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sexta-feira, 6 de abril de 2018

Há, de fato, um estado de tranquilidade atemporal?

Há, de fato, um estado de tranquilidade atemporal?

PERGUNTA: Quando se alcança o estado em que a mente se tornou tranquila, e não se tem nenhum problema imediato, que nasce dessa tranquilidade?

KRISHNAMURTI: Aí está uma pergunta extraordinária, não achais? Tendes por certo que atingistes essa mente tranquila, e desejais saber o que acontece depois disso. Mas ter uma mente tranquila é uma das coisas mais difíceis. Teoricamente, é facílima; mas, na realidade, esse é um dos estados mais extraordinários, indescritíveis. O que acontece, vós o descobrireis quando chegardes lá. Mas esse "chegar lá" é o problema, e não o que acontece depois. Não se pode "chegar" a esse estado. Ele não é um "processo", não é uma coisa que se irá alcançar mediante certa prática. Não é uma coisa adquirível com tempo, com saber, com disciplinas, mas que só se realiza pela compreensão do "mecanismo" total de nosso próprio pensar, e não pelo tentarmos alcançar um resultado. Então, será possível que se torne existente aquela tranquilidade. O que depois acontece é indescritível, não tem palavra que o defina, não tem "significação". Deveis saber que toda experiência — sempre que há experimentador — deixa uma lembrança, uma cicatriz. E a essa lembrança a mente fica apegada, e deseja mais, e cria assim o tempo.

Mas o estado de tranquilidade é atemporal e, portanto, não há experimentador para experimentar aquela tranquilidade.

Vede, por favor, que isto — se desejais compreendê-lo — é realmente muito importante. Enquanto existir um "experimentador" que diz "Tenho de experimentar a tranquilidade", e conhece a experiência, não se trata então de tranquilidade e, sim, de um truque da mente. Quando digo que experimentei a tranquilidade, isso foi simplesmente uma fuga à confusão, ao conflito, e nada mais. A tranquilidade a que nos referimos é coisa completamente diversa. Eis porque tanto importa compreender o pensador, o experimentador, o "eu" que reclama um estado a que chama "tranquilidade". Posso ter um momento de tranquilidade, mas, quando o tenho, a mente se apega a ele e fica vivendo naquela tranquilidade pela memória. Mas isso não é tranquilidade, porém, sim, mera reação. Estamos falando de uma coisa muito diferente: de um estado em que não há "experimentador", e por conseguinte aquele silêncio, aquela tranquilidade não é uma experiência. Se há uma entidade que se recorda daquele estado, há então experimentador, e, portanto, tal experiência não é aquele estado. Isso, na realidade, significa morrer para cada experiência, nunca havendo um momento em que se guardem e acumulem experiências. Afinal de contas, é essa acumulação que produz conflito, que produz o desejo de mais. A mente que acumula, que é ávida, não pode morrer para todas as coisas que acumulou. Só a mente que morreu para tudo o que acumulou, mesmo para a experiência mais sublime, só essa mente pode conhecer aquele silêncio.

Mas aquele estado não pode ser criado pela disciplina, porque disciplina implica continuidade do experimentador, o fortalecimento de certa intenção de alcançar dado objetivo, o que dá ao experimentador continuidade. Se percebermos essa coisa com muita simplicidade, muita clareza, encontraremos aquele silêncio mental a que me estou referindo. O que posteriormente acontece não pode ser contado, não pode ser descrito, porque não tem "significação", a não ser em livros e em filosofia.

OUVINTE: Se não tivermos experimentado essa tranquilidade completa, como podemos saber que ela existe?

KRISHNAMURTI: Porque precisamos saber que ela existe? Ela pode não existir, absolutamente, pode ser ilusão, fantasia minha. Mas pode-se ver que, enquanto há conflito, a vida é uma calamidade. Compreendendo o conflito, saberei o que significa "a outra coisa". Ela pode ser uma ilusão, uma invenção, um truque da mente; mas, se compreendo todo o significado do conflito, tenho a possibilidade de encontrar algo totalmente diferente. Minha mente está muito ocupada com o seu conflito, interior e exterior. O conflito surge inevitavelmente quando há um experimentador que guarda, que acumula, e por conseguinte sempre está pensando em termos de tempo, de mais e de menos. Compreendendo isso, estando apercebido disso, pode apresentar-se um estado que podemos chamar "silêncio", ou qualquer nome que preferirdes. Mas o problema não é a busca do silêncio, da tranquilidade, porém, sim, a compreensão do conflito, a compreensão de mim mesmo em conflito.

Será que respondi à pergunta, que é: como sei que há silêncio? Como o reconheço? Compreendeis? Enquanto há processo de reconhecimento, não há silêncio. Em última análise, o processo de reconhecimento é o processo da mente condicionada. Mas na compreensão de todo o conteúdo da mente condicionada, a mente se torna quieta, não há um observador que reconhece achar-se num estado a que ele chama "silêncio". O reconhecimento da experiência cessou.

OUVINTE: Desejo perguntar-vos se reconheceis o ensino do Buda de que a compreensão correta ajudará a resolver os problemas interiores do homem, e que a paz interior do espírito depende inteiramente da autodisciplina. Concordais com os ensinamentos de Buda?

KRISHNAMURTI: Quando estamos investigando a verdade a respeito de qualquer coisa, toda autoridade tem de ser posta à margem, positivamente! Se alguém almeja descobrir a verdade, não deve haver Buda nem Cristo. E isso significa, com efeito, que a mente deve ser capaz de estar completamente só, e não dependente. Buda pode estar enganado, Cristo pode estar enganado, e qualquer de nós pode também estar enganado. Temos, por certo, de chegar ao estado em que não se aceita autoridade de espécie alguma. Esta é a primeira coisa: desmantelar a estrutura da autoridade. No desmantelar da imensa estrutura da tradição, esse mesmo processo produz uma compreensão. Mas o mero aceitar de uma coisa, porque está dita num livro sagrado, tem muito pouca significação.

Ora, para descobrir o que se acha além do tempo, o mecanismo do tempo tem de cessar, não achais? O mecanismo de busca tem de terminar. Porque, se estou buscando, então estou dependendo — não só de outrem, mas também de minha própria experiência, pois, se aprendi alguma coisa, procuro fazer uso dela para guiar-me. Para achar o verdadeiro, não deve haver busca de espécie alguma, e tal estado é a real tranquilidade da mente. É muito difícil a uma pessoa que foi criada numa determinada cultura, numa dada crença, com certos símbolos de tremenda autoridade, lançar fora tudo isso e pensar de maneira simples, por si mesma, e descobrir. Ela não poderá pensar de maneira simples se não conhecer a si mesma, se não tiver autoconhecimento. E ninguém pode dar-nos o conhecimento de nós mesmos — nenhum instrutor, nenhum livro, nenhuma filosofia, nenhuma disciplina. O "eu" está num movimento constante; enquanto ele vive, precisa ser compreendido. E só pelo autoconhecimento, só pela compreensão do mecanismo de meu próprio pensar, observado no espelho de cada reação, posso descobrir que, enquanto há qualquer movimento do "eu", da mente, em direção a um objetivo — Deus, a verdade a paz — essa mente não é uma mente quieta, pois está querendo realizar, apanhar, alcançar certo estado. Se há qualquer espécie de autoridade, de compulsão, de imitação, a mente não pode compreender. E para saber que a mente está imitando, que está sendo embargada pela tradição, para se estar apercebido de que ela está perseguindo suas próprias experiências, suas próprias projeções, para tanto requer-se muita penetração, muito percebimento e autoconhecimento.

Só então, com todo o conteúdo da mente, toda a consciência, posto a descoberto e compreendido, haverá a possibilidade de um estado a que se pode chamar "tranquilidade", um estado sem experimentador e sem reconhecimento.

Krishnamurti, Quinta Conferência em Londres, 25 de junho de 1955


quinta-feira, 5 de abril de 2018

De fato, não sabemos o que é amor

De fato, não sabemos o que é amor

PERGUNTA: Sou artista, e preocupa-me sumamente a técnica de pintar. É possível que esta própria preocupação constitua um obstáculo à genuína expressão criadora?

KRISHNAMURTI: Eu quisera saber por que é que a maioria de nós, inclusive os artistas, tanto se preocupa a respeito de técnica. Todos perguntamos "como?" — como poderei ser mais feliz, como poderei achar Deus, como poderei ser um artista melhor, como poderei fazer isto ou aquilo? Todos andamos cheios de cuidados a respeito do "como". Se sou violento, desejo saber como ser não violento. Por termos tanto interesse na técnica e como o mundo não nos oferece outra coisa, estamos presos nessa rede. Cultivamos a técnica, porque desejamos resultados. Quero ser um grande artista, grande engenheiro, grande músico, alcançar fama, notoriedade. Minha ambição me impele à busca do método. Pode um artista, ou qualquer ente humano, cultivando uma técnica, tornar-se um verdadeiro artista? Mas, se amamos a coisa que estamos fazendo, não somos então artistas? Entretanto, não compreendemos a significação desta palavra — amar. Posso amar uma coisa por ela própria, se sou ambicioso, se desejo tornar-me conhecido? Se desejo ser o melhor pintor, o melhor poeta, o maior dos santos, se estou em busca de um resultado, posso amar realmente uma coisa, por ela própria? Se sou invejoso, imitativo, se há medo, se há competição, posso amar aquilo que estou fazendo? Se amo uma coisa, posso então aprender a técnica — como misturar as tintas, etc. Mas, atualmente, não possuímos esse sentimento de verdadeiro amor por uma coisa. Estamos cheios de ambição, de inveja; desejamos ser "um sucesso". E, assim, estamos aprendendo técnicas e perdendo a coisa real — "perdendo", não, pois nunca a tivemos.

Por ora, a nossa mente só está aplicada em adquirir uma técnica que nos leve a alguma parte. Se amo o que estou fazendo, então, por certo, não há problema, não existe competição, não é exato? Estou fazendo o que gosto de fazer, e não porque isso me dará popularidade, pois tal coisa não é importante para mim. O importante é amarmos totalmente o que estamos fazendo, e esse próprio amor será o nosso guia. Se o pai deseja que o filho siga nas suas pegadas, que se torne "alguma coisa", se os pais procuram preencher-se nos filhos, não há então amor, e, sim, mera autoprojeção. O próprio amor ao filho trará sua cultura própria, não achais? Mas, infelizmente, nós não pensamos em tal direção. E por isso temos este enorme problema e este espantoso desenvolvimento técnico.

PERGUNTA: Vejo-me inteiramente ocupado com os costumeiros cuidados, alegrias e tristezas da vida diária. Estou perfeitamente apercebido de que minha mente se acha ocupada exclusivamente com ações, reações, "motivos", mas sou incapaz de transcender essas coisas. Depois de ler os vossos livros e ouvir vossas palestras, vejo que existe outra maneira de viver, completamente diferente, mas não posso achar a chave que abrirá a porta do meu atravancado habitáculo, libertando-me. Que devo fazer?

KRISHNAMURTI: Tenho minhas dúvidas sobre se estamos realmente apercebidos daquilo com que a nossa mente está ocupada! Como diz o interrogante, a mente está ocupada apenas com coisas superficiais — o ganhar do sustento, os deveres paternais, etc. Mas sabemos o com que nossa mente está ocupada num nível mais profundo? Afora as ocupações cotidianas, sabemos com que está ocupada a nossa mente num nível diferente, no inconsciente? Ou a nossa mente consciente está tão ocupada durante o dia, a todas as horas, que não sabemos com o que está ocupado o inconsciente? Sabemos com que estamos ocupados, além da rotina diária, da existência diária? Pelo geral, a nossa ocupação é com o processo diário do viver, e nossa preocupação é o saber como produzir uma alteração aí — um melhor ajustamento, mais felicidade, menos disto e mais daquilo. Conservar nossa superficial felicidade, repelir certos fatores que nos causam dor, evitar certas tensões e pressões, ajustar-nos a certas relações, etc. — eis toda a nossa ocupação.

Sendo assim, podemos deixar tal ocupação entregue a si mesma, isto é, deixá-la seguir o seu curso, na superfície, para investigarmos, nas profundezas da mente, o com que ela está ocupada, inconscientemente? Todos percebemos a necessidade de certo ajustamento, na superfície; mas temos algum interesse a respeito da ocupação mais profunda da mente? Sei, eu, e sabeis vós, com o que está ocupada a mente mais profunda? Ora, é preciso investigar isso, porque essa ocupação pode traduzir-se em ocupações e ajustamentos superficiais, com suas alegrias e tristezas, suas tribulações e provações. E, assim, se vós e eu não conhecemos as ocupações mais profundas da mente, uma simples alteração de superfície tem muito pouca significação. Não é certo que deve terminar toda ocupação superficial, se desejo achar "a outra coisa"? Se minha mente está ocupada a todas as horas com ajustamentos superficiais — endireitando o quadro que outro pôs torto, preocupada com assuntos domésticos, a respeito dos filhos, da esposa, do que a sociedade pensa, e não pensa, da opinião do vizinho — essa mente, já tão ocupada, é capaz de descobrir a ocupação mais profunda, de si mesma? Ou não é necessário que termine a ocupação superficial? Isto é, podemos deixá-la prosseguir, ajustar-se, sem esforço, mas também investigar aquilo com que a mente está ocupada num nível mais profundo? Com o que está ela ocupada, num nível mais profundo? Eu o sei? Vós o sabeis? Ou apenas fazemos conjecturas a tal respeito? Ou pensamos que alguém no-lo pode dizer? É claro que não posso investigá-lo, a menos que não esteja totalmente ocupado com ajustamentos superficiais. Isto é, torna-se necessário nos desligarmos do superficial, para podermos investigar. Mas não ousamos desligar-nos, não ousamos soltar o que temos, porque não sabemos o que existe em baixo — temos-lhe medo, terror. E é por isso que os mais de nós estamos ocupados. Lá, muito fundo, pode encontrar-se uma completa solidão, um sentimento de profunda frustração, medo, torturante ambição — de que não estamos plenamente apercebidos. Mas, se ficamos um pouquinho apercebidos, ligeiramente vigilantes, assustamo-nos com o que vemos. E por isso nos preocupamos com o aspecto da sala, com os quadros, os abajures, os que entram e os que saem, os entretenimentos sociais; lemos livros, ouvimos rádio, aderimos a grupos — conheceis bem todo este triste negócio. Tudo isso bem pode ser uma fuga ao problema mais profundo. E, para examinar este problema mais profundo, temos de abandonar a sala com todo o seu conteúdo. Infelizmente, queremos ficar na sala, e o descobrimento da "outra coisa" é algo que nunca nos permitimos experimentar. Não se trata de tentar alcançar o nível mais profundo. O tentar depende sempre do tempo. Se desejo investigar o problema mais profundo e percebo a necessidade de deixar as coisas superficiais, não há então "tentar". Eu não tento abrir uma porta e não me ponho conscientemente em movimento para sair de casa. Sei que tenho de sair e saio — a porta lá está. Não se faz nenhuma "tentativa" para alcançar a porta; não se pensa em termos de "tentar". Compreensão e ação são simultâneas. Mas tal integração não é possível, se estamos interessados meramente no nível superficial.

Krishnamurti, Quarta Conferência em Londres, 24 de junho de 1955

Só e mente religiosa é revolucionariamente criadora


Só e mente religiosa é 
revolucionariamente criadora

PERGUNTA: Desejo que meu filho seja livre. A verdadeira liberdade é incompatível com a lealdade à tradição inglesa de vida e de educação?

KRISHNAMURTI: Isto é o que se diz na Índia também: posso ser hindu, leal à minha pátria, e ao mesmo tempo estar livre para achar Deus? Posso ser hinduísta, budista ou cristão, e ao mesmo tempo ser livre? É possível isto? Eu posso ter um passaporte, um pedaço de papel, para viajar; mas isso não me faz necessariamente hindu. A liberdade, por certo, é de todo incompatível com qualquer nacionalidade, qualquer tradição. Há o estilo de vida americano, o estilo de vida inglês, o estilo de vida russo, e o estilo de vida hindu. Cada um diz "Nosso estilo de vida é o único que convém", apegando-se tenazmente a esse estilo. E, no entanto, todos falamos de liberdade e de paz. Acho que tudo isso tem de desaparecer, se desejamos criar um mundo diferente, um mundo que seja nosso, um mundo sem comunismo, socialismo, capitalismo, hinduísmo ou cristianismo. A Terra é o nosso mundo, onde devemos viver, não divididos: viver felizes, livres. Mas não poderá ser nosso o mundo enquanto existirem ingleses, hindus, alemães, comunistas etc.; dessa maneira, nunca seremos livres.

Só poderá surgir a liberdade quando formos verdadeiramente religiosos, quando cada um de nós for realmente um indivíduo, no exato sentido da palavra. Quando formos religiosamente livres, poderemos então criar um mundo que será nosso e, por conseguinte, dar aos jovens uma educação diferente, e não meramente condicioná-los segundo uma determinada cultura, encaixá-los num determinado sistema, educá-los para serem comunistas, ateístas, católicos, protestantes ou hinduístas; tais indivíduos não são livres, e por conseguinte não são verdadeiramente religiosos: estão simplesmente condicionados; e são causadores de tanta miséria! Está visto pois que, se desejamos criar um mundo totalmente diferente, faz-se necessária uma revolução religiosa que não seja retrocesso a certa crença, nem avanço para certa realização, mas a libertação de todas as tradições, dogmas, símbolos, crenças, a fim de que cada um seja um verdadeiro indivíduo, livre para descobrir, para investigar o imensurável.

PERGUNTA: A mente ocidental é exercitada para a contemplação do objeto; a mente oriental para a meditação sobre o sujeito. A primeira conduz à ação, a outra à inação. Só pela integração dessas duas direções do percebimento, no indivíduo, poderá surgir uma compreensão total da vida. Qual a chave dessa integração?

KRISHNAMURTI: Porque separamos um ente humano, dizendo-o do Ocidente ou do Oriente? Não há uma maneira toda diferente de se considerar este problema, a qual não consista em mera tentativa de integrar a ação com a meditação? Considero tal integração uma impossibilidade. Talvez haja uma maneira diferente de nos abeirarmos deste problema, em lugar dessa tentativa de integrar a ação com um estado de espírito desprendido, que só observa, contempla. Dividimos a vida em ação e inação, e agora buscamos a integração. Mas, se não nos dividirmos a nenhum respeito, se pudermos eliminar do nosso pensar essa ideia de Oriente em oposição à de Ocidente, para considerarmos o problema de modo diverso, então, buscando a realidade, a mente se torna criadora, e, no percebimento mesmo daquilo que é real, há ação, que é contemplação; não há divisão alguma. Para a mentalidade ocidental, o Oriente, com seu misticismo, seus absurdos, é estranho. No Ocidente, devido ao clima frio, às várias formas de revolução industrial etc., o indivíduo tem de ser ativo, e tratar de ter muitas roupas. No Oriente, onde o clima é cálido e se necessita de muito pouca roupa, o indivíduo tem tempo, lazeres; e, lá, há também a velha tradição de que se tem de renunciar à sociedade para se achar o real.

Aqui viveis completamente interessados em reformas, melhores condições, uma vida melhor. Como podem integrar-se estas duas mentalidades? As duas maneiras de proceder podem ser falsas, e têm de sê-lo, sem dúvida, quando se dá exagerada importância a uma e se despreza a outra. Mas, se tentarmos achar a realidade, sem a buscarmos como um grupo de cristãos, mas como indivíduos independentes de qualquer autoridade, então essa própria busca é criadora, e essa capacidade criadora produz sua ação própria. Se não buscarmos essa liberdade religiosa, todas as reformas só poderão levar-nos a piores infortúnios, como se está vendo em toda parte. Pode-se ter paz pelo terror; mas haverá guerras interiores de todos contra todos, competição, crueldade, a busca do poder, pelo grupo ou pelo indivíduo. Só os que são religiosos, no sentido mais profundo desta palavra, os que se emanciparam de toda e qualquer autoridade espiritual, que não pertencem a nenhuma igreja, nenhum grupo, não se deixaram identificar com nenhuma doutrina particular, que estão perenemente buscando, indagando, sem nunca acumularem experiência alguma, só esses indivíduos são verdadeiramente criadores. Sua mente é a única mente religiosa e, portanto, revolucionária; e ela atuará sem se separar como mente contemplativa ou mente ativa, porque tal indivíduo é um ente completo, total.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Londres, 19 de junho de 1955

O estado criador que é um tesouro indestrutível


O estado criador que é um tesouro indestrutível

PERGUNTA: O estado criador, de que falais, limita-se ao êxtase que vem com nossa purificação pessoal, ou tem também a virtude de libertar a nossa energia, para aplicarmos, em benefício da humanidade, as descobertas científicas, nossas e de outros?

KRISHNAMURTI: Perguntas, corno, por exemplo: “se isto acontecer, que virá em seguida?” — são feitas obviamente por pessoas que estão escutando muito superficialmente. Como tenho dito, a ação de um homem que investiga e a quem a realidade se manifesta será diferente da ação daquele que só teve uma rápida visão desse estado e procura expressá-la. Em geral, somos instruídos numa certa técnica: pintura, engenharia, medicina, etc. Essa técnica é evidentemente necessária, mas o mero aprendizado do mecanismo de uma dada profissão, não despertará o estado criador. A Realidade Criadora — chamai-a Deus, a Verdade, ou como quiserdes — não pode manifestar-se por meio de uma técnica, mas, sim, só quando a mente compreendeu a si mesma. E sabeis quanto é difícil um homem compreender a si mesmo? É difícil, porque somos meros amadores, e não temos um interesse real. Se, entretanto, estiverdes vigilantes, se aplicardes toda a vossa atenção à compreensão de vós mesmos, encontrareis um tesouro indestrutível. Não precisareis ler um único livro de filosofia, psicologia, análise, etc., porque sois um apanhado de toda a humanidade, e, se não compreenderdes a vós mesmo, continuareis a criar problemas e mais problemas, infindos sofrimentos. A compreensão de si mesmo não requer impulsos impetuosos, conclusões, mas só muita paciência. A gente tem, de ir com todo o vagar, milímetro por milímetro, sem dar um só passo em vão — o que não significa sejamos obrigados a uma vigilância incessante. Isto não é possível. O que significa é que precisamos estar vigilantes e largar de mão cada coisa que observamos, deixá-la ir e vir à vontade, de modo que a mente não se torne uma mera acumulação de coisas aprendidas, e seja capaz de observar cada coisa sempre de maneira nova. Quando a mente é capaz de observar e compreender a si própria, apresenta-se então aquela ação criadora da realidade, e em tal estado a mente pode servir-se da técnica, sem causar sofrimentos. 
Krishnamurti, 27 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Características do "Estado Místico"

O estado místico, quer espontâneo quer induzido mediante a meditação e outras práticas, produz a liberação de ENERGIA do inconsciente que permite a realização das POTENCIALIDADES mais elevadas do ser humano. Parece conveniente, portanto, que o estado místico seja estudado pela ciência sem preconceitos, num esforço para descobrir se ele pode, de fato, fornecer a chave que leve o indivíduo e a sociedade à vida saudável.
RENÚNCIA VOLUNTÁRIA - Outra característica que Prince considera comum ao esquizofrênico e ao místico é a renúncia aos apegos mundanos. Contudo, o esquizofrênico abandona o trabalho e a família não por escolha, mas por estar muito doente para assumir responsabilidades ou enfrentar a vida. O místico, por outro lado, de modo VOLUNTÁRIO E COM PLENA CONSCIÊNCIA, renuncia aos prazeres e às recompensas da vida mundana para ir em busca daquilo que considera o bem supremo. Desse modo, Buda abandonou sua herança régia a fim de descobrir as causas do sofrimento humano e os modos de mitigá-lo.

Um exemplo recente de renúncia às coisas deste mundo pode ser encontrado na vida de Albert Schweitzer, que abandonou uma carreira auspiciosa na Europa para fundar um hospital no coração da selva africana. Ele declarou que a base de sua filosofia, a "reverência pela vida", foi-lhe revelada através de um súbito vislumbre místico. Um ato semelhante de RENÚNCIA VOLUNTÁRIA pode ser visto na decisão de Thoreau de abandonar a oportunidade de fazer riqueza com sua descoberta de um novo método para a fabricação de grafita a fim de procurar a autocompreensão nos bosques de Walden.

A relação daqueles que, conscientemente, rejeitam os valores e confortos materiais para perseguir um ideal, não se limita àqueles indivíduos de orientação religiosa. O momento transcendente que transforma as atitudes e os hábitos da vida não conhece limites espaciais ou temporais; ele pode atingir tanto o homem ativo no mundo quanto o filosófico. A história preservou-nos os nomes de incontáveis pessoas que abandonaram a segurança, o amor e a riqueza pessoais a fim de devotarem-se ao serviço de outras, o que não traz nenhum rendimento a não ser sua própria recompensa.

A vida de uma pessoa mentalmente doente, mergulhada há anos num estupor catatônico, fora do alcance de qualquer contato humano, constitui uma trágica perda. Como é possível comparar tal retraimento em relação ao mundo com vidas plenas e gratificantes que resultaram da RENÚNCIA CONSCIENTE das satisfações pessoais — vidas que amiúde tanto beneficiaram a humanidade? — (Claire Myres Owens)

ÊXTASE - Um resultado universalmente comprovado da experiência mística é o êxtase, a felicidade ou o júbilo. Na opinião de Prince, trata-se apenas de uma regressão à experiência bem-aventurada da amamentação ou de um estado semelhante à falsa elação dos estados psicóticos. Aqui, mais uma vez, sua limitada compreensão é transmitida aos seus leitores através de uma citação enganosa de Francisco de Sales, colocada fora de contexto: " Nesse estado [a oração da quietude], a alma assemelha-se a uma criancinha ainda no seio da mãe".

A simplificação demasiada de Prince é resultado da confiança atual depositada nas técnicas freudianas, nas quais as configurações simbólicas perdem uma parte de seu significado. O conhecimento profundo da literatura do misticismo, por outro lado, revela o grau em que aqueles que experimentaram o estado de consciência expandida são obrigados a confiar no símbolo, na parábola, na imagem e na analogia em seus esforços para comunicar na linguagem formal a qualidade essencial de uma realidade informe.

O tema da criança constitui uma dessas tentativas de exprimir a natureza da experiência mística em termos que possam ser compreendidos pela maioria dos homens; possui um efeito redentor. A imagem da inocência e da pureza, não contaminada pelo interesse mundano ou egoísta, que vai ao encontro da realidade com uma visão pura, espontânea e serena, tem sido repetidamente evocado para exprimir o estado mental e interior NECESSÁRIO àquele que aspira ao conhecimento espiritual. Assim disse Jesus: "A menos que vos torneis semelhantes a uma criança, não podereis entrar no reino do céu."

Levando em consideração essa prática, de Sales talvez estivesse querendo dizer que os místico, do mesmo modo que o lactente, tem a sensação de estar retornando à sua fonte — cósmica, não maternal; que ele também está se entregando, com segurança, a um poder infinitamente mais forte que ele próprio — um poder universal e não-pessoal; que ele está participando de uma nutrição primária, elementar, natural ao homem e superior a todas as outras — alimento para a mente e para o espírito, e não para o corpo; e que seu êxtase o purifica de modo a sentir-se, mais uma vez, puro e inocente como um bebê.

O êxtase do místico tem sido uma fonte de poder redentor, que o purga da dúvida a respeito de si mesmo e da vacilação. A experiência de Moisés diante da sarça ardente deu-lhe força e coragem para libertar os israelitas do cativeiro. A visão de Pascal de uma enorme fogueira e de uma cruz em chamas alterou sua filosofia e sua vida. Ainda que reconheçamos que essas visões simbólicas sejam projeções psicológicas, não podemos desprezar o testemunho histórico de seu poder transformador.

O psicótico pode ter sensações momentâneas de êxtase ou excitação e acreditar que descobriu os segredos do universo, mas suas fantasias não geram nenhuma compreensão da verdade ou da realidade. O esquizofrênico pode manifestar distorções e exageros dos padrões básicos do inconsciente coletivo que ele compartilha com todos os homens; mas essas distorções, por si só, não determinam o caráter essencial do inconsciente.


Mais interessante é a alegação de Prince de que não s de que não só a elação mas também a condição depressiva, que o místico chama de "a noite escura da alma", são comuns aos estados místicos e maníacos. É verdade que muitos místicos testemunharam essa condição de esterilidade espiritual. Prosseguindo a comparação de Prince, parece-me que o psicótico perde contato com a assim chamada realidade (talvez um termo melhor seja atualidade) do mundo. O místico, contudo, em sua "noite escura", perde contato com a realidade suprema que ele conheceu. Tudo o que lhe resta, nesse PERÍODO DE ARIDEZ, é o mundo dos fenômenos que, como contraste, é insípido, limitado e desinteressante. A porta de seu inconsciente mais profundo, que dá acesso ao princípio integrador universal, está fechada para ele; ele se sente excluído e o resultado pode ser uma profunda depressão. Afinal de contas, os místicos são seres humanos com fraquezas humanas. Depois de um despertar espontâneo de certa duração, eles podem ingressar num período natural de reação, resultado do fluxo e refluxo da vida psíquica, tão mal compreendido. É interessante notar que aqueles que escreveram com uma tristeza exaltada acerca da "noite escura" geralmente são aqueles que passaram por súbitas e espontâneas experiências, em relação às quais estavam DESPREPARADOS. As alusões a essa condição, na literatura hinduísta e budista, ocorrem num contexto tão sistematizado, devido a seus métodos de preparação à descoberta de si mesmo, que são aceitas como parte do processo de crescimento.

MORTIFICAÇÃO - Depois das experiências místicas desse nível mais profundo de consciência, ele descobre que seus padrões de vida anteriores NÃO MAIS SÃO SATISFATÓRIOS. Sente que devem ser DEPURADOS ou MORTIFICADOS, o que Underhill interpreta como "A Purificação do Eu". Na linguagem da dicotomia dos níveis de consciência de Willian James, a nova consciência subliminal, com a qual o indivíduo acabou de entrar em contato, é acentuadamente diferente da consciência diária no mundo social, já não são se aplicam a essa experiência mais pessoal e, portanto, DEVEM SER DESCARTADOS.

As práticas ascéticas extremas de muitos místicos, que ocorrem durante este estágio, destinam-se a DEPURAR o indivíduo de sua necessidade de antigas relações que ele mantinha com a realidade social. Assim que isto for concluído, o processo de depuração ou mortificação termina. Como assinala Underhill, a despeito de sua etimologia, o objetivo da mortificação, para o místico, é a vida, mas essa vida só pode surgir através da "morte" do antigo "eu".

ILUMINAÇÃO DO EU - Depois que o indivíduo DEPUROU-SE do seu interesse anterior e de seu envolvimento com o mundo social, ele entra no terceiro estágio ou no que Underhill chama de "A Iluminação do Eu". Aqui, ele experimenta de modo mais pleno aquilo que se encontra além dos limites de seus sentidos imediatos. A principal característica atribuída a este estágio consiste na apreensão jubilosa daquilo que o místico experimenta ser o Absoluto, o que inclui extravasamentos refulgentes de êxtase e arroubo nos quais o indivíduo exulta de seu relacionamento com o Absoluto. Aquilo que distingue este estágio dos estágios posteriores, contudo, é o fato de que o indivíduo ainda experimenta a si próprio como uma entidade separada, ainda não unificada com o que ele considera ser o Supremo. Ainda persiste uma SENSAÇÃO do estado-do-eu, do ego, de si mesmo.

NOTE ESCURA DA ALMA - talvez este seja o estágio mais notável do processo místico. Embora possa ser encontrado em todas as experiências místicas, sua expressão emocional só aparece na tradição ocidental, onde recebeu seu nome a partir da frase evocativa de São João da Cruz: "A Moite escura da Alma". Há, aqui, a total negação e rejeição do júbilo do estágio precedente. O indivíduo sente-se TOTALMENTE AFASTADO e DISTANTE de suas experiências anteriores, bem como EXTREMAMENTE SOZINHO e DEPRIMIDO. É como se tivesse sido atirado para o meio de uma região devastada ou de um IMENSO DESERTO, sem nenhuma esperança de sobrevivência.

Durante o período purificador, o indivíduo deve depurar-se de seus APEGOS ANTERIORES AO MUNDO SOCIAL. Agora, ele deve depurar-se de sua EXPERIÊNCIA DO EU. Sua própria vontade deve tornar-se totalmente SUBMERSA pela "força" desconhecida que ele experimenta ESTAR DENTRO DELE. Enquanto afirma sua própria vontade ou individualidade, ele mantém distância ou separação daquilo que sente ser o Supremo.

A VIDA UNITIVA - este estágio, embora não seja o estágio final, constitui o ponto culminante da busca do místico: a completa e total absorção no mundo pessoal, insocial, que tem sido chamado de "A Vida Unitiva". Ele consiste na obliteração dos sentidos e até mesmo da sensação do eu, resultado na experiência da unidade com o universo. Este estágio tem sido descrito como um estado de CONSCIÊNCIA PURA, no qual o indivíduo não experimenta nada — nenhuma coisa. O indivíduo APARENTEMENTE fez contato com as regiões mais profundas de sua consciência e experimenta o processo como tendo sido concluído. Emocionalmente, o indivíduo sente-se totalmente tranquilo e em paz.

RETORNO DO MÍSTICO - Embora não mencionado como um estágio independente pelos comentadores, o retorno do místico, da experiência de unicidade com o universo, para as exigências da vida social constitui a parte MAIS IMPORTANTE de seu caminho. Em muitos místicos, pode-se observar que eles renovam seu envolvimento prático nas situações sociais com uma vitalidade e forças novas. Como observou santa Tereza: "marta e Maria devem trabalhar em conjunto quando oferecem pousada ao Senhor", dando a entender que o envolvimento material e espiritual são igualmente importantes. As vidas de santa Tereza, de são Francisco de Assis e de santo Inácio, para citar apenas três, dão testemunho do importante PAPEL PRÁTICO que os místicos têm exercido no mundo. Na tradição clássica oriental, encontra-se a mesma ênfase dada ao retorno ao mundo. O exemplo principal é Buda, que retornou de seu êxtase sob a árvore BO ao mundo social do qual ele "fugira".

O místico agora não mais considera detestável seu envolvimento com o mundo mas, na verdade, parece ACOLHER COM ALEGRIA a oportunidade de entrar no mundo social que ele abandonara. Este paradoxo aparente torna-se compreensível quando se considera que não foi ao mundo que o místico esteve renunciando mas, meramente, A SEUS APEGOS e NECESSIDADES em relação a ele, que impossibilitavam o desenvolvimento de sua experiência pessoal, insocial. Depois que se tornou capaz de abandonar essas necessidades sociais, condicionadas, e sentiu-se livre da atração exercida pelo mundo social, ele experimentou a liberdade de viver no interior da sociedade conjuntamente com seus esforços interiores, deixando de ver os costumes e as instituições sociais como obstáculos à sua auto-realização.

Jonh White — O Mais Elevado Estado de Consciência

sábado, 31 de janeiro de 2015

Ninguém mais entende a linguagem do coração

Estamos obcecados pela mente — nossa educação e nossa civilização têm uma fixação pela mente porque ela foi responsável por todos os avanços tecnológicos, e para nós isso resume tudo. 

O que o coração pode nos dar? Com certeza, nada hightech, industrial ou capaz de gerar dinheiro. Mas pode nos proporcionar alegria, celebração e também uma enorme sensibilidade para a beleza, celebração e também uma enorme sensibilidade para a beleza, a música e a poesia. Além disso, é capaz de guiá-lo no mundo do amor e da oração, mas essas coisas não são commodities

Você não pode aumentar sua conta bancária usando apenas o coração nem lutar em grandes guerras, assim como não pode produzir bombas atômicas nem destruir as pessoas pelo coração. O coração sabe criar, enquanto a mente é destrutiva — infelizmente, nossa educação, ficou presa à mente. 

Nossas universidades, faculdades e escolas estão destruindo a humanidade. Pensam estar lhe prestando um grande serviço, mas apenas enganam a si mesmas. A menos que a raça humana atinja um equilíbrio e o coração e a mente amadureçam, continuaremos sofrendo. 

à medida que nos tornamos mais centrados na mente e, por outro lado, cada vez mais alheios ao coração, nosso sofrimento tende a aumentar. Somos responsáveis por criar um inferno na Terra e só pioramos essa situação. 

O paraíso pertence ao coração. Ainda assim, ninguém entende mais essa linguagem. O coração foi completamente esquecido. Somos capazes de compreender a lógica, não o amor. Compreendemos a matemática, não a música. Nós nos tornamos cada vez mais acostumados às coisas mundanas e ninguém parece ter a coragem de trilhar os percursos do desconhecido, os labirintos do amor e do coração. Entramos em sintonia com o mundo da prosa, e a poesia acabou se tonando insignificante. 

(...) Tudo o que há de criativo no homem está sendo reduzido à produção cada vez mais de "coisas". A criatividade está perdendo. seu apelo, e a produtividade se transforma no principal objetivo da vida. 

Em vez da criatividade, valorizamos a produtividade: discutimos como produzir mais, mas esquecemos que isso nos proporciona apenas coisas, não valores. As pessoas podem se tornar ricas externamente, mas empobrecidas interiormente. 

A produção se preocupa com a quantidade, enquanto a criação se preocupa com a qualidade. A produção não exige capacidade de criação, ela é medíocre: qualquer imbecil pode se dedicar a ela, basta aprender alguns truques básicos. 

(...) O homem perdeu seu lado poético, seu impulso criativo. Nós estamos demasiadamente interessados em produtos, em novidades eletrônicas, em produzir cada vez mais coisas. É fundamental trazer de volta o coração e o amor à natureza. Precisamos prestar mais atenção às rosas, às flores de lótus, às árvores, às rochas e aos rios. Precisamos recomeçar a dialogar com as estrelas.

OSHO


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Criatividade não é um atributo da personalidade

Vazio é criatividade: não há separação entre ambas as coisas. Não é como se alguém primeiro tivesse de entrar em Vazio, e então evocar a condição de criatividade, mas é a submersão no Vazio que leva a pessoa, ipso facto, a se tornar uma com a criatividade. E se esta última é um estado de graça — uma dádiva do Céu, por assim dizer — e, portanto, para além da "Vontade", então isso é exatamente o que se poderia esperar. Também podemos dizê-lo da seguinte forma: as preocupações, os problemas psicológicos, os conflitos, em resumo, o "ruído" constante da mente, que a impedem de entrar no estado de Vazio, são o obstáculo — o único obstáculo — para o estado de criatividade.

Como o Vazio, a criatividade não é um atributo da personalidade, apesar de expressar-se através da personalidade. A criatividade transcende o ego e, na verdade, só chega a existir através da transcendência da individualidade. Ao contrário, podemos dizer que o ego é que obscurece a criatividade que não pertence a você nem a mim, nem a outra pessoa qualquer. Portanto, é bastante tolo e denota presunção alguém orgulhar-se da sua criatividade, ou de qualquer realização que venha daí. A criatividade pertence ao mundo integral da inteligência: na verdade, ela é a própria Inteligência, sempre que se possa manifestar — seja no homem, seja no animal, sobre a terra ou no mai longínquo ponto do espaço. 

Surpreendentemente, há certo número de pessoas, especialmente entre os chamados "racionalistas" e "livre-pensadores", que declaram não poder encontrar um traço de criatividade e inteligência, em todo o imenso mundo, fora do homem. A natureza, dizem eles, é completamente estéril, pois os acontecimentos são preparados inteiramente pelas leis da probabilidade, o que significa cego acaso. Penso que isso demonstra confusão de dois conceitos separados: por um lado, a maneira pela qual as coisas se perpetuam, a forma pela qual continuam a operar; por outro, a essência individual de cada uma das entidades observáveis na natureza, que é a sua "funcionalidade". O encaixe natural dessas "essências" e a funcionalidade das maiores entidades conglomeradas indicam, finalmente, que certas coisas e processos "fazem sentido". Tal como as peças de um gigantesco quebra-cabeças, vemos que elas se encaixam e indicam, portanto, que houve inteligência sendo envolvida, ou tendo-se envolvido, em algum ponto, ao longo da linha; a alternativa seria um mundo totalmente inanimado, de uma estrutura cem por cento ao acaso, ou o Caos. Por analogia, podemos tomar o caso do computador feito pelo homem. Também nesse caso, a unidade, quando funciona sem interferência humana, opera "automaticamente", isto é, pelas leis básicas da Física, portanto, ao fim e ao cabo, pelas leis de probabilidade. Contudo, não se pode negar que ele preenche uma função "significativa" — como que contra o processo do acaso — e, dessa forma, podemos dizer que foi tocado pela inteligência. 

Bem fora do argumento acima, as pessoas que não podem encontrar criatividade na Natureza parecem-me exemplificar aquelas que estão procurando alguma coisa distante do lugar onde se acham, quando essa coisa está junto delas. Como disse o Mestre Zen Hakuin: "Sem saber quanto a Verdade está próxima, as pessoas procuram-na longe... é uma pena!" Isso porque a criatividade que elas estão procurando e não podem encontrar é, antes de mais nada, a criatividade manifestada através da consciência, esta última compreendendo tanto o exterior como o interior, ou, respectivamente, o universo e a criatura, individualmente.

Seríamos poupados, de confusão, nesses assuntos, se estivéssemos cientes da forma pela qual são usados os termos "interior" e "exterior", com significado relativo ou absoluto. Se absoluto, eles não existem, mas seu uso se justifica quando o sentido relativista ou empírico é claramente entendido. Um bom exemplo deste último uso está na palavra "inspiração", que pode ser tida como resumo da criatividade. Inspiração significa, literalmente, retirar algo do exterior e, assim, implica uma fonte externa da verdade, isto é, "externa" para o ego. De onde, pensa o leitor, essa extraordinária energia vital poderia vir, a não ser do eu? O indivíduo "inspirado" representa um paradoxo, apenas para o dualista, não para o não-dualista, para o qual o "indivíduo" isolado do resto da existência representa uma completa miragem. Se, na verdade, não existe exterior nem interior, quando observamos o indivíduo "inspirado" estaremos observando a criatividade em ação. Esqueça o canal por onde veio essa criatividade, porque ele, de fato, não existe. 

Robert Powell, PHD.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O que é a verdadeira liberdade e como conquistá-la?

A verdadeira liberdade não é coisa que se adquira; é o resultado da inteligência. Você não pode sair e comprar liberdade no mercado. Não pode obtê-la lendo um livro ou ouvindo alguém falar. A liberdade vem com a inteligência. 

Mas, o que vem a ser a inteligência? Poderá haver inteligência quando há medo, ou quando a mente está condicionada? Quando a sua mente está cheia de preconceitos, ou quando você imagina que é um ser humano maravilhoso, ou quando é muito ambicioso e deseja subir a escada do sucesso, material ou espiritualmente, pode por acaso haver inteligência? Quando você está preocupado consigo mesmo, quando segue ou venera alguém, pode por acaso haver inteligência? De fato, a inteligência aparece quando você compreende toda essa estupidez e rompe com ela. portanto, você precisa começar a fazer isso; e a primeira coisa a fazer é tomar consciência de que sua mente não é livre.  Você precisa observar como sua mente está presa por todas essas coisas, e, então, haverá um princípio de inteligência, a qual acarreta liberdade. Você tem que encontrar a resposta por si mesmo. Qual é a vantagem de alguma outra pessoa ser livre quando você não o é, ou de outra pessoa ter alimento quando você morre de fome? 

Para ser criativo, o que implica ter realmente iniciativa própria, é preciso haver liberdade; e para haver liberdade é preciso haver inteligência. Portanto, você precisa inquirir e descobrir o que está entravando a sua inteligência. Precisa investigar a vida, tem de questionar os valores sociais, tudo, e não aceitar coisa alguma porque está com medo. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O estado de criação que não é imitação

Principalmente nestes tempos em que tanta confusão lavra pelo mundo, em que há tanta autoridades, tantos gurus, tantos guias, cada um deles afirmando e negando, cada um oferecendo um novo padrão de ação, não será importante descobrir o que é a ação independente do padrão, independente da cópia? Só podemos descobrir isso quando compreendermos o processo e o significado da imitação — não só a imitação e o conformismo produzidos pela autoridade de nossa experiência. A autoridade vem à existência — não é verdade? — quando desejamos estar bem seguros; e quanto mais desejarmos segurança, tanto menos a teremos — o que bem demonstram estas guerras intermináveis. Cada grupo constituído de supostos indivíduos deseja estar em segurança e por isso cria um sistema, um padrão de segurança baseado em sua própria autoridade, em conflito com a autoridade dos outros. Assim sendo, enquanto buscais a segurança, sob qualquer forma, psicológica ou fisiológica, haverá conflito, haverá destruição. O desejo de segurança implica conformismo; e só quando a mente está de fato insegura, completamente incerta, quando não depende de autoridade alguma, nem exterior nem interior, quando não está imitando um exemplo, um ideal, ou aferrada à autoridade do que foi — só então está a mente isenta de conformismos e, portanto, livre para descobrir; e só então há criação.

Nosso problema, pois, não é de como agir, mas de como fazer surgir aquele estado de criação que é a verdadeira individualidade. Aquele estado, obviamente, não se baseia em ideia alguma, porque a criação nunca pode ser uma ideação. A ideação tem de cessar, para que surja a ação criadora. Não pode haver ação criadora enquanto existir um padrão, uma ideia; e como a nossa vida está baseada na ideia, no ajustamento ao ideal, não somos criadores — este é o problema real, e não como agir. Qualquer um pode dizer-vos como agir, qualquer político, qualquer sistema engenhoso, pode indicar-vos o que deveis fazer; mas, ao fazê-lo, criareis mais malefícios, mais sofrimentos, mais confusão, mais luta, porque a vossa ação não é consequência da criação. Eis porque importa  que eu esteja livre do conformismo e seja um verdadeiro indivíduo. Para o conseguir, precisamos saber o que somos, a cada momento; e na compreensão do que somos, encontra-se a possibilidade de criar uma sociedade não baseada no conflito, na destruição e no sofrimento. Um indivíduo nesse estado é um indivíduo feliz, e a sociedade não exige imitação de virtude; ao contrário, a felicidade cria a virtude. Um homem feliz é um homem virtuoso — o homem infeliz é que não é virtuoso; e por mais que se esforce por se tornar virtuoso, enquanto for infeliz, para ele não existirá virtude. Pode ele tornar-se respeitável, mas a respeitabilidade só servirá para encobrir sua infelicidade. O que tem importância, portanto, é descobrir por nós mesmos o padrão de conformismo e perceber a verdade relativa a esse conformismo; porque só quando percebermos que o padrão é criado pelo temor à insegurança atingiremos o estado de criação.

Jiddu Krishnamurti — 12 de fevereiro de 1950 — O que estamos buscando?


O "estado de ser" que é felicidade suprema

Existe um pensante, como entidade separada do pensamento? Ora, não há entidade separada; só há pensamento, e foi o pensamento que criou a entidade separada chamada pensante. O pensamento é reação da memória, tanto da consciente como da inconsciente, da oculta como da patente; a memória é experiência, e a experiência é reação a estímulo e, depois, o processo de dar nome, o qual empresta mais desenvolvimento à memória. A memória reage como pensamento, nas relações, e todo esse processo de pensamento, esse ciclo de memória, estímulo, reação, experiência e dar nome, que vai aumentar a memória, é o que chamamos consciência. É só isso o que sou, e é só isso o que sei. Vejo, pois, que a minha ente funciona dentro da esfera do conhecido; e poderá ela funcionar fora dessa esfera? Percebo agora o processo integral do meu pensar, o que me leva a fazer a pergunta: Poderá a mente transcender o pensamento, que é resultado do conhecido? Não pode, evidentemente; porque, quando o pensamento procura passar além, o que ele segue é sua própria "projeção". O pensamento não pode experimentar o conhecido, só pode experimentar o que ele próprio "projetou", que é o conhecido. O pensamento é a mente, que é resultado do tempo, resultado do passado;e eu desejo saber se a mente é capaz de passar além de si mesma. Não pode, é claro, porque o "além" é desconhecido, não pertence ao tempo. Assim, a mente precisa findar — o que significa que deve estar quieta, meditativa. Meditação não é o tornar-se alguma coisa, mas a compreensão do processo total das relações, que é autoconhecimento. É só quando a mente está tranquila, não tendo sido obrigada a ficar tranquila, que existe a possibilidade de experimentar o desconhecido.

Pode, pois, a mente, que é o resultado da experiência, que é memória — pode a mente experimentar o desconhecido? Compreendem o problema? Pode a mente, que é memória, produto do tempo, experimentar o atemporal? A função da mente é lembrar; e a verdade será objeto de experiência e lembrança?(...) A questão é: a mente é o resultado do tempo, o tempo é memória, e a memória diz: "experimentei" ou "não experimentei". Será a verdade, o desconhecido, o imensurável, objeto de experiência, ou seja, algo para ser lembrado? Se vos lembrais de uma coisa, essa coisa já é o conhecido, não é? Será possível experimentar uma coisa que não existe em relação com o tempo — o que significa experimentar, vendo a verdade, momento por momento? Se me lembro da verdade, essa coisa não é mais a verdade; porque a memória é coisa do tempo, da continuidade, e a verdade não é do tempo, a verdade não é continuidade. A verdade do Buda não é a verdade que hoje descubro. A verdade só se apresenta na mente de todo silenciosa. A verdade não é coisa que possa ser procurada, experimentada, conservada, e adorada. Só é possível "experimentar" o atemporal, quando a mente está liberta de todo condicionamento. Assim, o autoconhecimento é a compreensão do condicionamento.

O que importa é compreender o processo total da mente. Trataremos disso mais tarde; cumpre-nos, agora, perceber que a verdade não é uma coisa suscetível de ser lembrada. O que é lembrado é do tempo, é coisa do passado, e a verdade nunca é do passado, nem do futuro; a verdade só pode estar no presente, naquele estado em que não existe o tempo. O tempo é o processo da mente, a mente é pensamento, o pensamento é reação da memória. A memória é a experiência do estímulo e da reação, e porque a reação é inadequada; cria-se o problema das relações. Assim, a compreensão do processo total do "eu" reside na compreensão das relações, na vida cotidiana, e essa compreensão liberta a mente do tempo, e ela, por conseguinte, é capaz de experimentar a realidade de momento em momento, o que não constitui um processo de lembrança — não mais podemos chamar "experiência" a esse estado, que é inteiramente diverso. Esse "estado de ser" é felicidade suprema, não é algo que aprendemos em livros e repetimos como discos de gramofone. Nesse estado, um homem é feliz, não repete, para ele a vida não tem problemas. É só a mente que cria problemas.

Jiddu Krishnamurti — 12 de fevereiro de 1950 — O que estamos buscando?

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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A sociedade é para o indivíduo, ou o indivíduo é para a sociedade?

Um problema se oferece à maioria de nós: se o indivíduo é simples instrumento ou fim da sociedade. Vós e eu, como indivíduos, existiremos para sermos utilizados, dirigidos, educados, controlados, ajustados a um certo padrão pela sociedade e pelo governo, ou a sociedade, o Estado, existirão para o indivíduo? O indivíduo é o fim da sociedade; ou apenas um fantoche, que existe para ser ensinado, explorado, massacrado como instrumento de guerra? Eis o problema que está nos desafiando. É o problema do mundo: se o indivíduo é mero instrumento da sociedade, um brinquedo à mercê de influências, pelas quais é moldado, ou se a sociedade existe para o indivíduo.

(...) Se o indivíduo é mero instrumento da sociedade, a sociedade, nesse caso, é muito mais importante que o indivíduo. A ser verdadeira tal afirmação, o que devemos fazer, então, é abandonar a individualidade e trabalhar para a sociedade; todo o nosso sistema educativo terá de ser revolucionado de alto a baixo e o indivíduo convertido num instrumento para ser usado e destruído, liquidado, eliminado. Mas, se a sociedade existe para o indivíduo, a função da sociedade não é então obriga-lo a ajustar-se a um padrão e sim dar-lhe o senso de liberdade, o impulso para a liberdade. Cumpre-nos, pois, averiguar qual das duas é falsa.

(...) Para se achar a verdade relativa a esta questão, é preciso estarmos livres de tudo quanto é propaganda, o que significa estarmos habilitados a estudar o problema independente da opinião. A tarefa da educação se cifra, toda ela, no despertar do indivíduo. Pra perceberdes tal verdade, precisais estar perfeitamente lúcidos, isto é, não deveis depender de guia algum. Quando escolheis um guia, o fazeis porque estais em confusão, e portanto, vossos guias acham-se também confusos, como estamos vendo acontecer no mundo. Consequentemente não podeis esperar orientação ou ajuda de vosso guia.

(...) Creio que quase todos nós reconhecemos a urgência de uma revolução interior, pois só ela pode operar uma transformação radical do exterior, da sociedade... Como produzir uma transformação fundamental, básica, na sociedade — este é o nosso problema; e esta transformação do exterior não pode efetuar-se sem a revolução interior. Uma vez que a sociedade é sempre estática, toda ação, toda reforma que se efetue sem esta revolução interior se torna igualmente estática. Nessas condições, não há esperanças, a menos que haja esta constante revolução interior, porquanto, sem ela, a ação exterior se torna maquinal, torna-se um hábito. A ação resultante das relações entre vós e outrem, entre vós e mim, é a sociedade, e essa sociedade se tornará estática, não terá qualidade vivificante alguma, enquanto não se verificar esta constante revolução interior, uma transformação psicológica criadora. Uma vez que esta constante revolução interior não existe, a sociedade está se tornando sempre estática, cristalizada e, em consequência, tem que se desgastar constantemente.

(...) O que sois interiormente se “projetou” no exterior, no mundo. O que sois, o que pensais, o que sentis, o que fazeis na vossa existência de cada dia, “projetando-se” exteriormente, constitui o mundo em que vivemos... A sociedade é o produto de nossas relações e, se estas são confusas, egocêntricas, interesseiras, limitadas, nacionais, “projetamos” tudo isso e produzimos caos no mundo.

O que sois o mundo é. Vosso problema, pois, é o problema do mundo... Desejamos produzir alteração por meio de um sistema ou de uma revolução das ideias e dos valores, baseada num sistema, esquecendo-nos de que sois vós e sou eu quem cria a sociedade, quem produz a confusão ou a ordem, conforme nossa maneira de viver. Por conseguinte, temos de começar com o que está perto, isto é, dar atenção à nossa existência diária, nossos pensamentos e sentimentos e ações de todos os dias, que se revelam na maneira como ganhamos nosso sustento, em nossas relações com ideias ou crenças... Estamos muito interessados em nosso sustento, em obter empregos, em ganhar dinheiro; estamos muito interessados em nossas relações com a família, com os vizinhos; e estamos muito interessados em ideias e crenças. Ora, se examinarmos bem nossa ocupação, veremos que ela se baseia fundamentalmente na inveja, não sendo apenas um meio de ganhar a vida. A sociedade está construída de tal maneira, que é um processo de constante conflito, constante “vir a ser”. Fundamente-se na ganância, na inveja, na inveja ao superior. Quando o escriturário deseja tornar-se gerente, isso denota que não está interessado somente em ganhar seu sustento, em ter um meio de subsistência, mas em alcançar posição e prestígio. Tal atitude provoca, naturalmente, devastações na sociedade, nas relações. Mas, se vós e eu estivéssemos interessados unicamente no ganho de nosso sustento, em ter um meio de subsistência, haveríamos de achar a maneira correta de ganhar a vida. Um meio não baseado na inveja. A inveja é um dos fatores mais destrutivos nas relações, porquanto a inveja indica desejo de poder, de posição, e conduz, por último, às atividades políticas.

(...) Em que estão baseadas as nossas relações?... Certamente, não no amor, embora falemos de amor. Não se baseiam no amor, porque se houvesse amor, haveria ordem, haveria paz, felicidade, entre vós e mim. Mas, nas relações entre vós e mim, há grande soma de malevolência, que assume forma de respeito. Se fossemos ambos iguais, no pensamento e no sentimento, não haveria respeito, não haveria malevolência, porque seríamos dois indivíduos associados não como discípulo e mestre, não como marido escravizador da esposa, ou esposa escravizadora do marido. Havendo malevolência, há também o desejo de domínio, que suscita inveja, irritação, paixão. Daí, um constante conflito em nossas relações, do qual procuramos escapar, produzindo mais caos e mais sofrimento.

(...) O problema a enfrentar, por conseguinte, é se pode existir uma sociedade de natureza estática e ao mesmo tempo um indivíduo no qual se processe esta constante revolução. Isto é, a revolução na sociedade deve começar pela transformação interior, a transformação psicológica do indivíduo. Quase todos nós desejamos ver uma transformação radical na estrutura da social... Ora, se há uma revolução social, isto é, uma ação visando a estrutura exterior do homem, por mais radical que seja esta revolução social, sua verdadeira natureza é estática, se não houver a revolução interior o indivíduo, sua transformação psicológica. Por conseguinte, para se criar uma sociedade não repetitiva, não estática, não sujeita à desintegração, uma sociedade sempre viva, é imprescindível que haja uma revolução na estrutura psicológica do indivíduo; porque, sem revolução interior — a revolução psicológica — a mera transformação do exterior tem muito pouco sentido. Isto é, a sociedade está se tornando sempre cristalizada, estática, e, por isso, desintegrando-se, constantemente. Por mais leis que se promulguem, e por mais sábias que elas sejam, a sociedade continua sempre no processo de decomposição, porque a revolução deve operar-se interiormente, e não, apenas, no exterior.

(...) Se as relações entre os indivíduos, que é a sociedade não resultarem da revolução interior, então, a estrutura social, uma vez que é estática, absorve o indivíduo e o torna estático, repetitivo... O fato é que a sociedade está sempre a cristalizar-se e a absorver o indivíduo, e que a revolução constante, a revolução criadora, só pode realizar-se no indivíduo, e não na sociedade, no exterior. Quer dizer, a revolução criadora só pode realizar-se nas relações individuais, que constituem a sociedade... Por conseguinte, temos de ser criadores, pois o problema é urgente. Vós e eu devemos perceber claramente as causas do colapso da sociedade, e criar uma nova estrutura, não baseada na simples imitação, e, sim, em nossa compreensão criadora.

(...) Por que está ruindo a sociedade, desmoronando, como não há dúvidas que está? Uma das razões fundamentais é que o indivíduo — vós — deixou de ser criador... Vós e eu nos tornamos imitadores, estamos copiando, exterior e interiormente... Nossa educação, nossa estrutura social, nossa pretensa vida religiosa, esta toda baseada na imitação. Quer dizer, estou ajustado a uma determinada fórmula social ou religiosa. Deixei de ser um verdadeiro indivíduo, e, psicologicamente, tornei-me simples máquina repetitiva, com certas reações condicionadas segundo o padrão da sociedade, seja oriental, seja ocidental, religioso ou materialista.

Uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é, pois, a imitação, e um dos fatores desintegradores é o guia, o líder, cuja essência mesma é a imitação... Quando há imitação, é inevitável a desintegração; quando há autoridade é inevitável a cópia. E já que toda a nossa estrutura mental, psicológica, está baseada na autoridade, faz-se necessário que nos libertemos de autoridades, para podermos ser criadores. Já não notastes que, nos momentos criadores, nesses raros momentos felizes, e de vital interesse, não há senso de repetição, não há senso de cópia? Esses momentos são sempre novos, fecundos, felizes. Vê-se pois que, uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é o copiar, que significa: veneração da autoridade.

Krishnamurti —A primeira e última liberdade

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill