Observar uma coisa objetiva é
bastante simples. Mas, observar o que está se passando interiormente, em nós,
observar nossa violência, nosso sofrimento, com clara atenção, já não é tão
simples. Tal atenção, tal observação, nega totalmente qualquer espécie de inclinação
ou tendência pessoal ou de compulsão por parte da sociedade; é como observar o
movimento de um rio. Sentado na margem do rio, você pode observar o seu fluir,
ver tudo. Mas você, que está sentado na margem, e o movimento do rio, são duas
coisas diferentes; você é o observador, e o movimento do rio é a coisa
observada. Mas, quando você está dentro d'água — e não sentado na margem — você
faz parte desse movimento e não há nenhum observador. Do mesmo modo, observe a
violência e o sofrimento, não como observador a observar uma coisa, porém sem
espaço entre observador e coisa observada. Isso faz parte da investigação total,
da meditação sobre a vida.
(...)É possível perceber a coisa em seu todo, imediatamente? — não
intelectualmente, porque se ela é formulada como um problema intelectual não se
encontra nenhuma solução e a pessoa acaba se suicidando de fato ou inventando
alguma teoria, uma crença, um dogma, um conceito e a ele se escravizando — o
que é também uma forma de suicídio; ou voltando às velhas religiões,
tornando-se católico, protestante, hinduísta, seguidor do Zen, etc.
A questão, pois, é se há
possibilidade de ver a coisa em seu todo imediatamente, e com esse ato de ver
colocar-lhe fim.(...) Ninguém pode responder esta pergunta senão você mesmo —
isto é, quando a ela responde sem depender de nenhuma autoridade, de quaisquer
conceitos intelectuais ou emocionais, quaisquer formas ou ideologias. Mas, como
dissemos, isso exige muita seriedade e séria observação — observação quando
está sentado no ônibus, de tudo que o cerca; observação daquilo que está diante
de você mesmo, movendo-se, transformando-se; observação, sem motivo algum, de
todas as coisas como são. O que é tem muito mais importância do que o que
deveria ser. Como resultado desse zelo, dessa atenção, talvez venhamos a saber
o que é amar.
(...) Assim, observar significa:
observar sem a interferência de nosso fundo. Entendem? Todo o nosso ser,
que está a olhar, é o nosso fundo — cristão, francês,
intelectual. Pela observação, descobre-se esse fundo; e observá-lo sem nenhuma escolha,
nenhuma inclinação, é uma disciplina tremenda — não a absurda disciplina do
ajustamento, de imitação. Essa observação torna a mente sobremodo ativa,
sobremodo sensível.
(...) Você já esteve alguma vez
diretamente em contato com alguma coisa, uma árvore, uma flor, um ente humano;
diretamente, e não através da imagem? Quando você olha uma árvore, no parque,
há sempre o observador e a coisa observada: você está a observar a árvore, e há
espaço entre o observador e a coisa observada. Estar em contato direto (você
pode tocar a árvore, mas isso não é contato, nem o é você se identificar com a
árvore; não se trata disso, que é uma outra espécie de ginástica mental) —
estar em contato direto é coisa de todo diferente, é não ter espaço algum. É o
que se verifica quando se tomam certas drogas — LSD, etc. — o espaço desaparece. Mas essa é
uma espécie inteiramente diferente, pois aquele que espaço volta, obrigando a
pessoa a repetir a droga, etc., e o resultado é que ela fica a deteriorar-se, a
cansar-se cada vez mais da droga e a obter efeitos cada vez menores. Mas quando
a pessoa é capaz de observar sem o observador, quer dizer, sem o fundo,
sem conceitos ideológicos, sem a memória, o espaço desaparece então totalmente,
entre as pessoas, e nesse estado talvez não haja medo, porém uma coisa chamada
(podemos servir-nos da palavra "verbalmente") amor.
(...) É o pensamento que cria o
intervalo de tempo gerador da desordem. Ver uma coisa com toda a clareza, na
ausência do pensamento, é ver imediatamente; não há intervalo de tempo: ver é
agir. Para ver muito claramente, sem nenhuma confusão, deve a mente estar em
perfeito silêncio. Se desejo ver-lhes, compreender-lhes, minha mente deve deter
o seu tagarelar, está visto. Naquele estado de incessante monólogo, de tagarelice
mental, não é possível ver coisa alguma claramente. Só quando a mente está
quieta, é possível ver com clareza; mas não se pode silenciar a mente mediante
coerção, disciplina.
Só vem a quietação da mente
quando se percebem todas as implicações do medo, da autoridade, do tempo e da
separação entre o observador e a coisa observada; quando se percebe a estrutura
total. Para ver a estrutura total, é óbvio que a mente deve estar quieta;
precisamos aprender a olhar — não só as coisas mais complexas, mas também uma
árvore, uma flor, uma nuvem — sem nenhum movimento do pensamento; olhar
simplesmente.
Penso que muitos daqueles que
tomam drogas fazem-no para eliminar a separação entre o observador e a coisa observada,
a fim de experimentar aquele estado peculiar; mas, como ele é provocado
artificialmente, as pessoas ficam em condições mais deploráveis do que nunca. A
droga lhes proporciona, momentaneamente, uma nova sensibilidade; quimicamente produz
uma alteração temporária na estrutura das células cerebrais. Nesse estado as
coisas são experimentadas com muita clareza, com muita intimidade; não há
separação alguma, devido à total ausência do pensamento, na forma do EU, com
todas as suas memórias. Quanto mais e experimenta dessa maneira, tanto mais
desejadas se tornam as drogas, para as pessoas poderem manter-se naquele
estado.
(...) Quando compreendemos
integralmente a natureza do tempo e do pensamento, deles nos desembaraçamos,
não há então nenhuma necessidade de buscar o significado da vida. Há, então, um
estado completamente diferente, não produzido pelo pensamento, estado que
naturalmente não se pode explicar por meio de palavras. Quanto mais o explicamos
por meio de palavras, tanto menos significativo ele se torna. Mas, quando
realmente o encontramos a mercê da observação, esse estado mental, decerto, é a
mente libertada. Nada tem que ver com qualquer crença organizada, qualquer dogma.
Jiddu Krishnamurti — A essência da
maturidade — ICK