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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Uma mente não mais perturbada pela ignorância

É sobremodo difícil compreender os meandros e as complexidades das relações humanas. Mesmo quando temos muita intimidade com uma pessoa, é muitas vezes dificílimo e quase impossível conhecer-lhes os verdadeiros sentimentos e pensamentos. Isso se torna menos difícil quando há afeição, quando há amor entre duas pessoas, porque há então comunhão imediata, simultânea e no mesmo nível; mas essa comunhão é negada, quando ficamos apenas discutindo ou apenas ouvindo no nível verbal. É dificílimo estabelecer essa comunhão entre eu e você, porque não há comunhão, não há verdadeiro entendimento entre nós. 

A comunhão deixa de existir quando há temor ou preconceito, porque nesse caso entra em funcionamento o mecanismo de defesa. Talvez eu veja as coisas de maneira diferente daquela a que você está habituado, e desejo estar em comunhão com você, desejo comunicar-lhe o que vejo. Posso não ver com exatidão ou de maneira completa; mas, se deseja examinar o que estou lhe comunicando, deve, de sua parte, estar aberto, receptivo. 

Não estou me ocupando com ideias. As ideias, para mim, não têm significação alguma. Ideias não produzem revolução, ideias não produzem regeneração; e é a regeneração que é essencial. A comunicação de ideias é relativamente fácil, mas o comungarmos uns com os outros, além do nível verbal, é sobremaneira difícil. 

O que devemos estabelecer entre nós não é uma comunhão imaginária, uma comunhão mística, mas uma comunhão que só é possível quando nós dois estamos seriamente interessados em descobrir a verdade que resolverá nossos problemas. Quanto a mim, creio em uma realidade que existe de momento em momento e que, absolutamente, não se encontra na esfera do tempo. Essa realidade representa a única solução aos múltiplos problemas da nossa vida. Quando uma pessoa percebe essa realidade, ou quando ela surge, ele é um fator de libertação; mas nenhuma soma de argumentação intelectual, de disputa, de conflito econômico, social ou religioso, resolverá os problemas gerados pela mente. 

Para haver comunicação temos que comungar uns com os outros, e para tal precisamos estar abertos e receptivos, não aceitando nem negando, mas investigando.  Você e eu estamos em relação, não estamos vivendo isoladamente. A verdade não é algo separado do estado de relação. As relações constituem a sociedade, e na compreensão das relações entre você e a sua esposa, entre você e a sociedade, você encontrará a verdade, ou melhor, a verdade virá até você, trazendo-lhe a libertação de todos os problemas. Você não pode achar a verdade; deve deixá-la vir até você; e para que isso aconteça requer-se uma mente não mais perturbada pela ignorância.

Ignorância não significa a falta de conhecimentos técnicos, a falta de leitura de muitos livros filosóficos: ignorância é a falta de conhecimento próprio. Ainda que uma pessoa tenha lido muitos livros filosóficos e sagrados e seja capaz de citá-los, essas citações, que representam uma acumulação de palavras e experiências alheias, não libertam a mente da ignorância. Surge o autoconhecimento ao investigarmos e experimentarmos as tendências dos nossos próprios pensamentos, sentimentos e atos, o que significa estarmos cônscios de nosso "processo" total, nas relações, instante por instante. 

O autoconhecimento, do qual trataremos mais adiante, dá-nos a exata perspectiva de qualquer de nossos problemas, e a exata perspectiva é a compreensão da verdade contida no problema; e essa compreensão, inevitavelmente, produzirá ação, nas relações. Por conseguinte, o autoconhecimento não se opõe à ação, não a nega. O autoconhecimento revela a perspectiva correta, ou seja a verdade contida no problema, da qual resulta a ação — essas três coisas estão sempre relacionadas entre si; não são separadas. Não há ação verdadeira sem autoconhecimento. Se não me conheço a mim mesmo, é óbvio que não tenha base para a ação; o que faço é uma mera atividade, reação de uma mente condicionada, e portanto sem significação. Uma reação condicionada não pode nos libertar nem colocar ordem no caos. 

Ora, o mundo e o indivíduo são um "processo" único, não são opostos uma ao outro; e o homem que está tentando resolver seus próprios problemas, que são os problemas do mundo, necessita evidentemente de uma base para o seu pensar. Acho bastante claro isso. Se não me conheço a mim mesmo, falta-me a base para pensar; se, desconhecendo-me a mim mesmo, ponho-me em atividade, essa atividade só poderá gerar sofrimentos e confusão — exatamente o que está sucedendo no mundo, nos tempos atuais. 

Nessas condições, a investigação que nos leva ao autoconhecimento não é um processo de isolamento, não é uma fantasia nem luxo de asceta. Pelo contrário, é uma necessidade evidente para o homem do mundo, para o pobre e o rico, e para aquele que deseja resolver os problemas do mundo. Julgo importantíssimo compreender que este mundo é produto de nossa existência diária, e que o ambiente criado por nós não é independente de nós. O ambiente existe, e não podemos transformá-lo sem nos transformarmos a nós mesmos; e para isso, devemos compreender os nossos pensamentos, sentimentos e atos, na vida de relação. 

Os economistas e os revolucionários querem alterar o ambiente sem alterar o indivíduo; mas a simples alteração do ambiente, sem a compreensão de nós mesmos, não tem significação alguma. O ambiente é produto dos esforços do indivíduo, estando um e outro relacionados entre si; não se pode alterar um deles, sem alterar também o outro. Você e eu não estamos isolados; somos o resultado do "processo" total, o produto de toda a humanidade, quer vivamos na Índia, no Japão ou na América. A soma de toda a humanidade sou eu e você. Podemos estar conscientes ou inconscientes desse fato. Para se realizar uma transformação revolucionária na estrutura da sociedade, deve cada indivíduo compreender-se a si mesmo como um "processo" total, e não como uma entidade separada, isolada. 

(...) Mas deve ficar bem claro, para o homem que sente real interesse, que não pode haver uma revolução completa no mundo num nível único, econômico ou espiritual. Uma revolução total, uma revolução fecunda, só será possível se você e eu nos compreendermos como um "processo" total. Você e eu não somos indivíduos isolados, mas, sim, o resultado de toda a luta da humanidade, com suas ilusões, suas fantasias, desejos, ignorância, diferenças, conflitos e misérias. Não podemos começar a alterar as condições do mundo antes de termos compreendido a nós mesmos. Se você perceber isso, dar-se-á, dentro de você, imediatamente, uma completa revolução. Então, é desnecessário o guru, porque o autoconhecimento se processa minuto por minuto: não é uma acumulação de coisas ouvidas de outrem, nem se encerra nos preceitos dos religiosos.

Quando o indivíduo está descobrindo-se a si mesmo, instante por instante, em suas relações com outras pessoas, essas relações assumem significado inteiramente diverso. As relações transformam-se em revelação, em constante "processo" de autodescobrimento; e desse autodescobrimento resulta a ação.

(...) O mero citar de autoridades não representa autoconhecimento, descobrimento do "processo" do "eu", e por conseguinte, de nada vale. Você tem de começar como se nada soubesse, pois só assim realizará um descobrimento fecundo e libertador; só assim encontrará, com seu descobrimento, a felicidade e a alegria. Mas nós, a maioria de nós, vivemos de palavras; e as palavras, tal como a memória, são produto do passado. Um homem que vive no passado não pode compreender o presente.

(...) Enquanto não nos compreendermos a nós mesmos, caminharemos sempre de um conflito para outro. Nada se pode criar quando há conflito; a criação só é possível quando cessa o conflito. Para um homem que vive numa batalha constante consigo mesmo e com seu próximo, nunca haverá a possibilidade de regeneração — ele só pode ir de reação em reação. Só pode vir a regeneração quando estamos livres toda reação, e essa liberdade só pode nascer do autoconhecimento.

Krishnamurti em, A ARTE DA LIBERTAÇÃO

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Não importa se você morrer de fome

Pergunta: É prático um homem libertar-se de toda sensação de medo e ao mesmo tempo permanecer na sociedade?

Krishnamurti: O que é a sociedade? Um conjunto de valores, uma série de normas, regras e tradições, não é mesmo? Você vê essas condições de fora e diz: "Posso ter um relacionamento prático com tudo isso?" Por que não? Afinal, se você simplesmente se enquadrar nesse esquema de valores, por acaso será livre? E o que entende por "prático"? Isso quer dizer ganhar o próprio sustento? Há muitas coisas que você pode fazer para ganhar o seu sustento; e se você for livre não poderá escolher o que quer fazer? Não será isso prático? Ou você consideraria prático esquecer a própria liberdade e apenas ajustar-se ao quadro, tornar-se advogado, banqueiro, comerciante ou varredor de ruas? Certamente, se você for livre e tiver cultivado a própria inteligência, descobrirá o que lhe será melhor fazer. Colocará de lado todas as tradições e fará algo que verdadeiramente goste de fazer, independente da aprovação ou reprovação de seus pais ou da sociedade. Porque você é livre, tem inteligência, e fará alguma coisa que é totalmente sua, você agirá como um ser humano integrado.

(...)

Pergunta: Como podemos ter nossas mentes livres quando vivemos numa sociedade cheia de tradições? 

Krishnamurti: Em primeiro lugar, você precisa ter a necessidade, a exigência de ser livre. É como o desejo que o pássaro tem de voar, ou o desejo de correr das águas. Você tem essa necessidade de ser livre? Se tiver, o que acontecerá? Seus pais e a sociedade procurarão forçá-lo a enquadrar-se num molde. Poderá resistir-lhes? Você encontrará aí alguma dificuldade, porque tem medo. Tem medo de não obter emprego, de não encontrar o marido certo ou a esposa adequada; tem medo de passar fome ou de que os outros falem de você. Embora queira ser livre, você tem medo, de modo que não vai resistir. Seu medo do que possam dizer ou do que seus pais possam fazer o bloqueia e, desse modo, vê-se forçado a ajustar-se ao molde. 

Ora, será que você pode dizer: "Eu quero saber, e não me importa se morrer de fome. Haja o que houver vou lutar contra as barreiras desta sociedade podre, porque quero ser livre para descobrir coisas? " Você pode fazer isto? Quando sente medo pode enfrentar todas as barreiras, todas essas imposições? 

Assim, é muito importante que a criança, desde a mais tenra idade, seja ajudada a ver as implicações do medo e a libertar-se dele. No momento em que você tem medo, cessa a liberdade. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A mente revoltada

O indivíduo, embora a sociedade, a religião e os governos não reconheçam esse fato, tem a maior importância. Você é muito importante porque você é o único meio que existe de expandir a explosiva criatividade do real. Vocês representam o caldo de cultura em que esta realidade pode vir a concretizar-se. Devem, contudo, ter observado que todos os governos, todas as religiões e sociedades organizadas, embora não deixem de reiterar a importância do indivíduo, tentam fazer tabula rasa da Porém a mente que está meramente organizada segundo um certo padrão de crenças, arcada ao peso dos costumes, da tradição, do conhecimento, não é uma mente individual. Uma mente individual só pode existir quando você deliberadamente, conscientemente, com todo o seu sentimento, põe de lado todas essas influências pelo fato de lhe ter entendido o significado, o valor superficial. Só então passa a existir a mente individual criativa.alma individual, do sentimento individual porque a eles interessa o sentimento coletivo, a reação da massa.

É incrivelmente difícil separar o indivíduo da massa e, no entanto, sem essa separação, não é possível existir realidade. De forma que o verdadeiro indivíduo não é aquele que tem um nome, certas respostas emotivas, certas reações habituais, algumas propriedades e assim por diante, mas sim aquele que se esforça por transpor todo esse emaranhado de idéias, de acúmulo de tradições, que põe tudo isso de lado e tenta descobrir a razão, o fulcro, o centro da miséria humana. Tal pessoa não se apóia em livros, em autoridades, em costumes muito conhecidos, pelo contrário, rejeita-os e começa a questionar — é esse o verdadeiro indivíduo. A maioria de nós repete, aceita, segue, imita, obedece — não é mesmo? — porque para nós obediência transformou-se em lei — obediência em casa, obediência ao texto, obediência ao guru, ao professor e assim por diante — e nessa obediência sentimos firmeza, segurança. Atualmente, porém, a vida não tem firmeza, não tem jamais segurança, é a coisa mais incerta. E, pelo fato de ser incerta, ela é também profundamente rica, incomensurável. Mas a mente, em sua busca, procura proteção e segurança e, por conseguinte, obedece, segue e imita; e esse tipo de mente não é, em absoluto, uma mente individual.

Nós, de um modo geral, não somos indivíduos embora tenhamos nossos próprios nomes, nosso próprio corpo, porque, por dentro, nosso estado mental está vinculado ao tempo, arcado ao peso dos costumes, da tradição e da autoridade — autoridade do governo, autoridade da sociedade, autoridade do lar. Essa mente não é uma mente individual; a mente individual está longe de tudo isso; está fora dos padrões da sociedade. A mente individual é uma mente revoltada e, por conseguinte, não busca segurança. Mente revolucionária não é o mesmo que mente revoltada. A mente revolucionária visa alterar as coisas de acordo com um certo padrão, e essa mente não é uma mente revoltada, não é uma mente que esteja insatisfeita consigo mesma.

Não sei se vocês já observaram que coisa extraordinária é a insatisfação. Vocês conhecem muitos jovens insatisfeitos. Eles não sabem o que fazer; sentem-se miseráveis, infelizes, revoltados, buscando isto, tentando aquilo, fazendo perguntas intermináveis. Mas quando crescem, arrumam um emprego, casam e esse é o fim de tudo. Sua insatisfação fundamental é canalizada e, depois, a infelicidade assume o comando. Quando jovens, seus pais, seus mestres, a sociedade, todos lhe dizem que não se sintam insatisfeitos, que descubram o que querem fazer e o façam — tudo, porém, dentro dos padrões. Esse tipo de mente não é revoltada e você precisa de uma mente realmente revoltada para encontrar a verdade — não de uma mente conformada. Revolta significa paixão.

De forma que é muito importante ser um indivíduo e só existe individualidade através do autoconhecimento: conhecer a si próprio, saber por que você imita, por que você se conforma, por que você obedece. Você obedece porque tem medo, não é verdade? Devido ao desejo de sentir segurança, para ter mais poder, mais dinheiro ou mais disto ou mais daquilo, você se conforma. Mas para descobrir o que você chama de Deus, para descobrir se existe ou não essa realidade, precisa existir o indivíduo, um indivíduo que esteja morto para o passado, que esteja morto para o conhecimento, morto para a experiência; precisa existir uma mente que seja inteiramente, totalmente nova, pura, inocente. Religião equivale à descoberta do que é real, o que significa que você deve descobrir e não seguir alguém que diga ter descoberto e deseje lhe falar a respeito. É preciso existir uma mente que acolha essa realidade, não uma mente que simplesmente aceite essa realidade oralmente e que se conforme com essa idéia de realidade na esperança de se sentir seguro.

Existe, pois, uma diferença entre saber e sentir, e acho muito importante entendê-la. Para nós são suficientes as explicações, isto é, “saber”. Dizemos: “Eu sei que sou ambicioso, sei que sou invejoso, sei que odeio”, mas saber não significa estar livre da coisa. Você pode saber que odeia, mas o verdadeiro sentimento de ódio e o libertar-se dele são coisas completamente diferentes da busca de sua explicação e de sua causa, não é mesmo? Isto é, saber que sou chato, estúpido e estar realmente consciente do sentimento da minha estupidez, da minha chatice, são duas coisas completamente diferentes. Sentir envolve uma grande dose de vitalidade, uma grande dose de força, de vigor, ao passo que saber representa apenas uma abordagem parcial da vida, não uma abordagem global. Você pode saber botanicamente como é constituída uma folha, mas senti-la, cheirá-la, vê-la realmente requer uma grande dose de penetração — de penetração para dentro de si mesmo. Não sei se alguma vez você teve uma folha entre as mãos e contemplou-a. Vocês são todos cidadãos urbanos, todos muito ocupados consigo mesmos, com seu progresso, com seu sucesso, suas ambições, invejas, com seus líderes, seus pastores, e com mais um monte de tolices. Isso é trágico porque, se vocês soubessem sentir profundamente, sentiriam muito amor, fariam alguma coisa, agiriam com todo o seu ser; mas se vocês apenas sabem que existe pobreza, apenas trabalham intelectualmente para removê-la, como funcionário do governo federal, estadual ou municipal, sem recorrer ao sentimento, o que vocês fazem tem muito pouca importância.

Vocês sabem, a paixão é fundamental à compreensão da verdade — estou empregando a palavra paixão em sua ampla acepção — porque é essencial sentir fortemente, sentir profundamente, com a totalidade do seu ser; de outro modo, essa estranha coisa chamada realidade jamais virá a seu encontro. Mas suas religiões, seus santos afirmam que vocês não devem ter desejos, que devem controlar, reprimir, superar, destruir, o que equivale a irem ao encontro da verdade arrasados, desgastados, escravizados, mortos. Vocês precisam sentir paixão para enfrentar essa estranha coisa chamada vida e vocês não podem sentir paixão — que é sentimento intenso — se estão hipnotizados pela sociedade, pelos costumes, enroscados em crenças, dogmas, rituais. Portanto, para entender essa luz, essa verdade, essa realidade incomensurável, precisamos, antes de tudo, entender aquilo que chamamos religião e livrar-nos dela — não com palavras, não com o intelecto, não com explicações, mas livrar-nos realmente; porque liberdade — não sua liberdade intelectual, mas o verdadeiro estado de liberdade — confere vitalidade. Depois de vocês terem caminhado através de toda essa bobagem, depois de terem posto de lado todas essas coisas confusas, tradicionais, imitativas, a mente se sentirá livre, a mente estará alerta, a mente sentirá paixão. E só essa mente é capaz de ir avante.

Então, que nos seja permitido, como indivíduos, porque se trata de mim e de vocês, não da massa — essa coisa de massa não existe senão como concepção política —, que nos seja permitido descobrir o que queremos significar com religião. O que ela representa para a maioria de nós? Não é a crença em algo, em uma divindade supra-humana que nos controla, nos molda, nos dá esperança e nos dirige? Erguemos a essa entidade nossas preces, oferecemos nossos rituais; em seu nome sacrificamos, propiciamos, oramos e imploramos e “O” consideramos como nosso “Pai”, para nos ajudar em nossas dificuldades. Para nós, religião, não são os dizeres dos templos, a cruz das igrejas, nem as imagens esculpidas nos templos pela mão do homem — mas também a imagem talhada pela mente, a idéia. De forma que, para nós, religião é obviamente um meio de escapar às nossas mágoas cotidianas, à nossa confusão diária. Não entendemos as desigualdades, as injustiças, a morte, os sofrimentos constantes, as lutas, o desespero, a desesperança e nos voltamos aos deuses, aos rituais, às missas e orações, procurando assim encontrar algum lenitivo, algum consolo. E, nesse processo, os santos, os filósofos, os livros nos oprimem com suas interpretações, seus costumes e tradições particulares. É nosso modo de viver, não é? Se vocês fizerem um exame de consciência, não concordarão que estas são as linhas mestras da religião? É uma coisa construída pela mente para o conforto da mente, não algo que proporcione riqueza interior, plenitude de vida e paixão por viver. Sabemos disso — e aqui, novamente, surge a diferença entre saber e sentir. Saber da falsidade das religiões instituídas é uma coisa, mas percebê-lo, abandonar tudo, pôr tudo de lado, requer uma grande dose de profundo e verdadeiro sentimento. Então, a questão — para a qual não há uma resposta fácil — reside em como largar a coisa, morrer para ela, morrer para todas as explicações, para todos esses falsos deuses, porque todos os deuses construídos pela mente e pelas mãos são falsos. Nenhuma explicação pode fazer com que você ponha termo a isso.

O que fará, portanto, com que você ponha termo a tudo isso, o que o fará dizer “agora eu largo tudo isso”? Nós, de um modo geral, abrimos mão de uma coisa para alcançar outra que julgamos melhor e, a isso, damos o nome de renúncia. Mas isso, sem dúvida, não é renúncia. Renunciar significa desistir de saber o que o futuro nos reserva, desistir de saber qual será o amanhã. Se eu abro mão de alguma coisa, sabendo o que o futuro me reserva, faço simplesmente uma troca, uma operação de mercado — o que não tem valor. Quando chega o momento da morte física, você não sabe o que o espera — é um ato final. Igualmente, abrir mão de, pôr totalmente de lado, morrer seriamente para tudo o que chamamos de religião, sem saber o que vai acontecer — você já tentou isso? Não sei se representa um problema para você, mas deve, indubitavelmente, constituir problema para alguém que esteja alerta, que esteja absolutamente consciente do porquê de existir tanta injustiça no mundo. Por que alguns andam de carro, enquanto outros andam a pé? Por que existe fome, pobreza e também imensas fortunas? Por que há homens de posição, de autoridade, de poder, mantendo esse poder à custa de crueldade? Por que morre uma criança? Por que está disseminada essa miséria intolerável? O homem que faz essas perguntas precisa estar, realmente, muito aflito, não encontrando nenhuma estúpida explicação para isso — uma causa econômica, política ou social. É óbvio que o homem inteligente precisa apegar-se a algo muito mais sério que meras causas explicativas. E é aí que reside nosso problema.

O primeiro e mais importante aspecto está em não se satisfazer com explicações, não se contentar com a palavra karma, não se satisfazer com filosofias astutas, mas em compreender, em sentir plenamente que existe esse enorme problema que nenhuma simples explicação pode extinguir. Se você tiver capacidade para sentir isso, verá que, em sua mente, ocorrerá uma revolução. De um modo geral, se não podemos encontrar uma solução para o mistério, tornamo-nos amargos, cínicos ou elocubramos uma teoria filosófica baseada em nossa própria frustração. Eu, porém, estou diante do fato de existir sofrimento, morte, deterioração e se a mente estiver aliviada de todas as explicações, de todas as soluções, de todas as respostas, confrontar-se-á, diretamente com a coisa em si, mas, curiosamente, nossa mente jamais permitirá que essa percepção direta tenha lugar.

Existe, então, uma diferença entre entender e saber, amar e sentir. Amar e sentir não significam devoção; você não pode chegar à realidade através da devoção. Mergulhar total e absolutamente em uma idéia recebe, via de regra, o nome de devoção, mas exclui a realidade porque, quando você se dedica inteiramente a uma coisa, você está, simplesmente, se identificando com essa coisa. Amar seus deuses, repetir certas palavras, adornar seu guru com guirlandas, entrar em transe em sua presença, derramar lágrimas — você pode fazer tudo isso pelos próximos mil anos, mas jamais descobrirá a realidade. Perceber, sentir, amar uma nuvem, uma árvore, um ser humano, demanda uma enorme atenção e como você pode se dedicar a isso se sua mente está distraída com a aquisição de conhecimentos? O conhecimento é útil tecnologicamente — e nada mais. Se um médico não sabe operar, é melhor ficar longe dele. O conhecimento é necessário até um dado nível, em uma certa direção, mas não é a resposta definitiva para nossa miséria. A solução definitiva para nossa miséria está nesse sentimento, nessa paixão que nasce da ausência de si mesmo, quando você esquece de tudo que você é. Esse tipo de paixão é imprescindível para sentir, entender, amar.

A realidade não é intelectual; mas desde a infância, através da educação, através de todas as assim chamadas formas de aprendizado, desenvolvemos uma mente arguta, competitiva, sobrecarregada de informações — como acontece com advogados, políticos, técnicos, especialistas. Nossas mentes foram trabalhadas, buriladas, o que se transformou no objetivo mais importante a alcançar e, com isso, todo o nosso sentimento feneceu. Você não tem pena do homem pobre em sua amargura, não se sente jamais feliz ao ver um ricaço guiando seu belo carro; não fica encantado ao ver um lindo rosto; não sente emoção diante do arco-íris, ou do esplendor de um gramado verdinho. Estamos tão absorvidos em nosso trabalho, em nossas misérias, que não temos um momento de lazer para sentir o que é amar, para ser bom, generoso. E, no entanto, desprovidos de tudo isso, queremos saber o que é Deus!... Que coisa incrivelmente estúpida e infantil! De forma que se torna muito mais importante para o indivíduo viver — não reviver; você não pode reviver sentimentos mortos, a glória que passou. Mas não podemos acaso viver intensamente, plenamente, prodigamente mesmo que só por um dia? Pois tal dia abrangeria um milênio. Não se trata de fantasia poética. Você compreenderá isso quando tiver vivido um dia pleno, no qual não existe tempo, nem futuro, nem passado — você conhecerá então a plenitude conferida por esse estado extraordinário. Esse modo de viver não tem nada a ver com o conhecimento.

* Extraído do registro textual da nona palestra proferida em público em Bombaim, 24 de dezembro de 1958, in Collected Works of J. Krishnamurti, 1992 Krishnamurti Foundation of America.
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill