(...) Não nos interessam
opiniões. Elas só podem servir para dissertações dialéticas. E nós estamos
tratando de coisa inteiramente diferente. Estamos interessados no processo
total do viver; esse processo, como se pode observar, está sempre criando
imagens a respeito de nós mesmos e de outros — imagens que se formam através da
experiência, através do conflito. A essa imagem ora se adiciona, ora se subtrai
algo, mas o fator central daquela energia criadora das imagens é constante. Temos
alguma possibilidade de superá-lo? Estamos conscientes da existência, dentro de
cada um de nós, de uma imagem de nós mesmos, consciente ou inconsciente? Quer
dizer, uma pessoa pode ter de si a imagem de uma entidade superior ou de um
ente sem capacidade, ou de uma entidade agressiva, orgulhosa — enfim, todas as
nuanças e sutilezas de que pode constituir-se tal imagem. Sem dúvida nenhuma,
cada um possui essa imagem de si próprio. Nós a temos mesmo em plena juventude
(pois a idade nada tem a ver com isso) e, com o passar dos anos, ela se vai
consolidando e cristalizando cada vez mais... até não haver mais remédio.
Estamos conscientes dessa imagem?
Se estamos, QUEM é a entidade que se torna consciente da imagem? Compreendem? A
imagem é diferente de seu criador? (...) Entendem? Posso ver que tenho uma
imagem de mim mesmo: sou isto e sou aquilo; um grande homem ou um homem
insignificante; meu nome é conhecido ou desconhecido, enfim toda a estrutura
verbal e não verbal que se ergue em torno de mim, consciente ou
inconscientemente. Percebo que essa imagem existe, se presto atenção, se me
ponho vigilante. E observador que a percebe sente-se diferente dela. Não é isso
o que está ocorrendo? (...) E o observador
começa então a dizer, de si para si, que a imagem é o fator responsável pela
deterioração e que, portanto, terá de destruí-la a fim de alcançar um resultado
superior — rejuvenescer a mente, etc. — Compreendendo que essa imagem é o fator
de deterioração, faz um grande esforço para libertar-se dela.(...) Ele (o observador) luta, explica, justifica, acrescenta;
esforça-se para transformá-la numa imagem melhor; transfere-a para uma dimensão
diferente, uma diferente parte do campo a que chama "vida". O
observador, pois, ou se empenha em destruir a imagem, ou em acrescentá-la, ou
ultrapassá-la. É o que estamos fazendo a todas as horas. E nunca nos detemos
para investigar se o observador não é o criador da imagem e, por conseguinte,
ele próprio a imagem. Assim, uma vez compreendido esse fato, — não verbal porém
realmente —isto é, que o observador é o criador da imagem e, com sua ação, não
só destrói a imagem que então tem de si próprio, mas também cria outra imagem e
continua a criar imagens, indefinidamente, lutando, esforçando-se, controlando,
alterando, ajustando; uma vez claramente compreendido que o observador é a
coisa observada, cessam todos os esforços para alterar ou transcender a imagem.
(...) Assim, ao perceber-se que o
observador é o criador de imagens, todo o nosso processo de pensar passa por
uma enorme mudança. E, portanto, a imagem é o conhecido, não? Podem não estar
conscientes dela; podem não estar conscientes de seu conteúdo, de sua forma, de
suas peculiares nuanças, sutilezas — mas essa imagem, quer dela estejamos
conscientes, quer não, se encontra no campo do conhecido.
(...) Enquanto a mente, em seu
todo — ou seja, a mente, o cérebro e o corpo — estiver funcionando no campo da
imagem, que é o conhecido — do qual podemos estar conscientes ou não — nesse
campo estará sempre o fator de deterioração.
(...) O problema é se a mente —
que é o resultado do tempo, psicológico e cronológico, resultado de milhares de
experiências, de inúmeras tensões e pressões, do conhecimento técnico, da
esperança, do desespero, de tudo o que passa o ente humano, das inúmeras formas
de medo — o problema é se a mente funciona sempre dentro desse campo, desse
campo do conhecido. Emprego a palavra "conhecido" compreendendo,
inclusivamente, o que pode existir dentro daquele campo e que ainda não
observaram; isso também é conhecido. É esse o campo em que a mente funciona: sempre
o campo do conhecido. O conhecido é a imagem criada pelo intelecto ou por
pensamentos sentimentais, emocionais, românticos — pensamentos de toda espécie.
Enquanto suas atividades, seus pensamentos, seus movimentos estiverem
confinados no campo do conhecido (onde se processa a criação das imagens), é
inevitável a deterioração, não importa o que se faça. Temos, assim, a questão:
É possível esvaziar a mente do conhecido? (...) Essa pergunta — se é possível
livrar-nos do conhecido — já deve ter sido feita, vagamente ou com um propósito
definido, porque todos sofremos, temos ansiedades e vagos pressentimentos dessa
possibilidade. Estamos agora a fazê-la como uma pergunta que tem de ser
respondida, como um desafio a que se tem de reagir — não a um desafio exterior,
porém um desafio interior, psicológico.
(...) pode-se ver muito claramente
que só há compreensão, ação, quando a mente está totalmente quieta. Isto é,
digo que compreendo ou que vejo uma coisa com muita clareza quando a mente está
de todo silenciosa. Você diz-me algo que me agrada ou desagrada. Se me agrada,
presto alguma atenção; se não, nenhuma atenção lhe dou. Ou eu ouço o que você
está dizendo e traduzo-o de acordo com minha idiossincrasia, minha inclinação,
justificando, etc. etc. Não o escuto, absolutamente. Ou me oponho ao que você
diz, porque tenho uma imagem de mim mesmo, e essa imagem reage.(...) Desse modo, eu não ouço nem
escuto. Oponho objeções; discordo; torno-me agressivo. Mas tudo isso,
evidentemente, me impede de compreender. Eu desejo compreender-lhe. Entretanto,
só posso compreender-lhe se nenhuma imagem tenho de você. E, se me é completamente
desconhecido, um estranho, nenhum interesse tenho no que você diz; não quero,
sequer, compreender-lhe, porquanto você está completamente fora da órbita de
minha imagem: não estou em relação com você. Mas, se você é um amigo, um
parente, meu marido, minha mulher, etc., tenho a respectiva imagem; e a imagem
que de mim você tem e a que tenho de você — essas imagens estão em relação
entre si. Todas as nossas relações se baseiam nisso. Vê-se muito claramente que
é só quando a imagem não interfere — imagem na forma de conhecimento,
pensamento, emoção, etc. — que posso olhar, que posso ouvir, que posso
compreender. Isso ocorre com todos nós. Quando, após discutir, argumentar,
demonstrar, etc., a sua mente se torna de súbito quieta e você percebe o fato,
diz: "Agora sim, compreendi!" — Essa compreensão é ação, e não ideia.
(...) Quando o observador é a
imagem e, por conseguinte, nenhum esforço faz para alterar ou aceitar a imagem,
e só existe o fato — O QUE É —, então, a observação desse fato opera radical
transformação do próprio fato. Isso só pode verificar-se quando o observador é
a coisa observada. Não há nada de misterioso nisso. O mistério da vida está
acima de tudo isso — da imagem, do esforço, da atividade centralizada,
egocêntrica, subjetiva. Existe um imenso campo e, nele, uma certa coisa que
jamais pode ser encontrada através do conhecido. E o "esvaziar" da
mente só pode verificar-se não verbalmente, quando não há observador nem coisa
observada. Tudo isso exige imensa atenção e percebimento, que não é
concentração.
(...) Há percebimento quando a
pessoa observa (e isso qualquer um pode fazer) não só as coisas exteriores, a
árvore, o que os outros dizem, o que ela própria pensa, etc., mas também quando
observa interiormente, sem escolha. Quando observa simplesmente, sem escolha
alguma. Porque a pessoa só escolhe quando há confusão, e não quando há clareza.
Só há percebimento quando não há
escolha; ou ao estarmos conscientes de todas as escolhas e desejos
contraditórios e da tensão respectiva: no observarmos todos os movimentos da
contradição. Quando se sabe que o observador é a coisa observada, não há nesse
processo escolha alguma, porém, tão-só, observação do que É, e isso difere
inteiramente da concentração. Esse percebimento produz uma atenção de tal
qualidade que não há observador nem coisa observada... Nesse estado de atenção
há silêncio. Produz essa atenção um extraordinário estado de renovação, de
juvenilidade, estado em que a mente se torna vigorosa, completamente nova. Esse
"esvaziar" da mente de todas as experiências que teve é meditação.
(...) A meditação é um processo
que exige muita energia; não é simples ocupação para gente velha, que nada tem
que fazer. Requer intensa e continuada atenção. Acharão então, por vocês
mesmos... não, não acharão nada: não se está procurando nenhuma experiência,
não há nada para achar. Quando a mente está totalmente quieta, não por qualquer
espécie de sugestão, de hipnotismo ou qualquer outro método — nessa total
quietação há um estado, uma dimensão diferente, que o pensamento jamais tem
possibilidade de imaginar ou de experimentar. Ela se encontra acima de toda
busca. Já não há buscar. A mente toda iluminada não busca. Só aquela que está
na obscuridade, confusa, busca permanentemente e espera achar alguma coisa. E o
que acha é sempre resultado de sua confusão.
Jiddu Krishnamurti — A importância da Transformação