[...] PERGUNTA:
Podeis dizer-nos o que entendeis pelas palavras “nossa vocação”? Parece-me que
entendeis coisa diferente da significação comum das palavras.
Krishnamurti: cada um de nós segue uma dada vocação — o
advogado, o militar, o policial, o negociante, etc. É bem óbvio que há certas
profissões prejudiciais à sociedade: o advogado, o militar, o policial, o
negociante que não cuida de tornar outros homens igualmente ricos.
Quando desejamos, quando escolhemos uma dada vocação,
quando estamos educando os filhos para seguirem uma determinada profissão, não
estamos criando um conflito com a sociedade? Escolheis uma profissão, e eu
escolha outra; e isso não faz nascer conflito entre nós dois? Não é isso o que
está acontecendo no mundo, visto que nunca pudemos achar a nossa verdadeira
vocação? Estamos apenas sendo condicionados pela sociedade, por uma determinada
civilização, a aceitar certas profissões, que geram competição e ódios entre os
homens. Sabemos disso, estamo-lo vendo.
Ora, existe alguma outra maneira de viver, em que vós e eu
possamos exercer as nossas verdadeiras vocações? Não existe uma vocação única
para o homem? Tende a bondade de prestar atenção, Senhores. Há vocações
diferentes para o homem? Vemos que há: um é funcionário de escritório, outro
engraxate; um é engenheiro, outro político. Vemos que há inúmeras variedades de
profissões e que todas elas estão em conflito entre si. Assim, pois, por causa
da sua vocação o homem está em conflito com o homem, o homem odeia o homem.
Sabemos disso. São-nos familiares esses fatos da vida, de cada dia. Pois bem,
vejamos se não existe uma só vocação para o homem. Se
pudermos descobri-la, então a expressão de diferentes capacidades não produzirá
conflito entre os homens. Eu afirmo existir apenas uma vocação para o homem.
Uma só, e não muitas. A vocação do única do homem é a de descobrir
o que é o Real. Senhores, não vos
mostreis espantados; isto não é uma asserção mística.
Se estamos, vós e eu, aplicados a descobrir o que é a
Verdade, o que constitui a nossa verdadeira vocação, então, nessa busca, não
haverá competição entre nós. Não competirei convosco, não lutarei contra vós,
ainda que expresseis essa verdade de maneira diversa. Podeis ser Primeiro Ministro,
mas eu não serei ambicioso e não desejarei tomar-vos o posto, porque estou
buscando, do mesmo modo que vós, a Verdade. Por conseguinte, enquanto não
descobrirmos aquela verdadeira vocação do homem, estaremos necessariamente em
competição uns com os outros, e haveremos de odiar-nos mutuamente; e, sejam
quais forem as leis que promulgardes, nesse nível só podeis produzir mais caos.
Não é possível, pois, desde a infância, mediante educação
adequada, ministrada por verdadeiros educadores, ajudar o jovem, o estudante, a
ser livre, para descobrir o que é a Verdade, a Verdade relativa a todas as coisas,
e não simplesmente a Verdade em abstrato; descobrir a Verdade existente em
todas as relações — a relação do jovem com a máquina, com a natureza, com o
dinheiro, com a sociedade, o governo, etc.? Requer isso, não achais, — uma
outra espécie de preceptores, cujo interesse seja o de ajudar o jovem, o
estudante, dando-lhe liberdade, para que seja capaz de descobrir a maneira de
cultivar uma inteligência nunca suscetível de ser condicionada por uma
sociedade em perene decomposição.
Não existe, pois, uma vocação para o homem? O homem não
pode existir no isolamento; ele só existe em relação. E quando, nessas relações,
não há o descobrimento da Verdade respeitante ao estado de relação, há então conflito.
Há tão-somente uma vocação para vós e para mim. E na busca
dessa vocação encontraremos a expressão em que não entraremos em conflito um
com o outro, em que não nos destruiremos mutuamente. Mas tudo deve começar, sem
dúvida, pela educação correta, ministrada por educador adequado. O educador
também necessita de educação. Fundamentalmente, o verdadeiro preceptor não é
meramente um homem que transmite conhecimentos, mas aquele que faz nascer no
estudante a liberdade, a revolta que o habilitará a descobrir o que é a
Verdade.
Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria