve, vê e é aquilo que percebe, sem movimento, sem mudanças, sem
esforços, sem distinção entre sujeito e objeto, mas com uma Felicidade profunda
e indescritível.
A consciência individual está estreitamente ligada ao corpo. De certa
forma, os órgãos do corpo são os seus órgãos. Mas o corpo inteiro é como um só
órgão da Consciência Cósmica. Para chegar a essa última, devemos ter o poder de nos conhecer como ente separado do
corpo, entrar, de fato, em um estado de êxtase. Sem isso, a Consciência Cósmica
não pode manifestar-se.
Diz-se que há quatro principais experiências na iniciação: (1) o encontro com um Guru; (2) a consciência da Graça, ou Arul, que pode ser interpretada
como a consciência de uma mudança, até mesmo fisiológica, trabalhando dentro do
indivíduo; (3) a visão de Shiva (Deus), com a qual o conhecimento do próprio
eu, como distinto do corpo, está intimamente relacionado; (4) o encontro com o
universo interior. Também se diz que "o sábio, quando seus pensamentos se
tornam fixos, percebe dentro de si mesmo a consciência Absoluta, que é Sarva Sakshi,
Juiz de todas as coisas".
Entre os eruditos, houve grandes disputas quanto ao significado da
palavra Nirvana, para saber se ela indicava um estado de não consciência ou um
estado de consciência profundo, total. É provável que ambas as opiniões tenham
fortes justificativas, pois esse é um assunto que não admite definição em
termos da linguagem comum. O que é importante ver e
admitir é que sob esse e outros termos similares existe realmente um fato
concreto e reconhecível, ou seja, um estado de consciência, que já foi
experimentado inúmeras vezes e que, para os que por ele passaram, ainda que em
leve grau, pareceu superior a toda uma vida de devoção. É claro que é fácil representar a coisa por
uma simples palavra, uma teoria, uma especulação do hindu sonhador. Mas as pessoas não sacrificam suas vidas por palavras
vazias, nem transformam o destino de continentes com uma simples regra
filosófica abstrata. Não, a palavra representa uma realidade, algo
básico e inerente à natureza humana. Não se trata, em realidade, de definir o
fato, pois não podemos fazê-lo, mas de atingi-lo e passar pela experiência.
Nesse ponto, é interessante observar que a moderna ciência ocidental, que até
aqui se ocupou, sem grandes resultados, com teorias mecânicas sobre o
universo, começa a aproximar-se dessa ideia de existência de outra forma de
consciência. O extraordinário fenômeno do hipnotismo, que sem dúvida alguma até
certo ponto se relaciona com o assunto que estamos discutindo, e que há séculos
foi reconhecido no Oriente, está obrigando os cientistas ocidentais a aceitarem
a existência da chamada segunda consciência do corpo.
Os fenômenos realmente parecem inexplicáveis sem a aceitação de alguma espécie
de segunda agência e a cada dia torna-se mais difícil não usar a palavra
consciência para descrevê-la. Quero deixar claro que em nenhum instante estou
admitindo que essa consciência secundária dos hipnotistas seja em todos os
aspectos idêntica à Consciência Cósmica dos ocultistas orientais. Pode ser que
sim, pode ser que não. As duas espécies de consciência podem cobrir o mesmo
campo ou podem apenas prolongar-se até certa extensão. Eis uma questão que não
ponho em discussão. O ponto sobre o qual desejo chamar a atenção é que a
ciência ocidental está analisando a possibilidade da existência, no homem, de
um outro tipo de consciência, além dessa que nos é
familiar. A. Moll cita o caso
de Barkworth, que "pode ordenar
extensas séries de figuras, enquanto discute vivamente outros assuntos, sem
permitir que sua atenção seja totalmente desviada pela discussão", e nos
pergunta como Barkworth poderia fazer
isso, sem a presença de uma segunda consciência, que se ocupe das figuras
enquanto a primeira está envolvida com a argumentação. F. Myers é um leitor que permite que sua mente, por um minuto
completo, abandone inteiramente o assunto do livro que lê e se imagine sentado
ao lado de um amigo, conversando com ele. Subitamente, ele desperta e vê que
continua à mesa, lendo com perfeita coerência. O que podemos dizer em um caso
assim? Citamos, também, o caso de um pianista que interpreta uma peça de
memória e verifica que seu recital está sendo de fato perturbado por consentir
que sua mente (sua consciência primária) se desvie do que ele está fazendo.
Algumas vezes já foi dito que a verdadeira perfeição da interpretação musical
demonstra ser ela mecânica ou inconsciente, mas podemos considerar justa essa
afirmação? Não seria uma simples contradição o falar em termos de leitura
inconsciente ou ordenamento inconsciente de séries de figuras?
Muitas das ações e processos do corpo, como, por exemplo, o ato de
tragar, são efetuados por diferentes consciências pessoais; pela mesma razão, muitas outras ações e processos passam quase que
despercebidos e parece razoável supor que esses últimos eram exclusivamente mecânicos e prescindiam de qualquer operação mental. Mas, no Ocidente, as
últimas descobertas sobre a hipnose demonstraram algo que já era bem conhecido
pelos faquires hindus — que sob certas condições podemos tornar-nos conscientes
das ações e processos interiores de nosso corpo. Além disso, podemos, também,
ter consciência de acontecimentos que estão ocorrendo a distância de nosso
corpo e sem empregar os meios de comunicação comuns.
Daí a ideia de uma outra consciência, em alguns
aspectos de escala mais ampla que a consciência comum, possuindo seus
próprios métodos de percepção. Essa ideia tem ganho espaço na mente ocidental.
Há outra ideia, que a ciência moderna nos vem apresentando e que nos
chega através do mesmo conceito: a ideia da quarta dimensão. Muitas coisas
tornam-se concebíveis, se aceitarmos que o mundo tem na realidade quatro
dimensões de espaço, em lugar de apenas três. Torna-se possível conceber que
objetos aparentemente separados, como, por exemplo, diferentes pessoas, na
realidade estão fisicamente unidos; que coisas aparentemente separadas por
enormes distâncias de espaço, na realidade estão praticamente juntas; que uma
pessoa ou qualquer outro objeto pode entrar e sair de um quarto fechado, sem
encontrar obstáculos nas paredes, portas, janelas etc.; e caso essa quarta
dimensão deva converter-se em fator de nossa consciência, é evidente que
deveríamos ter meios de conhecimento que para os sentidos comuns pareceriam
milagrosos. Muitos fatos sugerem que a consciência alcançada pelos gnanis
hindus, em seu grau, e pelos sujeitos hipnotizados, no deles, pertence a essa
quarta dimensão.
A Consciência Cósmica estaria relacionada à consciência comum, assim
como o sólido está relacionado à sua superfície. As fases da consciência
pessoal são apenas fatos diferentes da outra consciência. E experiências que,
no indivíduo, parecem distantes umas das outras, talvez na consciência
universal estejam igualmente próximas. O próprio espaço, como o conhecemos,
pode ser praticamente aniquilado pela consciência de um espaço maior, do qual
ele não é senão a superfície. Assim, também, uma pessoa que viva em Londres
pode de repente descobrir que sua porta dos fundos se abre simplesmente e sem
cerimônias em Bombaim.
"A verdadeira qualidade da alma", disse o Guru, um dia,
"é a do espaço, pelo qual de resto ela está em toda parte. Mas esse espaço
(Akasa) dentro da alma está muito acima do espaço material. Ele inclui todos os
sóis e estrelas, aparecendo como se fosse um átomo do primeiro", e aqui
ele levantava seus dedos, como se detivesse um pouco de pó entre eles.(*1)
(*1) Cf. com Whltman:
"Deslumbrante e tremendo, como o nascer do sol me mataria rapidamente, se
eu não pudesse, agora e sempre, expulsar de mim o nascer do sol. Também nós nos
levantamos deslumbrantes e tremendos como o sol".
"Pelo qual está em toda parte". "Indiferença",
"Igualdade". Eis um dos mais importantes pontos do ensinamento do
Guru. Pois (por razões familiares), embora mantendo muitos dos regulamentos de
casta ele próprio, e embora ensinando isso à massa do povo, ou seja, que as
regras de casta eram necessárias, nunca se cansava de afirmar que quando
chegasse o tempo de o homem e a mulher se emanciparem, todas essas regras
deveriam ser abandonadas, como se não tivessem importância: todas as distinções
de castas, classes, todos os sentimentos de superioridade ou de bem-estar
próprio, até mesmo de certo e errado, e deveria prevalecer o mais absoluto
sentimento de igualdade para com todas as pessoas e determinação em sua manifestação.
Foi certamente notável (embora eu soubesse que os livros sagrados o continham)
encontrar esse princípio da Democracia Ocidental tão vividamente ativo e
operando sob os inumeráveis costumes da vida social oriental. Mas, assim é e
nada pode demonstrar melhor a relação existente entre Oriente e Ocidente.
Esse sentimento de igualdade, de liberdade dos regulamentos e confinamentos,
de ausência de exclusividade, e da vida "que está em toda parte"
pertence, evidentemente, mais à parte Cósmica ou universal do homem do que à
sua parte individual. Para essa, esse sentimento é
sempre um obstáculo e uma ofensa. É fácil demonstrar que os homens não
são iguais, que não podem ser livres, e assinalar o absurdo de uma vida que
seja indiferente a todas essas condições. Entretanto, para a consciência maior,
estes são fatos básicos, que jazem na raiz de toda a vida comum da humanidade e
alimentam o verdadeiro indivíduo que os nega.
Repetindo, pois, a nossa afirmação, de que usando tais termos, como
Consciência Cósmica e Universal, não queremos dizer que no instante em que o
homem abandona sua parte pessoal imediatamente surge o conhecimento universal
e ilimitado, mas apenas que aparece uma ordem mais
elevada de percepção, e admitindo a complexidade da região assim por nós
denominada, e o caráter absolutamente microscópico de nosso conhecimento sobre
ela, podemos dizer, uma vez mais, também como generalização, que o Oriente tem
buscado a consciência universal e que o ocidente investiga a consciência
pessoal ou individual. Como sabemos bem, o Oriente tem várias seitas e escolas
filosóficas, com sutis discriminações de qualidades, essências, deuses,
demônios etc., que não pretendo abordar e onde me sentiria bastante
incompetente. Deixando tudo isso de lado, conservarei apenas dois termos
ocidentais e tentarei analisar a questão mais a fundo, chegando aos métodos
utilizados pelos estudantes do Oriente para obter a Consciência Cósmica ou essa
ordem mais elevada de consciência que lhe é característica.
Edward Carpenter – Do Pomo-de-Adão
à Elefanta