Consciente ou inconscientemente sabemos que a morte significa a cessação do pensamento, ou disso que pensamos ser “pensamento”; a cessação do EU, embora este esteja sempre a inventar estruturas e esperanças. Morremos por doença, velhice, acidente, ou deliberadamente pomos fim à nossa vida, vendo que é tão fútil e tediosa, com sua insuportável rotina. Não vemos na vida, nenhum significado, nenhuma felicidade. Com efeito, se o observarmos bem, mal podemos descobrir em nosso viver alguma significação. Seguimos vivendo, dia por dia, com nossa rotina, nosso tédio, a repetição de nossos prazeres e dores e tudo o mais que constitui a nossa existência sem sensibilidade e sem significação. Ao percebermos isso, procuramos dar significado à vida inventamos uma significação: Deus, atividades elevadoras, preenchimento, escrever livros, fazer isto e mais aquilo — a atividade incessante desse macaco que é o EU.
Temos medo de morrer. Para pormos fim ao medo da morte, temos de entrar em contato com a morte, não com a imagem que o pensamento criou a respeito da morte, porém devemos sentir realmente aquele estado. De outro modo, o medo não tem fim, porque a palavra “morte” gera medo e não gostamos de pronunciá-la. Podemos, como entes equilibrados, normais, capazes de raciocinar claramente, de pensar e observar objetivamente, entrar totalmente em contato com o fato? O organismo, pelo constante desgaste, ou por doença, terá de, afinal, morrer. Se somos pessoas equilibradas, desejamos descobrir o que significa a morte. Não é esse um desejo mórbido, porquanto é bem possível que, pelo morrer, compreendamos o viver. Nosso viver atual é tortura, infinita agitação, contradição e, por conseguinte, conflito, aflição e confusão. Ir todos os dias para o trabalho, a repetição de prazeres e concomitantes dores, o tatear, as incertezas — isso é o que chamamos “viver”. Já nos habituamos a essa espécie de vida. Aceitamo-la, com ela envelhecemos e morremos.
Para descobrirmos o que é viver, e também descobrir o que é morrer, precisamos entrar em contato com a morte, isto é, temos de finalizar, todos os dias, tudo o que conhecemos. Temos de destruir a imagem que formamos a respeito de nós mesmos, de nossa família, de nossos conhecidos, a imagem que formamos por meio do prazer, por meio de nossas relações com a sociedade; temos de destruir tudo. É isso o que de fato vai suceder quando a morte chegar. Saberemos então o que significa morrer e, também, o que significa viver, porque morreremos então para todas as aflições, todos os conflitos, todas as lutas. Só no morrer há uma coisa nova. Nunca haverá nada novo enquanto o tempo existir. O novo só pode vir quando o tempo finda, o tempo, que é duração. O tempo, tal como o conhecemos, é ontem, hoje e amanhã. Nessa corrente do tempo estamos a debater-nos, tentando, dentro dela, resolver os nossos problemas.
O problema só poderá ser resolvido quando o tempo terminar — o tempo como ontem, hoje e amanhã. Temos de morrer para a memória, para as ofensas, para todas as imagens que formamos com o presente — imagens relativas a nós mesmos, aos outros, ou ao mundo. Entra-se então em direto contato com a realidade, a qual tanto é o viver como o morrer e na qual não existe medo nenhum. Essa realidade só pode verificar-se na total inação — na inação em que o pensamento, tendo compreendido o lugar que lhe compete, nenhuma existência tem numa diferente dimensão.
Jiddu Krishnamurti — Encontro com o eterno