(...) O que irá acontecer a todos nós, jovens e velhos — que iremos fazer das nossas vidas? Deixaremo-nos absorver por esta voragem da respeitabilidade convencional, com a sua moralidade social e econômica, tornaremo-nos parte da chamada sociedade culta, com todos os seus problemas, a sua confusão e suas contradições? Ou iremos fazer da nossa vida uma coisa inteiramente diferente? este é o problema que está perante a maior parte das pessoas.
Somos educados, não para compreender a vida como um todo, mas para desempenhar um papel particular nesta totalidade que é a existência. Estamos pesadamente condicionados desde a infância para "alcançar" alguma coisa nesta sociedade, para ter sucesso e para nos tornarmos burgueses completos. O intelectual sensível geralmente revolta-se contra um tal padrão de existência. Na sua revolta pode fazer várias coisas: ou se torna anti-social e contra a política, toma drogas e vai atrás de qualquer crença religiosa, estreita e sectária, ou se torna um ativista, um comunista (por exemplo), ou ainda, dá-se inteiramente a alguma religião exótica como o budismo ou o hinduísmo. E tornando-nos sociólogos, cientistas, artistas, escritores, ou, se estivermos capacitados para isso, filósofos, fechamo-nos num círculo e pensamos ter resolvido o problema. Imaginamos então ter compreendido a totalidade da existência e ditamos aos outros o que deveria ser a vida, de acordo com a nossa tendência particular, a nossa idiossincrasia, e segundo o ângulo do nosso conhecimento especializado.
Quando observamos o que é a vida com a sua enorme complexidade e confusão, não apenas nas esferas econômica e social, mas também na esfera psicológica, temos de perguntar-nos — se somos realmente sérios — que papel vamos ter em tudo isto. Que vou fazer como ser humano a viver neste mundo, e não a fugir para alguma existência de fantasia ou para algum mosteiro?
Ao vermos todo este quadro com toda a clareza, qual vai ser então o nosso comportamento, o que vamos fazer da nossa vida? esta questão tem sempre de por-se, quer estejamos dentro do sistema, quer apenas à beira de entrar nele. Por isso, parece-me, temos inevitavelmente de perguntar: Qual a finalidade da vida? E como ser humano razoavelmente saudável do ponto de vista psicológico, que não é totalmente neurótico, que está vivo e ativo: Que papel terei em tudo isto? Que papel ou que parte me atrai? E se me sinto apenas atraído para um fragmento ou uma secção determinados, tenho então de ter consciência do perigo de tal atração, porque assim regressamos de novo à mesma velha divisão, que gera esforço, contradição e guerra.
Poderei então tomar parte na totalidade da vida e não apenas num segmento dela? Tomar parte na totalidade da vida não significa obviamente ter conhecimento completo de ciências — sociologia, matemática, etc. — da filosofia, assim por diante; isso seria impossível a não ser que se fosse um gênio.
Poderemos portanto criar psicologicamente, interiormente, um modo de viver totalmente diferente? Isto significa, como é óbvio, que todas as coisas exteriores nos interessam, mas que a revolução fundamental, radical, se realiza no campo psicológico.
Que podemos fazer para promover em nós próprios uma tão profunda mudança? Porque cada um e nós é a sociedade, é o mundo, é tudo o que está contido no passado. Assim, o problema é: Como podemos nós, vocês e eu, implicar-nos na totalidade da vida e não apenas numa das suas partes?
Krishnamurti em, O mundo somos nós