Por que a mente é
de esquerda ou de direita?
PERGUNTA: A
luta básica, através da história e como a presenciamos no mundo moderno, parece
ser o choque entre as forças da tradição e o conservantismo, de um lado, e as forças
progressistas, de outro lado. Que lado devemos apoiar, na grande batalha pela
promoção do bem-estar humano?
KRISHNAMURTI: Não é possível considerarmos este
problema sem tomarmos partidos? Porque no momento em que tomamos partido, já
não temos uma perspectiva “integrada”, já não somos livres. Se sois
progressista e eu conservador, chocamo-nos um com o outro, somos antagonistas.
Em vez de considerarmos o problema do vosso ponto de vista ou do meu ponto de
vista, não seria preferível descobrirmos o que é que faz a mente ser
conservadora ou progressista? Compreendeis o problema? Se eu sou conservador e vós
sois progressista, estaremos inevitavelmente em conflito. Eu desejo conservar,
reter, manter as coisas o mais possível como estão; e vós desejais reformar,
revolucionar. Ficamos numa batalha constante um contra o outro e, consequentemente,
jamais resolvemos o problema. Mas se vós e eu estamos muito interessados em
resolver o problema humano, então não seremos nem progressistas nem
conservadores; estaremos interessados no problema em si, e não em como vós o
considerais e como eu o considero. Espero que a questão esteja agora clara; mas
a questão nunca estará clara, se já tomamos partidos. Examinemos, pois, a
mentalidade conservadora e a mentalidade progressista.
Tanto o conservador como o progressista desejam
mudança. Isso é óbvio. Só o homem mais estúpido e mais totalmente cego pode não
desejar mudança nenhuma. Os que possuem todas as coisas mundanas — um grande
depósito no banco, conforto, luxo — que estão satisfeitos e querem tudo bem
protegido, esses não desejam mudanças. Já os que observam, os que estão
cônscios do problema mundial (não apenas do problema americano ou do problema
hindu) os que veem toda essa luta humana — todos esses desejam mudanças. Há
miséria na Ásia, de que não fazeis ideia. Milhões e milhões de pessoas a
alimentarem-se uma vez por dia, e às vezes nem isso sequer. Há fome, doença,
superstição, a degradação da pobreza, excesso de nascimentos, aumento de
população, solo pobre. Essas coisas bradam por mudança. E também, obviamente,
há necessidade de transformação, com respeito à guerra. Urge fazer-se algo para
acabar-se com todas as guerras, a fim de que os homens sejam livres para
educar a si mesmos, viver pacificamente, em boa harmonia, criadoramente. Assim
sendo, todos nós — conservadores e progressistas — se refletimos um pouco,
temos de desejar mudança.
O problema, portanto, não é de se devemos apoiar o
conservador ou o progressista, mas de como promover a mudança. Não é isso?
Tende paciência; pode-se responder superficialmente; mas eu desejo considerar este
problema fundamentalmente, profundamente. Qual é o fator da transformação? As
revoluções geram transformações? Houve revoluções no passado, a Revolução
Francesa, e outras mais recentes; e elas produziram alguma transformação?
Poderão ter produzido superficiais modificações políticas, não uma
transformação básica da mente e do coração, uma transformação fundamental,
“integrada”, na qual o indivíduo deixasse de ser nacionalista, deixasse
de ser francês, russo, alemão, hindu, e se tornasse um ente humano integrado.
Nessas condições, quando investigamos a questão da transformação, da revolução,
não devemos perguntar se a mente — sem se levar em conta se ela é conservadora
ou progressista — é capaz de efetuá-la? A mudança, a revolução resulta de um “mecanismo”
da mente, ou acontece de uma maneira de todo diferente? Já observastes como vos
modificais, como indivíduo humano? Quando vos modificais? Não é certamente
quando estais tentando modificar-vos pela ação do pensamento; modificais-vos,
quer queirais quer não, quando a mente não está planejando fazê-lo.
É importantíssimo compreender-se isso, e peço-vos
tenhais paciência para investigá-lo. Se sou ganancioso, invejoso, como posso
modificar-me? Posso modificar-me por volição? Quando procuro libertar-me da
avidez, esse próprio esforço não resulta da avidez, sob outra forma? Quando
digo “não devo ser ávido”, porque o digo? Porque o ser ávido já não compensa,
causa-me sofrimento e, portanto tenho agora um móvel diferente, um impulso
diferente, há uma sensação nova que desejo alcançar; por conseguinte,
rejeitando a avidez, sou ainda ávido. Enquanto a mudança resultar do pensamento,
não
é mudança — não importando se esse pensamento é conservador ou
progressista. A transformação, a revolução só é realizável quando o pensamento
calculista deixou de existir. Refleti bem sobre isso e vede a verdade que
encerra. A modificação produzida pelo pensamento, pelo cálculo, é uma
continuidade modificada. Todas as revoluções políticas são meramente
continuidade modificada, reação ao passado, e, por conseguinte, não constituem
mudança nenhuma.
Nessas condições, se lhes interessa a mudança,
devem, tanto o progressista como o conservador, indagar se o pensamento é capaz
de promovê-la. Realiza-se a transformação quando há percepção do que é verdadeiro;
e a percepção do que é verdadeiro não procede da mente. A mente pode
traduzir a história de acordo com seus próprios preconceitos, de acordo com
seus instintos burgueses ou proletários; mas a revolta dos que nada têm, bem
como o conservantismo dos que têm tudo, é sempre uma reação; e
reação não é transformação. Vem a transformação quando a mente percebe
o que é verdadeiro; e ela não poderá percebê-lo enquanto continuar a pensar com
a mentalidade do progressista ou do conservador. Vós e eu devemos estar
interessados diretamente no problema da transformação. A transformação não se
pode operar por nenhum ato de vontade, por nenhuma aplicação do saber; só se
realiza quando a Realidade é percebida por vós e por mim. E a Realidade pode ser
percebida apenas, quando a mente já não é um instrumento de reação, quando já
não sonha com Utopias nem deseja conservar tudo como está. Só há transformação
quando vós e eu somos verdadeiramente religiosos. Esta é a única revolução, a
única transformação permanente.
Krishnamurti em,
Percepção Criadora,
5 de julho de 1953
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