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quinta-feira, 19 de abril de 2018

O silêncio não pode ser experimentado pelo “eu”


O silêncio não pode ser experimentado pelo “eu”

[...] PERGUNTA: Se a compreensão não é permanente, se só se apresenta “num clarão”, que acontece no intervalo entre “clarões”?

KRISHNAMURTI: É preciso compreender a natureza íntima da experiência. Para a maioria de nós a experiência é uma reação, é a “resposta” de nossa memória a um desafio. Essa memória das coisas que conhecemos pode ser antiga ou moderna, superficial ou profunda, e nós “experimentamos” de acordo com esse fundo. As novas experiências vão sendo acumuladas, armazenadas, e tornam, assim, cada vez mais forte o fundo.

Ora, quando há um “clarão de compreensão”, isso não constitui nenhuma “resposta” daquele fundo. Nesse momento, o fundo se mantém em silêncio. Se ele não está em silêncio, não há compreensão, porque, então, apenas interpretais em termos do “velho” aquilo que ouvis ou vedes. O “clarão da compreensão” não é contínuo, não é permanente. A continuidade ou permanência pertence inteiramente ao fundo de experiência e conhecimento que, perpetuamente, está respondendo aos desafios. A compreensão só vem num clarão; e como surge esse clarão? Esse clarão não pode verificar-se na mente indolente, deformada, tradicional, embotada, entorpecida, nem tampouco naquela que visa ao poder, à posição, ao prestígio. O clarão da compreensão só pode ocorrer na mente alertada; e que continua alertada, mesmo quando nenhum clarão ocorre. Essa mente está sempre desperta, vigilante. Estar vigilante, sem diferenciar, observando cada movimento de pensamento e de sentimento, vendo tudo o que se passa — isso é bem mais importante do que aguardar o clarão da compreensão.

[...] PERGUNTA: Quando a mente está perfeitamente quieta, silenciosa, quem está consciente desse silêncio?

KRISHNAMURTI: Quando sois alegre, feliz, no momento em que vos cientificais desse estado, já não sois feliz. Já notastes isso? Não? No momento em que vos identificais com a felicidade, acabou-se a felicidade. Ela é então, apenas, uma lembrança. O silêncio não pode ser experimentado pelo “eu”. Talvez examinemos esta questão quando eu voltar a falar sobre a meditação.

INTERPELANTE: Uma das causas de conflito em mim é a questão de saber o que é correto fazer.

KRISHNAMURTI: Senhor, que é compaixão? Não é um estado de simpatia, piedade, consideração? E nele, por certo, não há o sentimento de ajuda a outrem. Estou aqui ajudando a todos os que me ouvem? Espero que não. Digo-o a sério. Se tenho o sentimento de vos estar ajudando, nesse caso considero-me uma pessoa de maior saber e, desse modo, torno-vos meus seguidores. Não nos referimos a ajudar-nos uns aos outros mas, sim, procuramos descobrir o verdadeiro; e esse descobrimento exige imensa compaixão. Nesse estado de compaixão, podemos dar ajuda, dar simpatia a outro, mas não há conflito interior.

Krishnamurti, Saanen, 7 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

sábado, 22 de abril de 2017

Sobre guardar silêncio e o falar


Nós índios sabemos do silêncio. Não o tememos.

De fato, para nós é mais poderoso que as palavras…

Nossos anciãos foram educados nas maneiras do silêncio, e eles nos transmitiram esse conhecimento. Observa, escuta, e logo atua, nos diziam. Essa é a maneira de viver.

Observa os animais para ver como cuidam de suas crias. 

Observa aos anciãos para ver como se comportam.

Observa o homem branco para ver o que quer...

Sempre observa primeiro, com coração e mente quietos, e então aprenderás. 

Quando tenhas observado o suficiente, então poderás atuar. 

Com vocês é o contrário. Vocês aprendem falando. 

Premiam as crianças que falam mais na escola. 

Em suas festas todos tratam de falar. 

No trabalho sempre estão tendo reuniões nas quais todos interrompem a todos, e todos falam cinco, dez ou cem vezes... e o chamam "resolver um problema". 

Quando estão numa residência e há silêncio, tornam-se nervosos. Têm que encher o espaço com sons. 

Assim, falam impulsivamente, inclusive antes de saber o que vão dizer. 

O povo branco gosta de discutir. Nem sequer permitem que o outro termine a sua frase. Para os índios, isto é muito desrespeitoso e, inclusive, muito estúpido...

Sempre interrompem.

Se começas a falar, eu não vou lhe interromper. O escutarei.  

Quem sabe deixe de lhe escutar se for desagradável o que estejas dizendo. 

Porém, não vou lhe interromper... Quando terminares, tomarei minha decisão sobre o que dissestes, porém, não lhe direi nada se não estiver de acordo, a menos que seja importante... Ao contrário, simplesmente me manterei calado e me afastarei.

Me dissestes o que necessito saber...

Não há nada mais a dizer.

Porém, isso não é o suficiente para a maioria da gente branca. 

A gente deveria pensar em suas palavras como se fossem sementes.

Deveriam plantá-las, e logo lhes permitir cresceeme em silêncio. 

Nossos anciãos nos ensinaram que a terra sempre nos está falando, mas que devemos guardar silêncio para lhe escutar. 

Existem muitas vozes além das nossas. Muitas vozes...

"Guarda tua língua na juventude", disse o velho chefe Wabashaw, “e na maturidade, quem sabe, firmes um pensamento que seja de utilidade a teu povo”.

(Ohiyesa/Dr.Charles A. Estman, Dakota santee, 1902)



Extratos do livro "Nem lobo nem cão. Por caminhamos esquecidos com um índio ancião" de Kent Nerburn.

sábado, 31 de janeiro de 2015

A extasiante voz do silêncio

Existe um som cheio de êxtase pulsando constantemente no interior de todos nós. Precisamos apenas aprender a ficar em silêncio para ouvi-lo. Como a mente é muito barulhenta, nem sempre ela é capaz de ouvir a pequena voz do coração, que é tranquila e calma. 

A menos que tudo esteja quieto, você nunca a ouvirá, mas essa é a voz que conecta você com a existência. Quando enfim conseguir ouvi-la, você poderá então concentrar-se e deslizar rumo a ela com facilidade. Sempre que você se conectar com esta voz, se sentirá rejuvenescido e com uma enorme força e vitalidade.

Ao entrar em sintonia com esse som interior, você se unirá ao divino. E conseguirá estabelecer a conexão em qualquer lugar, até mesmo no trabalho ou no shopping — nem todos os ruídos do mundo o impedirão de ouvi-lo. 

Sempre que puder, mesmo que seja apenas durante uma hora por dia, sente-se e ouça os sons ao seu redor. Sem nenhuma finalidade específica, sem tentar interpretá-los, apenas ouça. Aos poucos a mente vai deixando de prestar atenção no som e torna-se silenciosa. 

É nesse momento que um novo som passa a ser ouvido, um som que não vem de fora mas de dentro. Este é o sinal de que o caminho está aberto dentro de você. Aqueles que sabem percorrer o caminho vivem em um mundo totalmente diferente, em outra realidade.

OSHO

Faça as pazes com seu inimigo

Não tente parar a mente. Ela faz parte de você — será loucura tentar pará-la. É como uma árvore tentando impedir que suas folhas cresçam: as folhas fazem parte de sua natureza. 

A primeira coisa a fazer é não tentar interromper seus pensamentos. Em segundo lugar, é preciso divertir-se com a mente, apreciá-la e dar-lhe as boas-vindas. Ao fazer isso, você começará a se tornar mais alerta e mais perceptivo da existência e do funcionamento da mente. 

Mas essa consciência precisa se dar de forma natural. Quando você tenta ficar mais alerta, a mente o distrai e você acaba ficando irritado, pois tem a impressão de que se trata de uma mente desagradável, que está constantemente tagarelando, quando o que você quer é permanecer em silêncio. 

O risco é você começar a encarar a mente como um inimigo. Isso não é bom, pois significa que você está dividido. Se você e sua mente ficarem em lados opostos do ringue, conflitos e atritos começarão a surgir. Todo enfrentamento é de certa forma um suicídio, porque significa energia sendo desperdiçada. Como não temos tanta energia sobrando para que possamos esbanjá-la lutando contra nós mesmos, é mais inteligente que ela seja usada para alegria. 

Comece se divertindo com a maneira pela qual o pensamento é processado. Note as nuances dos pensamentos, as voltas que eles fazem e como uma coisa leva a outra. É realmente um milagre a ser apreciado. Um pensamento mínimo pode levá-lo ao extremo mais distante e, se você olhar atentamente, não perceberá conexão alguma. 

Divirta-se com esse processo aleatório. Deixe o jogo rolar e jogue-o sem hesitação — você se surpreenderá com a insuspeita beleza da ausência de ação e de pensamento. De repente, você perceberá que um cão está latindo, mas sua mente continua em silêncio. Nenhuma corrente de pensamentos se inicia. Pequenas pausas surgirão... mas elas não devem ser criadas por você. É importante que elas surjam espontaneamente e, quando surgirem, serão belas. Esses pequenos intervalos permitem que você observe o observador. Mais uma vez os pensamentos surgirão e você se sentirá bem. Vá com calma, sem pressa. A consciência chegará a você naturalmente. 

Observar, apreciar e acompanhar o ritmo dos pensamentos é tão belo como apreciar o mar revolto. Pena que as pessoas não desfrutem as ondas em sua própria consciência com o mesmo prazer que observam as ondas do mar. 

OSHO

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Sobre o silêncio

O silêncio é geralmente entendido como algo negativo e vazio, uma ausência de sons. Esse engano prevalece porque pouquíssimas pessoas já sentiram o silêncio.

Tudo o que as pessoas perceberam como silêncio é ausência de ruídos. Mas ele é algo diferente, é totalmente positivo. Faz parte da existência, não é vazio.

Transborda com uma música que nunca se ouviu antes, como uma fragrância pouco conhecida e uma luz que só pode ser vista pelo olhar interior.

O silêncio não é algo fictício: é uma realidade que já esta presente em todos nós — mas nunca olhamos para dentro.

O seu interior tem sabor, fragrância e luz própria. É total e eternamente silencioso. Nenhuma palavra pode chegar lá, mas você pode.

O centro do seu ser é um centro de um ciclone. Tudo o que acontece ao redor não o afeta. Ele é o silêncio eterno: dias e anos vêm e vão, eras passam. As vidas transcorrem, mas o silêncio eterno do seu ser permanece imutável: a mesma música sem som, a mesma fragrância divina, a mesma transcendência em relação a tudo que é mortal e momentâneo.

Ele não é o seu silêncio.

Você é ele. Não é algo que você possua, mas algo que possui você e nisso reside a grandeza dele. Nem mesmo você está ali, porque a ter mesmo tua presença já seria uma pertubação.

O silêncio é tão profundo que não há ninguém dentro dele. E esse silêncio lhe trás a verdade,o amor e milhares de outras bênçãos."

( Osho )

domingo, 4 de janeiro de 2015

O silêncio: a verdade atemporal

Todos nós temos os nossos brinquedos que nos absorvem, e, por isso, pensamos que estamos muito quietos; mas, se um homem se dedica a uma certa forma de atividade, científica, literária ou qualquer outra, o brinquedo apenas o absorve e ele não está, em absoluto, totalmente quieto.

O único silêncio que conhecemos é o silêncio que vem quando cessa o barulho, o silêncio que vem quando o pensamento cessa; mas isso não é silêncio. O silêncio é coisa toda diferente, como a beleza, como o amor. Esse silêncio não é o produto de uma mente quieta, não é o produto de células cerebrais que, tendo compreendido toda a estrutura, dizem: "Pelo amor de Deus, fica quieto!"; são, então, as próprias células cerebrais que produzem o silêncio, e isso não é silêncio. Tampouco é o silêncio produto da atenção em que o observador é o objeto observado; não há então atrito, mas isso não é silêncio.

Estais esperando que eu vos descreva o que é esse silêncio, a fim de poderdes compará-lo, interpretá-lo, levá-lo e enterrá-lo. Ele é indescritível. O que pode ser descrito é o conhecido, e o estado livre do conhecido só pode tornar-se existente quando há um morrer todos os dias para o conhecido, para os insultos, as lisonjas, para todas as imagens que tendes formado, para todas as vossas experiências: morrer todos os dias, para que as células cerebrais se tornem novas, juvenis, inocentes. Mas, essa inocência, esse frescor, essa "qualidade" de ternura e delicadeza não produz o amor; não é a "qualidade" da beleza ou do silêncio.

Aquele silêncio, que não é o silêncio do fim do barulho, é só um modesto começo. É como passar por um túnel estreito para se chegar a um oceano imenso, vasto, extenso — a um estado imensurável, atemporal. Mas isso não se pode compreender verbalmente, a menos que se tenha compreendido toda a estrutura da consciência e o significado do prazer, do sofrimento e do desespero, e as próprias células cerebrais se tenham tornado quietas. Então, talvez alcanceis aquele mistério que ninguém pode revelar-vos e nada pode destruir. Uma mente viva é uma mente quieta, uma mente viva é uma mente que não tem centro algum e, por conseguinte, não tem espaço nem tempo. Essa mente é ilimitada, e esta é a única verdade, a única realidade.

Krishnamurti em, Liberte-se do passado

sábado, 13 de dezembro de 2014

A meditação não é para a iluminação: é para pessoas confusas

Se você está confuso, então deverá continuar com as meditações. A confusão é a doença e a meditação é o remédio. Ambas palavras, meditação e medicina, vêm da mesma raiz. Se você está confuso deve continuar a meditar. Quando você perceber o principal sem nenhuma confusão, então não haverá necessidade. Mas a meditação o preparará, o forçará a perceber que não há necessidade de fazer coisa alguma, e somente a meditação pode fazer isso. 

Apenas me escute... Eu lhe disse que ser natural é ser iluminado. Agora você pensa: "Isso é fantástico! Posso me sentar em silêncio e não fazer nada."Mas você pode realmente se sentar em silêncio e não fazer nada? Se você realmente pudesse se sentar em silêncio e não fazer nada, então essa questão não surgiria. Você teria sentado e sabido e teria se curvado diante de mim e me agradecido. Não haveria questão alguma; você teria vindo a mim dançando, não com uma questão e com uma mente confusa. 

Se você puder se sentar em silêncio sem nada fazer, o que mais é necessário? É isso o que Buda estava fazendo sob a Árvore Bodhi — sentado em silêncio, sem nada fazer... e então aconteceu. É como aconteceu comigo! É assim que sempre acontece!

Entretanto não fazer não é tão fácil. Devido a você ter ficado tão acostumado a fazer uma coisa ou outra, mesmo sentar-se será um fazer para você. Você terá de se forçar numa postura de ioga e se sentará com tensão, quieto, sob controle, se segurando, tentando sentar em silêncio e não fazer nada... e fervendo por dentro para fazer mil e uma coisas, e milhares de pensamentos bradarão à volta e o distrairão. 

Você pode simplesmente se sentar e não fazer coisa alguma? Isso é o supremo; nirvana é isso, samadhi é isso. 

Pode acontecer; também pode acontecer apenas ao me escutar, mas então grande inteligência é necessária. Então você percebeu o principal, que ser natural é tudo. Onde está a confusão? Você percebeu ou não. Se você percebeu, toda a confusão desapareceu... e você se sentará, andará, comerá e falará silenciosamente. Você se tornará um não-agente, se tornará um ser natural. 

Contudo, se você não percebeu, então precisará de mais algumas coisas malucas; você precisará passar por elas. Essas meditações o forçarão a perceber o principal. Ou você percebe apenas ao escutar e se sentar ao meu lado, ou você terá de perceber o caminho difícil. 

(...) Assim, se você se sente confuso, então continue meditando. A meditação não é para a iluminação; ela é para pessoas confusas. A meditação não o leva à iluminação; ela simplesmente o deixa farto de sua confusão. Perceba o essencial: meditação não é um caminho para a iluminação, mas apenas um caminho para se livrar da confusão. E quando não houver confusão a iluminação vem espontaneamente. 

O trabalho da meditação é negativo. Ela tira coisas de você e não lhe dá coisa alguma; ela simplesmente fica tirando coisas de você. A raiva, a cobiça e o desejo desaparecem e você começa a perder tudo o que tinha. Você fica a cada dia mais pobre. 

É isso o que Jesus quer dizer quando fala: "Bem-aventurados são os pobres de espírito". 

A raiva, a cobiça e a ambição não estão presentes. Lentamente, pedaços de seu ser são cortados de você. E de repente, num dia, nada está presente — ou somente nada está presente. Nesse exato momento, a luz penetra. Todas aquelas coisas — cobiça, raiva, paixão, ânsia, ódio, ambição, ego — estavam atrapalhando o caminho, não permitindo que a luz penetrasse em você. Elas estavam funcionando como uma rocha entre você e Deus. Tudo isso foi removido... de repente, Deus entra em você e você entra em Deus.

Se você me compreende, não há necessidade de nenhuma meditação. Porém, se não me compreende... para me compreender a meditação será necessária. Então prossiga fazendo-a. 

(...) Meditações são catárticas. Elas jogam fora todo o lixo contido dentro de você. Elas simplesmente o limpam, abrem as portas, os olhos — o sol está presente. Uma vez que você esteja disponível, ele começa a penetrá-lo. 

Então você nunca dirá: "Tornei-me natural." Você dirá: "Eu era natural. O problema não era como me tornar natural, mas como não continuar a me tornar não-natural."

O S H O

terça-feira, 4 de novembro de 2014

O por que da necessidade de uma base emocional

As portas do seu hospício precisam ser abertas!
Você pode entrar em meditação apenas ficando sentado, mas, então você tem de ficar apenas sentado. Não faça nada mais. Se você pode ficar sentado, isso se torna meditação. Fica completamente naquele ato de estar sentado; o não-movimento deve ser teu único movimento. Na verdade, a palavra "Zen" vem da palavra "Zazen", que quer dizer "apenas sentado... sem nada fazer." Se você pode ficar apenas sentado — nada fazendo com o seu corpo, nada fazendo com a sua mente — isso se torna meditação. Mas é difícil.

(...) Cada fibra do seu corpo começa a se mover por dentro; cada veia, cada músculo começa a se mover. Você começará a sentir um tremor sutil, ficará consciente de muitos pontos do seu corpo, dos quais nunca esteve consciente antes. E quanto mais você tenta ficar apenas sentado, mais movimentos interiores sentirá

(...) Se você começa por se sentar, sentirá muita perturbação interior. Quando mais você tenta se sentar, mais perturbações sentirá. Ficará consciente apenas de sua mente insana, e nada mais. Isso cria depressão, você se sentirá frustrado, não se sentirá feliz. Ao contrário, começará a sentir que está insano. E, ás vezes, poderá, mesmo, ficar insano!

Se fizer um esforço sincero para "ficar apenas sentado", você pode, realmente, tornar-se insano. Só porque as pessoas não tentam, na verdade, sinceramente, é que não se tornam insanas com maior frequência. Com a postura sentada você começará a ter conhecimento de quanta loucura há dentro de si, e, se for sincero e continuar, pode, realmente, tornar-se insano. Isso já aconteceu, e muitas vezes. Portanto, não sugiro nada, nunca, que possa criar frustração, depressão, tristeza... nada que permita você se tornar ciente de sua insanidade. Você pode não estar preparado para ter conhecimento de toda a insanidade que existe dentro de si. Só deve lhe ser permitido chegar ao conhecimento de certas coisas paulatinamente. O conhecimento nem sempre é bom. Ele deve se desdobrar lentamente, na medida em que cresce sua capacidade de absorvê-lo.

(...)Você acumulou cólera, sexo, violência, ganância — tudo! Agora, esse acúmulo é insanidade dentro de você. Ali está, dentro de você. Se começar com qualquer meditação supressiva (como estar apenas sentado, por exemplo), estará suprimindo tudo isso, não estará permitindo sua liberação. Por isso eu começo com uma catarse. Primeiro, deixa que as supressões sejam atiradas ao ar. E quando você puder atirar sua cólera ao ar, você amadureceu.

(...)Você pode sentar-se e forçar um ritmo particular, sobre seu corpo, pode criar uma ilusória postura búdica, mas estará apenas morto! Ficará estagnado, estúpido. Isso aconteceu com tantos monges, com tantos sadhus. Ficaram estúpidos! Seus olhos não tinham a luz da inteligência, seus rostos tornaram-se idiotizados, sem luz interior, sem flama interior. Porque eles têm tanto medo do movimento interior, suprimiram tudo — inclusive a inteligência. Inteligência é movimento, um dos movimentos mais sutis, da forma que se todo movimento interior for suprimido, a inteligência será afetada.

Conhecimento não é coisa estática. Conhecimento também é movimento: um fluxo dinâmico. Assim, se você começar pelo exterior, se você se forçar a ficar sentado como uma estátua, estará matando muita coisa. Primeiro preocupe-se com a catarse (com a limpeza da sua mente, com o atirar tudo fora) de forma que você fique vazio e livre — deixando apenas uma passagem para que entre algo vindo do além. Então, o estar sentado torna-se de auxílio, o silêncio torna-se de auxílio, mas não antes.

Para mim, o silêncio, em si mesmo, não é algo que valha a pena. Você pode criar um silêncio que seja um silêncio morto. O silêncio dever ser vivo, dinâmico. Se você "criar" silêncio, ficará mais estúpido, mais estagnado, mais morto. Mas isso é, de certa forma, mais fácil, e muitas pessoas estão agora fazendo isso. Toda a cultura é tão supressiva que é mais fácil suprimir-se a si mesmo ainda mais. Então você não tem que arriscar coisa alguma, não tem que dar um salto...

As portas do seu hospício precisam ser abertas! Não tema o que os outros possam dizer. Uma pessoa, que está preocupada com o que os outros pensam, jamais pode recolher-se ao interior. Estará ocupada com a preocupação quanto ao que os outros estarão dizendo, quanto ao que estarão pensando.

Se apenas você se sentar silenciosamente, fechando os olhos, tudo estará bem. Sua esposa — ou seu marido — dirão que você se tornou uma pessoa muito boa. Todos desejam que você esteja morto. Mesmo as mães desejam que seus filhos estejam mortos: obedientes, silenciosos. Toda a sociedade deseja que você esteja morto. Os chamados homens bons não passam, realmente, de homens mortos; portanto, não se preocupe com o que os outros pensam, não se preocupe com a imagem que os outros possam ter de você.

Começa com a catarse e então algo bom poderá florescer dentro de você. E isso terá uma qualidade diferente, uma beleza diferente, completamente diferente. SERÁ AUTÊNTICA.

Quando o silêncio vem a você, quando desce sobre você, NÃO É UMA COISA FALSA. Você não o esteve cultivando. Ele vem a você, acontece-lhe. Você começa a sentir que ele cresce dentro de você, tal como a mãe sente o crescimento do filho.

Um profundo silêncio está crescendo dentro de você; você se torna grávido dele. Só então existe transformação; de outra maneira, não passará de auto-decepção. E uma pessoa pode iludir a si própria durante vidas e vidas. A capacidade de fazer tal coisa é infinita.

Osho em, Meditação: a arte do êxtase

domingo, 5 de outubro de 2014

Por que estamos sempre na "correria"?

Como estamos ligados ao passado! Mas não estamos ligados ao passado: nós somos o passado. E que coisa complicada é o passado, camada sobre camada de memórias não digeridas, tanto as queridas como as tristes. Ele nos persegue dia e noite e de vez em quando há uma brecha em que uma luz clara se revela. O passado é como uma sombra, tornando as coisas embotadas e aborrecidas; nessa sombra o presente perde sua clareza, seu frescor, e o amanhã é a continuação da sombra. O passado, o presente e o futuro estão amarrados juntos pelo longo fio da memória; o feixe inteiro é a memória, com pouca fragrância. O pensamento se move pelo presente em direção ao futuro, e retorna; como um animal inquieto amarrado a um poste, ele se move em seu próprio raio de ação, pequeno ou amplo, mas jamais está livre de sua própria sombra. Esse movimento é a ocupação da mente com o passado, o presente e o futuro. A mente é a ocupação. Se a mente não estiver ocupada, ela cessa de existir; sua própria ocupação é a sua existência. A ocupação com insultos e elogios, com Deus e bebidas, com virtude e paixão, com trabalho e expressão, com acumulação e doação, é tudo igual; ainda é ocupação, preocupação, inquietação. Estar ocupado com algo, quer seja a mobília ou Deus, é um estado de pequenez, de superficialidade. 

A ocupação dá à mente o sentimento de atividade, de estar viva. É por isso que a mente armazena ou renuncia; ela se sustenta com ocupações. A mente deve estar ocupada com alguma coisa. Aquilo com o que se ocupa é de pouca importância; o importante é que esteja ocupada, e as melhores ocupações têm importância social. Estar ocupada com algo é da natureza da mente, e sua atividade provém disso. Estar ocupada com Deus, com o Estado, com o conhecimento, é a atividade de uma mente mesquinha. Ocupação com alguma coisa sugere limitação, e o Deus da mente é um deus mesquinho, por mais alto que ela possa colocá-lo. Sem ocupação, a mente não existe; e o medo de não ser torna a mente inquieta e ativa. Essa atividade inquieta tem a aparência de vida, mas não é vida; isso leva sempre à morte — uma morte que é a mesma atividade em outra forma. 

O sonho é outra ocupação da mente, um símbolo de sua inquietação. Sonhar é a continuação do estado consciente, a extensão do que não está ativo durante as horas acordadas. A atividade de ambas as mentes, a superficial e a profunda, é ocupacional. Essa mente só pode perceber um fim como um início continuado; ela jamais pode perceber o fim, mas somente o resultado, e este é sempre contínuo. A busca por um resultado é a busca por continuidade. A mente, a ocupação, não tem fim; e somente  para aquilo que tem fim pode haver o novo, somente para aquilo que morre pode haver vida. A morte da ocupação, da mente, é o início do silêncio, do silêncio total. Não relacionamento entre esse silêncio imponderável e a atividade da mente. Para haver relacionamento, deve haver contato, comunhão; mas não há contato entre silêncio e a mente. A mente não pode comungar com o silêncio; ela pode ter contato apenas com o próprio estado projetado que chama de silêncio. Mas esse silêncio não é silêncio, é meramente outra forma de ocupação. A ocupação não é silêncio. Só existe silêncio com a morte da ocupação da mente com o silêncio. 

O silêncio está além do sonho, além da ocupação da mente mais profunda. Essa mente é um resíduo, o resíduo do passado, aberto ou oculto. Esse passado residual não pode experienciar o silêncio; pode sonhar com ele, como geralmente o faz, mas o sonho não é o real. O sonho é geralmente tomado pelo real, mas sonho e sonhador são ocupações da mente. A mente é um processo total, não há uma parte exclusiva. O processo total da atividade, residual ou adquirida, não pode comungar com aquele silêncio que é inexaurível.

Krishnamurti em, Comentários sobre o viver

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O silêncio que não pode ser reconhecido

Pergunta: Desejo ardentemente o silêncio, mas vejo que minhas tentativas para alcançá-lo se tornam cada vez mais lamentáveis. 

Krishnamurti: Em primeiro lugar, você não pode desejar ardentemente o silêncio; você não sabe nada, absolutamente nada, a seu respeito. Ainda que soubesse algo, isso não seria o silêncio, visto que o que você sabe não é o que é. por isso, é preciso ter muito cuidado, quando se diz "Sei".

Veja, senhor! O que você conhece, reconhece. Eu lhe reconheço porque ontem o encontrei. Tendo ouvido o que então disse, e tendo visto seu modo de ser, digo que lhe conheço. O que sei é coisa do passado, e daquele passado ei o reconheço. Mas o silêncio não pode ser reconhecido; nele não há nenhum processo de reconhecimento. Esta é a primeira coisa que cumpre compreender. Para você reconhecer uma coisa, já deve te-la experimentado, conhecido antes, ou deve ter lido a respeito dela, ou alguém te-la descrito para você; mas o que se pode reconhecer, conhecer, descrever, não é aquele silêncio. E ansiamos por esse silêncio, porque nossa vida é tão superficial, tão vazia, tão monótona, tão estúpida, que desejamos escapar de suas destetáveis disputas. Mas, não podemos fugir da vida; temos de compreende-la. E para compreendermos uma coisa, não devemos lhe dar pontapés, nem devemos fugir dela. Devemos ter extraordinário amor, verdadeira afeição por aquilo que queremos compreender. Se você deseja compreender uma criança, não pode coagi-la, forçá-la, ou compará-la com seu irmão mais velho. Deve olhar a criança, observá-la com carinho, ternura, afeição, com tudo o que possui. Analogamente, devemos compreender essa coisa vulgar que chamamos "nossa vida", com seus ciúmes, conflitos, aflições, canseiras, pesares. Dessa compreensão provem uma certa qualidade de paz que não pode ser procurada. 

Há uma interessante história de um discípulo que foi procurar o Mestre. O Mestre está sentado num jardim muito bonito, quieto, bem irrigado, e o discípulo vem sentar-se perto dele — não bem à sua frente, porque sentar-se diretamente à frente do Mestre não é muito respeitoso. Assim, sentando-se um pouco para o lado, o discípulo cruza as pernas e fecha os olhos. Então, pergunta o Mestre: "Meu amigo, o que você está fazendo?" Abrindo os olhos, o discípulo responde: "Mestre, estou tentando alcançar a consciência de Buda" — e torna a fechar os olhos. Daí a momentos, o Mestre apanha duas pedras e começa a esfregar uma na outra, com muito barulho; então o discípulo desce das alturas em que andava e pergunta: "Mestre, o que está fazendo?" Ao que o Mestre responde: "Estou esfregando estas duas pedras, para fazer com que uma delas se torne um espelho". Diz então o discípulo: "Mas, Mestre, isso você jamais conseguirá, ainda que fique um milhão de anos esfregando essas pedras". Sorri, então o mestre responde: "De modo idêntico, meu amigo, você pode ficar sentado aí um milhão de anos, que nunca alcançará o que está tentando alcançar". — É isso o que todos nós estamos fazendo. Todos estamos tomando posições; todos estamos desejando alguma coisa, buscando alguma coisa, às apalpadelas — o que exige esforço, luta, disciplina. Mas sinto lhe dizer que nenhuma dessas coisas lhe abrirá a porta. O que abrirá a porta é a compreensão sem esforço; apenas olhar, observar, com afeição, com amor. Mas você não pode ter amor, se não é humilde; e só é possível a humildade quando nada se deseja, nem dos deuses nem de nenhum ente humano. 

Krishnamurti em, A MENTE SEM MEDO

terça-feira, 20 de maio de 2014

Vivenciando o silêncio em momentos de aridez - Trigueirinho


segunda-feira, 19 de maio de 2014

domingo, 18 de maio de 2014

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Diálogo sobre a necessidade de retiro de silêncio

Dom Pepe: Estou decidido! Vou fazer um retiro de silêncio de um ano.

Outsider: Não acaba isso sendo uma espécie de escapismo místico, uma fuga geográfica?

DP: Não sei; pode até ser! Eu não sei também!

Out: Ficar, acreditar que se a gente sair daqui e for para algum ambiente e fazer um retiro de silêncio possa...

DP: Será que isso não pode potencializar? Tem muita gente que faz isso ai!... Se eu fizer um retiro de silêncio, será que eu não poderia potencializar?

Out: Mas o que é o silêncio? Silêncio físico?

DP: Não! Físico mesmo!... Você acha que não pode dar em nada?

Out: Não sei! Assim: no meu modo de vida, o fator de eu ficar muito isolado, que é uma escolha que fiz; não consigo estar em grandes ambientes, prefiro estar mais isolado; essa questão de ficar mais isolado, realmente parece que faculta de você ter menos interferências externas descentralizadoras. Por outro lado, a falta de interferência externa pode criar uma zona de conforto que impeça de você ver as suas reações que ocorrem quando você está tendo uma interferência externa.

DP: Entendi! Tem que viver os dois lados, não é?

Out: Eu não sei! Eu acho que o "meio termo" seria o... Por exemplo: Eu não fico direto lá, sozinho em casa... pelo menos um ou dois dias eu venho para cá, para este ambiente comercial, onde eu sofro influências de tudo: estou vendo o visual, mulheres, homens, as conversas, então, acaba dando para perceber aqui no freguês como é que tudo isso interfere.

DP: Tem que ter o meio termo, então, não é? Não pode ser radical, não é?

Out: Eu acho que isso, só se você está vivendo realmente uma crise existencial que está colocando em risco a sua sanidade; então, do mesmo jeito que fisicamente, quando uma pessoa está com uma doença muito grave, ela é tirada das atividades dela e entra numa "UTI" — unidade de tratamento intensivo — ; tiram até, toda roupa dela, para que não tenha preocupação nenhuma nem com estética, essa coisa; ela tem que ficar totalmente no organismo. Toda energia vital dela não pode ser desperdiçada, por isso que não tem contato com familiar, nem nada, que é para que a energia vital não se perca até no sentimentalismo, no apego parental. Então, acho que há determinados na vida do ser humano, que ocorre uma necessidade disso, — não por escolha —; acho que até faz parte de uma "inteligência psíquica" que faz você se isolar um período e se convergir, se converter para dentro, ali, voltar para cá (coração). Mas eu não sei se isso, se no momento, você pegar e disser: "Tá! Agora vou fazer um retiro — e tem um monte de cara que faz isso, que está fazendo isso; o último que fiquei sabendo foi aquele escritor e palestrante, Roberto Crema, que foi para a França e está com uns monges; deve estar lá há uns dois anos fazendo isso. Mas, não sei se é por aí; não sei. Se seu coração está pedindo por isso, "pau na máquina"! Não sei!

Eu estava lendo nesta semana, um texto sobre isso; quem fazia muito isso, eram os padres do deserto. Através dos padres do deserto é que surgiu o termo "Terapeuta"... Quando eles perceberam a falência do sistema, eles sentiram a necessidade de se retirar para local próximo à cidade.

DP: Próximo!

Out: Próximo à cidade, de fácil acesso, mas que não tivesse aquele contato da cidade, aquela coisa da cidade. E lá, eles construíam "pequenas celas" — inclusive, aquele local que eu lhe indiquei uma vez, a Uniluz...

DP: Uniluz? Está caro!

Out: Lá é baseado nos padres do deserto. Agora, você está me falando que está caro, ai eu já não sei, porque, antigamente, lá não era assim.

DP: Antigamente não era. Quando você me falou, lá estava numa transição... Antigamente você doava o quanto você queria... Agora está entre R$500,00 e R$700,00.

Out: Pra ficar lá o que? Um mês? E trabalhando ainda pra eles?... Legal, em!... Quer dizer que você paga e ainda vai trabalhar pros caras!...

DP: Pois é!

Out: Não tem jeito! O sistema corrompe mesmo!

DP: Corrompe. Porque antigamente eu lembro que lá, um amigo meu falou para mim que era só doar o quanto você queria, não é isso?

Out: Você ia ficar lá e trabalhando lá dentro, se trabalhando.

DP: Já corrompeu.

Out: Através dos trabalhos de lá, se trabalhando... Mas, que seja! Esse local foi baseado na experiência dos padres do deserto. Esses padres do deserto, se retiravam para vivenciar exatamente isso que a gente vive: essa inquietude que nós temos; essa inquietude que é uma inquietude metafísica... Esse vazio existencial!... Essa crise de identificação que a gente tem... Essa crise de identidade; crise de identificação no sentido assim: "Eu não consigo me identificar com nada que está ai, não é?"... Crise de identidade no sentido de você não mais se identificar com nada do que está ai; você não consegue se identificar com o "modelinho" que para trabalhar "tem que" ser assim, que eu "tenho que" ter um carro, que eu "tenho que" estar casado, que eu não sei o que, que eu não sei que lá, que eu "tenho que" ter filhos... Esse "modelinho" todo que é colocado de forma hipnótica na mentalidade de todo mundo. Então, esses caras, esses padres, eles ficavam o dia inteiro — de forma consciente —, e eles davam o nome de "Demônio do meio dia"... "Acídia"... Eles se trancavam na cela, o dia inteiro, só olhando para dentro... Porque não tem silêncio!... Você pode ter silêncio "físico", você pode subir para uma montanha, mas a cabeça ainda está gritando! E você pode estar no meio da torcida do Corinthians, lá, e estar totalmente equilibrado sem ser influenciado pelo movimento louco da torcida, não é? E o que eles faziam? No final do dia, eles se reuniam para jantar juntos. Então, quando eles se sentavam para jantar juntos, falavam sobre tudo o que estava passando na mente, como você está fazendo também agora aqui: "Olha Out, estou pensando em ficar um ano em retiro!" Talvez você precise! Não sei! Só seu ser mesmo é quem pode lhe indicar isso!... Eu sinto que eu preciso de recolhimento, só que meu recolhimento foi dentro da sociedade; é uma coisa muito conversada com a Deca, com a minha companheira... "Olha, nós vamos reduzir — foi traçado todo um plano — vamos reduzir nossas despesas, porque vai entrar menos da minha parte; pra gente poder, pra eu poder me dedicar totalmente à isso,!"... Porque que tenho plena certeza disso, hoje. Uma vez, esse cara que eu citei, o Roberto Crema, ele falou assim: "Na contemporaneidade que estamos vivendo, aquele que não for vocacionado, será um grande escravo do sistema"... Por que isso? Então, eu fiquei meditando sobre isso: é realmente um fato!... Nós não temos nada de criativo... Nós não temos nada de original... Nós não temos nada do Si-mesmo, manifesto... Isso está aí! Em estado dormente! Sufocado por todos esses condicionamentos que a gente tem feito um puta trabalho para se limpar deles. Então, como a gente não teve acesso à isso, não potencializou esses talentos — esses talentos, estão lentos — como a gente não potencializou isso, a gente fica "imitando", "copiando" coisas que a gente acha que talvez podem dar uma amenizada. Só que a gente já chegou a essa conclusão de que não adianta ter uma "puta grana", porque essa "puta grana", não resolve a questão da felicidade, a questão do sentimento de ser livre... pelo contrário; a gente, quando começa a ver a coisa crescer, está entrando dinheiro mas começa a estrutura toda crescer, a gente se sente preso, não aguenta, "chuta o pau da barraca" e vai embora! Então, eu vejo que, realmente precisa ter um processo de interiorização, e quem sabe nesse processo de interiorização, de autoconhecimento, a gente ter um "insight", uma "revelação", que traga qual que é a nossa "real vocação", entendeu? Porque, você sendo um cara vocacionado, você "nunca mais trabalha"... Não tem esforço!... tem alegria e felicidade, de você estar servindo; é diferente! O que a gente faz hoje, é um trabalho escravagista, que rouba uma energia vital ferrada, que não potencializa nada, e que você é só "mais um"... O cara olha para você e diz: "Vendedor de perfume? Está cheio de vendedor de perfume!" Ainda, se você tivesse um "insight" de uma essência completamente diferente que não tem no mercado...

DP: Seria diferente, não é?

Out: É diferente! Seria uma coisa completamente diferente, mas, não temos isso!... Então, a gente é só mais um! Quando a gente é só mais um, o cara que está inserido no sistema, identificado com o sistema, que compreendeu o sistema — em partes ele compreendeu — e usa o sistema de forma egocêntrica, de forma "não-inteligente" — ele olha para você e vê que você é só mais um, ele lhe explora! Você chega vendendo a R$100,00, ele fala: "Pago R$30,00!... Você quer? Não?... Próximo!"... E vai ter outro atrás de você que vai aceitar os R$30,00. Mas, se você tem algo vocacionado, quem sabe a gente... não é? Eu acredito que se você tiver algo profundamente diferente, que seja essencial para o ser humano, está cheio de cara ai que dá o que tiver para ter isso na mão, entendeu?... Alguém que facilite um apontamento com o qual ele possa compreender os seus conflitos, os seus vazios, os seus tédios, essas coisas. Isso ai tem mesmo; você tem isso no mundo corporativo, não tem?... "Não! Para falar sobre perfume, chama o Marcão, cara! Pra falar de perfume, só esse cara, tem que ser ele! Não quero saber! Vai lá!... Aluga apartamento pra ele, põe um carro bom na mão dele, se precisar, pague até a escola dos filhos dele, mas esse cara tem que estar com nós!"... Não é assim na corporação?

DP: Sim!

Out: Então, nisso, é a mesma coisa! Você não vê ai? Krishnamurti não viveu o tempo todo pra cima e pra baixo? Quem você acha que bancava ele?... Os "bacanas" bancavam ele! Não é?... Você pega ai, caras que não tem tanta percepção de mundo, que estão dentro do sistema... Esses padrecos da vida aí, esses padrecos cantor, eles não tem tudo garantido, tudo sustentado?... E estão só repetindo coisas que estão escritas secularmente, não é? Imagina se a gente tiver isso!

Agora, eu acredito que isso não virá se você não tiver uma seriedade — seriedade que eu quero dizer é no sentido de "série", não é? —... Realmente, eu me dedico à isso todo o dia. Como por exemplo, as pessoas tem que ter seriedade no sistema.... Eles não falam? "O cara é um cara sério! Trabalhador! Um cara que se dedica! Dá a vida pela empresa!"... Se a gente também tiver esse processo de seriedade de querer saber: "O que é que eu vim fazer nessa terra? Não é possível que é só vir aqui pra pagar conta e dar dinheiro para os outros"... Se a gente tiver essa seriedade eu acho que a gente vai chegar nessa resposta; agora, eu acho que para isso, eu acho que a gente tem que ter períodos em que você possa estar numa meditação sem essa enorme massa de influência dispersiva que o sistema traz pra você.

DP: Que é a rede do pensamento, não é?

Out: Que é a rede do pensamento!

DP: Que é muito feroz, que é muito poderosa!...

(nesse momento, duas mulheres se sentam duas mesas ao nosso lado, sendo que uma se senta, de pernas abertas, com um micro-shortes jens, voltada para nosso lado)

DP: Não! É impressionante essa coisa da rede do pensamento!... É pra te tirar da coisa mesmo! Tipo assim: você está saindo, está saindo, está saindo, você vai sair... Vem alguma coisa do tipo e tenta "laçar você"!

Out: Isso é direto, cara!

DP: Que louco!

Out: E eu percebo assim: A gente tem que estar atento às pistas que os caras deixar ai, não é? Eles falam; tem um dito popular, um preceito espiritual que fala: "A quem mais é dado..."

DP: Mais é cobrado!

Out: "...mais é cobrado!"... Quanto mais consciência você tem, do processo do pensamento condicionado; quanto mais consciência você tem do movimento da sociedade; quanto mais percepção você tem de como você está sendo influenciado por isso, mais o pensamento "se transveste" e tenta causar esse estado de hipnose, no qual você se identifica e se entrega praquilo... (dirigindo-se para as mulheres como um exemplo influenciante descentralizador)... isso eu tenho percebido direto!

DP: E, você acredita que, por exemplo, ele... É mutante! Você percebeu?

Out: Eu não tenho falado "mutante", mas é uma boa palavra; eu tenho usado a palavra "se transveste"... Ele se transveste! Que eu acho que é aquilo que os caras tentaram mostrar no filme "Matrix", quando o personagem "Smith" entra dentro de um outro corpo...

DP: É exatamente isso! É isso mesmo!

Out: Essa "mutação" que você está falando é esse "transvestir"... Ele só usa roupagem, ele pega uma outra roupagem, ele é uma roupagem e usa outra, e consegue entrar e vem...

DP: parece um computador, não é? Nossa!

Out: Eu vejo isso! Agora assim: também fica muito difícil, de você perceber facetas suas se você não estiver na vida de relação. Se você não tiver influências disso — (referindo-se as mulheres que factualmente davam entrada) —...

DP: Se não olhar pra isso profundamente...

Out: Você nunca vai perceber...

DP: Quem eu sou realmente!

Out: Que você não é imune à essas influências! Agora, uma vez que você percebeu a influência e percebeu ela funcionando, já criou uma imunidade. Agora, se eu trancar lá dentro do "Tibet", se eu me trancar dentro do meu quarto, sem ter nenhuma influência, isso estaria funcionando com o Cristianismo há muito tempo: os padres não se trancam? As freiras não se trancam? Cadê mudança no mundo? Cadê essas pessoas felizes? O que você mais pega quando vai conversar com freiras e padres, é um pessoal amargo, sem graça, xoxo, sem vida!

DP: em energia, não é?

Out: Só sabem falar aquelas decorebas!

DP: É isso mesmo: sem energia!

Out: Não toca a alma de quem tem um pouquinho de percepção, certo?

DP: Sim.

Out: Então, assim: a gente se isolar também...

DP: Não é o caminho!

Out: Não sei!... Pra mim, não é! Já houve um tempo de eu me isolar! Houve momentos que foram profundamente necessários eu sair senão eu iria enlouquecer... Eu sair fora de situações e ficar comigo, entendeu? E se deparar com essa solidão... Eu acho que tudo aponta para isso: para um estado em que você...

DP: Solitude, não é, digamos assim!

Out: É! Isso, isso!

DP: Solitude!

Out: É! vamos colocar solitude ou solidão, tanto faz! Uma cosia que eu venho percebendo é assim: a essência nossa, ela é solitária!... Você vê a criança!... A criança nasce, ela nasce sozinha, ela é solitária! E a gente vem fugindo disso, com incentivo da educação, com incentivo de família e de toda uma cultura, pra você se agrupar, pra você fazer parte e não manter contato com essa solidão, não é? Até assim: a solidão, ela é vista de uma forma perniciosa; em todos os ramos da sociedade, inclusive na arte. Pegue as músicas ai, o que elas falam sobre a solidão... Ela é sempre vista de forma depressiva, não é? penso hoje, que é o caminho do meio... Mas acho que isso só é possível conforme você vai se equilibrando... A coisa vai dando conforme você vai se equilibrando! Que ai, você começa a perceber. Ontem mesmo, a Deca, numa fala dela falou: "É muito fácil você ler Krishnamurti, não é? E aplicar isso quando você não está tendo uns grandes desafios perrenhos ai fora... Agora, você vai ver se isso funciona mesmo quando você está tendo, quando você está sendo desafiado por algum perrenho; ai você vai ver se isso é funcional ou não. Pra mim, no meu momento, não seria viável; talvez, para você, seja viável. Primeiro: eu não faço nenhum tipo de compromisso a longo prazo; então, é uma coisa que eu sempre tive: eu não consigo fazer compromissos a longo prazo!

DP: Eu também não!

Out: Compras muito longas, coisas assim, sabe? Eu quero acabar logo!

DP: Eu não consigo nem pagar!

Out: Quero liquidar tudo rápido!... Então assim: eu não faria algo nessa proposta assim tão longa. Lembra de quando você estava vivendo isso e eu te encontrei, na última vez, eu falei assim pra você: tem lá, por que você não fica uns três meses — três meses eu acho que é um tempo muito bom para você começar a refrescar e sentir o lado intuitivo. Mas, não adianta: você vai ter que voltar, não é? Enfim, eu, eu sinto que o meu momento, hoje, é esse: é aqui no meio da sociedade, tem que frutificar, florescer — não frutificar, mas florescer — onde a grande vida me plantou; ela me plantou aqui na sociedade; eu tenho que ter essa descoberta aqui mesmo! É óbvio que, eu tenho que saber, que eu preciso de momentos de repouso. Do mesmo jeito que eu preciso de momento de repouso físico... Quando você vai dormir você não quer barulho, você não quer interferência de nada. Também preciso de momentos, de repouso psíquico. Quando você vai comer... Quando você vai comer, você não quer ser incomodado; você desliga o celular, tudo, não é? Então, também, para eu me alimentar psiquicamente, eu também não quero ser incomodado. É uma coisa de recarregar as baterias... Mas, no resto, eu tenho que estar em contato, porque é aqui que o "bicho pega"... É aqui que você vê a sua tendência à normose, a sua, sabe...

DP: Sua vontade, os desejos...

Out: Você começa a perceber, olhar o desejo se manifestando, tentando tomar conta do corpo... Você olhar pra ele, do porque, o que é que está atrás dele... Porque é assim: o desejo... é porque você está insatisfeito. Você está insatisfeito, o pensamento começa a buscar alguma forma de prazer, que é desejo... Só que sempre frustra, não é? Sempre frustra! Traz um alívio imediato seguido de frustração ao quadrado. Mas isso, a gente já está careca de saber!

DP: É, percebe!

Out: Agora eu percebo isso é fato: Quanto mais você vai chegando nessa compreensão do movimento interno, mais o bicho ataca ferozmente... Engraçado que parece que até o externo colabora para isso, entendeu? Espreme! Espreme!... As fontes para você conseguir o mínimo necessário para conseguir uma existência digna, parece que também, também espreme! Espreme relações, espreme tudo! Por exemplo: ontem! Ontem eu escrevi um texto, sobre um sentimento que eu estou sentindo muito, que é um sentimento de solidão psíquica. Não física! Porque física, eu nem estou tendo tanto, porque assim, a gente, com essa busca do auto-conhecimento, você começa a ficar um cara mais seletivo, e também um cara mais ponderado no que você vai dizer, então você agride tanto as pessoas e também não permite ser agredido; então, você até tem pessoas em volta de você, só que, essa pessoas, elas estão totalmente enredadas pelo sistema; não tem como você falar nada do que você vive; não tem como você falar nada sobre sua percepção de mundo... Não tem! Você pode até tentar e vai ver que em cinco minutos elas já começam a abrir a boca de sono! Porque aquilo, dá um nó no cérebro delas! Com cinco minutos de conversa, você entra pra uma energia que eles não estão preparados: isso descarrega eles! Então, você não tem feedback!

DP: É por isso que a pessoa quando você está conversando ela fica fugindo: porque ela não tem energia praquilo ainda, não é? Ela não está preparada!

Out: É! Então, você percebe isso, você fala: tenho que ficar em silêncio! E ai, você deixa a pessoa abrir a boca, só que a pessoa vai abrir a boca dentro daquilo que você já viveu lá atrás e que você já viu que é falso: que é a "Outrite"... Que é falar só de fora; só externalizar, ou então, ficar falando das pseudos-conquistas do ego dela...Dos planos, dos idealismos que a gente sabe que vai ser falido! Mais cedo ou mais tarde, vai falir aquilo!

DP: Não tem jeito!

Out: Porque não é do Ser!... É do ego!... E não adianta você querer chegar pra pessoa e querer falar contra que ela vai achar tudo: ela vai achar que você é um cara que está com inveja, que você é um cara falido, menos que você está "apontando pra algo" que faz sentido. Ela não vai nem querer meditar em cima disso que você está falando. Então sobra aquele, fica aquele, fica... Não tem "reverberação": Você joga, mas não tem retorno! Não tem, inclusive, o que tenho percebido, a mínima demonstração de interesse em questionar isso que você está falando... "Não! espera aí! Deixa eu ver o que o Marcão está falando! espera ai!... Mas do que você está falando ai?"... Não tem! A pessoa fica ali olhando pra você, ela está só olhando para você, mas a cabeça dela está pensando num jeito de fugir...

DP: Da conversa!

Out: Dessa conversa, de sair de perto de você... Porque aquilo não interessa pra ela... Porque aquilo não alimenta o ego dela... Ao contrário: isso é um puta de um alfinete! Vai fazendo furinhos e vai murchando. O meu sentimento tem sido um sentimento de solidão psíquica, que eu acho, que é providencial... Pra que? Pra que você também deixe de criar expectativas no externo (que ainda é manifestação do ego)... Já que você não tem mais expectativa no campo material, mas você ainda está tendo expectativa...

DP: No campo espiritual.

Out: Então quer dizer que você ainda está mendigando também! Então, talvez, esse estado, esse sentimento de solidão psíquica que está surgindo, está sendo um grande professor para levar à um estado de autonomia e centramento.

DP: Real, não é? Que é o Real!

Out: Eu fui viajar neste final de semana para a casa de uns conhecidos, na praia... Por sinal, foi fantástico ter ido pra lá porque deu para enxergar a doença do ser humano... Como o ser humano está doente, como ele está automatizado, como que...

DP: Um androide, não é?

Out: Um androide, sem centro nenhum! Sem centro nenhum! Ele não percebe absolutamente nada; ele não percebe; essa falta de percepção dá sinais claros no corpo físico dele, e também no corpo físico da natureza. Então, foi muito bom ter ido pra lá. Fui pra lá e, olhando tudo isso, olhando as pessoas, conversando com as pessoas, vendo o movimento e vendo o meu próprio movimento, caiu uma ficha muito poderosa pra mim: de um nome, de como a gente simbolizar através de um nome, a doença, a doença básica que dá origem á todas humanas...

DP: A doença básica que dá origem à todas as doenças?

Out: Presta atenção:... "Pensamentose Descentralizante"... "Ose" é doença; do pensamento; ou seja, a doença do pensamento descentralizante... Porque ele tira você do seu centro ai você facilmente sofre as influências do meio. Você, sem centro e, sofrendo as influências do meio, não tem como não ser adulterado; e você sendo adulterado, não tem como você não adulterar também!... Ser um agente...

DP: Do sistema! Um "Smith", "um Cipher", vai!

Out: A pensamentose leva à normose, que leva à neurose, que leva à esclerose e outras "oses" mais.

DP: Entendi!

Out: É óbvio!... Como é que eu posso me ajustar ao "normal" se eu não pensar conforme o normal?... Então, a base da doença é o pensamento mesmo.

DP: A base da doença do ser humano em geral é a identificação com o pensamento...

Out: Lógico! Essa doença que não deixa você ser do Ser, mas passa a ser do ego... funcionar nesse movimento...

DP: Automatizado, não é? Robótico! Androide, não é?

Out: Por que esse sentimento de solidão psíquica?... Porque está faltando centro! Você está apontando pra fora, não tem centro ainda!... Então, eu percebo que o grande lance é ficar...

DP: Observando, não é?

Out: Observando tudo que está ocorrendo em cada situação que vai se apresentando...

DP: Sem julgamentos, não é? Ou tem algum...

Out: Ou percebendo também como a mente está julgando...

DP: Porque eu percebo também a minha mente julgando sempre!

Out: Veja bem: eu acho que a gente precisa separar "julgamento" de "constatação".

DP: Ou de "discernimento", digamos assim.

Out: O julgamento, sempre é postulado pra quem é julgado, uma pena.

DP: Certo!

Out: Constatação, não! Constatação, quem constata é a testemunha... não tem um veredito final da constatação.

DP: É um fato, então, não é?

Out: O julgamento vem sempre com uma coisa de você querer punir... que eu acho que é o movimento inicial, não tem como fugir disso! Você começa a se deparar com isso, você começa a julgar todo mundo e... você fica até com um censo crítico muito ácido.

DP: Muito apurado!

Out: Muito apurado, muito ácido, não é? Maldoso até, tem que tomar muito cuidado... Eu lembro que assim: eu ataquei muito as pessoas com a escrita e com a palavra nesse momento. Mas ai você vai madurando e passa a ser só uma constatação, porque é fato! Contra fatos não tem argumentos!... Você está constatando! É fato mesmo! Te dou um exemplo simples: fui para Caiçara... Lotado!

DP: Onde fica Caiçara?

Out: Depois da Praia Grande, antes de Itanhaém...

Dp: Tá, tá!

Out: Lotado! Sujo pra cacete!... Cara, de cem em cem metros, tem uma boca de esgoto jogando a água pro mar... fedida pra caramba!... E todo mundo entrando na água, cara!... Eu na água lá, pertinho, tudo sujo!, sabe? E todo mundo nadando!... Eu estou julgando? Eu estou constatando um fato! É um fato a falta de consciência do ser humano, que na altura do campeonato, 2013, ainda não chegou para o sistema público e falou: escuta! Como que vocês até agora não pensaram num modo de não jogar essa água onde os banhistas vão estar e dar um jeito de sanear essa água para algum tipo de uso qualquer... "Olha, essa água é só para lavar carro", entendeu? Como é que as pessoas aceitam isso, não brigam por isso, não exigem os seus direitos e, além disso, elas se expõem fisicamente à isso?... É um antro de virose!... De cem em cem metros na praia, aquela poça de merda derretida indo pra água, de urina, e os pais com as criancinhas, com baldinho d'água... O que é que é isso, se não é a falta de centramento, de percepção?... Se você não está centrado, você não está vendo nada... Você não enxerga nada, não vê nada!

DP: Então, e quando o ser, por exemplo, ele não está centrado aqui, nele, ele pode e faz barbaridades, não é isso que você está vendo também? Não é isso que você está conseguindo perceber?

Out: Enquanto tem observador e cosia observada, haverá esforço e conflito... Observador e coisa observada ainda tem condicionamento ai. Você tem um condicionamento sexual... Você está aqui, observa a outra chegando toda condicionada, com o corpinho pintadinho, olhando aqui pra nós...

DP: Eu percebi, eu percebi!

Out: Se não tiver o observador, o que é que acontece? Você tem uma reação baseada lá no prazer, na memória que você teve de algo parecido com essa mulher que te provocou. Então, você esquece tudo "e vai pras cabeças!"... "Só pensa naquilo!"...

DP: Exatamente!

Out: Você vai ter uma reação, que não é ação, que pode te trazer prazer imediato mas que depois, vai te trazer dor de cabeça. Agora, se além desse observador há esse estado de testemunhar o que a coisa observada está gerando nesse observador, criou-se um espaço, que impede essa reação maluca.

DP: Nem tem reação, então!

Out: Você olha, vê, percebe...

DP: Percebe aqui também?

Out: Não nega aqui dentro, não nega aqui dentro...

DP: Não pode negar, não é?

Out: Que afetou, afetou...

DP: Mexeu, não é?

Out: Mexeu... mas ai, a testemunha vem e traz a pergunta: mexeu por que? Qual a natureza exata disso que está tentando te descentralizar?

DP: Por que isso te tira do centro, não é?

Out: É um exemplo! Nós pegamos esse exemplo da mulher ai, que eu sei que mexe bastante pra você, não é?

DP: É, esse negócio da rede é...

Out: E pra mim é assim: que todo esse trabalho, de todos esses tempos e até pela minha idade, parece que vai caindo, a libido parece que vai voltando para o lugar que lhe apetece, entendeu? Mas, não pode dizer que não tem um ser condicionado aqui dentro, que quando está fora do centro, se está desatento, vamos colocar assim, se não está nesse estado de vigilância... "Vigiai e orai sempre!", não é? Porque a gente não teve uma educação pra vigilância de si mesmo... Não teve! Quando você está meio disperso, por causa dessa hipnose do pensamento, essas influências batem, dão um toque e você não percebe. Então, enquanto está só no observador, é uma coisa, mas eu percebo que do observador, você vai começando a ter um estado de testemunha que começa inclusive a observar o observador enquanto...

DP: Tem um terceiro estágio, digamos assim?

Out: cara, eu não sei te nomear isso...

DP: Observador, observado e testemunha, digamos assim?

Out: É! Porque é assim: o observado, está sempre focado fora...

DP: O observador está focado fora!

Out: É! mas, daqui há pouco começa a testemunhar o próprio observador, enquanto observando... E aí também...

DP: A testemunha, digamos assim?

Out: É! Então começa a ampliar ainda mais essa distancia...

DP: Essa consciência?

Out: O centramento, vamos colocar assim; o poder de desidentificação com isso...

DP: Você não se identifica.

Out: A percepção da ilusão que é se entregar pra isso... Que é aquela cena do "Matrix", quando a Trinite vira pro Neo e fala assim — ele quer descer do carro — ela fala: "Não vai descer! Você já foi ai mil vezes antes, você já conhece aonde isso vai dar"... Então ele para, observa e fecha a porta e retoma o processo dele. Então, esse testemunhar ai, do próprio observador... "Não! Isso é falso! Esse valor finito ai, não tem o poder de matar essa sede do Infinito que você tem!"

DP: Exatamente! É isso mesmo! Valor finito, não é, cara?

Out: Então você olha... O cara para com um carrão ao seu lado, o pensamento, de imediato, compara o seu carro com um carro daquele; imediatamente ele vem e coloca que você...

DP: É menos do que o cara!

Out: É menos que o cara! E que você tinha que fazer alguma coisa a mais e etc, etc... E ai você vê o movimento também... mas não entra! Não entra e você fica observando... sem julgar ele... Há uma tomada de consciência do falso.

DP: É! É assim mesmo!

Out: mas, espera ai! Quando você comprou o seu carro, o seu carro era o top! Então, esse carro que você está vendo agora como o top, já já não é mais o top. E, se você entrar nessa, você "top-top"... (risos)

DP: É assim com tudo, é assim com tudo, já reparou? Já percebi já! Faz com a mulher, faz com a tua roupa, com teu tamanho...

Out: Tudo!

DP: Começa a comparar tudo, é uma coisa impressionante! Ele compara tudo e não está nada bom para você!

Out: Ai, se você não está esperto, o pensamento, pega inclusive esse seu, essa tomada de consciência da observação, e faz uso disso que está observando em você pra criar um conflito de que você... "Pô! Você não muda mesmo! Você isso, você aquilo!" e ai você fica mal. E você fica mal de ver a realidade que precisa ser vista; essa consciência está ai para que veja a falência e o limite desse observador, porque esse observador é isso: ele é inveja, ele é cobiça...

DP: O observador?

Out: É! É o que nós somos!

DP: Ah! O que nós somos, o que essa rede do pensamento tenta colocar que nós somos...

Out: Ou melhor, que nós somos não! Que nós ainda estamos identificados como sendo isso.

DP: porque isso é uma identificação da rede, não é?

Out: Agora, se ocorrer um lastro, dessa testemunha, que ainda está testemunhando, que é isso que os caras falam, "agora vejo em partes, mas depois veremos face a face"... O que também está explicitado no filme "Matrix", quando o Neo senta e olha para o espelho, lembra?

DP: Lembro!

Out: Que ele vê tudo fragmentado e daqui há pouco... Deixa de existir , ele toca e ele passa a ser o espelho! Ele começa a ter uma experiência de não dualidade. Então assim: se tiver um lastro dessa testemunha que supera essa distancia entre observador e coisa observada, quem sabe isso seja o que eles chamam de iluminação, ou fim do conflito.

DP: Ai acaba o conflito por total, não é?

Out: Porque ele vem a toda hora.

sábado, 24 de novembro de 2012

A mente cheia de conhecimentos é uma mente inquieta

Interrogante: Fale-nos sobre Deus.

Krishnamurti: Em vez de eu lhes dizer o que é Deus, vamos ver se vocês podem conceber esse estado maravilhoso, não no amanhã ou num futuro distante, mas agora, neste momento em que estamos aqui tranquilamente reunidos. Claro que isso é mais importante. Mas, para descobrir Deus, todas as crenças devem ser abolidas. A mente que poderia descobrir, não pode acreditar na verdade, não pode formular teorias ou hipóteses a respeito de Deus. Por favor, prestem atenção. Vocês formulam hipóteses, vocês têm crenças, vocês têm dogmas, estão cheios de conjecturas. Pelo fato de terem lido este ou aquele livro a respeito do que é a verdade ou do que é Deus, suas mentes estão espantosamente inquietas. Uma mente cheia de conhecimentos é uma mente inquieta; é intranquila, está apenas sobrecarregada e carga pura e simples não é sinal de uma mente tranquila. Quando a mente está cheia de crenças, acreditando ou não que Deus existe, ela está sobrecarregada e uma mente sobrecarregada não pode jamais descobrir o que é a verdade. Para descobrir a verdade, a mente precisa estar livre, livre de rituais, de crenças, de dogmas, de conhecimentos e de experiência. Somente então ela poderá compreender o que é a verdade. Pelo fato de tal mente estar inquieta, ela não mais realiza o movimento de entrar ou o movimento de sair, que é o movimento do desejo. Ela não possui desejos reprimidos, o que é energia. Pelo contrário, para que a mente esteja quieta é preciso haver uma grande quantidade de energia; mas não pode haver pleno desenvolvimento ou abundância de energia se existir qualquer movimento para fora e, por conseguinte, de movimento para dentro. Quando tudo isso tiver serenado, a mente se quietará.

Eu não estou tentando hipnotizá-los para que vocês fiquem quietos, para que vocês se calem. Vocês mesmos precisam reconhecer a importância de abandonar, de afastar sem esforço, sem resistência, todo o acúmulo de séculos, de superstições, de conhecimentos, de crenças; precisam reconhecer que qualquer forma de carga torna a mente inquieta, dissipa energia. Para a mente estar quieta é preciso energia em abundância, e essa energia precisa estar tranquila. E se você chegarem realmente a esse estado no qual não existe esforço, então constatarão que a energia, estando imóvel, possui seu próprio movimento, o qual não resulta das pressões ou compulsões sociais. Pelo fato de a mente possuir uma energia abundante, imóvel e silenciosa, a própria mente se transforma naquilo que é sublime. Não existe experimentador do sublime: não existe alguém que diga  “eu experimentei a realidade”. Enquanto houver um experimentador, a realidade não pode existir, porque o experimentador equivale ao movimento de angariar experiência e de acabar com a experiência. De forma que é preciso que o experimentador deixe totalmente de existir.

Atente simplesmente a isto. Não façam nenhum esforço, apenas compreendam que o experimentador tem que chegar ao fim. É preciso que ocorra a cessação total  de todo movimento e isso demanda, não a supressão de energia, mas uma energia espantosa. Quando a mente estiver completamente quieta, calada, isto é, quando a energia não estiver sendo nem dissipada nem distorcida por obra da disciplina, essa energia se transformará em amor e o real não estará apartado da própria energia.

Krishnamurti — Sobre Deus — Ed. Cultrix

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A importância dos retiros


Pergunta: Tendes estado em retiro nestes últimos dezesseis meses, e isto pela primeira vez em vossa vida. Podemos saber se há nisto alguma significação?

Krishnamurti: Não desejais, também, às vezes, recolher-vos à quietude, para fazer um balanço das coisas, a fim de não vos tornardes simples máquina de repetição, um discursador, um explicador, um expositor? Não desejais fazer isso, alguma vez, não desejais estar em tranqüilidade, não desejais conhecer-vos melhor? Alguns de vós o desejam, mas não o podem fazer por motivos econômicos. Há de haver dentre vós alguns que desejam fazê-lo, mas as obrigações de família, etc., os impedem. De qualquer maneira, é benéfico recolher-nos à tranqüilidade, para proceder a um balanço de todas as coisas que praticamos. Ao fazer isso, uma pessoa adquire experiências que não são reconhecidas, que não são traduzidas, O meu recolhimento, portanto, não tem significação nenhuma para vós. Sinto muito. Mas o vosso recolhimento, se o observardes corretamente, há de ter significação para vós. Julgo essencial que entreis, de vez em quando, em recolhimento, deixando tudo o que estais fazendo, detendo por completo as vossas crenças e experiências, e olhando-as de maneira nova, em vez de ficardes a repetir, como máquinas, o que credes ou o que não credes. Deixaríeis, assim, entrar ar fresco em vossas mentes, não é verdade? Isso significa que tendes de estar inseguros, não é verdade? Se fordes capazes de tanto, estareis abertos aos mistérios da natureza e para as coisas que sussurra ao redor de nós, e que de outra maneira não poderíeis alcançar; encontrareis o Deus que aguarda o momento de vir, a verdade que não pode ser chamada, mas vem por si mesma. Não estamos abertos ao amor e a outros processos mais delicados que se verificam dentro em nós, porque vivemos fechados em nossas ambições, em nossas realizações, em nossos desejos. Não há dúvida de que é muito salutar nos retrairmos de todas essas coisas. Deixai de ser membro de alguma sociedade deixai de ser brâmane, hindú, cristão ou muçulmano. Abandonai o vosso culto, os vossos ritos, retirai-vos completamente de tudo isso, e vereis o que acontecerá. Nesse retiro, não mergulheis noutra coisa qualquer, não abrais livro algum, absorvendo-vos em novos conhecimentos e novas aquisições. Rompei completamente com o passado, e vereis o que acontece. Fazei-o, senhores, e conhecereis o deleite. Descortinareis as imensidões do amor, da compreensão, da liberdade. Quando vosso coração está aberto, então é possível a vinda da realidade. E não mais ouvireis os sussurros dos vossos próprios preconceitos, os ruídos que vós mesmos produzis. Eis porque é salutar entrarmos em retiro, recolher-nos e fazer parar a rotina — não só a rotina da existência exterior, mas também a rotina que a mente estabelece para sua própria segurança e conveniência.

Experimentai-o, senhores, se tendes oportunidade para tal. Então, talvez conheçais a verdade que não pode ser medida. Vereis, que Deus não é uma coisa que se experimente e se reconheça, mas, sim, que Deus é algo que vem a nós sem que o invoquemos. Isso só se dá quando a vossa mente e o vosso coração estão completamente tranqüilos, não estão buscando, esquadrinhando, e quando não tendes nenhum desejo de aquisição. Deus só pode ser encontrado quando a mente não mais busca vantagem para si. Se nos retrairmos de todas essas coisas, talvez não ouçamos mais os sussurros do desejo, e, então, aquilo que está à espera, virá diretamente, infalivelmente.

Krishnamurti - 5 de janeiro de 1952 Do livro: Quando o Pensamento Cessa 
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill