PERGUNTA: Em todas as religiões, advoga-se a oração, como coisa necessária. Que dizeis acerca da oração?
KRISHNAMURTI: Não importa o que eu possa dizer a respeito de oração, porque então o que digo se torna meramente uma opinião oposta a outra opinião, e opinião nenhuma tem validade. Mas o que se pode fazer é investigar os fatos.
Que se entende por oração? Em parte, a oração é súplica, petição, desejo. Quando vos vedes em tribulação, aflição, e desejais ser confortado, rezais. Estais confusos, e desejais claridade. Os livros não vos satisfazem, o guru não vos dá o que desejais, e portanto recorreis à oração — a súplica silenciosa ou recitação de frases.
Ora bem, se ficais repetindo certas palavras e frases, vereis que a mente se tornará muito quieta. É um evidente fato psicológico que a quietude da mente superficial é produzida pela repetição. E, aí, que acontece? O inconsciente pode ter uma solução para o problema que está agitando a mente superficial. Estando esta tranquila, pode o inconsciente transmitir-lhe a sua solução e dizemos, então: "Deus me atendeu". É com efeito, fantástico — se nos pomos a pensar no assunto — é fantástico ver-se essa mente pequenina, banal, que se acha num estado de tribulação por ela própria provocada, esperar uma resposta daquele "outro estado" — o imensurável, o desconhecido. Mas nossa petição é deferida, achamos uma solução, e ficamos satisfeitos. Este é um dos aspectos da oração.
Agora, rezais quando sois felizes? Quando estais apercebidos dos sorrisos e das lágrimas dos que vos cercam; quando vedes o céu límpido e risonho, as montanhas, os campos cheios de riquezas, os movimentos ligeiros das aves; quando há alegria e deleite no vosso coração — rezais então? Não o fazeis, naturalmente. Entretanto, ser sensível às belezas da terra e também às suas misérias e sofrimentos, estar apercebido de tudo o que se passa em derredor — isso também, por certo, é uma forma de oração. Talvez tenha mesmo muito mais significação, um valor muito mais alto, porquanto poderá varrer-nos do espírito as teias-de-aranha da memória, os impulsos vingativos, enfim todas as estúpidas acumulações do "eu". Mas uma mente que se acha ocupada consigo mesma e seus próprios desígnios, que está cativa de crenças, dogmas, temores, ciúmes, ambições, avidez, inveja — essa mente de modo nenhum pode estar apercebida desta coisa maravilhosa que se chama a vida. Ela está presa nas correntes de sua própria atividade egocêntrica; e quando essa mente ora, seja pedindo uma geladeira, seja pedindo solução para os seus problemas, ela continua pequenina, ainda que suas orações sejam atendidas.
Tudo isso suscita a questão da meditação, não é verdade? A meditação é evidentemente necessária. A meditação é uma coisa extraordinária, mas em geral não sabemos o que é meditar. Só nos interessa saber como meditar, praticar um método ou sistema que nos faça ganhar alguma coisa, "realizar" o que chamamos Paz, Deus. Nunca nos interessou descobrir o que é meditação e quem é o meditador. Mas se começarmos a investigar o que é meditação, talvez venhamos a saber o que é meditar. O investigar da meditação é meditação. Mas para poderdes investigar o que é meditação, não deveis estar seguindo sistema algum porque, em tal caso, a vossa meditação fica condicionada pelo sistema. Para se poder explorar a fundo este problema da meditação, todos os sistemas têm de desaparecer. Só uma mente livre pode explorar; e o próprio mecanismo de libertar a mente, para explorar, é meditação.
Krishnamurti, Terceira Conferência em Madanapale
26 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana