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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Diálogo sobre vocação





Um sistema que nunca pensa na vocação individual

Pergunta: Existe uma força ou influência exterior conhecida como o mal organizado?

Krishnamurti: Existe? O homem de negócios moderno, o nacionalista, o seguidor da religião – eu chamo males a estas pessoas, males organizados; porque, senhores, criamos individualmente estes horrores no mundo. Como nasceram as religiões com o seu poder de explorar implacavelmente as pessoas através do medo? Como se tornaram nestas formidáveis máquinas? Nós criamo-las individualmente através do nosso medo da outra vida. Não que não haja outra vida: isso é uma coisa totalmente diferente. Nós criamos essa máquina e estamos aprisionados nela; e são apenas muito poucos aqueles que se afastam, e a essas pessoas vocês chamam Cristo, Buda, Lenin, ou X, Y, Z.

Depois há o mal da sociedade como ela é. É uma máquina organizada e opressiva para controlar os seres humanos. Vocês pensam que se os seres humanos forem libertados tornar-se-ão perigosos, que farão toda a espécie de horrores; portanto dizem, “Vamos controlá-los socialmente, pela tradição, pela opinião, pela limitação da moralidade”; e é a mesma coisa economicamente. Assim gradualmente estes males tornam-se aceitos como coisas normais e saudáveis. De fato, é óbvio como através da educação somos compelidos a integrar-nos num sistema em que nunca se pensa na vocação individual. Vocês são forçados a integrar-se nalgum trabalho; e assim criamos uma vida dupla, durante todas as nossas vidas, essa do negócio das 10 às 5, ou lá o que é, que nada tem a ver com a outra, a nossa vida privada, social, caseira. Portanto estamos continuamente a viver em contradição, indo ocasionalmente, se estiverem interessados, à igreja, para manter a moda, o espetáculo. Investigamos a realidade, Deus, quando há momentos de conflito, momentos de opressão, momentos em que há uma catástrofe. Dizemos, “Tem que haver uma realidade. Porque vivemos?” Criamos assim gradualmente nas nossas vidas uma dualidade, e por isso nos tornamos tão hipócritas.
Portanto, para mim, existe um mal. É o mal da exploração engendrado pelos indivíduos através da sua ânsia de segurança, de auto-preservação a qualquer custo, independentemente de todos os seres humanos; e não há nisso afeto, não há verdadeiro amor, mas apenas esta possessividade que classificamos como amor.

Jiddu Krishnamurti em Auckland, Nova Zelândia, palestra a homens de negócios 6 de abril, 1934.

O que é a Ação Correta?

Amigos, penso que a maior parte de nós acha que o mundo seria maravilhoso se não houvesse verdadeira exploração, e que seria um mundo esplêndido se cada ser humano tivesse a capacidade de viver naturalmente, plenamente e humanamente. Mas há muito poucos que querem fazer alguma coisa por isso. Como ideais, como uma Utopia, como uma coisa de sonho, todos os acarinham, mas muito poucos desejam ação. Não podem provocar uma Utopia nem pode haver a cessação da exploração sem ação.

Ora, só pode haver ação, ação coletiva, se houver em primeiro lugar cuidadosa consideração individual desse problema. Cada ser humano, em momentos sensatos, sente o horror da verdadeira exploração, seja pelo sacerdote, pelo homem de negócios, pelo médico, pelo político, ou por qualquer pessoa. Todos nós sentimos realmente, nos nossos corações, a crueldade aterradora da exploração, se já tivermos pensado nisso um só instante. E contudo cada um de nós é apanhado nesta roda, neste sistema de exploração, e esperamos e temos esperança que por algum milagre nasça um novo sistema. E assim, individualmente, sentimos que apenas temos que esperar, deixar que as coisas tomem o seu rumo natural, e que por algum meio extraordinário nasça um novo mundo. Sem dúvida que, para criar uma coisa nova, um novo mundo, uma nova concepção de organização, os indivíduos têm que começar. Isto é, os homens de negócios, ou alguém em particular, tem que começar a descobrir se a sua ação está realmente baseada na exploração.

Agora, conforme disse, há a exploração do sacerdote baseada no medo, há a exploração do homem de negócios baseada no seu próprio engrandecimento, acumulação de riqueza, avidez, formas sutis de egoísmo e segurança; e como se supõe que todos vocês aqui sejam homens de negócios, certamente que não podem deixar de lado cada problema humano e preocuparem-se integralmente com os negócios. Afinal, os homens de negócios são seres humanos, e os seres humanos, enquanto forem explorados, têm que ter em si, continuamente, este espírito rebelde. É somente quando atingem um determinado nível em que estão razoavelmente seguros que esquecem tudo sobre esta situação, sobre mudar o mundo, ou ocasionar uma determinada atitude de ação espontânea perante a vida. Porque atingimos um determinado estado de segurança, esquecemos, e sentimos que tudo está bem; mas por trás de tudo isso pode sentir-se que não pode haver felicidade, felicidade humana, enquanto existir realmente exploração.

Ora, para mim, a exploração nasce quando os indivíduos procuram mais que as suas necessidades essenciais; e descobrir as vossas necessidades essenciais requer muita inteligência, e não podem ser inteligentes enquanto as vossas necessidades forem o resultado da procura de segurança, de conforto. Naturalmente, tem que se ter comida, teto, roupa, e tudo isso; mas para que isto seja possível para todos, os indivíduos têm que começar a compreender as suas próprias necessidades, as necessidades que são humanas, e organizar todo o sistema de pensamento e ação em consequência disso, e só então poderá haver verdadeira felicidade criativa no mundo.

Mas atualmente o que está a acontecer? Lutamos uns contra os outros durante todo o tempo, excluimo-nos uns aos outros, há competição contínua em que cada um se sente inseguro, e todavia continuamos à deriva, sem tomar providências definidas. Isto é, em vez de esperarmos que aconteça um milagre para alterar este sistema, é necessária uma mudança completa e revolucionária, que cada um reconheça.

Embora possamos ter um ligeiro medo da palavra revolução, todos reconhecemos a imensa necessidade de uma mudança. E contudo, individualmente, somos incapazes de a provocar porque, individualmente, não tomamos em consideração, individualmente não tentamos descobrir porque deveria haver este contínuo processo de exploração. Quando os indivíduos forem realmente inteligentes, criarão então uma organização que providenciará as necessidades essenciais da humanidade, não baseada na exploração. Individualmente não podemos viver separados da sociedade. A sociedade é o indivíduo e enquanto os indivíduos estiverem apenas a procurar continuamente a sua própria auto-segurança, para eles próprios ou para a sua família, tem que existir um sistema de exploração.

E não pode haver felicidade no mundo se os indivíduos, como vocês, tratarem dos assuntos do mundo, dos assuntos humanos, separados do negócio. Isto é, vocês não podem, se me permitem dizê-lo, estar nacionalistamente inclinados, e contudo falar da liberdade do comércio. Não podem considerar a Nova Zelândia como o país mais importante, e rejeitar depois todos os outros países, porque sentem, individualmente, a necessidade essencial da vossa própria segurança. Isto é, senhores, se é que posso pôr as coisas desta maneira, só pode haver verdadeira liberdade de comércio, desenvolvimento das indústrias, etc., quando não houver nacionalidades no mundo. Penso que isso é óbvio. Enquanto houver barreiras alfandegárias protegendo cada país tem que haver guerras, confusão e caos; mas se formos capazes de tratar todo o mundo, não como dividido em nacionalidades, em classes, mas como uma entidade humana, não dividido por seitas religiosas, pela classe capitalista e pela classe trabalhadora, só nessa altura haverá a possibilidade de verdadeira liberdade no comércio, na cooperação. Para originar isto não podem apenas pregar ou assistir a reuniões. Não pode haver apenas o prazer intelectual destas ideias, tem que haver ação; e para originar a ação temos que começar individualmente, muito embora possamos sofrer por isso. Temos que começar a criar uma opinião inteligente e desse modo teremos um mundo onde a individualidade não é esmagada, derrotada por um determinado padrão, mas que se torna um meio de expressão da vida; não a forma duramente tratada e condicionada a que chamamos seres humanos. A maior parte das pessoas quer e compreende que tem que haver uma mudança completa. Não vejo qualquer outra maneira que não seja começando como indivíduos, e então essa opinião individual tornar-se-á a realização da humanidade.

Jiddu Krishnamurti, Auckland, Nova Zelândia, palestra a homens de negócios 6 de abril, 1934.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Como implicar-nos na totalidade da vida e não apenas numa das suas partes?

(...) O que irá acontecer a todos nós, jovens e velhos — que iremos fazer das nossas vidas? Deixaremo-nos absorver por esta voragem da respeitabilidade convencional, com a sua moralidade social e econômica, tornaremo-nos parte da chamada sociedade culta, com todos os seus problemas, a sua confusão e suas contradições? Ou iremos fazer da nossa vida uma coisa inteiramente diferente? este é o problema que está perante a maior parte das pessoas.

Somos educados, não para compreender a vida como um todo, mas para desempenhar um papel particular nesta totalidade que é a existência. Estamos pesadamente condicionados desde a infância para "alcançar" alguma coisa nesta sociedade, para ter sucesso e para nos tornarmos burgueses completos. O intelectual sensível geralmente revolta-se contra um tal padrão de existência. Na sua revolta pode fazer várias coisas: ou se torna anti-social e contra a política, toma drogas e vai atrás de qualquer crença religiosa, estreita e sectária, ou se torna um ativista, um comunista (por exemplo), ou ainda, dá-se inteiramente a alguma religião exótica como o budismo ou o hinduísmo. E tornando-nos sociólogos, cientistas, artistas, escritores, ou, se estivermos capacitados para isso, filósofos, fechamo-nos num círculo e pensamos ter resolvido o problema. Imaginamos então ter compreendido a totalidade da existência e ditamos aos outros o que deveria ser a vida, de acordo com a nossa tendência particular, a nossa idiossincrasia, e segundo o ângulo do nosso conhecimento especializado. 

Quando observamos o que é a vida com a sua enorme complexidade e confusão, não apenas nas esferas econômica e social, mas também na esfera psicológica, temos de perguntar-nos — se somos realmente sérios — que papel vamos ter em tudo isto. Que vou fazer como ser humano a viver neste mundo, e não a fugir para alguma existência de fantasia ou para algum mosteiro? 

Ao vermos todo este quadro com toda a clareza, qual vai ser então o nosso comportamento, o que vamos fazer da nossa vida? esta questão tem sempre de por-se, quer estejamos dentro do sistema, quer apenas à beira de entrar nele. Por isso, parece-me, temos inevitavelmente de perguntar: Qual a finalidade da vida? E como ser humano razoavelmente saudável do ponto de vista psicológico, que não é totalmente neurótico, que está vivo e ativo: Que papel terei em tudo isto? Que papel ou que parte me atrai? E se me sinto apenas atraído para um fragmento ou uma secção determinados, tenho então de ter consciência do perigo de tal atração, porque assim regressamos de novo à mesma velha divisão, que gera esforço, contradição e guerra. 

Poderei então tomar parte na totalidade da vida e não apenas num segmento dela? Tomar parte na totalidade da vida não significa obviamente ter conhecimento completo de ciências — sociologia, matemática, etc. — da filosofia, assim por diante; isso seria impossível a não ser que se fosse um gênio. 

Poderemos portanto criar psicologicamente, interiormente, um modo de viver totalmente diferente? Isto significa, como é óbvio, que todas as coisas exteriores nos interessam, mas que a revolução fundamental, radical, se realiza no campo psicológico. 

Que podemos fazer para promover em nós próprios uma tão profunda mudança? Porque cada um e nós é a sociedade, é o mundo, é tudo o que está contido no passado. Assim, o problema é: Como podemos nós, vocês e eu, implicar-nos na totalidade da vida e não apenas numa das suas partes? 

Krishnamurti em, O mundo somos nós

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Seguir uma profissão libertará o homem do conflito e da confusão?

A educação moderna resultou em completo fracasso, por ter exagerado a importância da técnica. Encarecendo-a em demasia, destruímos o homem. Desenvolvendo capacidades e eficiência, sem compreensão da vida, sem uma percepção total dos movimentos da mente e do desejo, nos tornaremos cada vez mais cruéis, o que significa fomentar guerras e colocar em perigo nosso segurança física. O exclusivo cultivo da técnica tem produzido cientistas, matemáticos, construtores de pontes e conquistadores do espaço. Compreenderão esses homens o processo total da vida? Pode um especialista experimentar a vida como um todo? Só se deixar de ser um especialista. 

O progresso técnico resolve certos problemas para certas pessoas, num dado nível, mas, ao mesmo tempo, gera problemas mais vastos e profundos. Viver num só nível, desprezando o processo total da vida, é atrair desgraça e destruição. A maior necessidade e o problema mais urgente de todo indivíduo é adquirir uma compreensão integral da vida, que o habilite a enfrentar suas sempre crescentes complexidades. 

O saber técnico, embora necessário, de modo algum resolverá as nossas premências interiores e conflitos psicológicos; e porque adquirimos saber técnico sem compreensão do processo total da vida, a técnica se tornou meio de destruição. O homem que sabe dividir o átomo mas não tem amor no coração, transforma-se num monstro. 

Escolhemos uma profissão de acordo com nossas capacidades; mas, seguir uma profissão libertará o homem do conflito e da confusão? Uma dada espécie de preparo técnico parece necessária; mas, depois que nos tornamos engenheiros, médicos, contadores, o que acontece? A prática de uma profissão representa o preenchimento da vida? Parece que sim, para a maioria de nós. Nossas várias profissões mantêm-nos ocupados durante a maior parte da existência; mas as próprias coisas que criamos e das quais tanto nos maravilhamos, causam destruições e desgraças. Nossas atitudes e nossos valores estão fazendo das coisas e das profissões instrumentos da inveja, do ressentimento e do ódio. 

Sem a compreensão de nós mesmos, a mera operosidade conduz à frustração, com as suas inevitáveis fugas através de atividades maléficas de todo gênero. Técnica sem compreensão leva à inimizade e à crueldade, o que costumamos disfarçar com frases bem-soantes. De que serve encarecermos a importância e nos tornarmos entidades eficientes, se o resultado é a mútua destruição? Nosso progresso técnico é fantástico, mas só teve como resultado aumentar as possibilidades de nos destruirmos mutuamente; e em todos os países reinam a fome e a miséria. Não somos entes pacíficos e felizes. 

Quando se atribui à função toda a importância, a vida se torna insípida e monótona, uma rotina mecânica e estéril, da qual fugimos nos entregando a toda espécie de distrações. O acúmulo de fatos e o desenvolvimento de capacidades, a que chamamos educação, privou-nos da plenitude da vida de integração e ação. Porque não compreendemos o processo total da vida, nos apegamos à capacidade e à eficiência, que por essa razão assumem uma importância tremenda. O todo, porém, não pode ser compreendido pela parte; só pode ser compreendido por meio da ação e da experiência. 

Outro fator determinante no cultivo da técnica é que esta nos proporciona um sentimento de segurança, não só econômica mas também psicológica. É confortante verificar que somos capazes e eficientes. Saber que temos capacidade para tocar piano ou para construir uma casa nos dá um sentimento de vitalidade, de arrogante independência; mas realçar a importância da capacidade, por causa de um desejo de segurança psicológica, é negar a plenitude da vida. O conteúdo total da vida nunca pode ser previsto e tem de ser experimentado sempre como coisa nova, momento por momento. Tememos o desconhecido, por isso estabelecemos para nós mesmos zonas psicológicas de segurança, sob a forma de sistemas, técnicas e crenças. Enquanto andarmos em busca de segurança interior não compreenderemos o processo total da vida.

(...) Quem tem realmente alguma coisa para dizer, com o mesmo ato de externá-la cria seu estilo próprio; mas aprender um estilo sem ter a capacidade de experimentar interiormente, só pode redundar em superficialidade.

Krishnamurti em, A educação e o significado da vida

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Só surge a vocação quando não há o medo de não sobreviver

Descobrir aquilo que gostam de fazer exige muita inteligência, porque, se temerem não ser capazes de ganhar o sustento ou não se ajustar a essa sociedade infectada, nunca descobrirão. Mas se não tiverem medo, ao se recusarem a ser empurrados para a vala da tradição pelos pais, professores, pelas exigências superficiais da sociedade, então haverá a possibilidade de descobrirem o que realmente gostam. Para isso, NÃO PODE HAVER O MEDO DE NÃO SOBREVIVER.

Porém, muitos de nós temos esse medo. Dizemos: "O que acontecerá comigo se eu não fizer o que meus pais me dizem, se eu não me ajustar a sociedade?" Assustados, agimos como nos é dito, e nisso não há amor, somente contradição, que consiste num dos fatores que origina a ambição destrutiva.

Logo, é função básica da educação auxiliá-los na descoberta do que realmente gostam de fazer, para que possam dedicar a mente e o coração inteiros, porque é isso que cria a dignidade humana, que elimina a mediocridade, a pequena mentalidade burguesa. Por isso é muito importante ter os professores certos, a atmosfera correta para que vocês possam crescer com o amor que se expressa naquilo que fazem. Sem amor, os exames, o conhecimento, as capacidades, a posição e as posses são somente cinzas, sem significado; sem amor, seus atos trarão mais guerras, mais ódio, mais danos, mais destruição.

(...)Vocês acham que a verdade é uma coisa e sua vida diária é outra, e em sua vida diária vocês desejam realizar o que chamam verdade. Mas um está separado do outro? Quando crescerem terão de ganhar o próprio sustento, não é? Afinal, é para isso que precisam ser aprovados nos exames: para se preocupar com o próprio sustento. Porém várias pessoas não se importam com a área em que atuarão ou o trabalho que farão, desde que ganhem algum dinheiro. Enquanto tiverem emprego, não importa que sejam soldado, policial, advogado ou algum tipo de comerciante desonesto.

Bem, descobrir a verdade do que constitui um meio correto de ganhar a vida é importante, não é? Porque a verdade está em suas vidas, não fora dela.(...) Portanto, antes de se tornarem soldado, policial, advogado ou um comerciante astuto, não deveriam perceber a verdade dessas profissões? Certamente, a menos que vejam a verdade daquilo que fazem e sejam guiados por ela, sua vida se tornará uma confusão hedionda.

(...) Poderemos — eu e vocês, que somos pessoas simples, comuns — viver criativamente neste mundo sem o impulso da ambição que se revela de várias formas como o desejo de poder, de posição? Vocês encontrarão a resposta correta quando amarem aquilo que estão fazendo. Se são engenheiros somente porque precisam de uma forma de sustento, ou porque seus pais ou a sociedade esperam isso de vocês, têm-se uma outra maneira de compulsão; e compulsão, sob qualquer forma, gera contradição, conflito. Porém, se realmente gostam de ser engenheiros ou cientistas, ou se podem plantar uma árvore, pintar um quadro, escrever um poema, não para obter o reconhecimento, mas somente porque gostam, verão então que nunca competirão com o outro. Acho que esta é a verdadeira chave: amar aquilo que fazem. 

Krishnamurti em, PENSE NISSO

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Existe uma diferença entre "emprego" e "trabalho"?


Existe uma diferença entre "emprego" e "trabalho". Emprego é o que satisfaz nossas necessidades financeiras e físicas; trabalho é o que satisfaz nossas necessidades emocionais, mentais e espirituais e dá sentido à nossa vida. A personalidade pensa em termos de emprego, enquanto a alma anseia por um trabalho significativo. Num mundo ideal, emprego e trabalho seriam sinônimos, mas, infelizmente, o que acontece é que a maioria das pessoas tem emprego, não um trabalho verdadeiro. Em nossa sociedade, é cada vez maior o desejo de um trabalho significativo, capaz de satisfazer as necessidades tanto da personalidade quanto da alma, o que leva a um questionamento sobre o conceito acerca da natureza do trabalho. 

(...) A imagem que temos de nós mesmos e o amor-próprio estão de tal modo vinculados ao nosso trabalho que muitas pessoas, mesmo não o apreciando, temem deixar o emprego. A ideia de ficar desempregado provoca uma grande ansiedade e até mesmo medo, pois o conceito que temos de nós mesmos se baseia em grande parte no nosso emprego. Se perguntarmos às pessoas: "O que você faz?", quantas delas responderão que são ciclistas, ambientalistas pu pai/mãe? Tão forte é o senso de identificação do nosso ser com o trabalho e com o salário que aqueles que não dispõem de um trabalho remunerado, os que se dedicam a criar os filhos ou que prestam serviços voluntários, frequentemente se sentem desprestigiados e assumem uma posição de defensiva diante dessa pergunta. Do mesmo modo, os indivíduos que escolheram atividades "alternativas" — tais como a massagem, astrologia ou artes — ou profissões autônomas podem achar que seu trabalho é menos importante que as carreiras tradicionais. O próprio fato de sua ocupação ser considerada "alternativa" já indica desconfiança e reprovação implícitas. 

Nós devemos mudar essa visão do trabalho e perceber que todas as ocupações capazes de promover o bem comum têm valor. Contanto que o nosso trabalho coadune com o propósito da alma, estaremos fazendo o que viemos fazer. 

(...) Precisamos examinar a nossa personalidade e o conjunto de circunstâncias que nos foi dado nesta vida e encontrar o nosso trabalho dentro desses limites. Queixar-se de que não é justo, que é mais fácil para os outros, que não é o que desejamos, nada disso nos fará qualquer bem. Devemos revolver o solo das nossas circunstâncias genéticas, históricas e culturais para encontrarmos a pérola de inestimável valor que ali está enterrada. Algumas vidas pedem excelência no mundo exterior e outras no mundo interior. A alma e a personalidade precisam aprender a trabalhar juntas para determinar seu propósito conjunto e abraçá-lo com alegria. 

(...) Trabalhar com alma significa executar o trabalho que fomos convocados a fazer. E queremos executá-lo, não importa o salário e o status ou a opinião dos amigos e da família. Executá-lo nos faz sentir bem com nós mesmos, com os outros e com o mundo. A nossa vida adquire significado e caminhamos em conformidade com o nosso objetivo. 

(...) Quando colocamos a alma no trabalho, colocamos a totalidade de quem somos no nosso trabalho. Quando fazemos o que amamos, nós nos energizamos e o resultado é a manifestação do nosso sonho no mundo material — o que leva à realização interior e exterior.

Tanis Helliwell em, Trabalhando com Alma - Transforme sua vida e o seu trabalho

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Liberte-se da horrorosa teia das gerações mais velhas

Vocês sabem que eu venho falando sobre o medo; e é muito importante que tomemos consciência do medo. Você sabe como ele passa a existir?Por todo o mundo podemos ver que as pessoas são transtornadas pelo medo, têm as ideias, os sentimentos e as atividades torcidos pelo medo. Por isso, temos de examinar o problema do medo e de todos os ângulos possíveis, não só do ponto de vista moral e econômico da sociedade, mas também do ponto de vista de nossos conflitos psicológicos interiores. 

Como já disse, o medo pela segurança interior ou exterior desorienta nossa mente e deturpa o pensamento. Espero que vocês tenham refletido um pouco sobre isso, porque quanto maior a clareza com que o considerem e lhe percebem a verdade, tanto mais livres estarão de todo tipo de dependência. As pessoas mais velhas não criaram uma sociedade maravilhosa; os pais, os ministros, os professores, os governantes, os sacerdotes não criaram um mundo bonito. Pelo contrário, criaram um mundo brutal e assustador, em que todos estão sempre lutando contra alguém; em que um grupo está contra outro, uma classe contra outra, uma nação contra outra, uma ideologia ou conjunto de crenças contra outra. O mundo em que vocês estão crescendo é horrível, é infeliz; nele, as pessoas mais idosas procuram sufocá-los com suas ideias, com suas crenças, com sua fealdade; e se vocês se limitarem a seguir o padrão horroroso dos mais idosos, que criaram esta sociedade monstruosa, qual será o sentido de se deixarem educar, qual o sentido até mesmo de viver?

Se olharem em torno de vocês, vocês verão que por todo o mundo há espantosa destruição e miséria humana. Vocês podem ler sobre guerras na história, mas não têm a experiência real delas, de como as cidades são completamente destruídas, de como a bomba de hidrogênio, ao ser lançada numa ilha, faz a ilha toda desaparecer. Navios são bombardeados e vão pelos ares. Há uma terrível destruição de vido ao assim chamado progresso, e é num mundo assim que vocês estão crescendo. Vocês podem viver uma época feliz enquanto são jovens, uma fase divertida; mas quando ficarem mais velhos, a não ser que permaneçam bem alertas, observando seus próprios pensamentos e sentimentos, vocês perpetuarão este mundo de batalhas, de ambições desmedidas, mundo em que cada qual compete com o próximo, em que há miséria, fome, superpopulação e doenças. 

Por isso, enquanto vocês são jovens, não será acaso importantíssimo que sejam ajudados, pelo tipo certo de professor, a refletir sobre todas essas coisas, em lugar de serem apenas preparados para passar por alguns exames tediosos? A vida é sofrimento, morte, amor, ódio, crueldade, doença, inanição, e vocês precisam começar a considerar todas estas coisas. Aí está por que me parece bom que examinemos juntos esses problemas, para que a inteligência de vocês desperte e vocês passem a ter algum sentimento real sobre todas essas coisas. Então não crescerão apenas para se casar e tornar-se funcionários alienados ou máquinas de procriar, perdendo-se nesse horrível modelo de vida como água e areia?

Uma das causas do medo é a ambição, não é? E porventura não são todos vocês ambiciosos? Qual é a sua ambição? Passar em algum exame? Tornar-se governador? Ou, se forem muito jovens, talvez só desejem ser maquinistas de trem, para guiar trens por cima de pontes. Mas por que motivo vocês são ambiciosos? O que quer dizer isso? Já pensaram nisso? Já observaram como os mais idosos são ambiciosos? Em sua própria família, já não ouviram seu pai ou tio falar sobre obter um maior salário ou ocupar alguma posição proeminente? Em nossa sociedade, todo mundo está fazendo isso, tentando alcançar o topo. Todos querem ser alguém, não é verdade? O funcionário quer tornar-se gerente, o gerente quer ser algo maior, e assim por diante indefinidamente — é a contínua faina do vir-a-ser. Se sou professor, quero tornar-me diretor; se sou diretor, quero tornar-me secretário da educação. Se você é feio, deseja ficar bonito. Ou quer ter mais dinheiro, mais roupas, mais mobília, mais casas, mais propriedades — mais e mais e mais. Não só exteriormente, mas interiormente também, no chamado sentido espiritual, você quer se tornar alguém, embora cubra essa ambição com um dilúvio de palavras. Não perceberam isso? E vocês acham que tudo está perfeitamente certo, não é? Vocês acham que isso tudo é perfeitamente normal, justificável, certo.

Agora, o que tem feito a ambição no mundo? Pouquíssimos de nós têm sequer pensado nisso. Ao ver um homem lutando para ganhar, para adquirir, para passar à frente de alguém, já se perguntaram o que está no coração dele? Se vocês olharem para o próprio coração, quando vocês mesmos são ambiciosos, quando estão lutando para se tornarem alguém, em sentido espiritual ou terreno, vocês encontrarão ali o verme do medo. O homem ambicioso é o mais medroso dos homens, porque tem medo de ser o que é. Ele diz: "Se continuar sendo o que sou, não serei nada; portanto devo ser alguém, devo tornar-me magistrado, juiz, ministro." Se examinarem atentamente esse processo, se penetrarem a cortina das palavras e das ideias, se ultrapassarem as paredes do status e do sucesso, descobrirão que o que existe é medo; porque o homem ambicioso tem medo de ser o que é. Ele acha que aquilo que ele é, em si mesmo, é insignificante, pobre, feio; sente-se só, totalmente vazio, por isso diz: "Preciso realizar alguma coisa". Então, ou vai em busca do que chama Deus, que é apenas uma outra forma de ambição, ou procurar tornar-se alguém no mundo. Desse modo, sua solidão, sua sensação de vazio interior — que o amedronta verdadeiramente — é coberta. Ele foge disso, e a ambição torna-se o meio pelo qual pode escapar.

Então, o que está acontecendo no mundo? Todos estão lutando contra alguém. Um homem se sente inferior a outro e luta para alcançar o topo. Não há amor, não há consideração, não há pensamento profundo. Nossa sociedade é uma constante batalha de homens contra homens. Essa luta é fruto da ambição de vir a ser alguém, e as pessoas mais velhas o encorajam a ser ambiciosos. Eles querem que você se torne alguém, que se casem com um homem rico ou uma mulher rica, ou tenham amigos influentes. Sendo medrosos, feios em seus corações, eles procuram fazê-los semelhantes a eles; e vocês, de seu lado, querem ser iguais a eles, porque vêem o encanto disso tudo. Quando o governador aparece, todos se curvam para recebê-lo, dão-lhe grinaldas, fazem discursos. Ele gosta disso, e vocês também. Você se sentem honrados se lhe conhecem o tio ou o criado, e se deleitam ao sol da ambição dele, de suas realizações. Desse modo vocês são facilmente presos na teia horrorosa das gerações mais velhas, no padrão desta sociedade monstruosa. Só se estiverem muito alertas, mantendo-se constantemente vigilantes, só se não tiverem medo e não aceitarem tudo irrefletidamente, mas questionarem sempre as coisas — só, então, vocês escaparão de ser presos irão além e criarão um mundo diferente.

Eis porque é importante que vocês encontrem sua verdadeira vocação. Sabem o que quer dizer "vocação"? Algo que gostam de fazer, que lhes seja natural. Afinal de contas, é esta a função da educação — ajudá-los a se desenvolverem independentemente, de modo a ficarem livres da ambição e a poderem encontrar sua verdadeira vocação. O homem ambicioso nunca encontrou sua verdadeira vocação; se a tivesse encontrado não seria ambicioso.

Portanto, é responsabilidade dos professores e do diretor ajudá-los a ser inteligentes, livres do medo, para que possam encontrar a sua verdadeira vocação, o seu próprio modo de vida, o modo por que queiram realmente viver e ganhar a vida. Isto implica uma revolução no pensamento; porque, em nossa atual sociedade, acredita-se que o homem que sabe falar, o homem que sabe escrever, o que sabe governar, o que possui um grande carro está numa posição maravilhosa; e o homem que trabalha sem descanso no jardim, que cozinha, que ergue uma casa, esse é desprezado.

Você tem consciência de seus próprios sentimentos quando vê um pedreiro, quando vê um consertador de ruas, ou um motorista de táxi, ou alguém puxando uma carroça? Já observou como lhe tem um desprezo absoluto? Para você ele mal chega a existir. Você o desconsidera; mas quando alguém tem algum título, ou é um banqueiro, comerciante, guru, ou ministro, você imediatamente o respeita. Mas se você encontrar sua verdadeira vocação, ajudará a romper completamente este sistema podre; porque então, seja você jardineiro, pintor ou maquinista, estará fazendo algo que gosta de fazer com todo o seu ser; e isso não é ambição. Fazer algo maravilhosamente bem, fazê-lo completamente, verdadeiramente, de acordo com o que você pensa e sente profundamente — isso não é ambição e aí não há medo.

Ajudá-los a descobrir sua verdadeira vocação é muito difícil, porquanto significa que o professor tem de prestar muita atenção a cada aluno para descobrir do que o mesmo é capaz. Ele precisa ajudá-lo a não ter medo, mas a contestar, a questionar, a investigar. Você pode ser um escritor em potencial, ou poeta, ou pintor. Seja o que for, se você realmente gosta de fazê-lo, não será ambicioso; porque no amor não há ambição.

Por isso, não será importante, enquanto vocês são jovens, que os outros os ajudem a despertar sua própria inteligência e desse modo a encontrar a verdadeira vocação? Então vocês amarão o que fizerem, por toda a vida, o que quer dizer que não haverá ambição, nem competição, nem luta contra outros por causa de posições, por causa de prestígio; e então talvez sejam capaz de criar um novo mundo. Nesse mundo novo, todas as coisas horríveis das gerações mais velhas cessarão de existir — suas guerras, seus malfeitos, seus deuses desunidores, seus rituais que não significam absolutamente nada, seus governos soberanos, sua violência. Eis porque a responsabilidade dos professores, e dos estudantes, é muito grande.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O que é a verdadeira liberdade e como conquistá-la?

A verdadeira liberdade não é coisa que se adquira; é o resultado da inteligência. Você não pode sair e comprar liberdade no mercado. Não pode obtê-la lendo um livro ou ouvindo alguém falar. A liberdade vem com a inteligência. 

Mas, o que vem a ser a inteligência? Poderá haver inteligência quando há medo, ou quando a mente está condicionada? Quando a sua mente está cheia de preconceitos, ou quando você imagina que é um ser humano maravilhoso, ou quando é muito ambicioso e deseja subir a escada do sucesso, material ou espiritualmente, pode por acaso haver inteligência? Quando você está preocupado consigo mesmo, quando segue ou venera alguém, pode por acaso haver inteligência? De fato, a inteligência aparece quando você compreende toda essa estupidez e rompe com ela. portanto, você precisa começar a fazer isso; e a primeira coisa a fazer é tomar consciência de que sua mente não é livre.  Você precisa observar como sua mente está presa por todas essas coisas, e, então, haverá um princípio de inteligência, a qual acarreta liberdade. Você tem que encontrar a resposta por si mesmo. Qual é a vantagem de alguma outra pessoa ser livre quando você não o é, ou de outra pessoa ter alimento quando você morre de fome? 

Para ser criativo, o que implica ter realmente iniciativa própria, é preciso haver liberdade; e para haver liberdade é preciso haver inteligência. Portanto, você precisa inquirir e descobrir o que está entravando a sua inteligência. Precisa investigar a vida, tem de questionar os valores sociais, tudo, e não aceitar coisa alguma porque está com medo. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

Não importa se você morrer de fome

Pergunta: É prático um homem libertar-se de toda sensação de medo e ao mesmo tempo permanecer na sociedade?

Krishnamurti: O que é a sociedade? Um conjunto de valores, uma série de normas, regras e tradições, não é mesmo? Você vê essas condições de fora e diz: "Posso ter um relacionamento prático com tudo isso?" Por que não? Afinal, se você simplesmente se enquadrar nesse esquema de valores, por acaso será livre? E o que entende por "prático"? Isso quer dizer ganhar o próprio sustento? Há muitas coisas que você pode fazer para ganhar o seu sustento; e se você for livre não poderá escolher o que quer fazer? Não será isso prático? Ou você consideraria prático esquecer a própria liberdade e apenas ajustar-se ao quadro, tornar-se advogado, banqueiro, comerciante ou varredor de ruas? Certamente, se você for livre e tiver cultivado a própria inteligência, descobrirá o que lhe será melhor fazer. Colocará de lado todas as tradições e fará algo que verdadeiramente goste de fazer, independente da aprovação ou reprovação de seus pais ou da sociedade. Porque você é livre, tem inteligência, e fará alguma coisa que é totalmente sua, você agirá como um ser humano integrado.

(...)

Pergunta: Como podemos ter nossas mentes livres quando vivemos numa sociedade cheia de tradições? 

Krishnamurti: Em primeiro lugar, você precisa ter a necessidade, a exigência de ser livre. É como o desejo que o pássaro tem de voar, ou o desejo de correr das águas. Você tem essa necessidade de ser livre? Se tiver, o que acontecerá? Seus pais e a sociedade procurarão forçá-lo a enquadrar-se num molde. Poderá resistir-lhes? Você encontrará aí alguma dificuldade, porque tem medo. Tem medo de não obter emprego, de não encontrar o marido certo ou a esposa adequada; tem medo de passar fome ou de que os outros falem de você. Embora queira ser livre, você tem medo, de modo que não vai resistir. Seu medo do que possam dizer ou do que seus pais possam fazer o bloqueia e, desse modo, vê-se forçado a ajustar-se ao molde. 

Ora, será que você pode dizer: "Eu quero saber, e não me importa se morrer de fome. Haja o que houver vou lutar contra as barreiras desta sociedade podre, porque quero ser livre para descobrir coisas? " Você pode fazer isto? Quando sente medo pode enfrentar todas as barreiras, todas essas imposições? 

Assim, é muito importante que a criança, desde a mais tenra idade, seja ajudada a ver as implicações do medo e a libertar-se dele. No momento em que você tem medo, cessa a liberdade. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Diálogo sobre profissão

PERGUNTA Que profissão me aconselharíeis adotar?

KRISHINAMURTI: Toda pergunta está relacionada com alguma outra. Todo pensamento está relacionado com outro, não é independente. A profissão, o caminho, a educação, o autoconhecimento, estão todos intimamente relacionados entre si. Não podeis simplesmente escolher uma profissão e dedicar-vos ao autoconhecimento, ou escolher uma profissão para serdes um educador. Todas essas coisas estão relacionadas entre si. Todas as nossas ações e sentimentos estão relacionados entre si, e nisso é que consiste a sua beleza. Com um só pensamento podeis descer às profundezas do pensar.

Perguntais-me qual a profissão que vos aconselho abraçar. Se desejais uma resposta adequada, é mister entrarmos no assunto a fundo. Que está acontecendo neste mundo? Há possibilidade de se escolher profissão? Cada um segura aquilo que pode. Já nos consideramos felizes se achamos trabalho. Assim é em todas as partes do mundo. Porque já perdemos todos os valores genuínos, temos um único alvo: ganhar dinheiro seja como for, para viver. E, visto que esse é o valor predominante no mundo inteiro, não há possibilidade de escolha. Se sois bacharel em artes, bacharel em ciências, ou mestre de artes, vós vos tornais funcionário de escritório. A estrutura da sociedade está constituída de tal maneira, que só conduz à destruição. A sociedade está aparelhada para a destruição. Cada ação que praticais está conduzindo à guerra.

Não sei se estais bem cônscios disso, mas no meio desta tormenta, sob a ameaça da fome, podereis escolher a profissão de advogado, de soldado, ou de policial? Quando sentis realmente, que a humanidade está à beira da catástrofe podeis escolher qualquer uma dessas três profissões? Tornando-vos soldado, resolvereis o problema do mundo? A função do soldado é destruir, e, portanto, o que fará é destruir. Ele é adestrado para destruir, tal como o policial, que tem a função de vigiar, informar, espionar e intrigar; e bem sabeis o que significa ser advogado — um homem de muita sagacidade e poucos princípios. Todos os que sois advogados bem sabeis o que tem custado ao mundo a vossa sagacidade, e, todavia continuam a “fabricar-se” advogados aos milhares. Em que consiste essa profissão? Em dividir e sustentar a divisão, porque é disso que vivem. Não vivem de relações humanas, nem vivem da benevolência e do amor, mas, sim, da astúcia, da estupidez e intriga. Podeis ligar-vos a um homem que se enriquece, no meio do presente caos econômico? Podeis saber o que significa padecer fome?

Vedes, pois, como são limitadas as profissões. Senhores, antes de perguntardes o que vos cabe fazer, precisais aprender a pensar corretamente, e não de maneira negligente. O pensar correto gera a ação correta. Não podeis pensar corretamente, sem o autoconhecimento. Estais dispostos a aplicar o tempo necessário para conhecer a vós mesmos, a fim de aprenderdes a pensar corretamente e achardes a profissão adequada? Vós, os que não sois forçados a escolher imediatamente uma profissão, por certo podeis fazer alguma coisa. Cabe-vos essa responsabilidade, a vós, que tendes lazeres, que tendes tempo para aprender e observar. Mas, os que podem, não querem. É extremamente difícil escolher uma profissão num mundo civilizado desta espécie, em que toda ação conduz à destruição e à exploração. Os muitos que não são forçados a escolher profissão, são os que podem, mas esse não querem, e aí é que está a tragédia. Com a casa já a arder, continuam agarrados a umas poucas coisas. A tragédia não é, pois, daqueles que tem de escolher emprego, porque esses escolherão, quer queiram, quer não; a tragédia é dos que ficam sentados, a observar.

Só pelo pensar correto pode haver ação correta. O pensar correto não se adquire nos livros, ou nas lembranças do passado, ou nas esperanças do futuro.

Krishnamurti - 16 de Novembro de 1947 - Do livro: Uma Nova Maneira de Viver.

Diálogo sobre o trabalho

PERGUNTA: Falais tanto na necessidade de incessante vigilância. Mas o meu trabalho me embota de maneira tão irresistível, que falar de vigilância após um dia de labor, é o mesmo que deitar sal numa ferida.

KRISHNAMURTI: Senhor, esta questão é importante. Se vos apraz, vamos examiná-la com toda a atenção, para ver o que ela implica. Pois bem, a maioria de nós se embota nisso que se chama trabalho, emprego, rotina. Os que amam o trabalho e os que são forçados a trabalhar por necessidade — tanto uns como outros estão embotados. Tanto os que amam o trabalho como os que a ele resistem são homens embotados, não é verdade? Quando um homem ama o seu trabalho, que faz ele? Pensa nele da manhã à noite, está constantemente ocupado com ele. Tão identificado se acha com o seu trabalho que não pode vê-lo objetivamente: ele próprio é a ação, o trabalho; e a uma pessoa em tais condições que acontece? Vive numa gaiola, vive isolado no seu trabalho. Nesse isolamento pode ele ser muito proficiente, muito inventivo, muito sutil, mas, sem embargo, está isolado; e se torna embotado, porque está resistindo a qualquer outra espécie de trabalho, a qualquer outra espécie de ação. O seu trabalho, por conseguinte, é uma forma de fuga da vida: da sua esposa, dos seus deveres sociais, de inumeráveis exigências, etc. E há o homem da outra categoria, o homem que, como a maioria de nós, é obrigado a fazer algo que detesta, e o faz com relutância. É o trabalhador de fábrica, o funcionário do banco, o advogado, etc.

Agora, que é que nos faz embotados? É o trabalho em si? Ou, é a nossa resistência ao trabalho, ou o nosso empenho em evitar outros contactos? Compreendeis bem este ponto? Espero que eu o esteja expondo claramente. Isto é, o homem que ama o seu trabalho, está tão fechado nele, tão preso, que ele se torna uma devoção. Por conseguinte, o seu amor ao trabalho é uma fuga da vida. E o homem que resiste ao seu trabalho, que preferiria estar fazendo outra coisa, para esse há o conflito incessante da resistência àquilo que está fazendo. Nosso problema, pois, é: O trabalho torna a mente embotada? Ou o embotamento é produzido pela resistência ao trabalho, num dos casos, ou pelo uso do trabalho como meio de evitar os choques da vida; no outro caso? Isto é, a ação, o trabalho, torna a mente embotada, ou a mente se torna embotada por causa da fuga, do conflito, da resistência? É bem evidente que não é o trabalho, porém a resistência que torna a mente embotada. Se não opondes resistência e aceitais o trabalho, que acontece? O trabalho não vos embota, porque só uma parte da vossa mente fica ocupada com o trabalho que tendes de executar. O resto do vosso ser, o inconsciente, o oculto, fica ocupado com os pensamentos em que de fato tendes interesse. Logo não há conflito. Poderá isso parecer um tanto complexo; mas se examinardes com muita atenção, vereis que a mente se embota, não por causa do trabalho, mas por causa da resistência ao trabalho ou da resistência à vida. Digamos, por exemplo, que tenhais de executar um determinado serviço que levará umas cinco ou seis horas. Se dizeis “Que aborrecimento, que coisa horrível, preferiria fazer outra coisa qualquer” — o vosso espírito está evidentemente resistindo a esse trabalho. Uma parte da vossa mente está desejando que estivésseis fazendo outra coisa. Esta divisão produzida pela resistência, causa o embotamento, porque estais desperdiçando esforço, desejando que estivésseis fazendo outra coisa. Mas se não resistis e fazeis o que é realmente necessário, nesse caso dizeis: “Preciso ganhar o meu sustento, e hei de ganhá-lo corretamente”. Mas a profissão adequada não significa o exército, a polícia, ou a advocacia, — porque esses prosperam na discórdia, na desordem, na astúcia, no subterfúgio, etc. Este é um problema bastante difícil, e talvez o examinemos mais tarde, se houver tempo.

Assim, se estais ocupado com um serviço que tendes de fazer para ganhar o vosso sustento, e se resistis a ele, a mente se embota, é claro; porque essa resistência é a mesma coisa que fazer funcionar um motor acionando ao mesmo tempo o freio. Que acontece ao pobre motor? O seu funcionamento se torna falho, não é verdade? Se já dirigistes automóvel, sabeis o que acontecerá se se fizer uso constante do freio: não só o freio se gasta, mas também o motor. É exatamente isso o que fazeis, quando resistis ao trabalho. Mas, se aceitais a tarefa que tendes de executar, e a executais o mais inteligente e o mais cabalmente possível, que acontece então? Porque já não estais resistindo, as outras camadas da vossa consciência continuarão ativas, independentemente do que estais fazendo; estais aplicando apenas a mente consciente ao trabalho, e a parte inconsciente, a parte oculta da mente está ocupada com outras coisas muito mais vitais e muito mais profundas. Embora estejais em presença do trabalho, o inconsciente funciona independente dele.

Agora, se observais, que acontece realmente na vossa vida de cada dia? Digamos, por exemplo, que estejais interessado em achar Deus, em ter paz. Esse é o vosso interesse real, com o qual está ocupa da tanto a vossa mente consciente como a inconsciente: encontrar a felicidade, encontrar a realidade, viver com retidão, com beleza, com lucidez. Mas tendes de ganhar o vosso sustento, porque não existe coisa tal como viver no isolamento: tudo o que existe, que é, está em relação. Estais interessado na paz, mas ó vosso trabalho diário estorva esse interesse, e por isso resistis a ele. Dizeis: “Quisera dispor de mais tempo para pensar, para meditar, para exercitar-me no violino, etc.”. Quando assim procedeis, quando apenas resistis ao trabalho que tendes de executar, essa própria resistência é um desperdício de esforço, que torna a mente embotada; mas, se, por outro lado compreendeis que todos nós fazemos coisas que têm de ser feitas — escrever cartas, conversar, lavar o estábulo — e por conseguinte não resistis, mas dizeis: “tenho de fazer esse trabalho”, vós o fareis de bom grado e sem enfado. Não havendo resistência, vereis que, no momento em que terminardes o trabalho, a vossa mente estará em paz. Porque o inconsciente, as camadas mais profundas da mente estão interessadas na paz, vereis que a paz começará a surgir. Não há, pois, divisão entre a ação, que poderá ser rotina, que poderá ser desinteressante, e a vossa busca da realidade: as duas coisas são compatíveis quando não há resistência por parte da mente, quando a mente não se torna embotada por causa dessa resistência. É a resistência que cria a divisão entre a paz e a ação. A resistência se baseia numa idéia, e a resistência não pode produzir ação. É só a ação que liberta, e não a resistência ao trabalho.

Importa, pois, compreender que a mente se torna embotada por causa da resistência, da condenação, da reprovação, da fuga. A mente não está embotada, quando não há resistência. Quando não há reprovação, nem condenação, ela está cheia de vitalidade, ativa. A resistência é mero isolamento, e a mente do homem que, consciente ou inconscientemente, está sempre procurando isolar-se, se torna em botada por causa dessa resistência.

Krishnamurti – Do livro: Novo Acesso a Vida – Editora ICK - 1955

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O pico mais alto da consciência

O pico mais alto da consciência é quando você é apenas um ser — não fazendo nada, imóvel, profundamente silencioso, como se você não existisse mais. Subitamente toda a existência começa a derramar flores sobre você. 

O homem é treinado para realizar porque a sociedade necessita dele treinado como trabalhador em diferentes direções, para produção, para a ganância, para a esperteza, para o poder. Ele tem que ser transformado em um escravo cuja vida inteira não seja nada além de fazer desde a manhã até a noite. Ele nem mesmo está rejuvenescido pelo sono e tem que ir trabalhar nas estradas, trabalhar nos campos, trabalhar nos pomares.

A sociedade fez do realizar algo muito proeminente e respeitável. Ela esqueceu completamente que existe outra dimensão na vida. Eu não estou dizendo que você não deve fazer nada. Você tem que comer, tem que se vestir, você necessita de um teto, de modo que algum tipo de realização será necessário. Mas o realizar deve ser apenas utilitário; ele não vai lhe dar as grandes experiências para as quais a vida é uma oportunidade. O seu realizar vai lhe dar a sobrevivência. Mas sobreviver apenas não é estar vivo. Estar vivo significa ter uma dança em seu coração. Estar vivo significa ter cada fibra de seu ser cheia de música celestial. Estar vivo significa experimentar o fluxo eterno da força da vida dentro de suas veias. Isto é possível não pelo realizar; isto é possível apenas através da não-realização. Portanto, a não-realização é o derradeiro valor. Realizar é simplesmente mundano — por necessidade você tem que fazer algo.

Mas existe tempo suficiente, vinte e quatro horas por dia: você pode dedicar cinco ou seis horas para as necessidades ordinárias, e ainda sobrarão dezoito horas. Se você puder encontrar até mesmo duas para a não-realização, você ficará tão enriquecido que não pode conceber antecipadamente — porque quando você não está fazendo nada, você não existe. Então o que existe? Este imenso silêncio da existência, esta imensa beleza das flores, este infinito do céu que cerca você, tudo se torna parte de você. E o toque do eterno e o infinito e o imortal trazem tanto júbilo que mesmo quando você está fazendo, lentamente, lentamente você encontrará mesmo no seu fazer esses júbilos, esses êxtases estarão entrando em seu trabalho.

Então o trabalho não é mais trabalho. Fazer não é mais fazer; torna-se a sua criatividade. O que quer que você faça, você fará com totalidade. E toda a existência o sustentará, encherá você com tanto néctar de modo que você possa derramar esse néctar em suas ações, nos seus afazeres. Subitamente você se torna um mágico. O que quer que você toque se transformará em ouro. Para onde você for, a existência segue lhe dando as boas-vindas, e o que quer que você faça, mesmo que pequeno, se torna parte de sua meditação.

O S H O — Satyam-Shivam-Sundram

segunda-feira, 3 de março de 2014

O negligenciado estudo de nós mesmos

Penso que não existe tema mais interessante ou mais prometedor, ou de forma alguma mais excitante, do que o estudo de nós mesmos. Aos 15 ou 16 anos, estamos submersos em nós mesmos. Não há nada que nos interesse tanto. Depois apaixonamo-nos por alguém; mas ainda assim estamos extasiados com nós próprios. Há, descobrimos, muito mais inteligência no estudo de nós mesmos, e muito pouco pensamento dedicado aos outros. E de bom grado damos a uma quiromante 15 rúpias para ela nos contar tudo sobre nós. E sentimo-nos bastante confortáveis com o pensamento de que iremos ser grandes um dia – sem, aparentemente, ter que lutar por essa grandeza. Existe apenas um tema que nos atrai e esse somos nós mesmos. Discutimo-nos, e de uma forma aprobatória consideramos como nos comportar, de que modo desenvolvermo-nos, e por aí em diante.

Parece-me que se pensarmos inteiramente deste ponto de vista, deste ponto que unicamente nos interessa a nós, não entenderemos porque é que existimos, ou porque qualquer coisa neste mundo, de todo, existe. Claro que é verdade que primeiro temos de nos compreender a nós mesmos antes de querer descobrir seja o que for sobre a vida em geral. Filosofia, religião e outros temas não possuem real valor, real controle sobre um indivíduo, ou apenas têm uma pequena influência, quando somente apontam como podemos escapar a certas coisas, como evitar o mal, e por ai fora. Mas aqueles de nós que são membros da Star, ou pertencem a tais organizações, deverão ter a ideia de um plano definido que está a desenvolver-se.

Estamos em posição de examinar as coisas que nos são mais valiosas – coisas que produzem em nós o desejo de evoluir. Em todos nós existe o desejo de descobrir por nós mesmos até onde podemos compreender quem somos e o que nos afeta. A pessoa comum está de longe mais interessada nela mesma do que em qualquer outra. Luxúria, conforto, felicidade, tudo tem que apoiar os seus fins. Quando tudo foi feito para a satisfazer então somente pensa nos outros. Quando eu tiver comido e dormido o suficiente, voltar-me-ei para pensar nos outros. Esta é a visão comum. Se tiveste amor em abundância, ou felicidade, és levado a pensar no outro.

Mas para alcançar essa felicidade, devemos descobrir até onde nos encaixamos num plano definido. Devemos estar cientes de que há um plano em que cada um de nós tem um papel a representar, e devemos possuir a determinação na qual agiremos, com a qual deveremos criar o ambiente no qual caberemos – ou não; e se estivermos dispostos a procurar com a atitude correta deveremos ser capazes de descobrir até onde nos encaixaremos nesse plano. Para mim, posso imaginar que os deuses eleitos disseram que Krishna deverá encaixar-se num certo plano estabelecido, e que o quer que seja que ele faça, não terá valor, e enquanto encaixar nesse plano, Krishna crescerá e será feliz. Eu estava interessado e observava-me a mim mesmo, e podia ver de ano para ano uma mudança definida, uma orientação definida, uma transformação definida e podia ver qual era o meu definido papel. E assim cada um de nós deverá descobrir que caminho percorrer e qual a especialidade a ter.

Acontece frequentemente que a maioria de nós está disposta a subir até ao altar e verter a nossa devoção. A devoção existe, em diversos graus, na maioria de nós, mas não pode nem deve satisfazer-nos. Se eu fosse ter com a Dr.ª Besant e lhe dissesse: “Estou disposto a servi-la em qualquer das minhas capacidades. Estou disposto a sacrificar tudo e o meu único desejo é trabalhar para obter conforto, independência, e por aí fora,” ela diria, “Oh, muito bem; que capacidades trazes contigo. De que modo queres prestar serviço ao Mestre?” A devoção deve ter um escape na atividade física; e desta forma se tivermos de determinar qual o papel que cada um de nós tem de representar, antes de nos oferecermos, devemos descobrir quais as capacidades que temos. Quando para um Teósofo ou um membro da Star ou qualquer outro, o chamamento aparece como “sacrifica tudo e vem ao Mestre,” não é suficiente pedir ao Mestre que aceite somente a nossa devoção; devemos dar-lhe qualquer coisa que lhe permita guiar-nos. Por outras palavras, devemos trazer perante o Mestre certas capacidades e não aparecer apenas de mãos vazias. Se eu puder chegar junto do Mestre e dizer “Eu posso fazer isto ou aquilo, eu posso escrever ou pintar ou compor música ou representar,” Ele dirá: “Muito bem, esse é o teu caminho. Vai e procura, descobre quais são os teus talentos, e logo que os encontres, saberás como sofrer e servir.” Pois existem muito poucos que realmente conseguem dizer, “Eu posso fazer isto; ao longo desta linha reside o meu sacrifício ao serviço do Mestre.” Consideramos que nos sacrificámos quando terminamos sem algo do qual podemos facilmente abrir mão.

Se eu tivesse imaginado algo em particular que o Mestre quisesse realizado, eu tratá-lo-ia de outro modo. E se eu precisasse de riquezas, tê-las-ia acumulado, não para mim, mas para o Mestre, e ao acumula-las, saberia que tinha que me sacrificar, e tinha que suportar enormes sofrimentos e mal-entendidos. Mas é a atitude que conta. Estamos com medo de que as nossas capacidades não nos guiem pelo caminho que nos foi preparado. Assim temos que descobrir antes de servir realmente, de que maneira cada um de nós pode servi-Lo, de que modo podemos oferecer o nosso sacrifício, e ao descobrir qual o nosso caminho deveremos descobrir a qual tipo pertencemos, se ao tipo que vai para o mundo e se desenvolve no mundo, por assim dizer, ou é deixado numa estufa e evolui, como uma planta, igualmente cheio de força. Há pessoas que trabalham no mundo por vários anos, que trabalham e fazem de tudo sem descobrir qual o propósito da vida. Descobrem o seu propósito por acaso, mas acumularam tanto do que o mundo tem para dar que ao entrarem em contato com as realidades espirituais abrem mão de tudo o que adquiriram, enquanto aqueles que cresceram numa estufa separados do mundo alcançam o objetivo por outro caminho.

Portanto tal não tem importância desde que tenhamos aprendido o que ambas as guerras de identidade podem oferecer, e não até então estarão aptos a servir o mundo. Imaginem apenas uma pessoa que é criada, diga-se, num templo onde é reprimida, onde desenvolve complexos. Assim que essa pessoa sai lá para fora para o mundo, tem a melhor das diversões; e é o mesmo com a pessoa que trabalha cá fora no mundo. Não podemos evoluir ao longo de uma linha definida. Devemos evoluir em todas as direções e até lá não ajudamos e só atrapalharemos.

Tal como eu conheço o meu próprio caminho, também cada um de nós deverá descobrir o seu caminho e até essa descoberta ser feita não devemos estar prontos ou aptos para servir o Mestre. Aqueles de nós que têm imaginação, que em certo grau têm a capacidade de tomar uma visão impessoal da vida, podem descobrir isto. Mas a maioria de nós não têm o desejo de servir, nem o desejo de alcançar o seu caminho ou objetivo.

O nosso problema é que tal como no mundo exterior, temos os nossos direitos adquiridos. E desde que exista o elemento de egoísmo, não descobriremos o caminho. Cada um de nós quer que o Mestre desça até si; mas o que não aprendemos foi que, mesmo como imaginamos, se Ele descesse das nuvens, seríamos incapazes de O servir, porque não nos equipamos para Lhe prestar serviço.

Devemos descobrir de que maneira podemos servir, e isso implica a completa violação de nós mesmos, das nossas relações, etc. Não é que não tenhamos o desejo, nem a nostalgia que as grandes pessoas têm; mas em nós não é constante. Não existe aquela pressão contínua que nos mantêm a andar, a andar, a andar. Significa verdadeiro sacrifício, significa subjugar-nos em tudo e não deixar o ego (a personalidade, o eu) ficar-se por cima. Então deixaremos de distorcer as coisas para que se encaixem nos nossos preconceitos, mas compreendê-las-emos de um modo total; por outras palavras, tornam-se realmente simples.

Devemos ter a coragem e determinação para desistir; e quando subimos e atingimos uma certa distância, descobrimos o quanto de tolos somos ao lutar pelo que é tão trivial, tão simples. Existem tantos temas com os quais lutamos de uma forma tão complicada; mas se nós apenas nos deixássemos expandir um pouco, todos estes temas se tornavam simples, todas as complicações desapareceriam. Mas requer que nos observemos constantemente, que estejamos atentos para ver se estamos a fazer a coisa certa ou a coisa errada.

Cada um de nós sabe destas coisas de fio a pavio, e mesmo assim se o Mestre chegasse e perguntasse o que cada um de nós soube fazer, de que modo agimos na sua ausência, de que modo cumprimos o nosso papel, quais seriam as nossas respostas? É surpreendente como não conseguimos mudar, como devíamos, tal e qual uma flor. A nossa crença embora forte, não é a crença de um homem que age com uma determinação fixa. Essas são, no entanto, as pessoas que o Mestre quer ao Seu serviço, e não somente aquelas que são apenas devotas, sem que essa devoção as conduza à ação. Se nós conseguirmos pôr de lado a nossa própria evolução, e trabalhar e esquecermo-nos de nós mesmos no trabalho, então seremos verdadeiramente servis e aproximar-nos-emos do Mestre. Pode ser que eu seja jovem, que eu não tenha sofrido como os mais velhos já sofreram, mas se o sofrimento pode desalentar o entusiasmo então mais vale não tê-lo. Mas o que foi que nos ensinou o sofrimento?

Como disse no início, não existe nada tão absorvente como o estudo de nós mesmos. Esse é o único assunto sobre o qual vale a pena pensar; porque significa mudança. Não existe ninguém para forçar os mais velhos, e portanto ficam cristalizados. O que interessa é descobrir o que podemos fazer e até onde nos podemos sacrificar; quanta é a nossa força e quais as nossas capacidades. Quando vemos pessoas numa atitude de reverência, penso frequentemente no que terão feito por via do sacrifício.

Nos anos que estão para vir, ou temos que nos adaptar rapidamente à corrente em mudança, ou sair completamente dela. Quando definitivamente agarrarmos um vislumbre do Plano, por mais passageiro que seja, e sabendo que devemos continuar, simplesmente continuaremos, porque é muito mais divertido do que somente marcar o tempo. O que interessa é termos de fazer qualquer coisa para mudar. A velhice não significa que não podemos mudar. Por outro lado, é mais fácil para os mais velhos, porque eles já tiveram a experiência, e o sofrimento; no entanto continuam do mesmo velho modo de perpétua negligência. Se querem ganhar dinheiro, vão e ganhem milhões, e dêem-nos ao Mestre, e podem fazê-lo se tiverem a atitude correta. E é o mesmo com tudo o resto que queiram fazer – escrever à maquina, estenografar ou qualquer outra coisa que desejem que seja o vosso serviço para o Mestre. A atitude é o que conta e quando chegarem lá todo o resto se seguirá.

J. Krishnamurti, tal como impresso na revista The Herald of Star no número de Maio de 1925

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Sobre a questão da escolha da profissão

Apenas na busca e descoberta dessa realidade interior é que podemos não só nos contentar com pouco, mas também estar conscientes de algo que existe além de qualquer medida. Isso é o que precisa ser buscado em primeiro lugar e, se isso acontecer, seguindo seu exemplo, tudo o mais tornar-se-á realidade.

[...] Muitos de nós escolhem uma profissão em função da tradição, ou porque somos de uma família de advogados ou de comerciantes; ou nosso desejo de poder e de posição define a nossa profissão; a ambição nos leva a competir e a ser cruéis nesse nosso desejo de conseguir êxito. Assim, aquele que não quer explorar ou contribuir para a causa da guerra precisa deixar de seguir a tradição, deixar de lado a cobiça, a ambição, a auto-afirmação. Se ele se abstiver de tudo isso, naturalmente encontrará a profissão adequada.

Embora seja importante e benéfica, a profissão adequada não é um fim em si mesma. Você pode ter um meio correto de viver mas, se você for interiormente insuficiente e pobre, será uma fonte de desgraça para si mesmo e, portanto, também para os outros; você se tornará insensato, violento, auto-afirmativo. Sem a liberdade interior da realidade você não terá alegria, não terá paz. Apenas na busca e descoberta dessa realidade interior é que podemos não só nos contentar com pouco, mas também estar conscientes de algo que existe além de qualquer medida. Isso é o que precisa ser buscado em primeiro lugar e, se isso acontecer, seguindo seu exemplo, tudo o mais tornar-se-á realidade.

Essa liberdade interior de realidade criativa não é um dom; deve ser descoberta e experimentada. Não é uma aquisição que você deva agregar a você mesmo para com ela se vangloriar. Trata-se de um estado de ser, como o silêncio, no qual não existe transformação, no qual existe a completude. Essa criatividade não precisa, necessariamente, procurar expressar-se; não se trata de um talento que exija uma manifestação exterior. Você não precisa ser um grande artista nem ter uma grande audiência; se você estiver em busca disso, perderá essa realidade interior. Não se trata de um dom, nem é o resultado de um talento; esse tesouro imperecível precisa ser encontrado quando o pensamento se libertar da concupiscência, do desejo mau e da ignorância, quando o pensamento se libertar das coisas mundanas e da ambição pessoal de vir-a-ser. Deve ser experimentada através do pensamento e da meditação adequadas. Sem essa liberdade interior da realidade, a existência é dor. Tal como um homem sedento busca água, assim devemos buscar. Apenas a realidade pode aplacar a sede de impermanência.


Krishnamurti - Sobre o Viver Correto

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Qual a verdadeira vocação do homem?

Cada um de nós segue uma dada vocação — o advogado, o militar, o policial, o negociante, etc. É bem óbvio que há certas profissões prejudiciais à sociedade: o advogado, o militar, o policial, o negociante que não cuida de tornar os homens igualmente ricos. 

Quando desejamos, quando escolhemos uma dada vocação, quando estamos educando nossos filhos para seguirem determinada profissão, não estamos criando um conflito com a sociedade? Você escolhe uma profissão, e eu escolho outra; e isso não faz nascer o conflito entre nós dois? Não é isso o que está acontecendo no mundo, visto que nunca pudemos achar a nossa VERDADEIRA VOCAÇÃO? Estamos apenas sendo condicionados pela sociedade, por uma determinada civilização, a aceitar certas profissões, que geram competição e ódios entre os homens. Sabemos disso, o estamos vendo. 

Ora, existe alguma outra maneira de viver, em que você e eu possamos exercer as nossas VERDADEIRAS VOCAÇÕES? Não existe uma vocação única para o homem? Tenha a bondade de prestar atenção, senhores. Há vocações diferentes para o homem? Vemos que as há: um é funcionário de escritório, outro engraxate; um é engenheiro, outro político. Vemos que há inúmeras variedades de profissões e que todas elas estão em conflito entre si. Assim, pois, por causa da sua vocação o homem está em conflito com o homem, o homem odeia o homem. Sabemos disso. São-nos familiares esses fatos da vida, de cada dia. Pois bem, vejamos se não existe UMA SÓ vocação para o homem. Se pudermos descobrí-la, então a expressão de diferentes capacidades não produzirá conflito entre os homens. Eu afirmo existir APENAS UMA VOCAÇÃO PARA O HOMEM. Uma só, e não muitas. A VOCAÇÃO ÚNICA DO HOMEM É A DE DESCOBRIR O QUE É O REAL. Senhores, não se mostrem espantados; isto não é uma asserção mística. 

Se estamos, você e eu, aplicados a descobrir o que é a Verdade, o que constitui a nossa verdadeira vocação, então, nessa busca, não haverá competição entre nós. Não competirei com você, não lutarei contra você, ainda que você expresse essa verdade de maneira diversa. Você pode ser Primeiro Ministro, mas eu não serei ambicioso e não desejarei tomar-lhe o posto, porque estou buscando, do mesmo modo que você, a Verdade. Por conseguinte, enquanto não descobrirmos aquela verdadeira vocação do homem, estaremos necessariamente em competição uns com os outros, e haveremos de odiar-nos mutuamente; e, sejam quais forem as leis que promulgarem, nesse nível só poderão produzir mais caos. 

Não é possível, pois, desde a infância, mediante educação adequada, ministrada por verdadeiros educadores, ajudar o jovem, o estudante, a ser livre, para descobrir o que é a Verdade, a Verdade relativa a todas as coisas, e não simplesmente a Verdade em abstrato; descobrir a Verdade existente em todas as relações — a relação do jovem com a máquina, com a natureza, com o dinheiro, com a sociedade, o governo, etc.? Requer isso, não acham? — uma outra espécie de preceptores, cujo interesse seja o de ajudar o jovem, o estudante, dando-lhe liberdade, para que seja capaz de descobrir a maneira de cultivar uma inteligência nunca susceptível de ser condicionada por uma sociedade em perene decomposição. 

Não existe, pois, UMA vocação para o homem? O homem não pode existir no isolamento; ele só existe em relação. E quando, nessas relações, não há o descobrimento da Verdade respeitante ao estado de relação, há então conflito. 

Há tão-somente UMA VOCAÇÃO para vocês e para mim. E na busca dessa vocação encontraremos a expressão em que não entraremos em conflito um com o outro, em que não nos destruiremos mutuamente. Mas tudo deve começar, sem dúvida, pela educação correta, ministrada por educador adequado. O educador também necessita de educação. Fundamentalmente, o verdadeiro preceptor não é meramente um homem que transmite conhecimentos, mas aquele que faz nascer no estudante a liberdade, a revolta que o habilitará a descobrir o que é a Verdade. 

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria  

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Quando você se abre à vida, coisas começam a acontecer

Pergunta: Se meu maior desejo é ser engenheiro e meu pai se opõe a isso e me nega sua ajuda, como poderei estudar engenharia?

Krishnamurti: Se você persistir no propósito de ser engenheiro, ainda que seu pai lhe expulse de casa, você pensa que não encontrará meios e modos de estudar engenharia? Você pode pedir esmolas, ou apelar para os amigos. Senhor, a vida é uma coisa muito estranha. No momento em que você sabe com toda a clareza o que deseja fazer, coisas acontecem. A vida vem em sua ajuda  — um amigo, um parente, um professor, uma avó, alguém lhe dará a mão. Mas, se você tiver medo de tentá-lo, porque seu pai poderá lhe expulsar de casa, nesse caso você está perdido. A vida não acode nunca aos que, por simples medo, se sujeitam a uma dada exigência. Mas, se você disser: "É isto o que quero e que tratarei de conseguir" — verá que, então, algo miraculoso acontecerá. Você terá, talvez, de passar fome, de lutar, para ir até o fim, mas será um ente humano valoroso, e não uma mera cópia; eis o milagre!

Em geral, temos medo de nos vermos sós; e sei que, para você, jovem, isso é muito difícil, porquanto não há neste país (Índia) a liberdade econômica que se observa na América e na Europa. Neste país há excesso de população e, por isso, todos cedem. Você diz: "Que será de mim?" Mas, se você persistir, verá que algo ou alguém lhe ajudará. Quando você toma uma firme atitude ante a exigência geral, é então um indivíduo e a vida vem em sua ajuda.

Há, em biologia, um fenômeno que se chama "mutação", ou seja, um súbito e espontâneo desvio do tipo. Se você tem um jardim e está cultivando uma certa espécie de flor, pode acontecer que, numa certa manhã, encontre algo totalmente novo, derivado daquela espécie. Isto é o que se chama "mutação". Sendo coisa completamente nova, atrai a atenção, e o floricultor lhe dedica especiais cuidados. Assim também é a vida. No momento em que você se aventura, algo acontece dentro de você e ao redor de você. A vida, de diferentes maneiras, vem em sua ajuda. Você pode não gostar pelo caminho que ela vem — que poderá ser de sofrimento, luta, fome — mas, quando você se abre para a vida, coisas começam a acontecer. Todavia, nós não queremos nos abrir para a vida, queremos fazer o "jogo seguro"; e os que fazem o "jogo seguro" morrem de maneira muita segura. Não é assim?

Krishnamurti — A cultura e o problema humano

quarta-feira, 17 de julho de 2013

A profissão correta não é ditada pela tradição

A maioria de nossas profissões é ditada pela tradição, ou pela cobiça, ou pela ambição. Em nossas profissões somos rudes, competitivos, ardilosos, espertos e extremamente autoprotetores. Se mostramos fraqueza, seja quando for, podemos cair; por isso é preciso que acompanhemos a alta eficiência da ambiciosa engrenagem do mundo dos negócios. Trata-se de uma luta constante para manter o controle, para ser sempre mais esperto e sagaz. A ambição jamais encontrará a satisfação definitiva; está sempre à procura de campos mais amplos para sua auto-afirmação.

Mas nos relacionamentos ocorre um processo bastante diferente. Nele é preciso haver afeição, consideração, ajuste, autonegação, concessões, não para conquistar, mas para viver com felicidade. Nele deve existir a tema auto-anulação, a liberdade em relação ao domínio, à possessividade, mas o vazio e o medo causam o ciúme e a dor no relacionamento. O relacionamento é um processo de autodescoberta, no qual existe uma compreensão maior e mais profunda. O relacionamento é um constante ajuste na autodescoberta; ele exige paciência, flexibilidade infinita e um coração sincero.

Mas como podem estar juntos auto-afirmação e o amor, a profissão e o relacionamento? Um é rude, competitivo, ambicioso; o outro é abnegado, atencioso, gentil; eles não podem ficar juntos. Com uma das mãos a pessoa lida com sangue e dinheiro, e com a outra tenta ser gentil, afetuosa, atenciosa. Como um alívio para suas profissões insensíveis e sem vida elas buscam consolo e bem-estar nos relacionamentos. Mas os relacionamentos não geram bem-estar, pois trata-se de um processo diferente de autodescoberta e compreensão. O homem ocupado tenta em sua vida de relacionamentos buscar o consolo e o prazer como uma compensação para o enfado da sua atividade. Sua ocupação diária de ambição, cobiça e crueza conduz, passo a passo, à guerra e às barbaridades da civilização moderna.

A ocupação correta não é ditada pela tradição, pela cobiça ou pela ambição. Se cada um estiver seriamente preocupado em estabelecer relacionamentos adequados, não apenas com uma pessoa, mas com todos, então ele encontrará a profissão correta. A profissão correta vem acompanhada da regeneração, da mudança no coração, não com a simples determinação de encontrá-la.

A integração só é possível se existir clareza de compreensão em todos os diferentes níveis da nossa consciência. Não pode existir integração entre amor e ambição, entre clareza e trapaça, entre compaixão e guerra. Enquanto profissão e relacionamentos se mantiverem afastados, haverá constante conflito e desgraça. Qualquer reforma dentro do padrão dualista é retrocesso; somente para além dele pode existir a paz criativa.

Krishnamurti - Sobre o Viver Correto

O problema de como ganhar a vida decentemente

Questionador: O problema de ganhar a vida decentemente é fundamental para a maioria de nós. Uma vez que as correntes econômicas do mundo são inapelavelmente interdependentes, acredito que, qualquer que seja a minha atividade, estarei explorando alguém ou contribuindo para a causa da guerra. Como deve então proceder aquele que deseja ganhar a vida de forma decente, para escapar das garras da exploração e da guerra?

Krishnamurti: Para quem deseja encontrar um meio justo de viver, a vida econômica como está organizada atualmente é certamente difícil. Como diz o questionador, as correntes econômicas são entrelaçadas e, assim, o problema é complexo e, como qualquer problema humano complexo, precisa ser abordado com simplicidade. À medida que a sociedade se torna mais e mais complexa e organizada, a sistematização do pensamento e da ação está sendo reforçada em benefício da eficiência. A eficiência se torna cruel quando os valores sensoriais predominam, quando os valores eternos são deixados de lado.

Existem, obviamente, meios errados de viver. Aquele que ajuda na fabricação de armas ou de outros mecanismos capazes de matar seu semelhante está certamente ocupado em perpetuar a violência, e isso jamais trará a paz ao mundo. Os políticos que, seja em benefício próprio, de sua nação ou de uma ideologia, se ocupam em governar e explorar os outros estão certamente usando meios errados de viver, meios que conduzem à guerra, à desgraça e à miséria humana. O padre que se atém a um determinado preconceito, dogma ou crença, a uma determinada forma de adoração e oração, também está usando formas erradas de viver, pois estará apenas disseminando a ignorância e a intolerância, que colocam um homem contra outro homem. Qualquer profissão que conduza ou mantenha os conflitos ou as diferenças entre um homem e outro é obviamente um meio errado de viver. Essas ocupações levam à exploração e às lutas.

Nossas formas de viver são ditadas pela tradição ou pela cobiça e pela ambição, não são? Em geral, nós não nos pomos deliberadamente a pensar sobre a melhor forma de viver. Ficamos muito agradecidos em poder obter tudo aquilo que conseguimos e seguimos cegamente o sistema econômico que está em torno de nós. Mas o questionador quer saber como se esquivar da exploração e da guerra. Para escapar disso ele precisa não se deixar influenciar, não seguir a profissão tradicional, nem pode ele ser invejoso ou ambicioso. Muitos de nós escolhem uma profissão em função da tradição, ou porque somos de uma família de advogados ou de comerciantes; ou nosso desejo de poder e de posição define a nossa profissão; a ambição nos leva a competir e a ser cruéis nesse nosso desejo de conseguir êxito. Assim, aquele que não quer explorar ou contribuir para a causa da guerra precisa deixar de seguir a tradição, deixar de lado a cobiça, a ambição, a auto-afirmação. Se ele se abstiver de tudo isso, naturalmente encontrará a profissão adequada.

Embora seja importante e benéfica, a profissão adequada não é um fim em si mesma. Você pode ter um meio correto de viver mas, se você for interiormente insuficiente e pobre, será uma fonte de desgraça para si mesmo e, portanto, também para os outros; você se tornará insensato, violento, auto-afirmativo. Sem a liberdade interior da realidade você não terá alegria, não terá paz. Apenas na busca e descoberta dessa realidade interior é que podemos não só nos contentar com pouco, mas também estar conscientes de algo que existe além de qualquer medida. Isso é o que precisa ser buscado em primeiro lugar e, se isso acontecer, seguindo seu exemplo, tudo o mais tornar-se-á realidade.

Essa liberdade interior de realidade criativa não é um dom; deve ser descoberta e experimentada. Não é uma aquisição que você deva agregar a você mesmo para com ela se vangloriar. Trata-se de um estado de ser, como o silêncio, no qual não existe transformação, no qual existe a completude. Essa criatividade não precisa, necessariamente, procurar expressar-se; não se trata de um talento que exija uma manifestação exterior. Você não precisa ser um grande artista nem ter uma grande audiência; se você estiver em busca disso, perderá essa realidade interior. Não se trata de um dom, nem é o resultado de um talento; esse tesouro imperecível precisa ser encontrado quando o pensamento se libertar da concupiscência, do desejo mau e da ignorância, quando o pensamento se libertar das coisas mundanas e da ambição pessoal de vir-a-ser. Deve ser experimentada através do pensamento e da meditação adequadas. Sem essa liberdade interior da realidade, a existência é dor. Tal como um homem sedento busca água, assim devemos buscar. Apenas a realidade pode aplacar a sede de impermanência.

Krishnamurti - Sobre o viver correto


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill