É verdadeiramente interessante observar o funcionamento de nosso próprio pensar, observar essa reação que chamamos pensar. De onde ela nasce? Obviamente da memória. Existe um começo do pensamento?... "Posso descobrir o começo do pensamento, isto é, o começo da memória?" — pois se vocês não tivessem memória não teriam o pensamento. Qual é o começo do pensamento, e tem ele alguma importância? O pensamento tem para nós extraordinária importância. Quanto mais inteligente, e sagaz, e sutil, tanto melhor sabemos expressá-lo. Vocês sabem quantas ideias, racionais ou não, enchem os livros dos intelectuais, teólogos ou não teólogos — de Santo Tomás, ou de Sankara, ou dos intelectuais do Extremo Oriente. Quer no campo sectário, religioso, quer no campo não religioso, encheram-se milhares de livros de ideias e nós veneramos esses livros e essas ideias, que são para nós de tremenda importância. Estamos fortemente condicionados. E, aqui, quando falamos sobre ideias, as estamos atacando nas próprias raízes, e não simplesmente umas poucas ideias insignificantes; estamos atacando todas as formulações de ideias.
Para nós, o pensar — ideias, ideais — o analisar, o apresentar dialeticamente opiniões, etc. se tornou extraordinariamente importante. E, aqui, estamos questionando todo esse edifício — inclusive o edifício da Igreja, com todos os seus dogmas e crenças, suas fórmulas de Deus, da Virgem Maria e do salvador. O mundo cristão e o mundo asiático têm, cada um deles, sua estrutura própria, seu próprio edifício, seus próprios andaimes para alcançar os Deuses, e quando falamos sobre o pensamento como ideia e tempo, estamos questionando tudo isso.
Como entes humanos que têm de viver nesta sociedade monstruosa e horrível, com suas brutalidades, seus "pecados" e ansiedades, seus temores e guerras e desesperos — estamos nos interrogando: "Pode isso acabar?" — não como esperança, porém como fato? Pode a mente tornar-se vigorosa, nova e inocente, para que possa olhar esta existência e criar um mundo totalmente diferente?
Como vemos, separamos a ação da ideia e, para nós, as ideias se tornam muito mais importantes do que a ação. Mas, as ideias estão sempre no passado e a ação sempre no presente. Como esse presente vivo nos assusta, o passado e as ideias se tornam importantíssimos, e por isso há a morte.
Um dos fatores da vida é a morte. Temos medo do viver, da velhice, da doença, da dor e do sofrimento, que conhecemos desde o momento de nascermos até o momento de morrermos. Isto é o que chamamos viver. E temos medo também de algo que desconhecemos, e que chamamos morte. Esse campo, todo inteiro, é nossa vida.
Vê-se como o pensamento cria o medo... Temos, pois, medo da vida e medo da morte, do conhecido e do desconhecido, e esse medo é gerado pelo pensamento. Acumulei experiência, alcancei um certo posto, uma certa posição, adquiri um certo saber que me dá vitalidade, energia, impulso. Esse ímpeto (momentum) do pensamento me sustenta e tenho medo de perdê-lo. A todo aquele que ameaça meu triunfo, meu êxito, meu pedestal, eu detesto, odeio, sou seu inimigo. Ora isso é bem óbvio. Vocês não sabem, quando em seus negócios, ou em suas atividades de instrutor, alguém lhes supera, não sabem como sentem medo, hostilidade? Continuam a falar em Deus, em vida espiritual, etc., mas no coração de vocês há veneno. Vocês têm medo de perder suas posições, e também sentem medo de outra coisa muito mais temível que há de vir a morte. Pensam, pois, na morte e, nela pensando, estão criando aquele intervalo entre o viver e aquilo que chamam "morte". Isso é bastante simples. As coisas que sabem, os prazeres, as alegrias, os divertimentos, o conhecimento, a experiência, os triunfos, os desesperos, os conflitos, os domínios, suas casas, suas famílias, suas insignificantes nações — a tudo isso estão ferozmente apegados, porque é só o que possuem. Pelo pensar nessas coisas, criam um intervalo entre o que pensam, como ideia, ser duradouro, e o fato real.
O pensamento gera, por meio do tempo, não só o medo de viver, senão também o medo da morte, e porque a morte é algo que desconhecem, o pensamento diz: "Adiemo-la, evitemo-la, mantenhamo-la o mais distante possível, não pensemos nela". Mas vocês pensam nela, Quando dizem "não quero pensar nela", nela já pensaram. Vocês têm idealizado maneiras de fugirem dela e sabem evitá-la por vários meios — igrejas, deuses, salvadores, a ressurreição e a ideia de que existe um EU permanente, eterno, que a Índia, que a Ásia inventou. Isto é, o pensamento afirmou-nos muito sutilmente que, em vocês, em mim, existe uma realidade que existirá eternamente — mas isso, uma vez que é "coisa pensada", não é o real. O pensamento criou a ideia de um EU eterno — alma, Atman, — a fim de encontrar a segurança, a esperança, mas toda coisa criada pelo pensamento já é de "segunda mão", porque o pensamento é sempre velho. Tememos a morte, porque a temos adiado. Assim, deparamo-nos com o problema de como transcender essa coisa chamada viver e a coisa chamada morte. Existe real separação entre as duas? Compreendem? Viver intensamente significa, decerto, morrer para todas as coisas de ontem — todos os prazeres, conhecimentos, opiniões, juízos, nossos estúpidos e insignificantes sucessos; morrer para tudo isso; morrer para a família, para as nossas conquistas, que só tem produzido caos no mundo e tamanho conflito em nós mesmos. Pois esse morrer cria uma intensidade, um estado mental em que o passado deixou de existir, e o futuro, na figura da morte, extinguiu-se. Assim, viver é morrer; não podem viver se não há morrer. Mas, a maioria de nós sente medo porque deseja segurança, deseja a continuidade da aflição que conhecemos, da doença, da dor, do prazer, da ansiedade. Porque evitamos e repelimos a morte (o pensamento repele a morte), há o medo ao conhecido e o medo ao desconhecido. Quando não existe intervalo entre a morte e o viver, sabe-se então o que significa o morrer, morrer para tudo o que temos. Torna-se então a mente sobremodo juvenil e ardorosa, vigilante e inocente. Quando morremos para os milhares de dias passados — então viver é morrer. Só nesse estado o tempo cessa, e o pensamento só funciona onde dele necessitamos e em nenhum outro nível, em nenhum outro caso, em nenhuma outra de nossas pretensões.
Jiddu krishnamurti — Como viver neste mundo