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quarta-feira, 4 de abril de 2018

Só há bondade quando há atenção completa


Só há bondade quando há atenção completa

Uma das coisas mais difíceis parece-me ser a comunicação. Venho dizer-vos certas coisas e desejo, naturalmente, que as compreendais. Mas cada um interpreta as palavras que ouve conforme seu próprio cabedal de conhecimentos, experiência, etc., e, assim sendo, diante de um auditório tão grande como este, é dificílimo transmitir exatamente aquilo que desejamos comunicar.

Nesta tarde, desejo discorrer sobre uma coisa que considero deveras importante: o problema referente ao cultivo da virtude. Decerto, sem virtude, a mente é caótica, contraditória; e se não temos a mente tranquila, em boa ordem e livre de conflitos, é óbvio que não podemos ir muito longe. Mas a virtude não é um fim em si. O cultivo da virtude leva-nos numa direção, e o ser virtuoso, noutra direção. Em geral temos muito interesse no cultivo da virtude, porque, ainda que superficialmente, apenas, a virtude confere à mente certo equilíbrio, certa tranquilidade, livre do incessante conflito dos desejos contraditórios. Mas, afigura-se-me bastante evidente que o mero cultivo da virtude não pode, em tempo algum, trazer a liberdade, e, sim, só levar-nos a uma tranquilidade respeitável — o espírito de ordem, de controle, que resulta quando moldamos a mente para acomodá-la a determinado padrão social, denominado “virtude”.

Nosso problema, pois, é o de nos tornarmos bons, sem fazermos esforço para ser bons. Vejo uma vasta diferença entre estas duas coisas. O "ser bom” é um estado em que não existe esforço algum; mas nós não nos achamos em tal estado. Somos invejosos, ambiciosos, maledicentes, cruéis, limitados, vulgares, prisioneiros de rotinas estúpidas, e nada disso é bom; e, se somos assim, como poderemos alcançar um estado mental “bom”, sem fazermos nenhum esforço para sermos bons? Ora, por certo, o homem que se esforça para ser virtuoso, não é virtuoso, é? Quem se esforça para ser humilde não tem, evidente - mente, a mínima compreensão do que é a humildade. E, se não somos humildes, há possibilidade de termos o senso da humildade, sem o cultivo da humildade?

Não sei se já pensastes neste problema. É bem evidente a necessidade de virtude. Ela é como conservar a sala bem arrumada; mas, ter a sala bem arrumada não é, em si, da máxima importância. O fazer da virtude um fim em si traz ao indivíduo certos benefícios sociais, fá-lo ser considerado — aqui, na Índia, ou na Rússia — um “cidadão decente”, porque vive de acordo com um certo padrão. Mas, não é muito importante reconhecermos que a mente deve estar em boa ordem, sem se exercer compulsão ou disciplina — e em seguida nos esquecermos disso, para que a mente não esteja a todas as horas a dominar-se e disciplinar-se, cultivando o conformismo?

Afinal, que é que estamos buscando? Que é que busca, cada um de nós, não teoricamente, abstratamente, mas na realidade? E há alguma diferença entre a busca do homem que aspira à satisfação por meio do saber, de Deus, e a daquele que deseja ser rico, realizar suas ambições, ou daquele que vai buscar satisfação na bebida? Socialmente, há diferença. O homem que vai buscar satisfação na bebida é, sem dúvida, um ser anti-social, ao passo que o que busca a satisfação ingressando numa ordem religiosa, tornando-se eremita, etc., é socialmente útil; mas a diferença é só esta.

Mas, a coisa que buscamos — por mais interessada que seja a nossa busca, traz-nos a tranquilidade? E nós, de fato, estamos muito interessados, pois não? O eremita, o monge, o homem que busca o prazer, de diferentes maneiras, cada um deles está muito interessado. Mas esse interesse é realmente sério? Existe sério interesse, quando empreendemos uma busca com o fim de adquirir alguma coisa? Entendeis minha pergunta? Ou só pode haver um interesse sério quando não se está visando a um fim?

Afinal, vós, aqui presentes, deveis sentir um certo interesse, pois do contrário não vos teríeis dado ao trabalho de vir. Ora, eu pergunto a mim mesmo e espero estejais também perguntando a vós mesmos, o que significa “interesse sério”; porque eu acho que daí depende o que vou explicar mais adiante. Se aqui estais a buscar a satisfação ou um meio de compreender uma certa experiência passada, ou de cultivar um certo estado mental que pensais vos dará tranquilidade, paz, ou de experimentar algo que chamais “Realidade”, “Deus”, podeis estar com muito interesse; mas, não devemos duvidar desse interesse? É sério o nosso interesse ao buscarmos uma coisa porque achamos que ela nos dará prazer ou tranquilidade?

Se pudermos compreender o mecanismo da busca, compreender porque buscamos e o que buscamos — e essa compreensão só é possível pelo autoconhecimento, pela percepção do movimento do nosso próprio pensar, nossas reações e nossos diferentes impulsos — talvez possamos, então, descobrir o que é “ser virtuoso” sem nos disciplinarmos para sermos virtuosos. Pois bem, tenho a impressão que, ainda que consigamos reprimir o conflito existente em nós, ainda que procuremos fugir dele, disciplinar e controlar a mente, moldá-la de acordo com diferentes padrões, o conflito permanecerá latente, e nossa mente nunca estará verdadeiramente tranquila. E ter uma mente tranquila, acho eu, é coisa essencial, porque nossa mente é o único instrumento de compreensão, de percepção, de comunicação, e enquanto não tivermos esse instrumento perfeitamente claro e capaz de percepção, capaz de se aplicar à busca sem ter um fim em vista, não poderá haver liberdade, tranquilidade, nem, por conseguinte, o descobrimento de coisas novas.

Assim, há possibilidade de vivermos neste mundo, — tão cheio de agitações, de ansiedades, de insegurança — sem esforço? Esse é um dos nossos problemas, não achais? Para mim, esta é uma questão muito importante, porque só é possível a ação criadora, quando a mente se acha num estado em que não existe esforço algum. Não estou empregando a palavra “criadora” no sentido acadêmico de aprender “literatura criadora”, “atividade criadora”, “pensamento criador”, etc.; estou-a empregando num sentido muito diferente. Quando a mente se acha num estado em que o passado, com seu cultivo da virtude através de disciplina, desapareceu completamente, só então pode existir uma ação criadora atemporal, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Como pode, pois, a mente chegar a esse estado de constante ação criadora?

Que acontece quando tendes um problema? Pensais nele, de princípio a fim, ficais engolfado nele, vos tornais nervoso e agitado por causa dele; e quanto mais o analisais, aprofundais, desbastais, quanto mais preocupado ficais a seu respeito, tanto menos o compreendeis. Mas, no momento em que deixais de dar-lhe atenção, nesse momento o compreendeis, tudo se torna, de súbito, perfeitamente claro. Tal experiência já deve ter ocorrido à maioria de vós. A mente já não se acha num estado de confusão, conflito, estando, por conseguinte, capacitada para receber ou perceber uma coisa totalmente nova. E é possível a mente permanecer nesse estado, de modo que não fique mais repetindo as mesmas coisas e se torne capaz de experimentar “o novo”, momento por momento? Depende isso, a meu ver, de compreendermos o problema do cultivo da virtude.

Cultivamos a virtude, disciplinamo-nos, com o fim de ajustar-nos a determinado padrão de moralidade. Por quê? Não só porque desejamos tornar-nos socialmente respeitáveis, mas também porque percebemos a necessidade de pôr em ordem, controlar a nossa mente, o nosso falar, o nosso pensar. Reconhecemos quanto isso é importante, mas, no mecanismo de cultivar a virtude, estamos construindo a estrutura da memória, essa memória, que é o “eu”, o “ego”. Tal é a base da nossa ação, principalmente dos que pensam ser religiosos, porque praticam constantemente uma certa disciplina, pertencem a certas seitas, certos grupos, chamados coletividades religiosas. Sua recompensa poderá estar noutra parte, “no outro mundo”, mas é sempre recompensa o que querem; no cultivo da virtude, que significa polir, disciplinar, controlar a mente, estão eles desenvolvendo e mantendo uma memória do “eu” e, por conseguinte, nunca há um momento em que estão livres do passado.

Se realmente já disciplinastes a vós mesmos, exercitando-vos para não serdes invejosos, irritadiços, etc., não sei se tendes notado como esse próprio exercitar, esse próprio disciplinar da mente cria uma série de lembranças, que são conhecimentos. É assaz difícil este problema, e espero me esteja fazendo claro. Esse mecanismo que consiste em dizermos: “Não devo fazer isto” — cria ou constrói o tempo; e a mente que está aprisionada no tempo não pode, é claro, nunca, experimentar algo fora do tempo, “o desconhecido”. Entretanto, devemos ter nossa mente “bem arrumada”, livre de desejos contraditórios — e isso não significa ajustamento, aceitação, obediência.

Nessas condições, se sentis um interesse muito sério, no sentido em, que estou empregando a palavra, este problema tem de surgir, inevitavelmente. Vossa mente é resultado do “conhecido”. Vossa mente é o conhecido, sendo moldada pelas memórias, pelas reações, pelas impressões do “conhecido”; e a mente mantida no terreno do conhecido jamais compreenderá ou experimentará o desconhecido, aquilo que não se acha na esfera do tempo. A mente só é criadora quando está livre do conhecido; e, então, ela pode servir-se do conhecido, isto é, da técnica. Estou-me fazendo claro?

Como sabeis, nosso tédio é tão grande, que estamos constantemente a ler, a adquirir, a aprender, a frequentar igrejas e executar rituais, sem nunca conhecermos um momento inédito, original, não corrompido, completamente livre de todas as impressões; e esse momento é que é criador, atemporal, eterno, ou qualquer outra palavra que preferirdes. Sem essa ação criadora, a nossa vida se torna insípida e estúpida, e todas as nossas virtudes, nosso saber, nossas ocupações, nossos entretenimentos, nossas várias crenças e tradições, tudo muito pouco significa. Como disse há dias, a sociedade apenas cultiva “o conhecido”, e nós somos o resultado dessa sociedade. Para encontrarmos o desconhecido, é essencial nos libertarmos da sociedade — o que não significa retirar-nos para um mosteiro e ficarmos rezando da manhã à noite, disciplinando-nos incansavelmente, ajustando-nos a certo dogma ou crença. Isto, por certo, não pode emancipar a mente do conhecido.

A mente é resultado do conhecido, resultado do passado, que é acumulação no tempo; e tem essa mente alguma possibilidade de ficar livre do conhecido, sem fazer esforço algum, para que possa descobrir algo original? Qualquer esforço que ela faça, para libertar-se, qualquer busca que empreenda, estará sempre na esfera do conhecido. Ora, por certo, Deus ou a Verdade deve ser algo que nunca foi pensado, algo inteiramente novo, nunca formulado, descoberto ou experimentado antes. E como pode a mente resultante do conhecido, experimentar, em algum tempo, essa coisa? Percebeis o problema? Se o problema está claro, achareis então a maneira correta de o atenderdes, a qual não é um método.

Aí está a razão por que importa descobrir se uma pessoa pode ser boa, no sentido completo desta palavra, sem se esforçar para ser boa, sem lutar para libertar-se da inveja, da ambição, da crueldade, sem se disciplinar para deixar de ser maledicente, enfim, abstendo-se de todos os rigores a que nos submetemos quando desejamos ser bons. Pode haver bondade, sem se fazer esforço para “ser bom”? Acho que só haverá, se cada um de nós souber escutar, estar atento. Só há bondade quando há atenção completa. Percebei esta verdade de que não pode haver bondade mediante luta, esforço. Percebei simplesmente esta verdade — mas só podereis percebê-la se estais dando atenção completa ao que se está dizendo. Esquecei todos os livros que lestes, tudo o que vos têm ensinado, e prestai toda a atenção à asserção de que não pode haver virtude, enquanto há esforço para se ser virtuoso. Enquanto luto para não ser violento, tem de haver violência; enquanto luto para não ser invejoso, tem, de haver inveja; enquanto luto para ser humilde, tem de haver orgulho. Se percebo esta verdade, não intelectualmente, ou verbalmente, — o que significa apenas ouvir as palavras e concordar com elas, — se a percebo com toda a simplicidade, diretamente, então, daí virá a bondade. Mas a dificuldade é que a mente diz: “Como conservar esse estado? Posso ser bom, enquanto aqui estou, ouvindo algo que sinto ser verdadeiro, mas, depois de sair daqui, ver-me-ei de novo colhido pela corrente da inveja”. Acho que isso não tem importância; vós o descobrireis.

Nossa cultura, nossa sociedade está baseada na inveja, na vontade de adquirir conhecimentos, experiência, bens materiais, etc. E para nos libertarmos disso não se requer nenhuma luta ou esforço, mas só que vejamos o que significa o esforço. O homem que está adquirindo conhecimentos, não está em paz, pois está empenhado num esforço. Só quando completamente livre de esforço, pode a mente achar-se em paz, que é, na verdade, um estado extraordinário, mas que pode ser alcançado por qualquer um que a isso se aplique de coração e com toda a atenção. A mente que não está lutando, tentando “vir a ser” alguma coisa, social ou espiritualmente, a mente que está reduzida a “nada” — só ela pode receber “o novo”.

Krishnamurti, 23 de agosto de 1955, Realização sem Esforço
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill