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sábado, 31 de janeiro de 2015

Faça as pazes com seu inimigo

Não tente parar a mente. Ela faz parte de você — será loucura tentar pará-la. É como uma árvore tentando impedir que suas folhas cresçam: as folhas fazem parte de sua natureza. 

A primeira coisa a fazer é não tentar interromper seus pensamentos. Em segundo lugar, é preciso divertir-se com a mente, apreciá-la e dar-lhe as boas-vindas. Ao fazer isso, você começará a se tornar mais alerta e mais perceptivo da existência e do funcionamento da mente. 

Mas essa consciência precisa se dar de forma natural. Quando você tenta ficar mais alerta, a mente o distrai e você acaba ficando irritado, pois tem a impressão de que se trata de uma mente desagradável, que está constantemente tagarelando, quando o que você quer é permanecer em silêncio. 

O risco é você começar a encarar a mente como um inimigo. Isso não é bom, pois significa que você está dividido. Se você e sua mente ficarem em lados opostos do ringue, conflitos e atritos começarão a surgir. Todo enfrentamento é de certa forma um suicídio, porque significa energia sendo desperdiçada. Como não temos tanta energia sobrando para que possamos esbanjá-la lutando contra nós mesmos, é mais inteligente que ela seja usada para alegria. 

Comece se divertindo com a maneira pela qual o pensamento é processado. Note as nuances dos pensamentos, as voltas que eles fazem e como uma coisa leva a outra. É realmente um milagre a ser apreciado. Um pensamento mínimo pode levá-lo ao extremo mais distante e, se você olhar atentamente, não perceberá conexão alguma. 

Divirta-se com esse processo aleatório. Deixe o jogo rolar e jogue-o sem hesitação — você se surpreenderá com a insuspeita beleza da ausência de ação e de pensamento. De repente, você perceberá que um cão está latindo, mas sua mente continua em silêncio. Nenhuma corrente de pensamentos se inicia. Pequenas pausas surgirão... mas elas não devem ser criadas por você. É importante que elas surjam espontaneamente e, quando surgirem, serão belas. Esses pequenos intervalos permitem que você observe o observador. Mais uma vez os pensamentos surgirão e você se sentirá bem. Vá com calma, sem pressa. A consciência chegará a você naturalmente. 

Observar, apreciar e acompanhar o ritmo dos pensamentos é tão belo como apreciar o mar revolto. Pena que as pessoas não desfrutem as ondas em sua própria consciência com o mesmo prazer que observam as ondas do mar. 

OSHO

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Viemos a comprovar o poder da observação sem escolhas

Não é possível parar o pensamento — não que ele não pare, só não é possível fazê-lo parar. Ele pára espontaneamente. É preciso entender essa diferença; do contrário você vai ficar maluco tentando perseguir a sua mente. 

A não-mente não surge quando você pára de pensar. Quando não existe mais o pensar, existe a não-mente. O próprio esforço para parar de pensar criará mais ansiedade, criará mais conflito, fará com que você fique dividido. Você viverá em constante tumulto interior. E isso não ajudará em nada. 

E, mesmo que você consiga forçá-lo a parar por alguns instantes, isso não será nenhuma conquista — pois esses instantes ficarão quase mortos, não estarão vivos. Você pode até sentir certa tranquilidade... mas não silêncio. Pois a tranquilidade forçada não é silêncio. Lá no fundo, nas profundezas do inconsciente, a mente reprimida continua em atividade. 

Portanto, não existe um meio de parar a mente. Mas a mente pára — isso é certo. Ela pára por livre e espontânea vontade. 

Então, o que fazer? — a pergunta é relevante. Observe. Não tente pará-la. Não é preciso fazer nada contra a mente. Para começar, quem iria fazer isso? Seria a mente brigando com ela mesma; você dividiria sua mente em duas: uma parte estaria tentando ser a chefe, a manda-chuva, estaria tentando matar a outra parte de si — o que é um absurdo. É um jogo idiota, pode levá-lo à loucura. Não tente deter a mente ou o pensamento. — só observe, de vazão a ele. Deixe a mente em total liberdade. Deixe-a vagar no ritmo que quiser; não tente de forma nenhuma controlá-la. Seja só uma testemunha

Ela é tão bela! A mente é um dos mecanismos mais belos que existem. A ciência ainda não foi capaz de criar nada como ela. A mente continua sendo uma obra-prima, tão complicada, com um poder tão grande, com tantas potencialidades! Observe-a! Aprecie-a! 

E não a vigie como se ela fosse um inimigo, pois, se você olhar para a mente como um inimigo, não conseguirá observá-la. Você já será preconceituoso, já estará contra ela. Já terá decidido que existe algo de errado com a mente — já terá chegado a uma conclusão. E sempre que você olha para uma pessoa como se ela fosse sua inimiga, você não olha profundamente, nunca olha dentro dos olhos; você a evita

Observar a mente significa olhar para ela com um amor profundo, com profundo respeito e reverência — ela é uma dádiva de Deus para você. Não existe nada de errado com a mente em si. Não há nada de errado com o ato de pensar. Trata-se de um lindo processo, assim como é todo processo.(...) Olhe a mente com profunda reverência. Não brigue com ela; ame-a. 

Observe as sutis nuances da mente, os volteios repentinos, os belos volteios. Os saltos e trancos, que ela dá, os jogos que continua fazendo; os sonhos que ela navega — a imaginação, a memória, as mil projeções que ela cria — observe! Ficando ali, afastado, um pouco distante, sem se envolver, paulatinamente você começa a sentir... Quanto mais atento você fica, mais profunda fica sua consciência; começa a haver lacunas, intervalos. Um pensamento vai, não vem outro, e surge uma brecha. Uma nuvem passa, outra está a caminho e surge um intervalo. 

Nesses intervalos, pela primeira vez você terá lampejos da não-mente. Você sentirá o gosto da não-mente (...) Nesses pequenos intervalos de repente o céu fica limpo e o sol brilha. De repente o mundo se enche de mistério, porque todas as barreiras vão abaixo; a tela nos seus olhos deixa de existir. Você vê com clareza, de modo penetrante. Toda existência fica transparente. 

No início, haverá apenas uns raros momentos, espaçados. Mas eles lhe proporcionarão vislumbres do que seja o samadhi. Pequenas porções de silêncio  elas virão depois irão embora, mas você saberá que está no caminho certo. Então você começa a observar novamente. Quando um pensamento cruza a sua mente, você observa; quando um intervalo, você o observa. As nuvens são bonitas; o brilho do sol também é tão belo. Agora você não faz escolhas. Agora você não tem uma mente fixa. Você não diz, "Gostaria que só houvesse intervalos". Isso é estupidez, pois, se se ficar apegado ao desejo de que só haja intervalos, você novamente terá decidido ficar contra o pensamento. E aí os intervalos desaparecerão. Eles só acontecem quando você está muito distante, afastado. Eles acontecem, não podem ser provocados. Eles acontecem, você não pode forçá-los a acontecer. São eventos espontâneos. 

Continue a observar. Deixe que os pensamentos venham e vão embora — para onde quiserem ir. Nada está errado! Não tente manipular nem dirigir nada. Deixe que os pensamentos sigam seu curso livremente. E, então, começarão a surgir intervalos cada vez maiores. Você será abençoado com pequenos satoris. Haverá ocasiões em que, por alguns minutos, não haverá pensamentos; não haverá trânsito nenhum — só um silêncio total, imperturbável. 

Quando começarem a surgir brechas maiores, começará a surgir uma nova lucidez. Você não terá somente lucidez para enxergar o mundo, você será capaz de enxergar seu mundo interior. Com os primeiros intervalos você enxergará o mundo — as árvores ficarão mais verdes do que parecem agora, você se verá cercado por uma música infinita, a música das esferas. Você subitamente estará na presença da santidade — inefável, misteriosa. Tocando você, embora você não consiga apreendê-la. Ao seu alcance e mesmo assim fora dele. Com os intervalos maiores, o mesmo acontecerá interiormente. Deus não estará apenas lá fora, de repente você ficará surpreso — ele está aqui dentro também. Ele não está apenas na coisa observada, ele está também no observador — dentro e fora. Pouco a pouco... 

Mas tampouco se apegue a isso. O apego é o alimento que faz com que a mente continue funcionando. O testemunho imparcial é o meio de detê-la sem fazer nenhum esforço. E, quando você começar a apreciar esses momentos de bem-aventurança, sua capacidade de conservá-los por períodos mais longos virá à tona. Finalmente, um dia você acaba se tornando senhor de si. A partir desse dia, quando quiser pensar, pensará; se o pensamento for necessário, você o usará. Se não for, você o deixará em repouso. Não que a mente tenha deixado de existir — ela existe, mas você tem a opção de usá-la ou não. Agora a decisão é sua, assim como a de usar as pernas; se quiser correr, você as usa; se não quiser, simplesmente fica onde está. As pernas estarão ali, à sua disposição. Da mesma forma, a mente estará ali também.

O S H O 

quinta-feira, 13 de março de 2014

Simplesmente feche seus olhos e observe os pensamento

Simplesmente feche seus olhos e observe os pensamento.
O que acontece?
Os pensamentos estão aí dentro, mas você não está.
O observador sempre está além.
O observador sempre está no alto da montanha.
Todas as coisas se movem o redor, mas o observador está além.
O observador nunca está dentro, não pode nunca ser o de dentro - ele está sempre fora.
Observar significa estar fora.
Pode chamar esse fenômeno de testemunho, de percepção, de consciência, ou seja lá do que quiser, mas o segredo é: observe!

Assim, sempre que sentir que sua cabeça está demais, sente-se sob uma árvore e observe, não tente sair.
Quem sairá? - não há ninguém dentro.
Como você pode sair?
Pode continuar tentando e tentando, e ir se envolvendo cada vez mais.
Pode até ficar louco, mas nunca sairá.
Uma vez que você sabe que num momento de vigilância está além, transcendendo - já está fora.
A partir desse momento, está sem cabeça.
A cabeça pertence ao corpo não a você.
A cabeça faz parte do corpo, pertence ao corpo, tem uma função no corpo.
Ela é bela, é boa.[...]

Uma vez que você sabe que, observando, está fora, fica acéfalo.
Anda por esta terra sem nenhuma cabeça.
Que beleza de fenômeno!
Um homem andando sem cabeça. 
É este o significado quando digo: torne-se uma nuvem branca - um fenômeno acéfalo.
Você não pode imaginar quanto silêncio pode descer ao seu encontro quando a cabeça não está presente.
Sua cabeça física estará presente, mas o envolvimento, a obsessão não estará.
A cabeça não é o problema!
Ela é bela, uma criação maravilhosa, o maior computador já inventado - algo tão complexo, um mecanismo tão eficiente.
Ela é linda.
Deve ser usada, e você pode alegrar-se em usá-la.
Mas de onde tirou a idéia de que está dentro dela?
Isto parece ser um falso ensinamento.[...] 
Qual é a realidade?
A realidade é: você está além.
[...]

Observe...
E quando observar, lembre-se de que enquanto estiver observando, não deve julgar.
Se julgar, a observação será perdida.
Enquanto observar, não avalie.
Se avaliar, a observação será perdida.
Enquanto observar, não condene.
Se condenar, perderá o ponto.

Enquanto observar, apenas observe...
seja um rio fluindo, deixe a corrente da consciência fluir, permita que os pensamentos atômicos flutuem como bolhas e fique sentado na margem observando.
O curso continuará e continuará.
Não diga isto é bom, não diga isto é mau, não diga que isto não deveria ter acontecido, não diga que aquilo deveria ter acontecido.
Não diga nada - simplesmente observe.
Não queira criticar.
Você não é um juiz - é apenas um observador.
E veja o que acontecerá.
[...]

Observando o rio, de repente, você estará além... 
E uma vez que sabe que está fora, pode permanecer fora.
Pode mover-se nesta terra sem a cabeça.
Este é o jeito de cortar a cabeça.
Todo o mundo está interessado em cortar a cabeça dos outros -
isto não auxilia em nada.
Você já fez isso demais.
Corte a sua mesma.
Seja acéfalo, e estará em profunda meditação.

O S H O

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Pode haver consciência sem observador?

Pergunta: Pode haver consciência sem observador?

Chögyam Trungpa: Sim, porque o observador é apenas paranoia. Podemos ter abertura completa, uma situação panorâmica, sem precisar discriminar entre dois lados, "eu" e "outro". 

P: Esta consciência implicaria em sentimento de felicidade completa?

Chögyam Trungpa: Creio que não, porque essa felicidade é uma experiência muito individual. Você é independente e vive a sua felicidade. Quando o observador se vai, não há avaliação da experiência em termos de prazer ou dor. Quando você tem consciência panorâmica sem a avaliação do observador, a bem-aventurança se torna irrelevante pelo simples fato de não haver ninguém que a esteja experimentando.

sábado, 28 de setembro de 2013

Quem é a entidade que vive com medo e o observa?

Será possível para a mente viver no presente, de forma completa e total? Só uma mente assim não tem medo. Mas, para compreender isso, você precisa compreender a estrutura do pensamento, das recordações, do tempo. E ao compreender isso — compreender não de modo intelectual, ou verbal, mas de verdade, com o coração, com a mente, com as entranhas — você ficará livre do medo; a mente, então, poderá usar o pensamento sem criar o medo. 

O pensamento, assim como a memória é, sem dúvida, necessário para a nossa vida diária. Ele é o único instrumento de que dispomos para a comunicação, para trabalhar no nosso emprego, e assim por diante. O pensamento é a resposta à memória, memória essa que foi acumulada através da experiência, do conhecimento, da tradição e do tempo. E é a partir dos antecedentes dessa memória que reagimos, e essa reação é o pensamento. Assim, o pensamento é essencial é essencial em certos níveis, mas quando o pensamento se projeta psicologicamente como futuro ou passado, criando tanto o medo quanto o prazer, a mente fica embotada e, como consequência inevitável, vem a inação. 

Então, pergunto a mim mesmo: "Por que, por que, por que fico pensando sobre o futuro e o passado em termos de prazer ou dor, sabendo que esses pensamentos criam o medo? Não será possível para o pensamento, parar, psicologicamente, pois, caso contrário, o medo jamais terá fim?"

Uma das funções do pensamento é a de ficar ocupado o tempo todo com alguma coisa. A maioria de nós deseja ter a mente sempre ocupada de modo que não possamos ver-nos como de fato somos. Temos medo de ser vazios. Temos medo de olhar nossos medos. 

(...) Vivemos uma vida de fragmentação e só podemos olhar esse medo através do fragmentário processo do pensamento. Todo o processo do mecanismo do pensamento é o de quebrar tudo em fragmentos: amo você, odeio você; você é meu inimigo, você é meu amigo; minhas idiossincrasias e tendências peculiares, meu trabalho, minha posição, meus prestígio, minha mulher, meu filho, o meu país e o seu país, o meu Deus e o seu Deus — tudo isso é a fragmentação do pensamento. E esse pensamento olha o estado total do medo, ou tenta olhar para ele, e o reduz a fragmentos. Portanto, vemos que a mente pode olhar para esse medo como um todo apenas quando não há nenhum movimento do pensamento. 

Você é capaz de observar o medo sem nenhuma opinião, sem nenhuma interferência do conhecimento que você acumulou acerca dele? Se não puder, isso significa que o que você observa é o passado, não o medo; se você puder, você, então, estará observando o medo pela primeira vez sem a interferência do passado. 

Você só pode observar quando a sua mente está quieta, da mesma forma como só pode ouvir o que uma pessoa diz quando a sua mente não está conversando consigo mesma, ocupada com seu diálogo interior acerca de seus próprios problemas e ansiedades. Será que você pode, dessa mesma forma, olhar o seu medo sem tentar resolvê-lo, sem fazer surgir o seu oposto, a coragem — na verdade, olhar para ele e não tentar fugir dele? Quando você diz: "Preciso controlá-lo, preciso me livrar dele, preciso compreendê-lo", você está tentando fugir dele. 

(...) Viver com algo vivo como o medo requer da mente e do coração uma extraordinária sutileza e que não tenham preconceitos, podendo assim acompanhar cada movimento do medo. Então, se você o observa e convive com ele — e isso não leva um dia inteiro, talvez baste um minuto ou um segundo para conhecer toda a natureza do medo — se você vive com isso por inteiro, será inevitável a pergunta: "Quem é a entidade que vive com medo? Quem é que observa o medo, que observa todos os movimentos das diversas formas de medo, da mesma forma como você percebe o fato central do medo? Será o observador uma entidade morta, um ente estático, que acumulou grande quantidade de sabedoria e informações acerca de si mesmo; será essa entidade quem observa e vive com o impulso do medo? O observador é o passado, ou ele será algo vivo?" Qual a sua resposta? Não responda para mim, responda para você mesmo. Será você, o observador, uma entidade morta a observar algo cheio de vida ou será você um organismo vivo a observar algo também cheio de vida? Porque no observador existem os dois estados. 

O observador é o censor que não deseja o medo; o observador é a totalidade de todas as suas experiências acerca do medo. O observador, então, é distinto daquilo que ele chama de medo; há um espaço entre eles; ele tenta sempre superar isso ou fugir disso e vem daí a permanente batalha entre ele mesmo e o medo — batalha essa que é um enorme desperdício de energia. 

Como pode ver, você aprende que o observador é um mero amontoado de ideias e recordações sem nenhuma substância ou validade, mas que o medo é uma realidade e que você tenta compreender um fato com uma abstração, o que, evidentemente, não conseguirá fazer. Mas, na verdade, será o observador que diz: "Eu tenho medo", distinto do que é observado, ou seja, do medo? O observador É o medo e, quando isso é compreendido, não há mais a dissipação de energia no esforço de ficar livre do medo, e desaparece o intervalo de tempo-espaço entre o observador e o observado. Quando você faz parte do medo, que não é separado dele — que você é o medo — não é possível, então, fazer nada a respeito; e o medo, como um todo, chega ao fim.   

Jiddu Krishnamurti — Liberte-se do Passado

sábado, 21 de setembro de 2013

Como libertar o pensador dos seus pensamentos?

Krishnamurti: Que é pensamento? Pensamento é reação a uma condição, o que significa que o pensamento é a reação da memória; e como pode a memória, que representa o passado, criar o eterno?

Auditório: Não dizemos que a memória o cria, porque a memória é uma coisa privada de lucidez.

K: Ela é inconsciente, subconsciente, surge por si mesma, involuntariamente. Estamos agora procurando averiguar o que entendemos por pensamento. Para compreenderem esta pergunta, não consultem um dicionário, consultem a si mesmos. Que entendem por pensar? Quando dizem que estão pensando, que estão realmente fazendo? Estão reagindo. Estão reagindo através da memória do passado de vocês. Ora, que é memória? É experiência, é a acumulação da experiência de ontem, quer coletiva, quer individual. A experiência de ontem é memória. Quando nos lembramos de uma experiência? Por certo, só quando ela não se completou. Tenho uma experiência, e esta experiência fica incompleta, inacabada, e deixa marca. Essa marca eu chamo memória, e a memória reage a um novo estímulo. Essa reação da memória a uma estímulo é chamada pensar.

Auditório: Mas onde fica impressa a marca?

K: No “eu”. Final de contas, o “eu”, o “meu”, é o resultado de todas as lembranças, coletivas, raciais, individuais, etc. Esse feixe de lembranças é o “eu”, e esse “eu”, com sua memória, reage. Essa reação é chamada pensamento.

Auditório: Por que essas lembranças se reúnem em feixe?

K: Através da identificação. Reúno todas as coisas numa bolsa, consciente ou inconscientemente.

Auditório: Há então uma bolsa separada da memória.

K: A memória é a bolsa.

Auditório: Por que as lembranças se mantêm coesas?

K: Porque são incompletas?

Auditório: Mas as lembranças não têm existência, permanecem em estado de inércia, a não ser que exista alguém que as suscite.

K: Em outras palavras, aquele que se lembra é diferente da memória? Aquele que se lembra e a memória são duas faces da mesma moeda. Sem a memória não existe o que se lembra, e sem o que se lembra não existe memória.

Auditório: Porque persistimos em separar o percepiente da percepção, o que se lembra da memória? Não está aí a raiz da nossa dificuldade?

K: Nós o separamos, porque o que se lembra, o experimentador, o pensador, se torna permanente pela separação. As lembranças são obviamente transitórias; por isso o que se lembra, o experimentador, a mente se separa, porque deseja permanência. A mente que faz esforço, que luta, que escolhe, que é disciplinada, não pode evidentemente encontrar o real; porque, como dissemos, por esse mesmo esforço ela se projeta e sustenta o pensador. Pois bem, como libertar o pensador dos seus pensamentos? É isso o que estamos discutindo. Porque, o que quer que ele pense, tem de ser resultado do passado e, por conseguinte, ele cria deus, cria a verdade, com a memória, e isso, evidentemente, não é o real. Em outras palavras, a mente se move sem cessar do conhecido para o conhecido. Quando a memória funciona, a mente só pode mover-se dentro do campo do conhecido; e, movendo-se dentro do campo do conhecido, nunca poderá conhecer o desconhecido. Nosso problema, portanto, é de como libertar a mente do conhecido. Todo esforço para nos libertarmos do conhecido é prejudicial, porque o esforço vem do conhecido. Todo esforço, portanto, deve cessar. Já tentaram permanecer sem esforço? Se compreendo que todo esforço é fútil, que todo esforço constitui uma projeção adicional da mente, do “eu”, do pensador, se percebo a verdade disso, que acontece? Se percebo muito distintamente, numa garrafa, o rótulo “veneno”, não toco nela. Não há esforço algum para não sermos atraídos por ela. Identicamente — e aí está a maior dificuldade — se compreendo que todo esforço de minha parte é prejudicial, se percebo a verdade disso, fico livre do esforço. Qualquer esforço de nossa parte é prejudicial, mas não temos certeza disso, porque queremos um resultado, porque visamos uma realização — e essa é a nossa dificuldade. Por esta razão ficamos a lutar, a lutar, a lutar. Mas Deus, a verdade, não é um resultado, uma recompensa, um fim. Ele deve vir a nós, por certo, pois não podemos ir a ele. Se fazemos um esforço por alcança-lo, isso significa que buscamos um resultado, uma consecução. Mas, para que venha a verdade, precisa um homem estar passivamente consciente. O percebimento passivo é um estado no qual não existe esforço; significa perceber sem julgar, sem escolher, não em algum sentido determinado, mas em todos os sentidos; significa estarmos conscientes de nossas ações, nossos pensamentos, nossas reações relativas, sem escolha, sem condenação, sem identificação ou negação, para que a mente comece a compreender cada pensamento e cada ação, sem julgamento. Isso suscita outra questão: pode haver compreensão sem pensamento?

Auditório: Pode, de certo, se somos indiferentes a uma coisa qualquer.

K: Senhor, a indiferença é uma forma de julgamento. Uma mente embotada, uma mente indiferente, não é lúcida. Perceber sem julgamento, saber exatamente o que está ocorrendo, é lucidez. É vão, portanto, procurar Deus ou a verdade sem estarmos lúcidos agora, no presente imediato. É muito mais fácil irmos a um templo, mas isso constitui uma fuga para o domínio da especulação. Para compreendermos a realidade, precisamos conhece-la diretamente, e a realidade, evidentemente, não está no tempo e no espaço; ela está no presente, e o presente é o nosso próprio pensamento, a nossa própria ação,

Jiddu Krishnamurti — Novo acesso à vida – 4 de julho de 1948   

 
 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

É possível observação sem palavra?

Krishnamurti: O observador é o passado; ele é o passado, a lembrança, a experiência, o conhecimento armazenado na memória. O passado é o observador, e eu observo o presente, que é o meu ciúme, a minha reação. E uso a palavra "ciúme" para esse sentimento porque o reconheço como tendo acontecido no passado. É uma lembrança do ciúme através da palavra, que faz parte do passado. Portanto, posso observar sem a palavra e sem o observador que é o passado? A palavra traz este sentimento ou há sentimento sem a palavra? Tudo isso faz parte do autoconhecimento.

Pupul: Como alguém pode observar sem a palavra?

K: Sem o observador, sem nenhuma lembrança. Isso é muito importante .

P: Como se pode resolver o problema do observador?

A: Posso dizer que na observação do observador há também a desaprovação ou a aprovação do observador a respeito dele mesmo.

K: Isso é o passado. Isso é o seu condicionamento. Esse é todo o movimento do passado, que está contido no observador.

A: Essa reprovação é a barreira.

K: Isso é o que Pupul está perguntando. Ela diz: Como eu observo o observador? Qual é o processo de observar o observador? Ouço K dizer que o observador é o passado. É isso mesmo?

P: Ao fazer essa pergunta, outro observador é criado.

K: Não, eu não crio nada. Estou simplesmente observando. A pergunta é: o que é o observador? Quem é o observador? Como observo este microfone? Eu o observo através de uma palavra que usamos para indicar que isto é um microfone; ela está registrada no cérebro como microfone, como uma lembrança; eu uso essa palavra para expressar a realidade do microfone. Isso é bastante simples.

P: Alguém observa o observador?

K: Já vou falar sobre isso. Como alguém observa o observador? Vocês não o fazem.

P: É a incapacidade de observar o observador o que dá a alguém a compreensão da natureza do observador?

K: Não. Você não observa o observador. Você só observa "o que é", e a interferência do observador. Você diz que reconhece o observador. Percebe a diferença? Vá devagar. O ciúme existe. O observador entre e diz: "Eu tive ciúme no passado. Eu conheço esse sentimento." Portanto, eu o reconheço e ele é o observador. Você não pode observar o observador por si mesmo. A observação do observador existe apenas em na sua relação com o observado. Quando o observador para a observação, então há a consciência do observador. Você não pode observar o observador. Você só pode observar o observador em relação a algo. Isso está razoavelmente claro. No momento do sentimento, não há nem o observador nem o observado; há só aquele estado. Então, o observador chega e diz que se trata de ciúme e continua a interferir naquilo que existe, evita o ciúme, reprime, racionaliza, justifica-o ou foge dele. Esses movimentos indicam o observador em relação àquilo que é.

FW: No momento em que o observador existe, existe a possibilidade de observar o observador?

K: É isso que nós estamos dizendo. Eu estou zangado ou violento. No momento da violência nada existe. Não existe você, nem observador, nem o observado. Há só o estado de violência. Então, o observador chega ao que é o movimento do pensamento. O pensamento é passado — não existe pensamento novo — e esse movimento do pensamento interfere no presente. Essa interferência é o observador, e você estuda o observador só através dessa interferência. Ele tenta fugir do que é irracional na violência, para justificá-la e assim por diante, e todas essas são abordagens tradicionais ao presente. A Abordagem tradicional é o observador.

P: Desse certo modo, portanto, o observador só se manifesta em termos de fuga ao presente.

K: Fugas ou racionalizações.

D: Ou interferências.

K: Qualquer forma de interferência no presente é a ação do observador. Não admita isso. Acabe com ela, descubra essa ação.

Par: Se não há passado não há interferência?

K: Não, não é essa a questão. O que é o passado?

P: O conteúdo acumulado e armazenado das minhas experiências.

K: E isso é o que é? Suas experiências, suas tendências e motivos, tudo isso é atividade do passado, do conhecimento. A atividade do passado só pode acontecer através do conhecimento, que é o passado. Portanto, o passado interfere no presente; o observador começa a agir. Se não há interferência, não há observador, há apenas observação.

Na observação, não há nem o observador nem a ideia de observação. É muito importante que se entenda isso. Não há nem observador nem ideia de não ter um observador; o que significa que há só observação pura, sem a palavra, sem a lembrança, sem relação com o passado. Não há nada senão a observação.

FW: Dessa forma, é possível a observação do observador?

K: Não, eu digo: A observação do observador só acontece quando o passado interfere no presente e o observador entra em ação. É só então que você toma consciência de que existe um observador. Agora, quando você percebe isso, quando tem um vislumbre disso, então, não há observador; há apenas observação.


Jiddu Krishnamurti — Diálogos sobre a visão intuitiva

P - Pupul
A- Achyut
FW - Fritz Wilhelm



segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Verdade resultante da busca não é Verdade

Pergunta: conforme pensa, assim se torna o homem. Não é essencial que saibamos uma forma de não ficarmos à mercê de nossos pensamentos maus e incontroláveis?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, o interrogante começa citando a frase: "conforme pensa, assim se torna o homem". Não é um fato muito curioso esse — de que não sabemos pensar diretamente num problema? Temos citações e mais citações, em apoio de nossas teorias — citações do Bhagavad-Gita, de Marx, Sankara, Churchill ou Mau-Tsé-Tung. A nossa mente é incapaz de observar e experimentar qualquer coisa diretamente. Essa sabedoria de empréstimo nos destrói a capacidade de descobrirmos a Verdade por nós mesmos.

(...) A mente de vocês está inibida, tolhida; e uma mente inibida é incapaz de ser livre. Apenas é livre a mente que compreende achar-se tolhida; então há possibilidade de fazer-se alguma coisa. Uma mente que diz: "não estou inibida", "estou repleta de conhecimentos", "estou recheada de citações das ideias dos outros" — é incapaz do descobrimento daquilo que é Real. O homem de tal mentalidade vive num nível "de segunda mão".

Agora, a segunda parte da pergunta é: "não é essencial que conheçamos uma forma de não ficarmos à mercê de nossos incontroláveis pensamentos?" Nesta pergunta duas coisas se compreendem. Diz ele: "como posso manter-me livre dos pensamentos maus e incontroláveis?" Preste muita atenção a isto, porque é importantíssimo; pois, se puderem realmente perceber o significado, se puderem penetrar as palavras, descobrirão algo.

(...) Existe o pensador, a entidade separada do pensamento, separada dos pensamentos maus e incontroláveis? Tenham a bondade de observar a própria mente de vocês. Dizemos: "há o 'eu', que deseja permanecer separado dos maus pensamentos, dos pensamentos instáveis, erradios". Isto é: há o "eu" que diz: "este é um pensamento extravagante", "esta é uma ação má", "isto é bom", "isto é mau", "preciso controlar este pensamento", "preciso reter este pensamento". É isso o que sabemos. A pessoa, o "eu", o pensador, o juiz, a entidade que julga, o censor, é diferente de tudo isso? O "eu" é diverso do pensamento, da inveja, do que é mau? O "eu" que se diz distinto de uma coisa má está sempre lutando para sobrepujá-la, dominá-la, lutando para tornar-se alguma coisa. Vocês têm, pois, esta luta, este esforço de banir os pensamentos e de "não ser extravagante".

No próprio "processo" do pensar criou-se este problema do esforço. Compreendem? É então que nasce a disciplina, o controle, por parte do "eu", do pensamento mau; o esforço do "eu" para tornar-se não invejoso, não violento, para ser isto ou aquilo. Vocês criaram, pois, deveras, o processo do esforço, no qual figuram o "eu" e a coisa que ele está controlando. Este é o fato real de nossa existência diária.

Ora bem, o "eu" que está observando, o observador, o pensador, o agente é diferente da ação, do pensamento, da coisa que observa? Temos dito, até agora, que o "eu" difere do pensamento. Consideremos, pois, esta coisa: "o pensante difere do pensamento?" Diz o pensante: "meus pensamentos são erradios, maus; por conseguinte, devo controlá-los, moldá-los, discipliná-los". Nesse processo criou-se o problema do esforço e a fórmula negativa "não ser". (...) Como disse, criamos o esforço sob formas distintas — de negação e afirmação; tal é a nossa vida de cada dia.

Mas, existe alguma diferença entre o pensador e o pensamento? Investiguem isso. Há diferença? Isto é, se não pensassem, existiria um "eu"? Se não houvesse pensamento, ideia, memória, experiência, existiria o "eu"? Vocês dizem ser, o "eu", a entidade superior, a coisa que está acima do pensamento a guiar-lhes e governar-lhes. Pois bem, se dizem isso, tornem a considerá-lo; não o adotem. Se dizem tal coisa, então essa mesma entidade que pensa a respeito do Atman, continua compreendida na esfera do pensamento. Toda coisa suscetível de ser pensada está na esfera do pensamento. Isto é, quando penso a respeito de você, no nome próprio que sei, quando lhe conheço, você já se encontra na esfera do meu pensamento, não é verdade? Meu pensamento, está, por conseguinte, em relação com sua pessoa. Assim, pois, o Atman, ou "eu superior", ou qualquer palavra que preferirem, está sempre na esfera do pensamento. Vemos, pois, há sempre uma relação entre o pensador e o pensamento; eles não constituem dois estados separados, mas um processo unitário.

Há, pois, tão-somente, pensamento, o qual se divide, a si mesmo, em duas partes — pensador e pensamento, atribuindo ao pensador a superioridade. Esse pensamento cria o "eu", que se torna permanente, porque, na verdade, é este o estado a que ele aspira: a segurança, a permanência, a certeza, — nas relações, com minha esposa, meu filho, minha sociedade; sempre o desejo de inalterável certeza. O pensamento é desejo; por conseguinte, o pensamento, o desejo, buscando a certeza, cria o "eu". E o "eu", então, se fecha na permanência e começa a dizer: "preciso controlar os meus pensamentos, preciso banir tal pensamento e adotar tal pensamento" — como se esse "eu" tivesse existência separada. Se observarem, verão que o "eu" não é separado do pensamento. Aí se faz sentir a importância de se experimentar realmente essa coisa, de que o pensador é o pensamento. Esta é a meditação verdadeira: o descobrir como a mente está sempre produzindo a separação do pensador e do pensamento.

Interessa-nos o processo total do pensar, e não o "eu", querendo observar o pensamento, o "eu" que cria, que domina, subjuga e sublima pensamentos. Só há um único "processo": o pensar. O pensamento que declara "esta é minha casa" é inspirado pelo desejo de segurança, nessa casa. Identicamente, quando dizem "minha esposa", esse pensamento implica segurança. Vemos, pois, que o "eu" ganha superioridade, na certeza. Não há senão um processo, que é o pensar, pois não há "eu" separado do pensamento.

Nessas condições, ao reconhecerem esse fato, ao apresentar-se esta percepção, esta compreensão, que acontece aos pensamentos erradios, instáveis, a saltitarem por todos os lados, como borboletas ou macaquinhos? Quando já não existe censor, quando já não há nenhuma entidade que diz "preciso controlar o pensamento" — que acontece?... Existe então "pensamento errático"? Entendem? Não há mais nenhuma entidade operando, julgando; por conseguinte, cada pensamento é um pensamento, de per si, e não deve ser comparado e declarado bom ou mau. Por conseguinte, não há divagação ou instabilidade.
Só há pensamento erráticos, quando o pensamento diz "estou divagando; não devo fazer aquilo; devo fazer isto". Quando não há o pensador, a entidade que quer controlar o pensamento, então o que nos interessa é só o pensamento, tal qual é, e não como deveria ser. E descobrirão então quanto é belo observar, na sua realidade, cada pensamento e a respectiva significação; porque, então, não há mais pensamento errático. Eliminem definitivamente o problema do esforço, pois não se pode alcançar a Realidade por meio de esforço; o esforço tem de cessar, para que a Realidade possa apresentar-se. Vocês devem ser receptivos. Não se trata de recompensa ou castigo. Não se trata de recompensas por suas boas ações. A sociedade interessa a respeitabilidade de vocês; porém, para a Verdade, não.

Para que a Verdade possa existir, o pensamento deve estar em silêncio. Não deve estar o pensamento em busca de recompensa ou punição, e nem ter pretensões. Só nesse estado de espírito, em que não há busca, é possível manifestar-se a Verdade. A Verdade resultante da busca não é Verdade nenhuma; não é senão uma voz projetada do "eu", traduzindo-lhe a ambição de preenchimento. Assim, pois, ao perceberem tudo isso, ao perceberem na sua inteireza o quadro em que se mostra como a mente opera, não há então pensamento para controlar ou disciplinar; todo pensamento tem então sua importância; há a observação do pensamento, com o pensamento no papel de observador que observa o pensamento, coisa essa dificílima de experimentar-se, uma vez que requer uma extraordinária lucidez e tranquilidade de espírito. Todo pensamento é resultado da memória — da memória que não é mais do que um nome. Porque, em verdade, nós pensamos com palavras; seu pensamento é produto ou "projeção" da memória; a memória se constitui de imagens, símbolos e palavras. Portanto, enquanto houver aquela "projeção", haverá pensamento. Um homem interessado em compreender o pensamento deve, por conseguinte, compreender todo o processo da sua produção: dar nome, lembrar-se, reconhecer. Só então há possibilidade da mente tornar-se, totalmente tranquila. Essa tranquilidade vem com a compreensão. Pode então a Verdade dispensar ao indivíduo as suas bençãos, chegar-se a ele, libertá-lo de todos os seus problemas; somente aí surge o ente criador — que não é o homem que pinta quadros, escreve poemas ou trabalha dez horas por dia.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria 

domingo, 15 de setembro de 2013

A imagem é diferente de seu criador?

(...) Não nos interessam opiniões. Elas só podem servir para dissertações dialéticas. E nós estamos tratando de coisa inteiramente diferente. Estamos interessados no processo total do viver; esse processo, como se pode observar, está sempre criando imagens a respeito de nós mesmos e de outros — imagens que se formam através da experiência, através do conflito. A essa imagem ora se adiciona, ora se subtrai algo, mas o fator central daquela energia criadora das imagens é constante. Temos alguma possibilidade de superá-lo? Estamos conscientes da existência, dentro de cada um de nós, de uma imagem de nós mesmos, consciente ou inconsciente? Quer dizer, uma pessoa pode ter de si a imagem de uma entidade superior ou de um ente sem capacidade, ou de uma entidade agressiva, orgulhosa — enfim, todas as nuanças e sutilezas de que pode constituir-se tal imagem. Sem dúvida nenhuma, cada um possui essa imagem de si próprio. Nós a temos mesmo em plena juventude (pois a idade nada tem a ver com isso) e, com o passar dos anos, ela se vai consolidando e cristalizando cada vez mais... até não haver mais remédio.

Estamos conscientes dessa imagem? Se estamos, QUEM é a entidade que se torna consciente da imagem? Compreendem? A imagem é diferente de seu criador? (...) Entendem? Posso ver que tenho uma imagem de mim mesmo: sou isto e sou aquilo; um grande homem ou um homem insignificante; meu nome é conhecido ou desconhecido, enfim toda a estrutura verbal e não verbal que se ergue em torno de mim, consciente ou inconscientemente. Percebo que essa imagem existe, se presto atenção, se me ponho vigilante. E observador que a percebe sente-se diferente dela. Não é isso o que está ocorrendo? (...) E o observador começa então a dizer, de si para si, que a imagem é o fator responsável pela deterioração e que, portanto, terá de destruí-la a fim de alcançar um resultado superior — rejuvenescer a mente, etc. — Compreendendo que essa imagem é o fator de deterioração, faz um grande esforço para libertar-se dela.(...) Ele (o observador) luta, explica, justifica, acrescenta; esforça-se para transformá-la numa imagem melhor; transfere-a para uma dimensão diferente, uma diferente parte do campo a que chama "vida". O observador, pois, ou se empenha em destruir a imagem, ou em acrescentá-la, ou ultrapassá-la. É o que estamos fazendo a todas as horas. E nunca nos detemos para investigar se o observador não é o criador da imagem e, por conseguinte, ele próprio a imagem. Assim, uma vez compreendido esse fato, — não verbal porém realmente —isto é, que o observador é o criador da imagem e, com sua ação, não só destrói a imagem que então tem de si próprio, mas também cria outra imagem e continua a criar imagens, indefinidamente, lutando, esforçando-se, controlando, alterando, ajustando; uma vez claramente compreendido que o observador é a coisa observada, cessam todos os esforços para alterar ou transcender a imagem.

(...) Assim, ao perceber-se que o observador é o criador de imagens, todo o nosso processo de pensar passa por uma enorme mudança. E, portanto, a imagem é o conhecido, não? Podem não estar conscientes dela; podem não estar conscientes de seu conteúdo, de sua forma, de suas peculiares nuanças, sutilezas — mas essa imagem, quer dela estejamos conscientes, quer não, se encontra no campo do conhecido.

(...) Enquanto a mente, em seu todo — ou seja, a mente, o cérebro e o corpo — estiver funcionando no campo da imagem, que é o conhecido — do qual podemos estar conscientes ou não — nesse campo estará sempre o fator de deterioração.

(...) O problema é se a mente — que é o resultado do tempo, psicológico e cronológico, resultado de milhares de experiências, de inúmeras tensões e pressões, do conhecimento técnico, da esperança, do desespero, de tudo o que passa o ente humano, das inúmeras formas de medo — o problema é se a mente funciona sempre dentro desse campo, desse campo do conhecido. Emprego a palavra "conhecido" compreendendo, inclusivamente, o que pode existir dentro daquele campo e que ainda não observaram; isso também é conhecido. É esse o campo em que a mente funciona: sempre o campo do conhecido. O conhecido é a imagem criada pelo intelecto ou por pensamentos sentimentais, emocionais, românticos — pensamentos de toda espécie. Enquanto suas atividades, seus pensamentos, seus movimentos estiverem confinados no campo do conhecido (onde se processa a criação das imagens), é inevitável a deterioração, não importa o que se faça. Temos, assim, a questão: É possível esvaziar a mente do conhecido? (...) Essa pergunta — se é possível livrar-nos do conhecido — já deve ter sido feita, vagamente ou com um propósito definido, porque todos sofremos, temos ansiedades e vagos pressentimentos dessa possibilidade. Estamos agora a fazê-la como uma pergunta que tem de ser respondida, como um desafio a que se tem de reagir — não a um desafio exterior, porém um desafio interior, psicológico.

(...) pode-se ver muito claramente que só há compreensão, ação, quando a mente está totalmente quieta. Isto é, digo que compreendo ou que vejo uma coisa com muita clareza quando a mente está de todo silenciosa. Você diz-me algo que me agrada ou desagrada. Se me agrada, presto alguma atenção; se não, nenhuma atenção lhe dou. Ou eu ouço o que você está dizendo e traduzo-o de acordo com minha idiossincrasia, minha inclinação, justificando, etc. etc. Não o escuto, absolutamente. Ou me oponho ao que você diz, porque tenho uma imagem de mim mesmo, e essa imagem reage.(...) Desse modo, eu não ouço nem escuto. Oponho objeções; discordo; torno-me agressivo. Mas tudo isso, evidentemente, me impede de compreender. Eu desejo compreender-lhe. Entretanto, só posso compreender-lhe se nenhuma imagem tenho de você. E, se me é completamente desconhecido, um estranho, nenhum interesse tenho no que você diz; não quero, sequer, compreender-lhe, porquanto você está completamente fora da órbita de minha imagem: não estou em relação com você. Mas, se você é um amigo, um parente, meu marido, minha mulher, etc., tenho a respectiva imagem; e a imagem que de mim você tem e a que tenho de você — essas imagens estão em relação entre si. Todas as nossas relações se baseiam nisso. Vê-se muito claramente que é só quando a imagem não interfere — imagem na forma de conhecimento, pensamento, emoção, etc. — que posso olhar, que posso ouvir, que posso compreender. Isso ocorre com todos nós. Quando, após discutir, argumentar, demonstrar, etc., a sua mente se torna de súbito quieta e você percebe o fato, diz: "Agora sim, compreendi!" — Essa compreensão é ação, e não ideia.

(...) Quando o observador é a imagem e, por conseguinte, nenhum esforço faz para alterar ou aceitar a imagem, e só existe o fato — O QUE É —, então, a observação desse fato opera radical transformação do próprio fato. Isso só pode verificar-se quando o observador é a coisa observada. Não há nada de misterioso nisso. O mistério da vida está acima de tudo isso — da imagem, do esforço, da atividade centralizada, egocêntrica, subjetiva. Existe um imenso campo e, nele, uma certa coisa que jamais pode ser encontrada através do conhecido. E o "esvaziar" da mente só pode verificar-se não verbalmente, quando não há observador nem coisa observada. Tudo isso exige imensa atenção e percebimento, que não é concentração.

(...) Há percebimento quando a pessoa observa (e isso qualquer um pode fazer) não só as coisas exteriores, a árvore, o que os outros dizem, o que ela própria pensa, etc., mas também quando observa interiormente, sem escolha. Quando observa simplesmente, sem escolha alguma. Porque a pessoa só escolhe quando há confusão, e não quando há clareza.

Só há percebimento quando não há escolha; ou ao estarmos conscientes de todas as escolhas e desejos contraditórios e da tensão respectiva: no observarmos todos os movimentos da contradição. Quando se sabe que o observador é a coisa observada, não há nesse processo escolha alguma, porém, tão-só, observação do que É, e isso difere inteiramente da concentração. Esse percebimento produz uma atenção de tal qualidade que não há observador nem coisa observada... Nesse estado de atenção há silêncio. Produz essa atenção um extraordinário estado de renovação, de juvenilidade, estado em que a mente se torna vigorosa, completamente nova. Esse "esvaziar" da mente de todas as experiências que teve é meditação.

(...) A meditação é um processo que exige muita energia; não é simples ocupação para gente velha, que nada tem que fazer. Requer intensa e continuada atenção. Acharão então, por vocês mesmos... não, não acharão nada: não se está procurando nenhuma experiência, não há nada para achar. Quando a mente está totalmente quieta, não por qualquer espécie de sugestão, de hipnotismo ou qualquer outro método — nessa total quietação há um estado, uma dimensão diferente, que o pensamento jamais tem possibilidade de imaginar ou de experimentar. Ela se encontra acima de toda busca. Já não há buscar. A mente toda iluminada não busca. Só aquela que está na obscuridade, confusa, busca permanentemente e espera achar alguma coisa. E o que acha é sempre resultado de sua confusão.


Jiddu Krishnamurti — A importância da Transformação

O importante estado de prontificação do EU

Interrogante: Qual a entidade que tem o poder de observar a mente?

Krishnamurti: Senhor, se antes de tudo percebermos que o observador é a coisa observada — uma das coisas mais extraordinárias, uma vez percebida — então, nesse estado de atenção, não há observador e nem coisa observada. Eu me explico.

Olhe para aquele carvalho; olhe-o REALMENTE. Você é o observador, e o carvalho a coisa observada. Há um espaço entre você e o objeto — a árvore. Nesse intervalo ou espaço está o tempo — o tempo de que se precisa para ver o objeto. O objeto é sempre estático; e o que é estático — quando observado — é tempo.

Pois bem; o observador está a observar a árvore. Naquele intervalo, naquele espaço, criam-se as ideias de toda espécie: "Aquela árvore é um carvalho", "Gosto", "Não gosto", "Quem me dera tê-la em meu jardim", "Preferia que ela fosse 'isto' ou 'aquilo'" — dúzias de coisas diferentes, que me impedem de ver realmente o fato — a árvore — vê-la em sua totalidade; porque minha atenção é desviada pelas palavras, pelo nome, pelos conhecimentos botânicos que tenho a respeito da árvore. Essa distração me impede de olhar realmente a árvore. Quando já não estamos a dar nome, quando o pensamento já não funciona na forma de conhecimento relativo à arvore, há então algum espaço entre você e a árvore? Então — se você penetrar e observar profundamente tudo isso — verá que o observador é a coisa observada — o que não significa que o observador se identifica com a árvore. É bem de ver que a identificação do observador com a árvore é uma coisa perfeitamente absurda. O observador não se torna a árvore.

Interrogante: Você não observa o vácuo?

Krishnamurti: Meu caro senhor, examine isso; examine; não pergunte nada. Examine o fato. Olhe aquela flor. Alguma vez já olhou uma flor? Ou apenas a olha, lhe dá um nome, e passa adiante? Ou diz "Que bela! Vou cheirá-la"? Tudo isso são ações que lhe distraem e lhe impedem de olhar a flor. Assim também os entes humanos que se conhecem e nunca se olham, têm respectivas imagens um do outro, e essas imagens é que estão em relação entre si. O observar claramente uma coisa — e muito poucos o fazem — não exige esforço algum: estar-se tranquilamente sentado, numa tarde, quando se dispõe de tempo e de folga, e olhar uma flor, olhar a si próprio, olhar o movimento dos próprios pensamentos e sentimentos e reações; estar simplesmente a observar, sem escolha — isso é o começo do autoconhecimento. E sem esse autoconhecimento, ver-se-á o homem num estado de perpétua confusão e aflição. Quando o observador é a coisa observada — isso só se torna possível quando há atenção total, e não atenção fragmentária. Essa atenção pode durar um segundo ou um minuto; mas, o desejo de mantê-la torna-a desatenção.

Perguntar o que é o observador, qual o estado da mente quando não há observador, quando o observador é o objeto observado, formular em palavras o que é aquele estado, é negá-lo. Uma pessoa não pode comunicar algo que outra não conhece, não descobriu. E ao fazer-se tal comunicação (que é impossível), logo se quereria alcançar aquela coisa, dir-se-ia: "Ensine-me o método de alcançá-la" — e estar-se-ia no caminho errado.

Interrogante: Senhor, o que me impede de ver a árvore é o EU, e percebo que tenho de dispor-me a renunciar o EU, abandoná-lo, soltá-lo, antes de poder ver a árvore. Não é isso o que diz?

Krishnamurti: Qual é a entidade que vai renunciar?

Interrogante: O EU.

Krishnamurti: Senhor, o EU não pode renunciar a si próprio. O que pode fazer é só ficar quieto; mas, não poderá ficar quieto, sem a compreensão da inteira estrutura e significado de si próprio. Ou se compreende essa estrutura e significado total e imediatamente, ou não se compreende em absoluto. Esse é o único caminho; não há outro caminho. Se você disser "Eu me exercitarei e gradualmente farei que o EU morra" — se assim fizer, cairá numa armadilha diferente, que é o mesmo EU.

Interrogante: Se observo uma árvore na maneira como você descreveu, isto é, de modo que o observador seja a coisa observada, a árvore continua existente.

Krishnamurti: É claro, senhor.

Interrogante: Se observo o medo da mesma maneira, ele não continuará também existente?

Krishnamurti: Não. Veja, em primeiro lugar, que eu não desejo me livrar do medo, porém, compreendê-lo. Para compreender uma coisa devo ter interesse nela; tenho de amá-la; tenho de cuidá-la, e se digo "Preciso libertar-me dela", essa é a maneira mais insensata de agir. Porque eu tenho de compreender a natureza do medo; e, para compreendê-la, tenho de olhar o medo; mas não posso olhá-lo se digo que preciso, que desejo libertar-me dele, ou recalcá-lo ou sublimá-lo. Tenho de olhá-lo realmente, pôr-me em contato com ele, não através de uma palavra, porém diretamente em contato com o fato, com o que realmente É.


Jiddu Krishnamurti — A importância da Transformação

Um olhar onde você não existe

Interrogante: Se eu, o observador olho uma árvore como "coisa observada", a árvore e eu somos uma só e a mesma coisa?

Krishnamurti: Você ouviu isso, mas não ESCUTOU. Há enorme diferença entre "ouvir" e "escutar". Você não aprendeu a coisa; apenas ouviu dizer sobre ela, e ela se tornou uma ideia. É isso o que ocorre imediatamente: a ideia, o dizer "A árvore sou eu? Eu, o observador, olho a árvore, e a árvore sou eu". Mas, é claro que a árvore não É você. 

Você já olhou uma árvore, a beleza do pôr do Sol, sem nenhum observador? De ordinário, quando olha uma coisa, que ocorre realmente? Suas lembranças acodem aos borbotões. "Ah! Que maravilhoso poente contemplei outro dia na Califórnia; aquela luminosidade de montanha!" Ou o pôr do Sol lhe absorve inteiramente e, temporariamente, você fica silencioso. Nesse silêncio você se lembra daquele prazer e diz: "Eu gostaria de repetí-lo" — tal como o prazer sexual. É isso o que acontece: a coisa se torna uma repetição, porque nela você pensa, deseja repetir aquele prazer; e nessa armadilha você fica aprisionado. Mas, para olharmos realmente uma árvore, ou as dobras de uma montanha, o pensamento como memória tem de cessar. Se temos botânicos conhecimentos, estes mesmos conhecimentos nos impedem de olhar a árvore. Quando você olha a árvore sem o "observador", a árvore não é você, e você não é a árvore; não há espaço entre o observador e a coisa observada. Você não diz então: "Sou a árvore", ou "Devo identificar-me com a árvore". Isso nada significa.

Jiddu Krishnamurti — A importância da transformação

sábado, 14 de setembro de 2013

Quem é o observador?

Para observar, não deve haver condenação, nem justificação, nem aceitação. Então, começo a aprender. Aprender não é acumulação. Então, eu observo. Observo para ver o que sou; não o que eu gostaria de ser, porém, o que sou realmente. Não estou aflito, não digo: "Como é terrível isso que sou!" Sou ASSIM. Não o condeno, nem o aceito. Observo. Vejo as tendências de meu pensar, o padrão de meu pensar, de meu sentir, vejo meus motivos, temores, ansiedades.

Quem é o observador? Isto não é filosofia profunda; é uma coisa comum, de todos os dias. Quem é o observador? Quem é o EU que diz "Eu olho"? O EU que olha as experiências, condenações, observações, conhecimentos etc. Ele é o CENTRO, o observador. Ele se separa da coisa observada. Ele diz: "Estou observando o meu medo, a minha 'culpa', o meu desespero". Mas, o observador é a coisa observada. Se não fosse, não reconheceria o seu desespero.

Sei o que é desespero, o que é solidão, e essa memória permanece. Na próxima vez que ele aparece, digo que é uma coisa diferente de mim. A divisão em observador e coisa observada gera um conflito, e saio então por uma tangente, procuro descobrir uma maneira de resolver esse conflito. Mas, o fato é que o observador é a coisa observada. Isso não é um conceito intelectual, porém, um fato. Quando o observador é a coisa observada, então aprender é AGIR. Não aprendo, para depois agir. Mas essa ação só se verifica quando o observador é o objeto observado. Essa ação é a negação do que FOI, do processo mecânico.


JK – A importância da transformação

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O pensamento não pode resolver o problema do sofrimento

Por favor, não aceitem nem rejeitem o que está dizendo. Temos de ver o fato, e, quando o vemos muito claramente, não há aceitação e nem rejeição. Ele é o que é. A questão não é de “como colocar fim ao sofrimento”, ou “em que casos o pensamento deve funcionar e em que caso não deve funcionar”. Quando se compreende com muita clareza todo o movimento do pensamento, como ele opera, todos os fatores implicados, numa palavra, o mecanismo do pensamento, a origem do pensar e do pensamento — começa-se a perceber que o problema do tempo é realmente este: se o tempo, como pensamento, pode terminar. De outro modo, o sofrimento nunca terá fim: continuaremos, por mais dois milhões de anos, ou além, a aceitar, a fugir, a viver uma vida agitada, insegura, incerta.

Pode-se deter o tempo (psicológico)? Devemos primeiro perceber que a mente, o cérebro, o movimento do pensar — tudo está funcionando no tempo, e é tempo. Devemos perceber que o tempo é um movimento, uma corrente, que dividimos em ontem, hoje, amanhã. Temos de perceber esse movimento como um todo e dispensar-lhe toda a nossa atenção. A atenção implica completa cessação do esforço, aplicação do espírito à questão, ao que se está dizendo — nada aceitando, porém aplicando completamente a atenção, sem esforço algum. Não se pode prestar atenção mediante determinação. Se dizemos: “Quero prestar atenção”, toda nossa energia se dissipa no esforço para estarmos atentos. Prestar atenção não requer concentração, porque concentração significa exclusão. No esforço para concentrar-nos, estamos excluindo, erguendo barreiras, resistências; estamos nos forçando, ao passo que na atenção não há divisão, pois o intelecto, os nervos e tudo o mais está funcionando no mais alto nível. Nessa atenção não há observador.

Se aplicam a atenção de vocês a alguma coisa — uma flor, uma árvore — observando-a atentamente, completamente, não há separação entre observador e o objeto observado. Se se olha uma flor completa e atentamente, sem lhe dar nome, sem “gostar” ou “não gostar” — se se observa completamente, com todo o ser, não há observador e, por conseguinte, não há tempo. O observador é resultado do tempo. É o observador que diz “gosto” e “não gosto”; “isto me apraz” e “isso não me apraz”; “isto é vantajoso”, “isto não é vantajoso”; “tenho de conservar os meus prazeres, embora acarretem mais dores, mais ansiedades, mais sofrimento”. O prazer gera invariavelmente sofrimento e dor. A própria natureza do observador é o censor, que está sempre a escolher o prazer. Tudo ele olha desse ponto de vista e, por conseguinte, nunca está atento.

E necessário estar atento ao fluir do tempo, e nunca dizer: “Conservarei esta parte do tempo que me tem dado prazer, satisfação, a lembrança de algo que outrora me deleitou”. Necessita-se de uma atenção total, completamente isenta de sentimento e emoção. Na maioria dos casos, o sofrimento é autopiedade, e a autopiedade é um absoluto desperdício de tempo em excessos emocionais. Não tem nenhum valor. O que tem valor é o fato, e não a autocomiseração que experimentamos porque não podemos alterá-lo. A autopiedade gera ansiedade emocional, sentimentalismo, etc. Quando ocorre a morte de alguém que amamos, esse fato contém sempre o veneno da autopiedade. A autopiedade assume muitas formas  — o pesar pela ausência daquele que morreu, etc. etc. Mas, onde há sofrimento, não há amor. Onde há ciúme, não há amor. Intelectualmente, todos sabemos disso, entretanto continuamos pelo mesmo caminho que gera sofrimento.

Estar atento significa compreender a divisão do tempo em passado, presente e futuro — “Eu fui”, “Eu não devo”, “Eu farei”. Se percebermos claramente esse “processo” do tempo, veremos que o tempo terminará de todo. Experimentem-no! Para o fazermos, prática e não teoricamente, para percebermos o fato, devemos conhecer o passado.

(...) Para compreender tudo isso, temos de prestar-lhe atenção. Quando escutamos atentamente, completamente, o que está dizendo, não há “entidade que escuta”. Quando olhamos uma coisa de maneira completa, não há nenhuma entidade entendida como “aquele que está olhando”. O censor, o observador só se torna existente quando se põe em movimento o processo de pensar.

Ao apresentar-se o sofrer, deem-lhe toda a atenção, sem cuidar de fugir, nem de justificar, nem de encontrar alguma razão para ele. Todos sabemos porque sofremos. Sofremos porque não podemos achar emprego, ou porque nosso filho perdeu a razão ou se tornou “moderno”, ou porque não temos capacidade, e os outros têm. Todos conhecemos as razões do sofrimento, mas só é possível colocar-lhe fim se consideramos em sua inteireza o processo do tempo, que é pensamento. Se dermos essa atenção completa, veremos que, absolutamente, não há mais pensamento e, por conseguinte, não há tempo.

Quando alguém de quem gostamos ou que amamos nos abandona ou morre, passado o choque, “respondemos” a esse fato com reações de nossa solidão, de nossa autopiedade, do tempo que nos faltou para fazer isto ou aquilo, do que poderia ter sido e não foi. Isso é dissipação de energia. Se, passado o choque, prestarmos inteira atenção a esse sofrimento, sem nos arredarmos em nenhuma direção, veremos que ele terá fim, não num futuro distante, porém, imediatamente. Só a mente que não se acha anuviada pelo sofrimento conhecerá o amor. A meditação não é algo que se consegue com esforço, algo que se tem de praticar, de aprender, porém, sim, é aquela atenção — atenção para tudo, da coisa mais insignificante à mais profunda. Se assim fizerem, verão, por si mesmos, que se apresentará um silêncio que não é do tempo, que não é do pensamento. Ao alcançarem algo que não é construído pelo pensamento, verão que esse algo não é, em absoluto, tempo.


Jiddu Krishnamurti – Encontro com o eterno  

Investigando o processo e a origem do pensar


A menos que a mente descubra a fonte do pensamento, ver-se-á sempre de novo enredada num sistema de vida que levará finalmente ao conflito, uma vida que é violência. Aquela fonte precisa ser descoberta. Enquanto existir observador e coisa observada, haverá contradição, distância, intervalo de tempo, separação entre ambos, e o pensamento tem de existir.

(...) Enquanto houver observador e coisa observada, e, entre ambos, intervalo de tempo, distância, espaço — essa separação dará origem ao pensamento. Só quando o observador é o objeto observado, e não há observador nenhum, não há pensar.

Objetivamente, vejo, no começo da primavera, uma árvore em que ainda não despontam as folhas novas, formando com seus galhos nus, delicado desenho contra o fundo azul do firmamento. Vejo-a: Eu, o observador, e aquela árvore — observador e coisa observada. A árvore não sou eu. É algo existente no exterior. Nela penso quanto é delicada, bela, escura — uma forma negra contra o céu limpo. O observador tem certas “memórias” a respeito daquela árvore, sua espécie, seu nome, a lembrança dos fatos acumulados em relação a ela. O observador é a memória, a entidade que sabe; com esse saber, sua memória, experiência, conhecimentos, olha a árvore. O observador está então pensando. Enquanto existe observador e coisa observada, no pensamento, na ação, é isso o que acontece.

Consideremos outro exemplo: as relações entre os cônjuges. É relativamente fácil olhar uma árvore, mas o caso se torna muito mais complexo quando esposa e marido olham um para o outro. Há sempre o “observador” e o “objeto observado”. O observador, que convive com aquela outra pessoa, recorda-se dos prazeres, sensuais e outros, do companheirismo, das ofensas das lisonjas, dos confortos — de tudo o que constitui o fundo dessa relação. Cada um tem uma imagem do outro. Dessa imagem, dessa memória, dessas experiências, desses prazeres, nasce o pensamento. A relação é entre as duas imagens. Isso também está perfeitamente claro e, portanto, pode-se ver que, enquanto há observador e objeto observado, o pensamento inevitavelmente funciona. se encontra a fonte da ação-pensamento. Enquanto há divisão, separação, o pensamento necessariamente começa a funcionar; isso não significa que o pensamento se identifica com o objeto a fim de pensar; pelo contrário, só está a identificar-se com o objeto a fim de pacificar o pensar; mas existe sempre “processo” de pensar naquele estado de relação.

Está, assim, descoberta a origem do pensar. Mas, quando o pensador, o experimentador, o observador é o objeto observado, a experiência, o pensamento, não há, nesse estado, nenhum pensar. E é nessa maneira de vida que se encontra a paz. Se uma pessoa é séria, não fragmentariamente, intermitentemente, quando lhe convém, quando isso lhe proporciona conforto ou prazer; se deseja seriamente encontrar uma maneira de vida em que haja paz, em que não exista contradição e, portanto, não exista conflito nem esforço, terá de investigar o processo do pensar e a origem do pensar. Isso não significa que não se deva fazer uso do pensamento. Naturalmente, temos de fazer uso dele; mas, o pensamento — quando dele nos servimos sem compreender como se origina e como termina — cria mais conflito, mais confusão, como ocorre atualmente. Mas, naquela claridade que vem quando o observador é o objeto observado, o pensamento perdeu a imensa importância que tinha para nós. A paz não é um fim em si, um ideal que temos de lutar para alcançar, uma coisa que precisamos obter, para vivermos tranquilos. Ela vem, naturalmente, sem esforço e sem luta de nossa parte, quando o pensamento compreendeu a si próprio. Isso não significa que o pensamento põe, então, fim ao pensar — pois isso seria falta de maturidade, infantilidade. Mas, ao ser compreendido o inteiro processo do pensar, alcança-se um estado que se pode chamar “pacífico”, mas esta palavra não é o fato. É somente a base de que necessitamos. Estamos apenas lançando as bases, pois, sem bases adequadas, o pensamento, a mente, não pode, de modo nenhum, funcionar numa dimensão completamente diferente.

Jiddu Krishnamurti — Encontro com o eterno

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill