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domingo, 31 de agosto de 2025

O vislumbre do incondicionado e a farsa do estado condicionado

Sem ter experienciado o estado incondicionado, é praticamente impossível se dar conta da farsa desse estado limitado. E isso é um dos paradoxos mais cruéis da travessia.

Enquanto o indivíduo só conhece o estado condicionado, a mente funciona como uma bolha autorreferente: ela acredita que aquilo que experimenta é a realidade última. Dentro desse circuito fechado, as crenças, os valores herdados, as interpretações e até mesmo as suas dúvidas já estão contaminadas pelo mesmo condicionamento. É como tentar escapar de uma prisão sem perceber que se está dentro de uma.

Por isso, o estado condicionado se autoalimenta: ele oferece sensações de verdade — convicções, dogmas, explicações “sagradas” ou ideologias — que mascaram sua própria limitação. A mente condicionada se sente segura nos limites do conhecido, e quando surge um lampejo de ruptura (um silêncio inesperado, uma experiência de presença, uma percepção não mediada), imediatamente ela tenta enquadrar esse lampejo dentro de velhos moldes, neutralizando-o.

Somente quando, por alguma fenda — crise iniciática, choque existencial, colapso psicológico, ou até mesmo um instante de graça sem causa aparente — o indivíduo prova o sabor do não-condicionado, mesmo que por segundos, ele percebe a brutalidade da farsa. É como sair de um quarto abafado pela primeira vez e respirar o ar puro de uma montanha: só então se dá conta de que sempre viveu asfixiado.

Sem essa experiência, o discurso sobre liberdade, verdade ou despertar vira apenas mais um produto dentro do catálogo dos condicionamentos.

Com essa experiência, mesmo que fugaz, todo o resto perde a consistência que antes parecia absoluta.

...

O ser humano vive, desde o nascimento, submerso num oceano invisível de condicionamentos. Ele aprende a falar, a pensar, a se mover, a interpretar, a desejar, a temer — tudo dentro de um molde já estabelecido muito antes de sua chegada. A família, a cultura, a religião, a escola, os rituais sociais, as narrativas coletivas, tudo converge para dar forma a uma entidade chamada “eu”. Esse “eu”, no entanto, não é o ser em si, mas apenas um personagem feito de memórias, hábitos e reações. O problema é que o personagem acredita ser o todo, e essa crença cria uma bolha impenetrável, onde tudo é interpretado através das lentes do condicionamento.

Dentro desse estado limitado, não há como ver a farsa de maneira plena. É como tentar enxergar a água enquanto ainda se está totalmente mergulhado nela. O condicionado toma a si mesmo como referência última: suas alegrias e tristezas, suas convicções e incertezas, suas esperanças e medos. Tudo isso é vivido com intensidade, mas não passa de uma repetição. Mesmo quando acredita estar se rebelando contra o sistema, geralmente o faz dentro das alternativas já previstas pelo mesmo sistema. O condicionamento tem a astúcia de incluir também o “inimigo do condicionamento” dentro de seu cardápio. Assim, a sensação de liberdade é, em grande parte, apenas um disfarce de prisão.

E, no entanto, algo em nós não se contenta. Há momentos em que a engrenagem falha. Às vezes, por meio de uma crise iniciática profunda — uma depressão, uma perda irreparável, uma falência das certezas mais íntimas — o indivíduo se vê despido de suas proteções. O que antes oferecia chão desaparece. O que antes era identidade dissolve. Outras vezes, é um instante de silêncio, um pôr do sol, um encontro inesperado com a morte ou com a intensidade do amor, que abre uma fenda no automatismo. Nessas brechas, surge um vislumbre do que não é condicionado.

Esse vislumbre não pode ser fabricado pela vontade. Ele acontece. Não é resultado de técnicas, nem de repetições, nem de disciplina. Pode ser provocado indiretamente, quando a mente chega a um ponto de exaustão em suas tentativas de controlar a vida, mas o salto em si é sempre graça. É um relâmpago que ilumina, ainda que por segundos, a prisão inteira. Nesse instante, o ser percebe que a vida não se reduz aos conceitos, que o “eu” é apenas uma construção passageira, que há algo respirando além de toda narrativa.

O impacto desse relâmpago é devastador. O que antes parecia sólido — os valores sociais, as opiniões religiosas, as certezas morais — de repente revela sua fragilidade. O mundo inteiro aparece como uma trama de crenças compartilhadas, mas não como verdade absoluta. O indivíduo se vê diante do abismo: “Se não sou esse ‘eu’ condicionado, quem sou? Se tudo isso é construção, o que permanece quando as construções caem?” Essa pergunta não é intelectual, é existencial. Ela corrói por dentro.

É nesse ponto que o falso personagem, essa máquina de sobrevivência psicológica, reage com toda a sua força. Ele sabe que está em risco. E por isso, imediatamente, tenta sequestrar o vislumbre. Uma das estratégias é transformar a experiência em lembrança especial: “Eu tive uma experiência espiritual extraordinária.” Nesse instante, o incondicionado já foi recapturado e embalado dentro do condicionado. Outra estratégia é criar uma nova identidade: “Sou alguém que viu além”, “Sou diferente dos demais”, “Sou iluminado em potencial”. Mais uma vez, a prisão muda de decoração, mas continua a ser prisão.

O falso personagem também pode reagir com medo. O contato com o incondicionado é, ao mesmo tempo, libertador e aterrador. Libertador porque mostra que nada nos aprisiona de fato. Aterrador porque mostra que o “eu”, ao qual nos agarrávamos, não tem substância real. Esse terror pode ser tão grande que o indivíduo corre de volta para suas antigas crenças, agarrando-se a elas como se agarrasse um salva-vidas. Ele prefere voltar à ilusão confortável do conhecido a suportar o abismo do desconhecido.

A farsa do estado condicionado só se revela por contraste. Quem nunca provou o ar puro não sabe que estava sufocado. Quem nunca saiu da caverna não percebe as sombras como sombras; acredita que são a realidade em si. Por isso, a maior parte da humanidade continua a viver integralmente no ciclo do condicionamento, sem suspeitar. E mesmo os que suspeitam, se não experimentaram o não-condicionado, acabam transformando sua suspeita em teoria, filosofia ou espiritualidade dogmática — que, no fim, continuam sendo apenas prolongamentos da prisão.

O que muda tudo é a experiência direta, ainda que breve. Um silêncio que não é forçado, mas acontece. Uma clareza que não é construída, mas irrompe. Uma ausência de centro psicológico que, por alguns instantes, mostra que a vida é plena em si, sem a mediação do “eu”. Esse instante não pode ser repetido sob comando, e qualquer tentativa de repeti-lo já o transforma em memória condicionada. Mas, uma vez experimentado, ele deixa uma marca impossível de apagar. O indivíduo pode até retornar ao jogo social, às crenças, às práticas espirituais, mas no fundo sabe que algo maior existe além de tudo isso.

E aqui surge outro perigo: a tentativa de transformar o relâmpago em sistema. Muitos que tiveram vislumbres autênticos criaram métodos, tradições, programações com sequência de passos espirituais, comunidades, tentando organizar aquilo que, por natureza, é inorganizado. E ao fazerem isso, acabaram traindo a essência da experiência. Porque o incondicionado não pode ser ensinado como técnica, não pode ser programado, não pode ser vendido como curso, não pode ser acumulado como patrimônio. Ele é sempre novo, sempre fresco, sempre fora do alcance da memória.

O caminho não está em fabricar a experiência, mas em desfazer os obstáculos que impedem sua irrupção. Esses obstáculos são os condicionamentos que se colam à mente: o medo, o desejo de controle, a identificação com papéis, a compulsão por segurança, os apegos e falsas dependências. Quando esses movimentos são observados sem julgamento e sem fuga, algo neles se dissolve. E, no vazio que fica, o incondicionado, com sua lucidez amorosa e integrativa e com sua capacidade de amor impessoal, pode se estabilizar — não como conquista, mas como revelação.

Esse processo, no entanto, exige coragem para atravessar o que chamamos de “abismo do terror”. Porque ele não promete garantias, não oferece certezas, não sustenta identidades. Ele arranca o chão sob os pés. Ele destrói as muletas psicológicas. Ele deixa o indivíduo nu diante do mistério da existência. E quase ninguém está disposto a esse grau de exposição. Por isso, a maioria se contenta com substitutos: dogmas confortáveis, técnicas espirituais, promessas de salvação futura. Esses substitutos mantêm a sensação de busca, mas neutralizam a possibilidade de encontro.

Quando a fenda se abre e o incondicionado se revela, ainda que brevemente, a vida nunca mais é a mesma. O indivíduo pode resistir, pode tentar esquecer, pode se esconder nas velhas estruturas. Mas o gosto do ar puro não se apaga. Ele sabe que a prisão é prisão. Ele sabe que as crenças são construções. Ele sabe que o “eu” é um fantasma. E esse saber — não intelectual, mas existencial — já é o início de um processo irreversível.

A travessia que se segue é longa e cheia de armadilhas. O falso personagem não desaparece de uma vez; ele se reinventa, se adapta, cria novas ilusões. A cada passo, ele tenta capturar o frescor do incondicionado e transformá-lo em memória, método ou identidade. Mas a vigilância atenta, a observação silenciosa, a recusa de se prender a qualquer forma, permitem que o contato com o real se aprofunde. E assim, pouco a pouco, o estado condicionado vai perdendo sua tirania.

No fim, não se trata de alcançar algo, mas de deixar cair o que nunca foi real. Não se trata de conquistar o incondicionado, mas de perceber que ele sempre esteve presente, encoberto pelos véus do condicionamento. A fenda inicial é apenas um lembrete. O trabalho é não permitir que o falso personagem transforme esse lembrete em mais uma prisão.

O paradoxo permanece: sem experienciar o incondicionado, não é possível perceber a farsa do condicionado; mas para experienciar o incondicionado, é preciso deixar que o condicionado, em algum momento, entre em colapso. Esse colapso pode vir como crise, dor, fracasso, vazio. Ele é muitas vezes sentido como morte. E, de certo modo, é morte: a morte do “eu” como centro absoluto. Mas é também o nascimento daquilo que sempre esteve vivo além das máscaras e da forçosa representação de papéis.

E quando isso acontece, mesmo que por um instante, a farsa se expõe. E, uma vez vista, já não pode ser totalmente acreditada.

 

 

 

Atravessando a dor crua do luto, da desilusão e da falência de organizar a vida


Um confrade nos escreveu....

"Após a crise que tive que levou até o canal, conheci uma namorada que foi muito importante pra mim. Me ajudou a me organizar e lidar com todo aquele caos. Logo após o término tive dois namoros breves. Viajei pra outro estado, pensando em construir uma vida e quem sabe até uma família. O pesadelo foi inevitável. Agora estou aqui num luto ferrado e sem dinheiro no bolso. O vazio está rasgando. Mas tem algo de positivo nisso. Estou vendo a coisa totalmente de frente. Vendo o profundo vazio que me encontro e lidando com toda incapacidade da estrutura de amar. Tudo aquilo que se constrói dentro da estrutura termina numa prisão e tragédia. Pra mente é realmente impossível enxergar algo além desse vazio. Ela não consegue. Existe algo totalmente desconhecido por debaixo dos panos. Algo totalmente diferente."

...

Caro confrade, mesmo atravessando a dor crua do luto, da desilusão e da falência das tentativas de “organizar a vida”, você já está tateando um ponto fundamental: a observação da limitação estrutural da mente e percebendo o vazio como algo que não se resolve com mais esforço, planos ou relações.

O que você descreveu tem a marca de uma crise iniciática — o colapso das estratégias psíquicas que antes davam sustentação (namoros, organização externa, projeto de família, viagem, novas tentativas). A estrutura está exposta em sua impotência.

Há algo muito precioso no seu relato:

“O vazio está rasgando” → Esse é o ponto em que a mente tenta fugir, mas já não consegue mais. O sofrimento é a prova de que a anestesia falhou.

“Pra mente é realmente impossível enxergar algo além desse vazio” → você já está vendo a falência da mente como guia.

“Existe algo totalmente desconhecido por debaixo dos panos” → Aqui está a fresta, a intuição do incondicionado. Esse lampejo é raro, porque normalmente o indivíduo se agarra a novos condicionamentos antes de suportar esse silêncio do nada.

O que você não vê ainda — mas já toca — é que esse “desconhecido” não precisa ser construído. Ele não vem de fora. Ele não depende de um novo relacionamento, de dinheiro, de um projeto de vida. O desconhecido já está ali, justamente quando tudo o que era sustentação colapsa.

Você está no ponto mais fértil, mesmo que a mente grite o contrário. O vazio que agora te rasga é o mesmo vazio que pode te libertar. Não tente preenchê-lo com pressa. Nem dinheiro, nem relacionamento, nem novos sonhos vão resolver — todos eles voltam a se tornar prisão. Permaneça com essa ferida aberta. É aí que o que não pertence à mente pode emergir. É aí que o amor real, impessoal e sem objeto, que não depende de estrutura, pode nascer. O que você chama de pesadelo, talvez seja exatamente a oportunidade de morrer para a farsa e nascer para o indizível.”

Você está vivendo algo que a maioria foge até o fim da vida: o encontro nu com o vazio. É um abismo que a mente não suporta. Por isso a maioria corre desesperada para se preencher com distrações, novos relacionamentos, ilusões de estabilidade, pequenas conquistas que, no fundo, são apenas muletas provisórias para não olhar de frente a ausência de sentido que atravessa tudo. O que você chamou de “rasgo” é justamente isso: a ruptura da fantasia, o colapso da arquitetura psicológica que sustentava a ideia de uma vida com chão, de uma identidade com certezas.

Quando você diz que, após o caos da crise, encontrou uma namorada que foi fundamental, percebe-se aí o mecanismo natural: quando a dor rasga, buscamos refúgio numa forma, num afeto, num outro corpo que nos dê a sensação de estabilidade. Isso não é errado. É humano. Mas, inevitavelmente, quando a relação acaba, o chão de empréstimo desaparece e você cai de novo na verdade que sempre esteve ali: nada do que a mente constrói dura, nada do que ela agarra pode ser realmente seguro.

O mesmo se repete com a viagem, o projeto de vida, a fantasia de família. Tudo isso não era um erro, mas era inevitavelmente frágil. Porque estava sendo usado como escudo contra aquilo que agora você encara de frente: o profundo vazio. Não adianta tentar dourar a pílula. O que você vê é o que sempre esteve por baixo, mas antes estava encoberto pelo verniz das buscas, dos sonhos, das companhias. Agora não há mais nada entre você e o deserto.

E é aqui que começa o verdadeiro ponto de mutação. A mente chama isso de tragédia, de pesadelo, de fracasso. Mas olhe com mais cuidado: é exatamente neste lugar que se abre a possibilidade de ver o que está além dela. Você mesmo disse: “Pra mente é impossível enxergar algo além desse vazio.” Exato. A mente não alcança. E isso é libertador. Porque o vazio não precisa ser preenchido pela mente. O vazio é a porta para o que está fora do alcance do pensamento, fora do alcance da estrutura insegura e condicionada, que só sabe acumular, calcular e tentar controlar.

O que você sente como impotência é o primeiro passo da rendição. Você não controla mais. A estrutura desmoronou. E por mais que doa, isso é um presente. É duro ouvir isso quando não se tem dinheiro, quando se sente sozinho, quando o corpo dói e a mente grita, mas é justamente aí que você percebe: mesmo sem nada, você continua aqui. A vida pulsa, mesmo sem apoios externos. Essa permanência silenciosa, que não depende de nada, é o que você chama de “algo totalmente desconhecido por debaixo dos panos”.

Esse “desconhecido” não é um objeto que você vai alcançar depois de muita luta. Não é um prêmio que você ganhará por ter sofrido. Ele é o que sobra quando toda a parafernália do falso personagem cai. É o espaço nu da consciência, o ser que não depende de personagens nem de conquistas. E só se vê isso quando tudo o mais falha. Por isso tanta gente nunca chega até aí: porque foge antes, se anestesia, inventa novas histórias para evitar o silêncio. Você está sendo arrancado à força da anestesia. E embora doa, isso é uma graça.

O vazio não é contra você. O vazio é você sem as máscaras. Mas para percebê-lo, você terá que atravessar a fase da resistência. O falso personagem não quer morrer. Ele vai dizer que você fracassou, que não há saída, que nunca vai amar, que tudo é prisão e tragédia. É o canto da sereia da mente tentando te puxar de volta para os velhos mecanismos. Se você acreditar nisso, vai correr para um novo relacionamento, uma nova viagem, um novo projeto — e tudo vai se repetir, até o próximo colapso. Mas se você permanecer firme nesse abismo, sem pressa de sair dele, algo completamente novo se revela.

Veja: o amor de que você fala não é incapacidade sua. Não é que você seja estruturalmente incapaz de amar. O que você está vendo é a incapacidade da estrutura egóica de amar. E isso é verdade. O falso personagem não ama. Ele troca, negocia, barganha, usa o outro como muleta. Mas o amor real não nasce da estrutura, nasce justamente quando ela falha. O que você está sentindo agora é a impossibilidade da mente amar. E esse é o limiar do nascimento do amor impessoal, do amor que não vem da carência, mas da plenitude silenciosa.

O luto que você carrega não é só pelo fim de relacionamentos. É o luto pelo fim da velha vida, da velha forma de viver. É um luto legítimo. É uma morte. E como toda morte, ela abre espaço para algo que a mente não compreende. Não lute contra o luto. Deixe que ele faça o trabalho dele. Deixe que as ilusões morram. O sofrimento maior vem da resistência: querer que as coisas fossem diferentes, querer recuperar uma versão antiga de si mesmo, querer acelerar o processo. Se você simplesmente aceitar a secura, sem pedir que seja outra coisa, verá que até no deserto há uma beleza crua, silenciosa, onde o falso personagem não tem mais força.

Você fala de estar sem dinheiro, e isso dói porque o sistema nos condicionou a acreditar que sem recursos não somos nada. Mas talvez até isso faça parte do aprendizado. Porque quando você se vê sem apoios, descobre que ainda assim você respira, sente, está vivo. O essencial não falta. O que falta é o supérfluo que a sociedade martela como indispensável. E nesse corte, você descobre que a vida não é propriedade sua. Ela continua acontecendo apesar de tudo.

O convite agora não é fazer mais, mas parar. Observar. Não se trata de lutar contra o vazio, mas de se sentar nele, de sentir o rasgo sem apressar o curativo. É isso que abre a percepção do “algo totalmente diferente”. Não espere que a mente reconheça, porque ela não consegue. O novo não cabe dentro dela. Você apenas se abre, se rende.

Não romantize essa travessia. Ela não é bela no sentido comum. É dura, é áspera, é solitária. Mas é real. E a realidade, mesmo crua, é infinitamente mais libertadora que as falsas seguranças que sempre terminam em tragédia. Quando você aceitar que nada do que a mente constrói pode se sustentar, o medo perde força. Porque então você já não busca chão onde nunca houve. Você caminha no ar, e descobre que não precisa de muletas.

Esse momento pode se prolongar. Não há prazo. Você pode ficar meses, anos, nesse deserto. Mas cada instante em que você não foge já é o trabalho acontecendo. Não há manual. Não há como acelerar. O que existe é presença nua. E essa presença, que agora parece apenas vazio, com o tempo se mostra plenitude. Não porque ela se enche de coisas, mas porque você percebe que nunca faltou nada.

O falso personagem chora o colapso. A consciência celebra. É o mesmo movimento visto de ângulos diferentes. Você está no ponto em que pode escolher: ou corre para tentar reconstruir a velha farsa, ou aceita a morte dela e permanece com o silêncio que resta. Essa aceitação não é passividade; é uma insurgência radical contra todo o condicionamento que te ensinou a fugir do nada.

Então, não espere reconhecimento, não espere aplausos, não espere que os outros entendam. Ninguém que não tenha atravessado sabe do que se trata. Você parecerá perdido, fracassado, derrotado. Mas dentro, se você permanecer, descobrirá que justamente na derrota da mente está a vitória da vida.

Você já viu a farsa. Você já sentiu o vazio. Agora resta apenas não fugir. Esse é o único “trabalho”. Não busque atalhos. Não se iluda com novos brilhos. Simplesmente permaneça. O resto vem por si.

O que você chama de “algo totalmente desconhecido” já está se mostrando. Mas ele não grita. Ele não se impõe. Ele só se revela quando toda a ilusão foi desarmada. Agora, você está nu diante dele. E essa nudez, que dói tanto, é a sua chance real de despertar.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

O desejo de libertação produz condicionamento

O desejo de libertação produz condicionamento

[...] PERGUNTA: Como pode ser mantida a atenção decorrente do percebimento?

KRISHNAMURTI: Senhor, peço vênia para dizer, mui respeitosamente, que acho que fizestes uma pergunta algo incorreta. Porque desejar manter a atenção? Que existe atrás desta palavra — "manter"? Desejo manter um certo estado de relação com minha mulher, meu marido, um amigo. Desejo conservá-lo vivo, em um certo nível, num certo grau de "afinação", de modo que possamos sempre amar-nos e corresponder-nos completamente. Ou desejo conservar um certo sentimento. E como o conservarei? Dizendo "Quero mantê-lo vivo" — isto é, mediante a volição, a vontade. E que acontece quando mantendes alguma coisa pela ação da vontade? Essa coisa se torna quebradiça e é destruída. Pode-se manter o amor pela volição, pela vontade? Ora, deve haver uma maneira diferente de atender a esta questão.

Digamos que percebo, num rápido instante, o que significa "estar lúcido". Percebo-o a pleno, e não apenas verbalmente. Surpreendi-me num momento de lucidez sem escolha, e compreendi o que isso significa verdadeiramente. Por um segundo, estou lúcido, e percebo a extraordinária liberdade, a beleza e alegria existentes nesse estado. Digo então de mim para comigo: "Preciso manter isso"; e, no momento em que desejo manter esse estado, ele se torna memória. O que estou mantendo não é o fato, porém a memória do fato e, por conseguinte, uma coisa morta. Vede isto, por favor!

Lembro-me de meu irmão, meu filho, minha mulher, meu marido, que morreu, e estou vivendo nessa memória, conservando-a, com todos os seus deleites, desesperos, ânsias — sabeis de tudo por que passamos. Mas não tratei de descobrir o que significa morrer uma pessoa; não estou ciente do significado da morte. É preciso, pois, estar-se apercebido do significado do fato, e não, simplesmente, viver numa memória. Compreendeis, senhor? "Não viver numa memória" significa: nunca dizer, a respeito de uma experiência ligada a certa relação: "Quero conservar isto, quero que isto continue". Então, a morte de alguém não tem importância. Isto não é insensibilidade ou indiferença. Estai atento ao presente, a cada minuto — e vereis.

Transmiti-vos alguma coisa?

A verdade não tem continuidade, porque está além do tempo; e o que tem continuidade não é a Verdade. A Verdade é para ser percebida instantaneamente, e esquecida — "esquecida", no sentido de que não a levemos conosco como lembrança da Verdade que foi percebida. E porque vossa mente está livre da memória, a qualquer instante — no próximo minuto, no dia seguinte ou um pouco mais tarde — a Verdade reaparecerá.

Como não tem continuidade, a Verdade só pode ser vista quando a mente toda inteira está livre desse mecanismo, de manter, de rememorar, de reconhecer. Isso exige extraordinária atenção, já que é muito fácil dizer-se: "Ontem eu vi isso, e quero viver com isso". Se ficardes "vivendo com isso", estareis vivendo com uma memória, coisa morta e sem significação, que vos impedirá de ver a Verdade, sempre nova e fresca. Para ver a Verdade, ou a beleza daquela montanha, vossa mente deve estar sobremodo sensível, não ter sido embotada pela memória de coisas passadas; e isso exige — como sabereis se vos observardes — penetrante atenção. Por conseguinte, não deveis permitir que vosso corpo se torne embotado, indolente. Deveis ter um corpo altamente alertado, sensível; porque as condições do corpo influem no cérebro, e o cérebro influi em vosso pensamento. Psicossomaticamente, é necessário estar-se plenamente lúcido.

A memória é mecânica, e tem naturalmente seu lugar próprio. Sem a memória, não saberíeis onde morais, não saberíeis ler e escrever, etc. Mas, com a maioria de nós acontece que a memória — que é o passado — interfere na observação. Quando tiverdes compreendido este fato, tereis espaço para observar; e nesse espaço, por uma fração de segundo, por dez minutos, por uma hora — o período não importa — há percebimento. Mas, se converterdes esse percebimento em memória, nunca mais tornareis a ver.

Em geral, vivemos de memórias: memórias dos ditosos tempos da juventude, lembranças relativas ao sexo, lembranças de nossas alegrias e desesperos, etc. Vivemos no passado e, por isso, nossa mente é insensível; e nosso preparo técnico, portanto, contribui para nos tornarmos autômatos. Estou falando de coisa muito diferente: tornar a mente sobremodo ativa e sensível, pelo percebimento de tudo o que fazeis e deixais de fazer.

INTERROGANTE: Quando estou escutando o que aqui se diz, sinto-me muito vivo e sensível; mas, quando me vou, a sós, ou quando me acho em casa, essa sensibilidade desaparece.

KRISHNAMURTI: Se só tendes sensibilidade enquanto aqui vos achais, nesse caso estais sendo influenciado, e isso nenhum valor tem. O que estais ouvindo é, então, mera propaganda e, por conseguinte, deveis evitá-lo, rejeitá-lo, destruí-lo, pois é assim que se criam os Mestres, os instrutores, as autoridades. Mas se, ouvindo-me falar, estivestes apercebido de vossas próprias reações, a cada minuto, acompanhando o que estivemos dizendo durante mais de uma hora; se estivestes atento não só às palavras do orador, mas também aos movimentos de vosso próprio pensamento e sentimento, então, ao sairdes daqui, sozinho, conhecereis o estado de vossa mente e nunca vos deixareis colher cegamente em suas redes.

PERGUNTA: Não achais que o desejo de libertação é, em parte, a causa de nosso condicionamento?

KRISHNAMURTI: Naturalmente, senhor; o desejo de nos libertarmos de condicionamento só pode favorecer o condicionamento. Mas se, em lugar de tentarmos reprimir o desejo, compreendermos o seu inteiro "mecanismo", então, nessa própria compreensão, surge a liberdade, a libertação do condicionamento. A libertação do condicionamento não é um resultado direto. Compreendeis? Se me aplico deliberadamente a livrar-me de meu condicionamento, esse próprio desejo cria seu peculiar condicionamento. Posso destruir uma forma de condicionamento, mas fico enredado noutra. Já se houver compreensão do próprio desejo — inclusive, também, o desejo de libertação — então, essa mesma compreensão destrói completamente o condicionamento. A libertação do condicionamento é um resultado acessório, e sem importância. O importante é compreender o que cria o condicionamento.

Krishnamurti, Saanen, 24 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho

domingo, 8 de abril de 2018

O mecanismo do condicionamento

O mecanismo do condicionamento

ESTA é a última da presente série de conferências, e eu gostaria de saber o que todas estas palestras e discussões significaram para a maioria de nós. Que foi que entendemos, até que ponto penetramos os nossos problemas e os compreendemos? Estivemos a escutar com o propósito único de encontrarmos uma resposta, uma solução para os nossos problemas, uma maneira prática de proceder, em relação aos sofrimentos e provações da existência? Ou abrimos caminho para um conhecimento mais amplo e mais profundo de nós mesmos, a fim de podermos, independente e livremente, resolver os problemas que, inevitavelmente, surgem em nossa vida? Considero muito importante, depois de termos escutado estas palestras e discussões, descubramos por nós mesmos o que foi que compreendemos e de que maneira essa compreensão está operando em nossas atividades diárias. É bem de ver que o mero escutar, separado da ação, mui pouco significa; e parece-me que seria completamente inútil e vão assistir a essas conferências sem delas se extrair alguma coisa — não uma coisa artificial, uma conclusão lógica, ou um plano sistematicamente concebido para as atividades futuras, porém, antes, o rompimento das estreitas muralhas de condicionamento que estão tornando a mente incapaz de perceber a totalidade das coisas. Se, assistindo-se a estas palestras, foram demolidas essas muralhas, essa é que é a única coisa importante, e não o quanto se aprendeu, ouvindo-as. O que mais importa é descobrirmos por nós mesmos o nosso próprio condicionamento e o dissolvermos, espontaneamente, sem esforço, quase inconscientemente; porque não é o pensamento deliberado, com sua ação peculiar, porém, antes, a dissolução espontânea e quase inconsciente, do condicionamento, que irá libertar a mente.

Assim, considerando-se o presente estado da sociedade, a extrema confusão em que nos achamos — com guerras, desigualdades, degradações de toda ordem, e a constante batalha interior e exterior — parece-me sumamente importante, para os que levamos verdadeiramente a sério estas conferências, descobrirmos se efetuamos uma radical transformação de nos mesmos; porque, em última análise, só o indivíduo, e não as circunstâncias, é que é capaz de operar a transformação radical. Quando nos limitamos a resignar-nos às mudanças das circunstâncias, a mente resolve os seus problemas num nível muito superficial, tornando-se assim inferior e incapaz de perceber o todo. Penso que é a compreensão do todo, da totalidade, do ilimitado, ou mesmo um simples entreabrir da mente condicionada, que pode resolver os nossos problemas, e não o processo de dissecar e analisar os nossos problemas, um a um. Uma árvore é constituída não apenas do tronco, dos ramos, das flores, dos frutos, mas também das raízes profundamente ocultas no seio da terra; e, sem a compreensão disso, sem o sentimento da totalidade, ninguém é capaz de experimentar a plenitude, a beleza da árvore.

Agora, parece-me que o que em geral estamos fazendo é muito lamentável. Com o esforço para compreendermos as nossas lutas e angústias diárias, parceladamente, isto é, pela gradual acumulação de conhecimentos, pensamos que compreenderemos a totalidade da vida. A reunião de muitas partes não faz o todo. Se juntamos folhas, ramos, um tronco e algumas raízes, não teremos uma árvore; mas é isso o que estamos fazendo. Aplicamo-nos aos problemas da vida separadamente, e não considerando-a como um processo unitário; e o todo não pode ser compreendido pelo conhecimento analítico, cumulativo. O conhecimento tem o lugar que lhe compete; mas o conhecimento se torna um empecilho, uma verdadeira barreira ao descobrimento da verdade, em sua totalidade, sua beleza — descobrimento que requer uma mente extraordinariamente simples.

Como a quase todos nós só interessa o que se deve fazer, desejareis saber quais foram os resultados práticos obtidos do escutar estas palestras. Estou certo de que muitos de vós fizestes a vós mesmos estas perguntas, e outros a fizeram a mim. Espero sinceramente que nada de prático tenhais ganho; porque a mente só busca o prático, o útil, o exequível, quando interessada nas insignificantes atividades geradas pelo seu próprio impulso. "Como pôr em prática o que escutei? De que maneira utilizá-lo?" — tais perguntas parecem-me muito superficiais, e só a mente limitada as faz, não aquela que percebe a totalidade, a imensidão da vida, com seus múltiplos problemas. Ao perceber-se realmente a imensidade, a extraordinária profundeza e vastidão da vida, esse próprio percebimento produz ação que não vem da mente limitada. O que a mente limitada, condicionada, faz é produzir uma atividade adequada às suas próprias dimensões, e por este motivo existe confusão e cada vez mais confusão.

Porque é que pensamos parceladamente, isto é, considerando só determinado setor da sociedade? Já vos fizestes esta pergunta? Não é porque nossa mente está condicionada pela literatura que lemos, pela educação que recebemos, pelas influências culturais e religiosas a que estamos expostos, desde a infância? Todos esses fatores condicionam a mente, e é esse condicionamento que nos faz pensar parceladamente. Pensamos em nós mesmos como hinduístas ou cristãos, americanos ou russos, como pertencentes ao mundo asiático ou ao mundo ocidental. Aqui na Índia, dividimo-nos mais ainda: somos malabaris, madrasis ou gujarathis, pertencemos a esta ou àquela casta, lemos este ou aquele Livro.

Senhor, posso pedir-vos não tirardes fotografias agora? Não sei se sabeis qual é a finalidade destas reunires. É deplorável ser necessário lembrar-vos que espécie de reunião é esta. Tirando fotografias, observando as pessoas que entram, procurando entre os assistentes os vossos amigos, conversando uns com os outros — com isso denotais desrespeito, não à minha pessoa, mas ao vosso próximo e a vós mesmo. Quando uma pessoa é incapaz de, diligente e resolutamente, levar até ao fim um pensamento, isso denuncia a que extrema superficialidade ela reduziu a si própria. Se simplesmente escutardes, tenho fortes razões para afirmar-vos que nesse escutar quebrareis o vosso condicionamento; o ato de escutar é tudo o que é preciso. A reflexão posterior, as ideias que acumulais e guardais para serem meditadas ulteriormente, isso não vos dará liberdade. O que demolirá a muralha é dar-lhe agora toda a atenção; e não podeis dar-lhe toda a atenção, se vossa mente está a divagar, se estais distraído. Ao ouvirdes uma canção que amais ou vossa música predileta, nenhum esforço fazeis; escutais, simplesmente, deixando a música exercer sua peculiar ação sobre vós. De modo semelhante, se escutardes agora com essa qualidade de atenção, com essa ausência de esforço, vereis que o próprio ato de escutar produz efeito de muito maior significação do que qualquer esforço deliberado, de vossa parte, para escutar, racionalizar, e pôr em prática o que ouvis.

Já perguntei porque estamos, todos nós, a pensar parceladamente, em pequenos segmentos, quando no mundo inteiro os entes humanos estão lutando com mais ou menos os mesmos problemas, experimentando as mesmas ânsias, os mesmos temores, as mesmas alegrias transitórias. Porque não tomamos como um todo esta coisa estupenda que é nossa vida sobre a Terra, considerando-a como algo que temos de compreender, não como indianos ou ingleses, chineses ou alemães, comunistas ou capitalistas, porém como entes humanos? Não é porque estamos pensando dentro desses pequenos segmentos que vivemos perpetuamente a disputar, a guerrear, a destruir-nos mutuamente? E esse pensar parcial, essa compreensão fracionária se tornou possível porque, pela nossa educação, pelas influências sociais, pela chamada instrução religiosa, pelos livros e suas interpretações, nossa mente se tornou condicionada. Só a mente não condicionada pode ser livre; e não se pode "descondicionar" a mente quando, deliberadamente, nos pomos a atuar nesse sentido. É preciso compreender o mecanismo integral do condicionamento e porque a mente está condicionada. Todo ato, todo pensamento, todo movimento da mente, é limitado; e é com essa mente limitada que estamos tentando compreender algo que tem a profundeza e a amplidão da existência inteira.

A questão, pois, não é o que se deve fazer, nem se se aprendeu algo de prático, assistindo-se a estas reuniões. Não é pelo mero esforço para encontrar uma resposta, uma solução para o problema, porém, antes, pelo escutar, pelo discutir, pelo profundo investigar, pelo fazer perguntas sérias e fundamentais, que se quebra o condicionamento da mente. Mas o condicionamento da mente deve quebrar-se por si, a mente nada pode fazer nesse sentido. Estando condicionada, não pode atuar sobre seu próprio condicionamento. Uma mente estreita que tenta tornar-se ampla, continuará estreita. A mente limitada pode conceber Deus, a Verdade, mas suas concepções só podem ser uma "projeção?' de sua própria limitação. Uma vez percebendo isso, a mente já não formula o que é Deus nem luta para ser livre. Deixa tudo isso de parte, porque agora só lhe interessa o investigar do "mecanismo" integral do condicionamento; e se uma pessoa sente verdadeiro interesse, verá que esse próprio investigar lhe abrirá a porta, de modo que seu condicionamento é revelado e destruído. Vós não podeis destruir o vosso condicionamento; mas o próprio percebimento do fato de estardes condicionado, produz uma vitalidade que destrói o condicionamento. Parece que não percebemos isso. O próprio fato de ser eu ávido e de saber que o sou, tem sua vitalidade própria, capaz de destruir a avidez.

Nessas condições, se pudermos verdadeiramente investigar e compreender porque a mente pensa fracionariamente, tenho certeza de que descobriremos um fato muito importante acerca de nós mesmos; e é desse investigar que nasce a individualidade. No presente, não somos indivíduos livres, condicionados que estamos pela sociedade e sendo meros brinquedos do ambiente; mas se a mente puder investigar esse condicionamento, e, assim, livrar-se dele, surgirá então o verdadeiro indivíduo, que não segue ninguém, que não reconhece nenhuma autoridade ou líder; e com esse estado mental livre de influências, nasce aquela ação criadora que não pertence ao tempo.

Assim, pois, permiti-me sugerir que não investigueis para verdes o que podeis aprender. Se escutais unicamente com o fim de aprender, criais um instrutor, que seguis. O importante, decerto, é percebermos muito claro que nossa mente é limitada, condicionada — o que é um fato tão óbvio — e que qualquer solução que seja encontrada pela mente limitada, será também limitada. O próprio percebimento desse fato — de que estais condicionado, de que vossos valores, vossas opiniões, vossos conhecimentos, vossos juízos, são sempre limitados, sem brilho, vazios — é o começo da humildade. Não é a mente que cultivou a humildade, porém aquela que é simples, humilde, que se acha sempre num estado de "não saber" — que pode descobrir o desconhecido. A mente que busca a virtude, a respeitabilidade, que está à cata de um sistema, de uma filosofia prática, para viver neste mundo, nunca encontrará o incognoscível. Mas a mente que, compreendendo seu próprio condicionamento, se torna simples, humilde; a mente que não acumula, que se acha incerta e sempre num estado de "não saber", sendo por essa razão uma coisa viva, ativa, dinâmica — só essa mente pode experimentar o incognoscível ou permitir a sua manifestação.

Krishnamurti, Oitava Conferência em Bombaim
28 de março de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Pode a mente totalmente se descondicionar?


Pode a mente totalmente se descondicionar?

PERGUNTA: Tenho andado de instrutor em instrutor, a buscar, e agora vim ter convosco, movido por esse mesmo espírito de busca. Sois em alguma coisa diferente de todos os outros, e como poderei sabê-lo?

KRISHNAMURTI; Ora, estais realmente a buscar, e que significa “buscar”? Compreendeis esta pergunta? Estais, evidentemente, a buscar alguma coisa, mas o quê? Essencialmente, buscais um estado de espírito que nunca possa ser perturbado e a que chamais “paz”, “Deus”, “amor”, etc. Não é assim? Nossa vida é cheia de perturbação, de ânsias, de medo, de escuridão, de agitações, de confusão, e queremos fugir de tudo isso; mas, quando um homem confuso busca, sua busca se baseia no seu estado confuso e, por conseguinte, o que ele encontra é mais confusão. Estais-me seguindo?

Em primeiro lugar, pois, devemos indagar porque buscamos, e que é que buscamos. Podeis andar de instrutor em instrutor, e cada instrutor oferecer um diferente método de disciplina ou meditação, alguma prática absurda. Nessas condições, o importante não é o instrutor e aquilo que ele oferece, mas, sim, que saibais o que é que vós mesmo estais buscando. Se sabeis com clareza o que estais buscando, encontrareis então um instrutor que vos oferecerá tal coisa. Se buscais a paz, encontrareis um instrutor que vos oferecerá a paz. Mas isso que buscais pode não ser verdadeiro, em absoluto. Compreendeis? Posso desejar uma felicidade perfeita, o que significa um inalterável estado de espírito, em que haverá tranquilidade completa, sem conflito, sem dores, sem indagação, sem dúvidas; assim sendo, ponho-me a praticar uma certa disciplina oferecida por algum instrutor, e tal disciplina poderá produzir seu resultado próprio, ao qual chamo “paz”. Eu obteria o mesmo efeito se tomasse um narcótico, uma pí­lula; mas tal proceder não é respeitável, e o outro é (risos). Por favor, senhores, isto não é coisa para rir, pois é o que de fato estamos fazendo.

Pois bem, aquilo que buscais, achareis, se estais disposto a pagar o seu preço. Se vos colocais nas mãos de outro, se seguis alguma autoridade, alguma disciplina, se vos controlais, descobrireis o que desejais, o que significa que vosso desejo está ditando a vossa busca; mas o que realmente acontece é que não estais cônscio dos fatores que vos estão impelindo à busca, e vindes perguntar a mira qual é minha posição e como podeis saber se o que estou dizendo é verdadeiro ou falso. Depois de terdes estado com vários instrutores, de terdes sido iludido, de vos terdes queimado, vindes agora experimentar mais este. Mas eu não vos estou dando instrução nenhuma, absolutamente nenhuma. O que estou dizendo é só que conheçais a vós mesmo, mais e mais profundamente, que vos vejais exatamente como sois; e isso ninguém vos pode mostrar. Mas não vos podeis ver exatamente como sois, se estais acorrentado por crenças, por dogmas, por superstições, por temores.

Senhores, para a mente incapaz de “estar só”, a busca nenhuma significação pode ter. “Estar só” é ser incorruptível, simples, livre de toda tradição, todo dogma, toda opinião, do que outro diz, etc. etc. Essa mente não busca, porque nada há que buscar; sendo livre, ela é serena, sem desejos, imóvel. Mas, tal estado não pode ser alcançado, não é uma coisa que se compra com disciplina; ele não se manifesta pelo fato de abandonardes as atividades sexuais ou de praticardes uma certa ioga. Só se manifesta quando se tem a compreensão dos movimentos do “eu”, do “ego”, que se revela pela mente consciente, nas atividades de cada dia, bem como no inconsciente. O importante é compreendermos por nós mesmos, e não sob a orientação de outros, todo o conteúdo de nossa consciência, que está condicionada, que é o resultado da sociedade, da religião, de choques vários, impressões, memórias — compreendermos todo esse condicionamento e nos libertarmos dele. Mas, não há “como” ser livre. Se perguntais como podeis ser livre, não me estais escutando verdadeiramente.

Suponhamos, por exemplo, que eu vos diga que a mente tem de ser totalmente “descondicionada”. Ora, como é que escutais uma declaração dessa ordem? Com que atenção a escutais? Se, como espero, estais observando a vossa própria mente, percebereis que estais dizendo, interiormente: “Que coisa impossível!”, ou “Isto é irrealizável”, ou “O condicionamento só pode ser modificado”, etc. Por outras palavras, não estais escutando atentamente aquela declaração, mas lhe estais opondo vossas próprias opiniões, vossas próprias conclusões, vossos próprios conhecimentos; por conseguinte, não há atenção nenhuma.

O fato é que a mente está condicionada, seja como comunista, seja como católica, protestante, hinduísta, etc. e, ou não estamos apercebidos desse condicionamento, ou o aceitamos, ou, ainda, tentamos alterá-lo, enobrecê-lo, mudá-lo; mas nunca fazemos a pergunta: Pode a mente ficar totalmente livre de condicionamento? Antes de poderdes fazer esta pergunta a vós mesmo, com toda a atenção, precisais estar apercebido de que a vossa mente está condicionada, como é bem óbvio que está. Compreendeis o que entendo por “condicionamento”? Não me refiro ao condicionamento superficial da linguagem, dos gestos, dos costumes, etc; estou falando do condicionamento num sentido muito mais profundo e fundamental. A mente está condicionada quando é ambiciosa, não só mundanamente, mas também ambiciosa de se tornar espiritual. Todo esse esforço de automelhoramento resulta de condicionamento; e pode a mente ficar totalmente livre de tal condicionamento? Se de fato fizerdes esta pergunta a vós mesmo, com muita atenção, não deixareis de encontrar a resposta correta, e esta resposta não é que isto é possível ou impossível, pois o que ocorre é uma coisa completamente diferente.

Por conseguinte, é importante verificar como escutamos a estas palestras. Se não prestais atenção, asseguro-vos que é pura perda de tempo virdes aqui todos os fins de semana. Pode ser agradável vir de carro a Ojai, mas aqui faz calor. Mas, se sois capaz de prestar atenção direta ao que se diz — o que significa que não vos lembreis de nada que lestes, que não ponhais opinião contra opinião, que não tomeis notas, dizendo “Refletirei sobre isto posteriormente” — e, sim, que façais a vós mesmo a pergunta em apreço, imediatamente, enquanto estais escutando — então, essa própria existência de atenção fará vir a resposta correta.
Krishnamurti, 7 de agosto de 1955
Realização sem esforço

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Como lidar com a força dos condicionamentos?


Muito depende do estágio de desenvolvimento de sua consciência. No começo, se você não tiver nenhum poder ou conhecimento oculto especial, o melhor que você pode fazer é permanecer tão quieto e tranquilo quanto possível. Se o ataque tomar a forma de sugestões adversas, tente afastá-las tranquilamente, como faria com algum objeto material. Quanto mais quieto você ficar, mais forte se tornará. A base firme de todo poder espiritual é equanimidade. Você não deve deixar que nada perturbe seu equilíbrio: então você pode resistir a qualquer espécie de ataque. Se, além disso, você possuir discernimento suficiente e puder ver e apanhar as más sugestões quando elas chegarem a você, tornar-se-á muito mais fácil afastá-las; mas algumas vezes elas vêm desapercebidas e então é mais difícil combatê-las. Quando isto acontece, você deve sentar-se quieto, fazer descer a paz e uma profunda quietude interior. Mantenha-se firme e invoque com confiança e fé: se sua aspiração for pura e firme, você certamente receberá ajuda.

Os ataques das focas adversas são inevitáveis: você deve aceitá-los como testes no caminho e prosseguir corajosamente através da provação. A luta pode ser dura, mas quando você sair dela, terá ganho alguma coisa, terá avançado um passo. Há mesmo uma necessidade da existência das forças hostis. Elas tornam a sua determinação mais forte, sua aspiração mais clara.

É verdade, entretanto, que elas existem porque você lhes deu razão de existir. Enquanto houver algo em você que responda a elas, sua intervenção é perfeitamente legítima. Se nada em você respondesse, e não tivessem apoio em nenhuma parte de sua natureza, elas se retirariam e o deixariam. De qualquer forma, elas não devem parar ou entravar seu progresso espiritual. O único meio de perder a batalha contra as forças hostis é não ter verdadeira confiança no auxílio Divino. Sinceridade na aspiração sempre traz o socorro requerido. Um chamado quieto, uma convicção de que, nesta ascensão em direção à realização, você nunca caminha sozinho e uma fé de que toda vez que o auxílio for necessário ele aparecerá, hão de conduzi-lo fácil e seguramente pelo caminho.

Se você pensa ou sente que as forças hostis vêm de dentro, possivelmente você se abriu a elas e elas se instalaram sem você percebê-las. A verdadeira natureza das coisas é de harmonia; mas há uma distorção em certos mundos que produzem perversão e hostilidade. Se você tiver uma forte afinidade com estes mundos de distorção, você pode fazer amizade com os seres que vivem lá e responder plenamente às suas sugestões. Isso acontece, mas não é uma condição muito feliz. A consciência torna-se imediatamente obscurecida e não pode distinguir entre o verdadeiro e o falso; você não pode nem mesmo dizer o que é mentira e o que não é.

De qualquer jeito, quando um ataque vier, a atitude mais sábia é considerar que ele veio de fora, e dizer: “Isso não sou eu e não tenho nada a ver com isto”. Você deve lidar, da mesma forma, com todos os impulsos e desejos inferiores e todas as dúvidas e indagações da mente. Se você se identificar com elas, a dificuldade em lutar contra elas tornar-se-á muito maior; pois então você tem a sensação de que está enfrentando a sempre difícil tarefa de superar sua própria natureza. Mas desde que você possa dizer =, “Não, isto não sou eu, não tenho nada com isto”, será muito mais fácil dispensá-las.


A Mãe

sábado, 1 de abril de 2017

A formação da limitada e separatista mente dual


Em algum ponto no passado, os seres humanos começaram a reconhecer contrastes de luz e sombra como formas isoladas às quais podiam dar nomes. Contrastando, identificando e nomeando formas, eles criaram um mundo de polaridades interdependentes (dualidade): grande e pequeno, duro e macio, macho e fêmea. Embora todas estas distinções, bem como os rótulos aplicados a elas, foram criação da mente humana e variassem em caráter de cultura para cultura, com o tempo adquiriram maior substância e passaram a ser vistas como efetivamente sólidas e reais.  

A partir desta única semente, com raiz no processo da percepção, os seres humanos criaram o "eu" e o seu mundo. Eles se transformaram em espectadores que vivenciavam seu meio comum como um mundo objetivo. Ao olhar para dentro, podiam refletir sobre os contrastes que percebiam em seus próprios estados interiores, e dar nomes a sentimentos e emoções. Assim, foi-lhes possível distinguir entre gostos e aversões, prazer e dor; podiam recordar e refletir sobre suas sensações. Empregando nomes, os seres humanos podiam avaliar sua experiência e expressar preferências e opiniões. 

Gradativamente, os nomes foram adquirindo maior significado, através de associações com outros nomes; conceitos se tornaram mais complexos. Mais tarde, criou-se uma base que viria possibilitar pensamentos mais abstratos e sofisticados. Derivados desta longa cadeia de desenvolvimentos, moldados pela linguagem, pela cultura e pelo meio ambiente, nossos atuais padrões mentais evoluíram ao longo de muitos milhares de anos. 

Durante toda a história da humanidade, a parte da nossa consciência que se liga a objetos recebeu contínuos reforços. Canais profundos foram entalhados em nossa mente, direcionando nossa energia mental para o plano dos objetos, e distanciando-a da dimensão aberta da consciência. A cada pensamento ou sensação, nossa mente agora ágil com a velocidade de uma corrente elétrica para absorver o mundo aparentemente objetivo. Desde o nascimento, somos condicionados a estes padrões de percepção, pensamento e reação

Automaticamente, empregamos estes padrões para interpretar objetos e situações, e responder a eles. Esta forma única de reagir é tudo o que conhecemos: como um trem segue seus trilhos, parecemos predestinados a seguir o caminho demarcado pelo curso da nossa evolução. Embora possamos estar convencidos de que estamos pensando e agindo de acordo com nossas próprias escolhas, na verdade vivemos condicionados por um sentido de separação e pelo jogo de atração e repulsão das polaridades. Estamos fadados a avaliar e reagir a todas as coisas em termos de agradável e desagradável, desejável e não-desejável, bom e ruim. 

Comprometidos com uma visão baseada na dualidade, e confinados às estruturas conceituais que emergem a partir desta visão, não conseguimos conceber a possibilidade de uma estrutura mais aberta para os nossos pensamentos e ações. Quase nada existe em nosso modo de vida que nos leve a qualquer indagação sobre os nossos padrões de percepção e pensamento, ou a qualquer reflexão sobre as inclinações mais profundas da nossa maneira de ver a nós mesmos e ao nosso mundo. 

Ao mesmo tempo, a força atrativa do mundo objetivo tornou-se mais intensa do que em qualquer outra época. As sociedades modernas deram luz a inúmeras tecnologias novas, colocando em movimento um tipo moderno de evolução, alimentado pela inventividade da mente racional. Embora nossa evolução científica e tecnológica seja um desenvolvimento recente na história do planeta, sua força fez crescer de forma significativa o impulso natural das mudanças. 

[...] À medida que o mundo se torna mais caótico e confuso, será que estaremos sendo mais e mais atraídos pela previsibilidade racional do computador? Será que alguns de nós poderão chegar até a se identificar mais com a inteligência computadorizada do que com seus semelhantes? (o aparelho celular como exemplo). Será que com o tempo vamos começar a avaliar nossa própria inteligência por comparação aos computadores?
[...] As respostas a estas perguntas precisam estar fundadas em um conhecimento do ser humano que seja o mais completo possível. Antes que sejamos arrastados na direção de um futuro que talvez não se apresente da maneira como desejamos, precisamos olhar de perto para a nossa situação atual, e começar um processo de exame da base mesma do nosso conhecimento — nossa consciência humana e a natureza da nossa mente. 

sexta-feira, 31 de março de 2017

Os conceitos e a "linha de enredo" do pensamento

Se refletirmos sobre a natureza dos conceitos e sobre a maneira não-crítica como aceitamos a realidade que eles criam, poderemos ter a impressão de estar presos no meio de um elaborado programa de computador que funciona sem a nossa decisão consciente. E, no entanto, tendemos a achar que comandamos o nosso pensamento. Somos nós que estamos operando o programa, ou será que é ele que está nos operando? Seríamos capazes de nos separar do programa e permitir que os nossos pensamentos e ações fossem informados por um conhecimento mais abrangente e confiável, intrínseco ao nosso próprio ser?

À luz de uma compreensão mais ampla, será que poderíamos retreinar a nossa mente para uma forma mais satisfatória de visão? Seria possível uma visão que conseguisse penetrar as nossas estruturas e padrões conceituais? Haveria um meio de abrirmos os nossos conceitos e revitalizá-los com significados que nos permitissem comunicar nossas ideias de forma mais completa? Poderíamos encontrar conceitos que fossem mais próximos da qualidade imediata de nossa experiência, e mais sintonizados com os nossos insights e sentimentos?

Talvez haja meios de vislumbrarmos um lado mais sutil da nossa consciência que poderia nos permitir examinar, com maior clareza, os padrões fixos da mente. Quando relaxamos o corpo, podemos diminuir o ritmo dos pensamentos e das imagens, e observar mais diretamente o processo dos pensamentos em si. 

Este relaxamento não precisa de qualquer técnica especial. É simplesmente uma questão de observarmos os pensamentos que vêm, sem comentários nem interpretações. Quando experimentamos esta maneira de observar o funcionamento da mente, o que vemos talvez não seja bem o que esperávamos: pode parecer não muito importante. Porém, com o tempo, é possível que comecemos a observar com uma qualidade de concentração relaxada e não-forçada, a qual, em si mesma, pode constituir uma experiência nova. Esta forma de olhar para dentro pode levar a importantes insights acerca da natureza dos pensamentos, bem como uma nova consciência das ligações que existem entre os pensamentos e os sentimentos.

Os pensamentos, quando deixados por si só, tendem a caminhar até um ponto em que pausam, quase como se tivessem convergido para uma parede vazia. Pode ser que já tenhamos vivenciado esta pausa, num momento em que seguíamos rigorosamente um determinado encadeamento de pensamentos, ou que nos percebemos "entalados" num problema. A qualquer momento, a mente pode ficar silenciosa por um instante. Se notamos esta pausa, geralmente consideramos que chegamos ao fim de uma cadeia de pensamentos. Se nenhum pensamento novo surge para continuá-la, voltamos nossa atenção para um outro assunto. 

No entanto, este aparente "beco sem saída", onde os pensamentos caminham para um único ponto e se desfazem, pode também representar a porta para um novo conhecimento. Focalizando-nos neste ponto com uma concentração equilibrada, podemos ver possibilidades de um modo de conhecer que se encontra além de nossos padrão habitual de pensamento.

Se permanecermos relaxados e atentos, poderemos perceber uma sensação de luminosidade, como se através do silêncio brilhasse uma luz. O fluxo normal dos pensamentos e o hábito de fixarmos a atenção no conteúdo dos pensamentos, dão-nos poucas oportunidades de perceber a presença de luz em nossas imagens mentais. Se afrouxarmos nosso apego ao conteúdo dos pensamentos e ficarmos atentos aos pensamentos em si, poderemos percebê-los surgindo de dentro desta luminosidade, logo antes de tomarem a forma de palavras.

O processo acontece tão rápido que imediatamente identificamos os pensamentos com palavras, ou talvez com blocos inteiros de palavras que dão início a um diálogo interno. À proporção que mais interpretações vão se seguindo, e que conceitos vão se combinando e evocando fortes cores emocionais, podemos nos dar conta de que os nossos sentimentos estão onerados por uma sensação de peso que parece escura e séria. Que pensamentos contribuem para esta sensação pesada? O que aconteceu com as qualidades de abertura e luz com as quais o processo havia se iniciado?

Ao fazermos estas perguntas, talvez o fluxo dos pensamentos faça novamente uma pausa, por um breve momento. Porém, quase que imediatamente, um novo fluxo de pensamentos se põe em movimento, durando um período longo ou talvez apenas poucos instantes, antes que uma nova sequência se inicie. De onde vêm estas fileiras de pensamentos? O que acontece quando tomamos posse dos nossos pensamentos e conscientemente os guiamos em uma direção específica?

Talvez pareça não haver pausas no fluxo dos pensamentos: somos envolvidos por uma sequência que tem um tema ou uma "linha de enredo", quando, de repente, o conteúdo muda e nos vemos no meio de uma outra história. Como fomos parar de uma história na outra? Será que cada uma delas tem um começo e um fim, ou será que são contínuas? Elas se sobrepõem, influenciado-se umas às outras?

Ao questionarmos os pensamentos desta maneira, conseguimos afrouxar nosso apego e fixação ao conteúdo dos pensamentos, e ganhar novos insights acerca dos nossos processos mentais. Cada pensamento constitui uma oportunidade para observarmos a nossa mente e aprendermos com ela. Com maior experiência, podemos começar a ver como os pensamentos podem, na verdade, criar confusão e prolongar estados mentais indesejáveis. Com o tempo, ficará mais óbvio o modo como um pensamento gera outro, e como a dinâmica dos pensamentos tende a se auto-propelir, alimentando e realimentando ciclos de impulsos que correm pela mente.

Da mesma forma que um tecelão cria uma tapeçaria, definindo a trama básica do tecido, e depois ornamentando-a com um desenho após outro, nossa mente parece ter pensamentos e imagens em réplicas intermináveis. Quando pegamos o começo de um pensamento, podemos observar como ele se inicia com um padrão simples, aberto e espaçoso, que vai se tornando mais denso, à medida que imagens se entrecruzam para formar padrões cada vez mais complexos.

Ao estimular lembranças e associações que evocam um universo de sentimentos e emoções, os pensamentos perdem sua abertura, enquanto vão se proliferando e se entrelaçando. Concomitantemente, podemos perceber nossas faculdades críticas em ação, rotulando nossa experiência como felicidade, depressão, êxtase, tédio, raiva, como algo nobre ou condenável. 

À medida que cada experiência é carimbada e testemunhada pela mente, nossos pensamentos a seu respeito tornam-se mais conscientes e "reais"; então, identificamo-nos com a experiência e reagimos a ela de acordo com o nosso condicionamento. Dentre todas as possibilidades de enxergarmos uma determinada experiência, vamos, quem sabe, optar por chamá-la de "prazer". A seguir, projetamos a experiência fora de nós, e decidimos que queremos ter aquela experiência. Ao buscarmos as coisas que associamos com o prazer, encontramos a nossa própria imagem do que o,prazer "deve ser". Ao tentar agarrar um objeto, esperando sentir prazer e desejando prolongá-lo, experimentamos prazer por apenas um curto tempo. Quase que imediatamente, sentimos que ele escorrega em nossa mão.

Observar os movimento de ir e vir dos pensamentos nos permite ver como a mente apõe rótulos às percepções, sentimentos e emoções, e como ela então produz comentários e mais comentários sobre o que estamos vivendo. Ao ver estes padrões de pensamento sendo tecidos diante de nossos olhos, podemos nos perguntar se eles, na realidade, formam uma trama sólida. Talvez seja possível nos vermos — não só a nossa personalidade, aparência e atividades, mas a própria raiz do nosso ser —  de modo diferente. Uma visão assim nova e aberta poderia aliviar a mente das tendências que congelam a experiência e nos deixam vulneráveis a confusões. Assim que descobrimos que é possível soltar a garra dos conceitos que nos enredam em dores emocionais, teremos dado os primeiros passos em direção a uma compreensão nova, capaz de transformar a qualidade de todas as nossas experiências.

Com um maior discernimento acerca de quem somos e do que somos, por que percebemos, sentimos, compreendemos e interpretamos da maneira como fazemos, seria possível considerar tudo o que sabemos de uma perspectiva inteiramente nova. Poderíamos, então, analisar nossas pressuposições mais a fundo, decidindo por nós mesmos o que é possível e  que não é possível mudar, que forma de pensar são saudáveis e úteis, e quais delas nos envolvem em sofrimentos desnecessários. À medida que continuássemos a questionar, nossos pensamentos poderiam se tornar mais vitais e mais claros, abrindo novas possibilidades de autocompreensão e de maior controle sobre a direção da nossa vida.

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade

É possível ver tudo como que pela primeira vez?

Será que conseguimos sequer pensar em alguma coisa para a qual não temos um conceito? Se não tivéssemos um conceito de amor, será que poderíamos ter expectativas sobre como é o amor, ficar decepcionados quando nossas experiências não correspondessem a estas expectativas, ou então fantasiar sobre as pessoas que amamos? Se não tivéssemos noção alguma de amor, poderíamos ter ódio? E como seria se não tivéssemos nenhum conceito de "eu", ou da nossa pessoa como, de alguma forma, separada dos outros? Então, o que iríamos amar ou odiar? Será que poderíamos ficar apegados a pessoas ou coisas, sentir insegurança ou temer rejeição? Se a sociedade não fosse capaz de nos apresentar ideais que não se casassem com a realidade da nossa situação, será que iríamos nos sentir culpados por não nos pormos à altura desses ideais? Que diferença poderia haver na qualidade da nossa vida se não tivéssemos nenhum "deveria" ou "gostaria" em nosso idioma? 

Se olharmos com cuidado para a nossa experiência, poderemos ver que muitas coisas que parecem substanciais e reais são, na verdade, noções formadas por nossa mente. Ao operá-las em nosso pensamento e empregá-las em nosso cotidiano, tendemos a esquecer que são formulações mentais, e nos relacionamos com elas como se fossem reais. Assim, por exemplo, a felicidade não é inerente aos objetos que desejamos, mas nasce da maneira como interpretamos uma certa qualidade de entusiasmo. Por mais que valorizemos a felicidade, ela é também um conceito, um nome que aprendemos a aplicar a certos tipos de situações ou sentimentos.

Sem a nossa ideia de felicidade, e sem as muitas noções ligadas a ela sobre o que nos deixa felizes, será que iríamos saber se éramos felizes? Será que poderíamos ser infelizes? Será que teríamos os mesmos sentimentos se nos faltasse uma palavra para expressá-los? Como é que poderíamos ficar pensando ser éramos felizes, ou então nos sentir carentes se não o fôssemos?

É quase impossível imaginar como seria a vida sem estes conceitos familiares. Passamos a confiar em nossas atuais estruturas e padrões conceituais, tomando por um reflexo razoavelmente seguro da verdade, e não vemos nenhuma razão para questioná-los. Mas será que as nossas estruturas conceituais aumentam as nossas opções de estar e atuar no mundo, ou seriam elas limitadas demais para atender às nossas necessidades? Será que os nossos conceitos atuais são capazes de acomodar todo o conhecimento que nos é possível adquirir, ou será que eles se tornaram demasiadamente rígidos para sustentar uma perspectiva mais abrangente com relação ao conhecimento?

Quando dependemos de conceitos de uma maneira automática — seja ao pensar, falar ou escrever — podemos, na realidade, estar diminuindo nossa capacidade de comunicação. Todos nós vivemos em um mundo mental próprio; nossas experiências pessoais condicionaram as conotações específicas dos conceitos que utilizamos. Embora nosso mundo mental coincida em parte com os das outras pessoas, eles nunca são completamente idênticos. Ao dependermos de um conhecimento que seja filtrado através de conceitos, não conseguimos comunicar plenamente os significados que tencionamos transmitir; ficamos sutilmente isolados uns dos outros. Embora todos nós empreguemos as mesmas palavras diariamente, há um hiato em nossa comunicação que não pode ser fechado por completo. 

Quando traduzimos os conceitos de uma cultura para os de outra, o hiato na comunicação se amplia. O significado de cada conceito pode parecer o mesmo, mas as conotações associadas a eles podem variar enormemente. Hoje em dia, à medida que o inglês e outros idiomas ocidentais estão cada vez mais usados nas comunicações internacionais, os povos do mundo parecem estar caminhando em direção a um corpo comum de conceitos. No entanto, o que é compartilhado talvez seja apenas algo superficial; as mesmas palavras podem ter significados diferentes dentro de culturas diferentes. Mesmo a estrutura de diferentes idiomas pode influenciar muito a capacidade de expressarmos importantes nuances de significado. Assim, há um grande potencial para confusões e mal-entendidos. Podemos, sem saber, perder conhecimentos valiosos no processo de tradução. É também possível que os povos do mundo venham a se comportar como parceiros dentro de um mau relacionamento, que trocam palavras e procuram se reassegurar, mas que não dispõem de uma base para uma comunicação real. 

Seriam os nossos padrões conceituais necessariamente a melhor base para expandirmos a nossa compreensão de nós mesmos e do nosso mundo? Já exploramos as pressuposições que estão por baixo dos nossos conceitos? Se as condições do nosso passado tivessem sido diferentes, é possível que outros padrões mentais tivessem se desenvolvido com igual facilidade; aí, estaríamos vivendo em outro panorama mental, tão confiantes em nosso senso de realidade quanto estamos hoje. O que agora consideramos como nossas verdades inquestionáveis e auto-evidentes poderia nem sequer existir; não teríamos como pensar nelas, ansiar por elas, sofrer com elas, lutar por elas.     

No endurecimento dos conceitos, a morte do criativo


Os conceitos, a princípio, são fluídos e flexíveis, mas vão-se tornando mais fixos, à medida que amadurecemos. Quando aprendemos pela primeira vez um conceito — como, por exemplo, "espaço" ou "consciência" — somos muito receptivos às nuances que o cercam; podemos brincar com ele por um período, questioná-lo e explorar suas possibilidades. Assim que sentimos que o "conhecemos", tendemos a perder o interesse. Nossa disposição para reexaminar, descartar ou expandir a abrangência do conceito diminui; a palavra já não está mais viva, sujeita a modificações à luz de novos conhecimentos, mas sim, congelada como um dado ou informação que possuímos. Lançamos mão dela automaticamente em nosso processo mental, que passa a ser mais uma questão de rememorar do que uma atividade criativa

Ao recorrer exclusivamente às nossas estruturas e padrões conceituais, vamos lentamente contraindo a abertura natural da mente. Fica difícil percebermos as nuances sutis do momento, que se refaz constantemente. No ato da percepção, nossa mente apreende e interpreta as informações sensoriais, e nos devolve conceitos pré-fabricados que possuem associações e cores emocionais específicas, baseadas em nossa experiência passada. Estas associações emergem simultaneamente com o conceito, projetando uma situação passada sobre o presente, e condicionando a forma como enxergamos uma dada experiência. Não respondemos necessariamente à experiência imediata mas, sim, à experiência tal como filtrada através dos nossos conceitos, lembranças, imagens e associações.

Ao identificar uma situação no presente como semelhante a uma outra no passado, tendemos a reagir automaticamente, reduzindo nossa capacidade de avaliar a situação presente de forma espontânea. Vinculados deste modo ao passado, não conseguimos perceber a ampla gama de alternativas que estão disponíveis no presente, diminuindo assim nossas opções de ação. Esta tendência obscurece nossa visão; ao perdermos contato com a dinâmica aberta do momento vivo, passamos a viver dentro de um mundo amortecido. 

Quando os conceitos se tornam assim fixos em nossa consciência, não somos capazes de perceber nada de novo. Impossibilitados de notar as sutilezas de cada situação, à medida que ela vai se modificando, chegamos a repetir os mesmos gestos e os mesmos comentários em situações que parecem iguais. Quando nossa mente se acostuma a estas reações automáticas, ela se torna preguiçosa e desatenta, especialmente em ambientes que lhe são familiares. Nossos pontos de vista fixos nos dão uma sensação de segurança. Sentimos que "conhecemos" os objetos do nosso mundo; sentimos que "conhecemos" as pessoas e os demais seres vivos. Esperamos que as coisas permaneçam as mesmas e que preencham as nossas expectativas do que achamos que elas devam ser e fazer. 

Quanto mais reforçamos essa passividade e recorremos a conceitos amortecidos, mais a nossa mente resiste a qualquer tentativa de reexaminar aquilo que sabemos. À medida que tentamos, à força, encaixar nossa experiência em moldes rígidos, nosso mundo interior vai-se tornando cada vez menor e mais limitado, em vez de enriquecer-se com as nossas experiências do dia a dia. Confinados a conceitos que limitam os sentimentos e as compreensões que podemos expressar conseguimos apenas reeditar os padrões que prendemos, tal como os nossos pais, nossos avós, os pais dos nossos avós, etc. É possível que todo o conhecimento que adquirimos com a nossa educação formal e com as nossas experiências, represente apenas associações cada vez mais complexas de conceitos que pouco significado têm para uma vida humana. Tais conceitos são muito congelados, muito particularizados, muito distantes do mundo das coisas vivas para expressar nossos níveis mais profundos de experiência. 

Até que questionemos, analisemos e reavaliemos os conceitos que utilizamos para nos expressar, ficamos restritos a apenas um conjunto de interpretações sobre as nossas experiências. Quer elas se ajustem à realidade do que está acontecendo, quer nos tragam sofrimento desnecessário, não nos permitimos outra escolha a não ser viver neste mundo limitado. Mesmo que o nosso mundo mental seja solitário e que tenhamos pouco prazer com as nossas experiências, os nossos pensamentos nos são familiares e nos proporcionam uma ilusão de segurança e controle, que nos conserva presos a eles. É possível que não vejamos nenhuma alternativa para este modo de entender a nós mesmos e ao nosso mundo. Porém, quando até mesmo pensamentos como este dependem de conceitos que nunca examinamos em profundidade, como podemos saber que não existem outra possibilidades? 

Os conceitos e a limitação "do que É"

Será que nossos pensamentos e ações poderiam ser orientados por um conhecimento mais abrangente e confiável, intrínseco ao nosso próprio ser?

Todos nós vivemos dentro de um mundo interior de imagens, pensamentos e lembranças, que se alteram continuamente, evocando uma rica trama de sentimentos, emoções e humores. Por vezes surgem imagens vívidas em nossa mente, que estimulam uma cadeia de pensamentos; outras vezes, podemos sentir a nossa mente procurando focar uma ideia. Inicialmente, talvez percebamos simplesmente que estamos vendo imagens ou pensando pensamentos, mas logo o pensamento toma mais corpo; percebemos as palavras concretas em nossa mente, à medida que as pensamos ou as expressamos em nossa fala ou por escrito.

As palavras que expressam imagens e pensamentos são conceitos agrupados em cadeias que esclarecem as suas inter-relações. Os conceitos são as unidades a partir das quais a nossa língua é construída, e os seus significados constituem a substância do nosso conhecimento. Inúmeros conceitos que empregamos hoje tiveram sua origem muito tempo atrás.  Ao longo de toda a história da humanidade, os conceitos deram nascimento uns aos outros, ramificando-se e proliferando-se como as trepadeiras na selva.

Os conceitos podem ser simples elementos identificadores, como “árvore” e “casa”, ou noções mais abstratas, como “liberdade”, “amor” ou “justiça”. Eles são construídos por meio de um processo de distinções, segundo um padrão lógico que contrasta “isto” com “não-isto”. O “verde” distingue-se do “não-verde”; a “árvore” distingue-se de tudo que seja “não-árvore”. Estas distinções dependem todas umas das outras — “alto” ganha seu significado em comparação a “baixo”, “grande” tem sentido em comparação a “pequeno”.

À medida que continuamos a nos deparar com novos objetos, podemos rotulá-los, distinguindo-os daquilo que já conhecemos... Estas distinções simples servem de base para conceitos mais complexos, que se valem dos significados de muitos outros conceitos. “Liberdade” tem sentido porque podemos definir o que significa ser “não-livre”. Podemos fazer uma ideia de “amor” fazendo um contraste entre tudo o que associamos a amor e aquilo que seja “não-amor”.

Em algum momento de nossa infância, nós nos vimos pensando e falando, usando conceitos e reagindo a eles. De nossos pais, amigos e demais influências do nosso complexo condicionamento social, absorvemos nossa estrutura conceitual básica. Quando éramos crianças, ficávamos fascinados com formas que se moviam e com padrões de luz e sombra; aprendemos a reconhecer nossos pais e a distinguir objetos. Já fazíamos associações entre as coisas que víamos, ouvíamos, cheirávamos, saboreávamos e sentíamos através do nosso corpo. Podemos ter desenvolvido uma noção de que as nossas associações continham significado, mas não dispúnhamos de palavras para expressá-lo.

Ouvindo as palavras ditas à nossa volta, aprendemos a dar nome às formas e qualidades do nosso mundo. Este processo foi desenvolvido por meio de tentativas e erros; as palavras que a princípio ligávamos aos objetos que nos rodeavam nem sempre correspondiam às palavras empregadas pelos outros... Corrigidos e recorrigidos muitas vezes, moldamos nossas primeiras impressões de modo a se encaixarem nos conceitos dos adultos, e começamos a associar formas e sons “corretamente”.

Com o tempo, não precisávamos mais ouvir os sons como sons — eles tocavam nossos conceitos de imediato, de modo que “ouvimos significados” diretamente. Os conceitos se tornaram um modo conveniente de nos referirmos a objetos conhecidos, sem ter que descrever precisamente o que estávamos vendo ou exatamente o que queríamos dizer.

Concomitantemente, fomos ensinados de que forma reagir a estes conceitos: o que podíamos e não podíamos tocar, o que valorizar, o que querer e o que rejeitar; aprendemos até com o que ficar alegre e com o que ficar triste.  De acordo com os costumes da nossa cultura, foi-nos ensinado o modo apropriado de categorizar, pensar e usar todas as coisas em nossa experiência.

Gradativamente, muitas associações começaram a se acumular em torno dos conceitos. Elas eram capazes de tocar lembranças e evocar reações complexas. Podíamos, ao falar a palavra “casa”, despertar uma infinidade de sentimentos e associações que conferiam a este conceito um significado especial para nós. Desta forma, talvez, muitas palavras adquiriram um profundo significado pessoal, do mesmo modo que certas cenas, cheiros, sons e sensações algumas vezes pareciam ressoar com significados intensos e inexplicáveis.

No entanto, tudo o que tinha significado pessoal para nós, precisava ser expresso dentro de conceitos disponíveis em nossa língua. Tínhamos que aceitar os significados que nos eram dados, e deixar não-expressos os significados e sentimentos que não tínhamos condições de comunicar. Os conceitos que aprendíamos refletiam sobre nós, e assim começamos a pensar com as palavras da nossa língua. As palavras que agora se formam tão espontaneamente em nossa mente são, todas elas, conceitos que nos foram transmitidos pelos outros. Este conceitos condicionam, hoje, a maneira como vemos a nós mesmos e ao nosso mundo, como pensamos e como respondemos àquilo que acontece à nossa volta. Eles criam a nossa realidade do cotidiano, e nós os utilizamos para interpretar todas as nossas experiências.  

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill