Pode a mente totalmente se descondicionar?
PERGUNTA:
Tenho andado de instrutor em instrutor, a buscar, e agora vim ter convosco,
movido por esse mesmo espírito de busca. Sois em alguma coisa diferente de
todos os outros, e como poderei sabê-lo?
KRISHNAMURTI; Ora, estais realmente a buscar, e que
significa “buscar”? Compreendeis esta pergunta? Estais, evidentemente, a buscar
alguma coisa, mas o quê? Essencialmente, buscais um estado de espírito que
nunca possa ser perturbado e a que chamais “paz”, “Deus”, “amor”, etc. Não é
assim? Nossa vida é cheia de perturbação, de ânsias, de medo, de escuridão, de
agitações, de confusão, e queremos fugir de tudo isso; mas, quando um homem
confuso busca, sua busca se baseia no seu estado confuso e, por conseguinte, o
que ele encontra é mais confusão. Estais-me seguindo?
Em primeiro lugar, pois, devemos indagar porque
buscamos, e que é que buscamos. Podeis andar de instrutor em instrutor, e cada
instrutor oferecer um diferente método de disciplina ou meditação, alguma
prática absurda. Nessas condições, o importante não é o instrutor e aquilo que ele
oferece, mas, sim, que saibais o que é que vós mesmo estais buscando. Se sabeis
com clareza o que estais buscando, encontrareis então um instrutor que vos
oferecerá tal coisa. Se buscais a paz, encontrareis um instrutor que vos
oferecerá a paz. Mas isso que buscais pode não ser verdadeiro, em absoluto.
Compreendeis? Posso desejar uma felicidade perfeita, o que significa um
inalterável estado de espírito, em que haverá tranquilidade completa, sem
conflito, sem dores, sem indagação, sem dúvidas; assim sendo, ponho-me a
praticar uma certa disciplina oferecida por algum instrutor, e tal disciplina
poderá produzir seu resultado próprio, ao qual chamo “paz”. Eu obteria o mesmo
efeito se tomasse um narcótico, uma pílula; mas tal proceder não é
respeitável, e o outro é (risos). Por favor, senhores, isto não é coisa para
rir, pois é o que de fato estamos fazendo.
Pois bem, aquilo que buscais, achareis, se estais
disposto a pagar o seu preço. Se vos colocais nas mãos de outro, se seguis
alguma autoridade, alguma disciplina, se vos controlais, descobrireis o que
desejais, o que significa que vosso desejo está ditando a vossa busca; mas o
que realmente acontece é que não estais cônscio dos fatores que vos estão
impelindo à busca, e vindes perguntar a mira qual é minha posição e como podeis
saber se o que estou dizendo é verdadeiro ou falso. Depois de terdes estado com
vários instrutores, de terdes sido iludido, de vos terdes queimado, vindes
agora experimentar mais este. Mas eu não vos estou dando instrução nenhuma,
absolutamente nenhuma. O que estou dizendo é só que conheçais a vós mesmo, mais
e mais profundamente, que vos vejais exatamente como sois; e isso ninguém vos
pode mostrar. Mas não vos podeis ver exatamente como sois, se estais
acorrentado por crenças, por dogmas, por superstições, por temores.
Senhores, para a mente incapaz de “estar só”, a
busca nenhuma significação pode ter. “Estar só” é ser incorruptível, simples,
livre de toda tradição, todo dogma, toda opinião, do que outro diz, etc. etc.
Essa mente não busca, porque nada há que buscar; sendo livre, ela é serena, sem
desejos, imóvel. Mas, tal estado não pode ser alcançado, não é uma coisa que se
compra com disciplina; ele não se manifesta pelo fato de abandonardes as
atividades sexuais ou de praticardes uma certa ioga. Só se manifesta quando se tem a compreensão dos movimentos do “eu”, do
“ego”, que se revela pela mente consciente, nas atividades de cada dia, bem como
no inconsciente. O importante é compreendermos por nós mesmos, e não sob a
orientação de outros, todo o conteúdo de nossa consciência, que está
condicionada, que é o resultado da sociedade, da religião, de choques vários,
impressões, memórias — compreendermos todo esse condicionamento e nos
libertarmos dele. Mas, não há “como” ser livre. Se perguntais como podeis ser
livre, não me estais escutando verdadeiramente.
Suponhamos, por exemplo, que eu vos diga que a mente
tem de ser totalmente “descondicionada”. Ora, como é que escutais uma
declaração dessa ordem? Com que atenção a escutais? Se, como espero, estais
observando a vossa própria mente,
percebereis que estais dizendo, interiormente: “Que coisa impossível!”, ou
“Isto é irrealizável”, ou “O condicionamento só pode ser modificado”, etc. Por
outras palavras, não estais escutando atentamente aquela declaração, mas lhe
estais opondo vossas próprias opiniões, vossas próprias conclusões, vossos
próprios conhecimentos; por conseguinte, não há atenção nenhuma.
O fato é que a mente está condicionada, seja como
comunista, seja como católica, protestante, hinduísta, etc. e, ou não estamos apercebidos
desse condicionamento, ou o aceitamos, ou, ainda, tentamos alterá-lo,
enobrecê-lo, mudá-lo; mas nunca fazemos a pergunta: Pode a mente ficar
totalmente livre de condicionamento? Antes de poderdes fazer esta pergunta a
vós mesmo, com toda a atenção, precisais estar apercebido de que a vossa mente
está condicionada, como é bem óbvio que está. Compreendeis o que entendo por “condicionamento”?
Não me refiro ao condicionamento superficial da linguagem, dos gestos, dos
costumes, etc; estou falando do condicionamento num sentido muito mais profundo
e fundamental. A mente está condicionada quando é ambiciosa, não só
mundanamente, mas também ambiciosa de se tornar espiritual. Todo esse esforço
de automelhoramento resulta de condicionamento; e pode a mente ficar totalmente
livre de tal condicionamento? Se de fato fizerdes esta pergunta a vós mesmo,
com muita atenção, não deixareis de encontrar a resposta correta, e esta
resposta não é que isto é possível ou impossível, pois o que ocorre é uma coisa
completamente diferente.
Por conseguinte, é importante verificar como
escutamos a estas palestras. Se não prestais atenção, asseguro-vos que é pura
perda de tempo virdes aqui todos os fins de semana. Pode ser agradável vir de
carro a Ojai, mas aqui faz calor. Mas, se sois capaz de prestar atenção direta
ao que se diz — o que significa que não vos lembreis de nada que lestes, que
não ponhais opinião contra opinião, que não tomeis notas, dizendo “Refletirei sobre
isto posteriormente” — e, sim, que façais a vós mesmo a pergunta em apreço,
imediatamente, enquanto estais escutando — então, essa própria existência de
atenção fará vir a resposta correta.
Krishnamurti,
7 de agosto de 1955
Realização sem
esforço