Interrogante: Qual a entidade que
tem o poder de observar a mente?
Krishnamurti: Senhor, se antes de
tudo percebermos que o observador é a coisa observada — uma das coisas mais
extraordinárias, uma vez percebida — então, nesse estado de atenção, não há
observador e nem coisa observada. Eu me explico.
Olhe para aquele carvalho; olhe-o
REALMENTE. Você é o observador, e o carvalho a coisa observada. Há um espaço
entre você e o objeto — a árvore. Nesse intervalo ou espaço está o tempo — o
tempo de que se precisa para ver o objeto. O objeto é sempre estático; e o que
é estático — quando observado — é tempo.
Pois bem; o observador está a
observar a árvore. Naquele intervalo, naquele espaço, criam-se as ideias de
toda espécie: "Aquela árvore é um carvalho", "Gosto",
"Não gosto", "Quem me dera tê-la em meu jardim",
"Preferia que ela fosse 'isto' ou 'aquilo'" — dúzias de coisas
diferentes, que me impedem de ver realmente o fato — a árvore — vê-la em sua
totalidade; porque minha atenção é desviada pelas palavras, pelo nome, pelos
conhecimentos botânicos que tenho a respeito da árvore. Essa distração me impede
de olhar realmente a árvore. Quando já não estamos a dar nome, quando o
pensamento já não funciona na forma de conhecimento relativo à arvore, há então
algum espaço entre você e a árvore? Então — se você penetrar e observar
profundamente tudo isso — verá que o observador é a coisa observada — o que não
significa que o observador se identifica com a árvore. É bem de ver que a
identificação do observador com a árvore é uma coisa perfeitamente absurda. O
observador não se torna a árvore.
Interrogante: Você não observa o
vácuo?
Krishnamurti: Meu caro senhor,
examine isso; examine; não pergunte nada. Examine o fato. Olhe aquela flor.
Alguma vez já olhou uma flor? Ou apenas a olha, lhe dá um nome, e passa
adiante? Ou diz "Que bela! Vou cheirá-la"? Tudo isso são ações que
lhe distraem e lhe impedem de olhar a flor. Assim também os entes humanos que
se conhecem e nunca se olham, têm respectivas imagens um do outro, e essas
imagens é que estão em relação entre si. O observar claramente uma coisa — e
muito poucos o fazem — não exige esforço algum: estar-se tranquilamente
sentado, numa tarde, quando se dispõe de tempo e de folga, e olhar uma flor,
olhar a si próprio, olhar o movimento dos próprios pensamentos e sentimentos e
reações; estar simplesmente a observar, sem escolha — isso é o começo do
autoconhecimento. E sem esse autoconhecimento, ver-se-á o homem num estado de
perpétua confusão e aflição. Quando o observador é a coisa observada — isso só
se torna possível quando há atenção total, e não atenção fragmentária. Essa
atenção pode durar um segundo ou um minuto; mas, o desejo de mantê-la torna-a
desatenção.
Perguntar o que é o observador,
qual o estado da mente quando não há observador, quando o observador é o objeto
observado, formular em palavras o que é aquele estado, é negá-lo. Uma pessoa
não pode comunicar algo que outra não conhece, não descobriu. E ao fazer-se tal
comunicação (que é impossível), logo se quereria alcançar aquela coisa,
dir-se-ia: "Ensine-me o método de alcançá-la" — e estar-se-ia no
caminho errado.
Interrogante: Senhor, o que me impede
de ver a árvore é o EU, e percebo que tenho de dispor-me a renunciar o EU,
abandoná-lo, soltá-lo, antes de poder ver a árvore. Não é isso o que diz?
Krishnamurti: Qual é a entidade
que vai renunciar?
Interrogante: O EU.
Krishnamurti: Senhor, o EU não
pode renunciar a si próprio. O que pode fazer é só ficar quieto; mas, não
poderá ficar quieto, sem a compreensão da inteira estrutura e significado de si
próprio. Ou se compreende essa estrutura e significado total e imediatamente,
ou não se compreende em absoluto. Esse é o único caminho; não há outro caminho.
Se você disser "Eu me exercitarei e gradualmente farei que o EU
morra" — se assim fizer, cairá numa armadilha diferente, que é o mesmo EU.
Interrogante: Se observo uma árvore
na maneira como você descreveu, isto é, de modo que o observador seja a coisa
observada, a árvore continua existente.
Krishnamurti: É claro, senhor.
Interrogante: Se observo o medo
da mesma maneira, ele não continuará também existente?
Krishnamurti: Não. Veja, em
primeiro lugar, que eu não desejo me livrar do medo, porém, compreendê-lo. Para
compreender uma coisa devo ter interesse nela; tenho de amá-la; tenho de
cuidá-la, e se digo "Preciso libertar-me dela", essa é a maneira mais
insensata de agir. Porque eu tenho de compreender a natureza do medo; e, para
compreendê-la, tenho de olhar o medo; mas não posso olhá-lo se digo que
preciso, que desejo libertar-me dele, ou recalcá-lo ou sublimá-lo. Tenho de
olhá-lo realmente, pôr-me em contato com ele, não através de uma palavra, porém
diretamente em contato com o fato, com o que realmente É.
Jiddu Krishnamurti — A importância da Transformação