(...) Os problemas humanos, o problema de nossa confusão, de nossa total falta de afeição, o sentimento de solidão, as contradições, a perpétua ânsia de preenchimento e as intermináveis frustrações que a acompanham — todos eles foram criados pelo pensamento. Edificamos uma sociedade, uma estrutura, um estado sócio-psicológico que é o resultado de nossa avidez, inveja, comparação, competição, ambição, desejo de poder, posição, prestígio, fama. Tudo isso foi construído pelo pensamento, e nós somos o resultado desse pensamento e nos vemos aprisionados nessa estrutura, na estrutura psicológica da sociedade, da qual somos uma parte. Isso também é muito óbvio; nós não somos diferentes da sociedade. A sociedade somos nós — você e eu — a sociedade que criamos com o pensamento, consciente ou inconscientemente, a qual aceitamos ou contra a qual nos revoltamos — revolta que, todavia, permanece dentro da estrutura de uma dada sociedade. O pensamento construiu, através dos séculos, esta sociedade, com seus deuses, seus instrutores, suas religiões, suas nacionalidades, e toda esta confusão medonha em que estamos vivendo. O pensamento não pode livrar-se daquilo que ele próprio construiu. Se o faz, ou se pensa que o faz, isso será ainda uma reação, uma continuidade “modificada” do que foi.
O pensamento é para nós de desmedida importância — o pensamento que é a palavra, a ideia, o passado, o presente e o futuro; o pensamento que cria extravagantes ideologias que com tanta facilidade aceitamos. Não importa se tais ideologias são nobres ou ignóbeis. O homem vive pelo pensamento, como o fazem certos animais, e, percebendo a confusão, a aflição em que nos encontramos, exercemos o pensamento a fim de operarmos uma mudança, à força de determinação, através do tempo, pela asserção da vontade: “Sou isto e devo ser aquilo”. O que o futuro será foi criado pelo pensamento, pela ideologia, pelo ideal, pelo exemplo. Embora desejemos mudar — e todo ente humano inteligente deseja promover uma mudança no mundo e em si próprio — utilizamos o instrumento do pensamento para efetuar a modificação, crendo que o pensamento resolverá todos esses problemas. Não é assim? Não estão aqui escutando, com o pensamento funcionando? Natural e evidentemente! E, não percebemos claramente que o pensamento não tem possibilidade de criar um mundo novo, de promover uma revolução total na consciência humana. O que fazer? O pensamento criou esta confusão e ele — assim esperamos — produzirá a clareza. Estamos muito certos de que o pensamento o fará, o pensamento que é brilhante, sutil, criador de ideologias; o pensamento que é egotista e não egotista; o pensamento que não funciona egocentricamente, devotado à reforma social, à revolução, a novos sistemas de ideias, a utopias.
Se percebemos o seu verdadeiro significado, se percebemos, mesmo verbal ou intelectualmente, que o pensamento é incapaz de promover uma mudança radical, e que a revolução radical da consciência humana é de essencial necessidade, vemos então quanto é insensato continuarmos pelo caminho que estamos seguindo, a lutar, dia por dia, cheios de aflição e confusão, à espera da desolação e da morte. Temos recorrido ao pensamento, para resolver esta situação, entretanto o pensamento nada resolveu. Se compreendermos isso, mesmo verbalmente, que iremos fazer?
Quando fazemos esta pergunta, desejamos que nos digam o que cumpre fazer — peço-lhes toda a atenção! — e, por conseguinte, estamos reagindo com o pensamento, queremos descobrir a resposta por meio do pensamento. Não é exato isso? O problema está claro, e agora estamos esperando, enquanto procuramos a resposta. O que é isso que está esperando? Que entidade é essa que está esperando a resposta? É ainda o pensamento! O pensamento quer agora descobrir se o que está dizendo é verdadeiro ou falso, está a concordar ou a discordar, a reverter ao seu condicionamento, e a dizer: “Como se pode viver neste mundo sem pensar?” Não estamos dizendo que não devemos pensar; seria infantil dizê-lo.
Vocês sabem qual é o problema. Por conseguinte, ao perguntarem “O que devo fazer?” —precisam descobrir quem é que está fazendo essa pergunta... É ainda o pensamento? Se é, podemos agora investigar a questão da origem do pensamento.
Não dizemos que o pensamento deve cessar, pois o pensamento tem uma função definida. Sem ele, não poderíamos nos dirigir ao escritório, não saberíamos nosso próprio endereço, nenhum possibilidade teríamos de funcionar. Mas, se desejamos efetuar uma revolução radical em toda a consciência, na própria estrutura do pensar, devemos compreender que o pensamento, que criou esta sociedade, com toda a confusão nela existente, não pode em absoluto dissolvê-la.
(...)O pensamento é essencialmente conservador. O pensamento quer ocupado com o futuro, quer com o presente, funciona sempre com base no passado, em suas memórias, seu condicionamento, seu conhecimento. O pensamento é a essência mesma da segurança, e é isso o que a mente, conservadora por excelência, também quer — segurança, sempre segurança, em todos os níveis! Para se efetuar uma total mudança na consciência humana, deve o pensamento funcionar num certo nível que lhe compete, mas não deve transbordar para outra esfera em que o pensamento não tem realidade alguma. Se eu não pensasse, não poderia falar. Mas, não é possível efetuar-se nenhuma transformação radical em mim mesmo, como ente humano, por meio de uma ideia, de um pensamento, porque o pensamento só é capaz de funcionar em conjunção com o conflito. O pensamento só pode criar conflito.
Dito isto, se, como espero, tenham muito interesse, devem perguntar a si mesmos qual é a origem do pensar.(...) Esta é uma pergunta sobremodo complexa, cuja compreensão requer uma mente muito sutil e destemida. No momento em que se descobre realmente a origem do pensar, o pensamento recebe o lugar que lhe compete e não transbordará para outra esfera, outra dimensão onde não há lugar para ele. Só nessa dimensão pode-se operar a transformação radical; só nela pode nascer uma coisa nova, não produzida pelo pensamento.(...)
Jiddu Krishnamurti – Encontro com o eterno