Podemos nos abster de agir quando confusos?
PERGUNTA: É hoje um fato definitivamente
estabelecido que muitas de nossas doenças são de natureza psicossomática,
causadas por profundas frustrações e conflitos interiores de que muitas vezes
não estamos apercebidos. Devemos agora correr para os psiquiatras, como antes
corríamos para os médicos, ou há um caminho pelo qual o homem pode libertar-se
de sua agitação interior?
KRISHNAMURTI: Isto suscita a pergunta: Qual a
posição dos psicanalistas? E qual a posição daqueles de nós, portadores deste
ou daquele incômodo ou doença? A doença é produzida por nossas perturbações
emocionais, ou é sem significação emocional? Quase todos nós sofremos
perturbações. Quase todos estamos confusos, agitados, mesmo os mais prósperos
de nós, que possuem geladeiras, automóveis, etc.; e, como não sabemos de que
maneira atender às perturbações, elas reagem inevitavelmente no nosso físico,
produzindo doença, como é bastante óbvio. E a questão fica sendo: Devemos
correr para os psiquiatras, para nos ajudarem a livrar-nos de nossos distúrbios
e recuperar a saúde, ou é possível descobrirmos por nós mesmos como não nos
deixarmos perturbar, não nos deixarmos agitar por ansiedades e temores?
Por que estamos perturbados, se o estamos? Que é uma
perturbação? Desejo uma coisa, mas, como não posso obtê-la, fico num certo
estado. Desejo preencher-me através de meus filhos, minha esposa, minha
propriedade, minha posição, êxitos felizes, etc., mas me vejo contrariado, e
isso gera um estado de perturbação. Sou ambicioso, mas outro me empurra para o
lado e toma-me a frente; eis-me de novo num caos, numa agitação, que produz sua
reação física própria.
Ora bem, podemos, vós e eu, libertar-nos de toda
esta agitação e confusão? Que é confusão? Compreendeis? Que é confusão? A
confusão existe somente quando há o fato e mais aquilo que eu penso a respeito
do fato: minha opinião relativa ao fato, minha desatenção ao fato, minha fuga
ao fato, minha avaliação do fato, etc. Se eu puder considerar o fato sem
adicionar-lhe alguma qualidade, não haverá confusão. Se reconheço o fato de que
um certo caminho leva a Ventura, não haverá confusão. Só pode surgir confusão
se me ponho a pensar ou a teimar que o caminho leva a outro lugar; e é este o
verdadeiro estado em que em geral nos achamos. Nossas opiniões, nossas crenças,
nossos desejos, nossas ambições, são tão fortes, e tão grande o seu peso, que
somos incapazes de olhar o fato.
Nessas condições, o fato, mais a opinião, o
julgamento, a avaliação, a ambição, etc., geram confusão. E podemos, vós e eu,
que estamos confusos abster-nos de agir? Por certo, toda ação nascida da confusão há de levar, necessàriamente, a mais
confusão, mais agitação, e tudo isso reage no corpo, no sistema nervoso,
produzindo doença. Eu estou confuso, e o admitir para mim mesmo que estou
confuso não requer coragem, mas só uma certa clareza de pensamento, clareza
de percepção. Em geral, nós temos medo de reconhecer que estamos
confusos, e, assim, do meio de nossa confusão, escolhemos os líderes, os guias,
os instrutores, os políticos; e quando de
dentro da confusão escolhemos alguma coisa, essa própria escolha há de ser
confusa e o guia, por conseguinte, tem de ser confuso.
É possível, pois, ficarmos cônscios de nossa
confusão, conhecer a causa da confusão, e abster-nos
de agir? Quando a mente que está confusa, age, só pode produzir mais
confusão; mas a mente que está apercebida de achar-se confusa e compreende todo
esse “mecanismo” de confusão, não tem necessidade de agir, porque essa própria
claridade é ação. Isto deve ser um tanto difícil de compreender, à maioria das
pessoas, pois estamos muito acostumados a agir, fazer alguma coisa; mas, se se
puder observar a ação, perceber os seus resultados, observar o que se está
passando no mundo, politicamente e a todos os respeitos, tornar-se-á bastante
evidente que a chamada ação reformadora só está produzindo mais confusão, mais caos, e mais
reformas.
Podemos, então, individualmente, ficar apercebidos de
nossa confusão, nossa própria agitação, e “viver com ela”, compreendê-la, sem
procurarmos livrar-nos dela, afastá-la, fugir dela? Enquanto ficarmos a dar-lhe
pontapés, condená-la, fugi-la, essa própria condenação, essa própria fuga
constitui o “mecanismo” de confusão. E, a meu ver nenhum analista pode resolver
este problema. Poderá ajudar-vos temporariamente a acomodar-vos a certo padrão
social, a que ele chama “existência normal”, mas o problema é muito mais
profundo e ninguém, senão vós mesmo, pode resolvê-lo. Vós e eu fizemos esta
sociedade; ela é o resultado de nossas ações, nossos pensamentos, do nosso
próprio existir, e enquanto ficarmos meramente a procurar reformar o produto,
sem compreensão da entidade que o produziu, teremos mais doenças, mais caos, e
mais delinquência. A compreensão do “eu” produz a sabedoria e a ação correta.
Krishnamurti,
7 de agosto de 1955, Realização sem esforço
_________________________________________