Por que não admitimos
nosso estado de confusão?
Desejo tratar nesta tarde de um problema um pouco difícil, e espero escuteis com interesse, não pelo resultado final, mas desde o começo.
Parece-me, nem o reformador nem o radicalista, têm a solução real do problema. Suas ações nascem da confusão. Ora, os mais de nós estamos vivamente interessados na ação; queremos fazer alguma coisa, queremos alterar radicalmente a ordem social. Nossa perspectiva, nossa avaliação das coisas estão sempre baseadas no resultado. Tanto o reformador como o radicalista nos prometem resultados. Os dois estão muito seguros dos seus resultados; dizem eles não serem entes confusos; e tudo lhes está muito claro, no seu padrão de ação e de vontade.
Pretendo, agora, falar sobre um modo de proceder, que não é ação, absolutamente. A ação que conhecemos nasce da escolha, da determinação. Como sabemos, como observamos, no mundo, a ação tem várias formas: aceitação da autoridade, liquidação, redistribuição, descentralização, etc. Mas eu acho que existe uma ação que absolutamente não é ação nem tão pouco reação. Conhecemos a ação que vem da escolha, da determinação, do desejo de resultado, de uma Utopia; mas tal não é a ação verdadeira, porque leva ao conflito, à luta entre o homem e o homem. Cumpre-nos, pois, descobrir um estado de onde brote ação que não seja reação ou resultado da ação de um reformador ou radicalista. Considero muito importante descobrirmos se estamos confusos ou não, porque a ação resultante de um estado confuso não é ação verdadeira .
Todos sabemos que estamos confusos. Se não estivéssemos confusos, nossa ação poderia ter sido uma ação verdadeira. Nós, porém, não estamos certos. Nenhum ente humano — nem o capitalista, nem o comunista, nem o socialista — está bem lúcido. Mas, todos querem estar lúcidos e esse próprio desejo de clareza cria a ação produtiva da incerteza; porque, basicamente, todos estão confusos.
Acho ser muito importante admitirmos que estamos confusos... Mas ninguém quer admiti-lo. O reformista e o radicalista asseguram que sabem e que estão lúcidos; e sua ação, por conseguinte, nascida que é da confusão, produz inevitavelmente destruição e incerteza.
Ora, em geral, nós sabemos que estamos confusos, não numa só camada da consciência, porém completamente, das camadas conscientes às camadas inconscientes, mas não temos a coragem de admiti-lo. Se procurarmos compreender realmente a questão da ação, examinando-a, não verbalmente, não intelectualmente, teremos de admitir que estamos confusos; e é o próprio percebimento dessa confusão que produz uma ação que não é da mente. Iniciamos todas as nossas ações na suposição de que sabemos. Mas só dizemos que sabemos. Afora isso, sabemos alguma coisa? O reformista e o radicalista dizem que sabem, e impelem a outros para o seu padrão de ação, padrão que, com efeito, nasceu da confusão. Toda ação proveniente de uma mente confusa há de ser, forçosamente, uma ação confusa.
Estou confuso, e nesse confuso estado mental me persuado de que devo aceitar determinado modo de agir; mas, basicamente, eu estou confuso e de dentro desta confusão procuro criar a certeza, certeza que, essencialmente, é uma “certeza confusa”. Atribuo-lhe, porém, um nome e um padrão, e algumas pessoas me seguem. Entretanto, o fato é que tanto essas pessoas como eu estamos todos confusos. Vós e eu estamos confusos. Nossos guias políticos, sociais e religiosos estão todos confusos. Se pudermos admitir esse fato, não meramente de maneira intelectual ou verbal, porém de um modo real, perceberemos que o resultado de toda ação dessa natureza tem de ser, necessariamente, confuso.
Cada um de nós tem de ver que todos basicamente estamos confusos. Mas é muito difícil admiti-lo. Ora, se estamos confusos, podemos dizer que devemos agir? Se eu estou confuso e percebo que estou confuso, o que aconteceria é que a minha confusão produziria a sua ação própria, que é a incerteza. Julgo importantíssimo compreender isto, porque então a ação se encarregará de si mesma. Por enquanto, não estou interessado na ação. Acho necessário estabelecer-se uma relação entre vós e mim. Não creio na ação do reformista ou radicalista; o que me interessa é só a confusão. Por conseguinte, minha atitude é de humildade e não de asserção.
Vejamos agora o que acontece à mente que sabe que está confusa. Ela não tem guia algum, porque escolher um guia quando se está em confusão é uma ação que redunda em confusão. Evidentemente, ter uma teoria, um plano, um padrão de ação nascido da confusão, é continuar na confusão. Por favor, não digais: “que vamos então fazer?”. Se admitis estardes confusos, isso significa que nada sabeis. Por conseguinte, seria fútil seguirdes qualquer autoridade, qualquer livro, qualquer guia, ou qualquer padrão de ação relativo ao que é bom, ao que é mau, ao que é certo, ao que é errado. Um homem confuso não sabe o que é certo nem o que é errado. Ele não tem guia. Não conhece nenhuma autoridade, nenhum livro em que possa estribar-se, porque a sua mente está fundamentalmente confusa. Não se acha, portanto, num estado em que possa ler um livro ou seguir uma autoridade. Não vos estou hipnotizando, para fazer-vos admitir que estais confusos. Mas vós tendes de pensar por vós mesmos, para verdes se estais ou não confusos, e, se estais, deveis ver se a vossa conclusão a respeito ao que é certo e do que é errado tem alguma significação.
Ora, se o mundo inteiro se acha num estado de confusão, vós também estais confusos, visto serdes uma parte do mundo. Assim, se estais realmente apercebidos de que vos achais confuso, qual será a vossa ação? Vossa ação não será nem a ação do reformador nem a do radicalista. Que fazeis, então? Quando não há escolha, quando não há guia, quando não se segue nenhuma autoridade — pois sabeis que a escolha nascida da confusão é ainda confusão — que fazeis? Que acontece à vossa mente? Um homem que está confuso e sabe que está confuso, não sabe o que deve fazer, porquanto está incerto. Mas os nossos guias sociais, políticos e religiosos acham que, se nos disserem que estão confusos, nós poderemos abandoná-los, e por esta razão ninguém se acha disposto a admitir que está confuso. Mas, uma vez admitamos que estamos confusos, todo o nosso padrão de ação estará destruído. A própria confusão mental produz uma ação que não é uma reação da mente, mas uma ação de incerteza; por conseguinte, não há nenhuma Utopia, nenhum guia, nenhum instrutor.
No vosso estado de completa confusão, tentais descobrir o que é verdadeiro. Muitos outros se acham como vós num estado de confusão, num estado de incerteza, e todos vos juntais. Mas como vos encontrais todos num estado de confusão, num estado de incerteza, há pouca cooperação entre vós.
Ora, o homem que diz que sabe, está na verdade se recusando a admitir que se acha confuso. Mas aquele que admite que está confuso e, por conseguinte, é incapaz de saber alguma coisa, é um homem sincero. Quando digo que não sei, no sentido mais profundo da palavra, estou admitindo que me acho confuso; por conseguinte, há um estado de humildade. Não me tornei humilde, mas h á um estado de humildade, e esse próprio estado é ação, e essa ação é ação real. Porque reconheço que estou confuso, os guias perdem toda a importância; não seguirei ninguém e minha mente estará tranquila. Minha mente já não estará certa; achar-se-á num estado de humildade. O ser que é realmente humilde acha-se num estado de amor. Esse amor não é uma coisa susceptível de cultivar-se. Sem esse amor, não tem a vida nenhum significado.
Ora, os mais de nós andamos preocupados com problemas e as respectivas soluções. Deveríamos, porém, estar sempre interessados na compreensão e esclarecimento do problema, a fim de não criarmos mais problemas. Nossa solução de um problema serve apenas como raiz do problema futuro. Podeis achar uma solução para o problema de hoje; mas essa solução é de tal natureza que transporta o problema para amanhã e dá nascimento a outros problemas, amanhã; quer dizer, não há uma solução real, absolutamente.
Pois bem, tendes vários problemas. Tendes o problema da morte, tendes o problema da frustração. Se transportardes para amanhã o problema da frustração, vós lhe aumentareis a força. Compreendei, por favor, a significação de tudo isso e a necessidade de se não criar a raiz de nenhum problema futuro.
Como posso eu, como pode a mente deixar de dar raiz ao problema de amanhã? Compreendeis o que estou dizendo? Se puderdes realmente compreender isto, vereis que não há mais problema nenhum. Tendes hoje um problema porque o estivestes fabricando nos últimos dias; vossa mente, por conseguinte, não é nova; está sempre vivendo no passado, que já é morto. Mas, se compreendermos realmente um problema e não planejarmos as raízes de nossos problemas de amanhã, não haverá mais problema algum.
Krishnamurti, Sétima Conferência em Bombaim
28 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente