O homem procura algo para além do transitório. provavelmente desde tempos imemoriais, tem perguntado a si próprio se há alguma coisa que seja sagrada, alguma coisa que não pertença a este mundo, que não seja arquitetada pelo pensamento, pelo intelecto. Tem sempre querido saber se haverá uma realidade, um estado intemporal não inventado, não projetado pelo pensamento, um estado da mente em que o tempo realmente não existe; se haverá algo "divino", "sagrado", "santo" — se podemos usar essas palavras — que não seja perecível.
As religiões organizadas parecem ter dado a resposta. Dizem que existe uma Realidade, que há um Deus, que há algo que a mente não é capaz de medir. Começam então a organizar o que consideram ser o real, e o homem é desviado para o caminho errado. Talvez vocês se lembrem da história acerca do Diabo, que andava a passear com um amigo. Viram um homem à sua frente inclinar-se e apanhar alguma coisa do chão. Quando a apanhou e a olhou, tinha no rosto uma grande alegria. O amigo do Diabo perguntou a este o que é que o homem apanhara e o Diabo respondeu: "Foi a verdade." O amigo disse: "Isto é muito mau para você, não é?" E o Diabo respondeu: "De modo nenhum, vou ajudá-lo a organizá-la..."
O culto de uma imagem, criada pelas mãos ou pela mente, e os dogmas e rituais da religião organizada, com o eu sentido de beleza, são considerados muito veneráveis e sagrados. Assim o homem, na sua busca daquilo que está além de toda a medida, para além de todo o tempo, é iludido, logrado e aprisionado, porque está sempre na esperança de encontrar algo que não seja inteiramente deste mundo. Afinal, que é que as sociedades tradicionais, burocráticas, capitalistas ou comunistas, têm realmente para oferecer? Muito pouco além de alimentação, habitação e vestuário. Talvez se possam ter mais oportunidades para trabalhar ou se possa ganhar mais dinheiro, mas no aspecto mais profundo, quando se observa, essas sociedades têm muito pouco para dar; e a mente, se é de fato inteligente e acordada, recusa isto. Fisiologicamente, alimentação, habitação e vestuário são necessários, absolutamente essenciais. Mas quando isso se torna o mais importante, a vida perde então o seu maravilhoso sentido.
Assim, valeria a pena, esta tarde, gastarmos algum tempo a descobrir por nós mesmos se há realmente algo sagrado, algo não construído pelo pensamento, pelas circunstâncias, que não seja resultado da propaganda.
Valeria a pena, se possível, aprofundar esta questão, porque, a não ser que se encontre algo que esteja para além da medida das palavras, do pensamento, de qualquer experiência, a vida de todos os dias torna-se extremamente superficial. Talvez seja por isso — mas também pode ser que não — que a geração presente recusa esta sociedade e procura algo para além da luta, da fealdade e da desumanidade quotidianas.
Podemos então penetrar no problema: "Que é uma mente religiosa? Qual é o estado da mente capaz de ver o que é a verdade?"(...)
Krishnamurti em, O mundo somos nós
Krishnamurti em, O mundo somos nós