Vazio é criatividade: não há separação entre ambas as coisas. Não é como se alguém primeiro tivesse de entrar em Vazio, e então evocar a condição de criatividade, mas é a submersão no Vazio que leva a pessoa, ipso facto, a se tornar uma com a criatividade. E se esta última é um estado de graça — uma dádiva do Céu, por assim dizer — e, portanto, para além da "Vontade", então isso é exatamente o que se poderia esperar. Também podemos dizê-lo da seguinte forma: as preocupações, os problemas psicológicos, os conflitos, em resumo, o "ruído" constante da mente, que a impedem de entrar no estado de Vazio, são o obstáculo — o único obstáculo — para o estado de criatividade.
Como o Vazio, a criatividade não é um atributo da personalidade, apesar de expressar-se através da personalidade. A criatividade transcende o ego e, na verdade, só chega a existir através da transcendência da individualidade. Ao contrário, podemos dizer que o ego é que obscurece a criatividade que não pertence a você nem a mim, nem a outra pessoa qualquer. Portanto, é bastante tolo e denota presunção alguém orgulhar-se da sua criatividade, ou de qualquer realização que venha daí. A criatividade pertence ao mundo integral da inteligência: na verdade, ela é a própria Inteligência, sempre que se possa manifestar — seja no homem, seja no animal, sobre a terra ou no mai longínquo ponto do espaço.
Surpreendentemente, há certo número de pessoas, especialmente entre os chamados "racionalistas" e "livre-pensadores", que declaram não poder encontrar um traço de criatividade e inteligência, em todo o imenso mundo, fora do homem. A natureza, dizem eles, é completamente estéril, pois os acontecimentos são preparados inteiramente pelas leis da probabilidade, o que significa cego acaso. Penso que isso demonstra confusão de dois conceitos separados: por um lado, a maneira pela qual as coisas se perpetuam, a forma pela qual continuam a operar; por outro, a essência individual de cada uma das entidades observáveis na natureza, que é a sua "funcionalidade". O encaixe natural dessas "essências" e a funcionalidade das maiores entidades conglomeradas indicam, finalmente, que certas coisas e processos "fazem sentido". Tal como as peças de um gigantesco quebra-cabeças, vemos que elas se encaixam e indicam, portanto, que houve inteligência sendo envolvida, ou tendo-se envolvido, em algum ponto, ao longo da linha; a alternativa seria um mundo totalmente inanimado, de uma estrutura cem por cento ao acaso, ou o Caos. Por analogia, podemos tomar o caso do computador feito pelo homem. Também nesse caso, a unidade, quando funciona sem interferência humana, opera "automaticamente", isto é, pelas leis básicas da Física, portanto, ao fim e ao cabo, pelas leis de probabilidade. Contudo, não se pode negar que ele preenche uma função "significativa" — como que contra o processo do acaso — e, dessa forma, podemos dizer que foi tocado pela inteligência.
Bem fora do argumento acima, as pessoas que não podem encontrar criatividade na Natureza parecem-me exemplificar aquelas que estão procurando alguma coisa distante do lugar onde se acham, quando essa coisa está junto delas. Como disse o Mestre Zen Hakuin: "Sem saber quanto a Verdade está próxima, as pessoas procuram-na longe... é uma pena!" Isso porque a criatividade que elas estão procurando e não podem encontrar é, antes de mais nada, a criatividade manifestada através da consciência, esta última compreendendo tanto o exterior como o interior, ou, respectivamente, o universo e a criatura, individualmente.
Seríamos poupados, de confusão, nesses assuntos, se estivéssemos cientes da forma pela qual são usados os termos "interior" e "exterior", com significado relativo ou absoluto. Se absoluto, eles não existem, mas seu uso se justifica quando o sentido relativista ou empírico é claramente entendido. Um bom exemplo deste último uso está na palavra "inspiração", que pode ser tida como resumo da criatividade. Inspiração significa, literalmente, retirar algo do exterior e, assim, implica uma fonte externa da verdade, isto é, "externa" para o ego. De onde, pensa o leitor, essa extraordinária energia vital poderia vir, a não ser do eu? O indivíduo "inspirado" representa um paradoxo, apenas para o dualista, não para o não-dualista, para o qual o "indivíduo" isolado do resto da existência representa uma completa miragem. Se, na verdade, não existe exterior nem interior, quando observamos o indivíduo "inspirado" estaremos observando a criatividade em ação. Esqueça o canal por onde veio essa criatividade, porque ele, de fato, não existe.
Robert Powell, PHD.