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sábado, 7 de abril de 2018

O mecanismo da prece e da oração

O mecanismo da
prece e da oração

PERGUNTA: Em todas as religiões, advoga-se a oração, como coisa necessária. Que dizeis acerca da oração?

KRISHNAMURTI: Não importa o que eu possa dizer a respeito de oração, porque então o que digo se torna meramente uma opinião oposta a outra opinião, e opinião nenhuma tem validade. Mas o que se pode fazer é investigar os fatos.

Que se entende por oração? Em parte, a oração é súplica, petição, desejo. Quando vos vedes em tribulação, aflição, e desejais ser confortado, rezais. Estais confusos, e desejais claridade. Os livros não vos satisfazem, o guru não vos dá o que desejais, e portanto recorreis à oração — a súplica silenciosa ou recitação de frases.

Ora bem, se ficais repetindo certas palavras e frases, vereis que a mente se tornará muito quieta. É um evidente fato psicológico que a quietude da mente superficial é produzida pela repetição. E, aí, que acontece? O inconsciente pode ter uma solução para o problema que está agitando a mente superficial. Estando esta tranquila, pode o inconsciente transmitir-lhe a sua solução e dizemos, então: "Deus me atendeu". É com efeito, fantástico — se nos pomos a pensar no assunto — é fantástico ver-se essa mente pequenina, banal, que se acha num estado de tribulação por ela própria provocada, esperar uma resposta daquele "outro estado" — o imensurável, o desconhecido. Mas nossa petição é deferida, achamos uma solução, e ficamos satisfeitos. Este é um dos aspectos da oração.

Agora, rezais quando sois felizes? Quando estais apercebidos dos sorrisos e das lágrimas dos que vos cercam; quando vedes o céu límpido e risonho, as montanhas, os campos cheios de riquezas, os movimentos ligeiros das aves; quando há alegria e deleite no vosso coração — rezais então? Não o fazeis, naturalmente. Entretanto, ser sensível às belezas da terra e também às suas misérias e sofrimentos, estar apercebido de tudo o que se passa em derredor — isso também, por certo, é uma forma de oração. Talvez tenha mesmo muito mais significação, um valor muito mais alto, porquanto poderá varrer-nos do espírito as teias-de-aranha da memória, os impulsos vingativos, enfim todas as estúpidas acumulações do "eu". Mas uma mente que se acha ocupada consigo mesma e seus próprios desígnios, que está cativa de crenças, dogmas, temores, ciúmes, ambições, avidez, inveja — essa mente de modo nenhum pode estar apercebida desta coisa maravilhosa que se chama a vida. Ela está presa nas correntes de sua própria atividade egocêntrica; e quando essa mente ora, seja pedindo uma geladeira, seja pedindo solução para os seus problemas, ela continua pequenina, ainda que suas orações sejam atendidas.

Tudo isso suscita a questão da meditação, não é verdade? A meditação é evidentemente necessária. A meditação é uma coisa extraordinária, mas em geral não sabemos o que é meditar. Só nos interessa saber como meditar, praticar um método ou sistema que nos faça ganhar alguma coisa, "realizar" o que chamamos Paz, Deus. Nunca nos interessou descobrir o que é meditação e quem é o meditador. Mas se começarmos a investigar o que é meditação, talvez venhamos a saber o que é meditar. O investigar da meditação é meditação. Mas para poderdes investigar o que é meditação, não deveis estar seguindo sistema algum porque, em tal caso, a vossa meditação fica condicionada pelo sistema. Para se poder explorar a fundo este problema da meditação, todos os sistemas têm de desaparecer. Só uma mente livre pode explorar; e o próprio mecanismo de libertar a mente, para explorar, é meditação.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Madanapale
26 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

sábado, 10 de agosto de 2013

Sobre oração, Prece, Súplica

Que entendemos por prece? Por certo, só oramos quando sofremos, quando estamos na infelicidade, quando há conflito, confusão, dor. Rezamos quando estamos felizes, quando sentimos alegria, quando nossos corações transbordam? Certamente que não. Só oramos quando estamos atribulados, (…) incertos, (…) não sabemos o que fazer; voltamo-nos, então, para alguém, pedindo socorro. (Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 68)

A prece, pois, em geral, é súplica (…) É petição, é desejo, é um ato psicológico de estender a mão para que a segurem, (…) a encham. E quando pedis, recebeis (…) Mas o que recebeis é sempre o que desejais, nunca o que não desejais; portanto, o que recebeis é vossa própria projeção. O que recebeis, em resposta à prece, é moldado pela vossa fantasia, vossa limitação, vosso condicionamento. Quanto mais pedirdes, tanto mais recebereis da vossa própria projeção; e com isso vos satisfareis. (Idem, pág. 69)

Mas é a prece um processo de satisfação pessoal? Que acontece quando orais? Repetis certas palavras, assumis determinada postura; e quando há constante repetição de palavras e frases, é claro que a mente se torna quieta. (…) A mente não está de fato tranquila, pois está querendo alguma coisa; (…) Quereis ser socorrido porque estais confuso, incerto, e recebereis aquilo que desejais. Mas essa resposta à vossa súplica não é a voz da realidade: é a resposta de vossa própria projeção, e também da projeção coletiva. (Idem, pág. 69)

Ora, a prece, a súplica, a petição, jamais poderá revelar o que não é projeção da mente. Para encontrar-se aquilo que não é fabricação da mente, precisa a mente estar quieta — não posta quieta pela repetição de palavras, que é auto-hipnose (…) A tranqüilidade que é (…) forçada, não é tranqüilidade. (Por que não te Satisfaz a Vida, pág. 70)

(…) O forçar, de qualquer modo que seja, nunca pode produzir tranqüilidade. A tranqüilidade da mente só pode surgir com a cessação do pensamento; e o pensamento cessa quando se compreende o pensador (…) Por conseguinte, (…) sem autoconhecimento, o simples orar tem muito pouca significação. A prece não pode abrir a porta do autoconhecimento. (Idem, pág. 70-71)

O que abre a porta do autoconhecimento é a vigilância constante — não o exercício de vigilância, mas, sim, o estar vigilante, momento a momento, e descobrindo. O descobrir nunca pode ser cumulativo. (…) O descobrir é sempre novo momento a momento (…) (Idem, pág. 71)

Pergunta: Para que serve a oração?

Krishnamurti: (…) Só orais quando estais em confusão, (…) em dificuldade, e então a vossa prece é um pedido. Um homem atribulado reza, o que significa que está pedindo, está necessitado de ajuda. (…) Assim, o homem que está contente, (…) feliz, (…) que percebe a realidade com toda a clareza, e a compreende, nas atividades de cada dia — esse homem não necessita da prece. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 38)

Ora, pode alguma força exterior socorrer-me? A força exterior pode ajudar-me a sair do conflito, (…) a fugir dele; mas enquanto eu não compreender a minha confusão, criarei nova confusão. (…) Assim, enquanto eu não compreender o produtor da confusão, que sou eu mesmo, enquanto eu não lançar luz nessa confusão, por mim mesmo, o simples recorrer a uma força exterior é de muito pouca valia. (Idem, pág. 40)

Que acontece quando orais? Que fazeis, quando orais? Recitais certas palavras, certas frases. (…) Pela repetição de frases, fazemos a mente ficar tranquila. Ela não está tranquila: foi posta tranquila. (…) A mente posta tranquila, a poder de repetição, é compelida, hipnotizada para o silêncio. Ora, que acontece quando a mente é artificialmente posta tranquila? (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 41)

Assim, quando orais e fazeis a mente ficar quieta, por meio de palavras, estais em busca de uma solução que vos proporcione satisfação. Já concebestes a solução de antemão, a qual tem de ser satisfatória; (…) Vede (…) a importância disso. Vós criais aquilo que desejais (…) O problema está liquidado, portanto, e dizeis que a solução veio de Deus. (…) (Idem, pág. 41-42)

Assim, que acontece quando uma mente se recusa a compreender o problema e busca a solução numa força exterior? Consciente ou inconscientemente, obtém uma solução satisfatória — pois se o não fosse, a mente a rejeitaria. (…) Quando fazemos a mente ficar quieta por meio de prece, o inconsciente, que é o resíduo de nossas próprias conclusões satisfatórias, se projeta em nossa mente consciente, sendo assim atendida a nossa prece. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 42)

Vemos, pois, que, quando oramos, estamos à procura de um meio de fuga (…); e a força exterior que nos dá a resposta é a nossa satisfação, nosso consciente ou inconsciente identificado com o desejo que queremos satisfazer. (Idem, pág. 42)

Assim, o homem que deseja compreender qualquer problema, só pode compreender com a mente quieta, imparcial. (…) De modo idêntico, a prece, sem autoconhecimento, conduz à ignorância, à ilusão. Autoconhecimento é meditação, e sem autoconhecimento não há meditação. (…) (Idem, pág. 43)

Pergunta: Que é, para vós, oração e meditação?

Krishnamurti: Meditação é sinônimo de oração? (…) Vós rezais? (…) Por que rezais? Quando estais na claridade, quando sentis alegria, felicidade, rezais? Ora, essa alegria, essa felicidade, são, em si mesmas, uma forma sublimada da inteligência e do viver. Só rezamos quando nos vemos em confusão, em aflição, quando desejamos alguma coisa. (…) E quando nos vemos em aflição, irremediavelmente perdidos, frustrados, incompletos — só então precisamos que alguém nos ajude e, por conseguinte, rezamos. Recitamos, repetidamente, frases, forçamos a mente a tornar-se tranquila (…) (Viver sem Temor, pág. 74-75)

O impulso que nos faz rezar, é o nosso desejo de dominar o medo ou a aflição, e naturalmente obtemos uma resposta. Quando pedis, recebeis, e o que recebeis depende do estado da vossa mente, do vosso desejo, do vosso sofrimento. Quando rezais, assumis dada postura, repetis certas frases e quietais, assim, a mente consciente; e, quando a mente consciente está quieta, pode o inconsciente enviar uma resposta para a solução do vosso sofrimento, do vosso problema; ou a resposta pode vir à mente consciente, não de dentro, mas de fora de vós mesmos. Mas isso, por certo, não é meditação. Meditação é tornar a mente vazia de tudo o que é conhecido. (…) (Viver sem Temor, pág. 75-76)

O que realmente acontece é que a camada consciente da mente, aquietada mediante apaziguamento, embotada pela repetição, recebe uma resposta ao pedido feito; e o que pedis obtendes — mas não é a Verdade. Se desejais e pedis, obtereis; mas no fim tereis de pagar por isso. (Idem, pág. 92-93)

Qual é o “processo” da oração? Em primeiro lugar, evidentemente, oramos porque estamos confusos. Um homem feliz não ora (…) Um homem que sente alegria, deleite, não reza. Assim, o homem que reza está em confusão, em aflição, em tribulação. E que acontece quando ele reza? (…) Vós vos ajoelhais ou vos sentais quieto, tomais certa postura (…) Ou, enquanto andais, vossa mente reza. Pois bem, que se passa nesse “processo”? (Que Estamos Buscando?, 1ªed., pág. 198-199)

Quando rezais, a vossa mente está repetindo certas palavras, certas frases cristãs ou sânscritas; e a repetição dessas frases torna a mente tranquila (…) Experimentai-o e vereis (…) O que não representa uma tranqüilidade real, porém uma forma de hipnose. Ora, quando a mente superficial é aquietada artificialmente, que acontece? Sem dúvida, as camadas mais profundas da mente enviam suas mensagens (…) Todos os níveis mais profundos da consciência (…) tudo isso está sempre em atividade. (…) (Idem, pág. 199)

Mas não há dúvida de que as camadas mais profundas da consciência estão sempre em atividade; sempre à espera, sempre vigilantes; é quando a mente superficial (…) se torna um tanto quieta, ou a fazemos ficar quieta; então, naturalmente, as memórias interiores enviam suas mensagens; e a essas mensagens chamamos de voz de Deus. (…) Quando nos vêm essas mensagens, elas devem ser, evidentemente, o resultado da experiência coletiva e individual, da memória racial (…) (Idem, pág. 199)

As memórias coletivas, os instintos coletivos, as idiossincrasias e reações coletivas — tudo isso projeta na mente tranquila a sua sugestão, mas esta provém sempre da entidade limitada, da consciência condicionada, e não de uma esfera exterior. Eis como são atendidas as vossas preces. Vós sois parte do coletivo, e vossas preces são atendidas pelo coletivo que está em vós; (…) (Idem, pág. 200)

Tivestes a “experiência” de vossas particulares devoções a ídolos fabricados pela mão ou pela mente. (…) E a tal experiência chamais de estado místico, extraordinário. O homem que (…) chama isso “misticismo” está iludindo a si próprio; está apenas a projetar seus próprios desejos, condicionamentos, exigências não preenchidas, (…) sob a aparência de virtude, nobreza, visões. (…) (Uma Nova Maneira de Agir, pág. 139)

Identicamente, a fuga mediante preces, repetição de palavras, se assenta em razões bastante óbvias: estais desgostoso da vida de aflição, sofrimento, conflito (…) Por isso, orais a alguém — a um ser que chamais Deus — pedindo alívio, consolação. Derramais lágrimas, rogais, sufocado por vosso próprio desejo de ignorar o que é. (…) (Idem, pág. 139)

Quando orais, estais suplicando, pedindo, rogando, estendendo a mão a alguém (…); e, em geral, há sempre alguém que o faz, que vos enche a mão. Porque buscais preenchimento, pedis, rogais, procurais alguém que vos dê algo, que vos encha as mãos, o coração, a mente; e esse preenchimento vos é concedido. (Idem, pág. 139)

Assim, pela compreensão da “experiência” e o percebimento da verdade a seu respeito, a mente fica livre da exigência de experiência. Pela compreensão e observação, pelo percebimento da falsidade da oração, das diferentes posturas preconizadas, da respiração — pelo percebimento da falsidade, e da verdade a esse respeito, ficais livre. Livre dessa necessidade de suplicar, de vos absorverdes em brinquedos (…) (Idem, pág. 142)

Pergunta: Numa de vossas palestras dissestes que, quando uma pessoa reza, recebe, mas terá de pagar, no fim. Qual é a entidade que atende às nossas preces (…)?

Krishnamurti: Não vos alegra verificar que nem tudo o que pedis por meio da prece vos é concedido? (…) É bem evidente que só orais quando estais confusos, atribulados, (…) infelizes. Não orais quando sentis alegria, mas só quando sentis medo e (…) dor. (Que Estamos Buscando?, pág. 79)

Que acontece quando orais? (…) Quando orais, tranquilizais a mente com a repetição de certas frases; isto é, a mente é posta quieta, narcotizada, pela repetição (…) de palavras ou pela fixação do olhar num retrato ou numa imagem. (…) (Idem, pág.79-80)

(…) Quando a mente superficial está tranquila, nessa camada superior da mente insinua-se a resposta mais satisfatória. A prece coletiva tem idêntico efeito. Vós suplicais, estendeis o chapéu para receber; desejais satisfação, (…) uma fuga da vossa confusão. (…) (Idem, pág. 80)

Assim, quando a mente está anestesiada ou parcialmente adormecida, nela se projeta, inconscientemente, a resposta satisfatória, a qual é a influência geral do mundo que vos rodeia. Existe o reservatório coletivo da ganância, do desejo universal de livrar-se do que é; (…) Mas esse reservatório será Deus, a verdade suprema? Por favor, examinai bem (…) com toda a atenção, e vereis. (Que Estamos Buscando?, pág. 80)

Quando orais a Deus, orais a algo com que estais em relação, e só podeis estar em relação com uma coisa que conheceis; logo, o vosso Deus é uma projeção de vós mesmo, herdada ou adquirida. Quando a mente suplica, terá uma resposta, mas essa resposta (…) criará novos problemas. É este o preço que pagais. (…) (Idem, pág. 80)

Jiddu Krishnamurti


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Observando a questão da "prece"

A meditação não pode ser súplica, que é prece. Você já rezou alguma vez? O que acontece realmente quando você reza? Por que você reza? Você reza (não é verdade?) somente quando se encontra em dificuldades, quando se sente perturbado. Não reza quando quando está feliz, alegre, quando tem clareza; reza somente quando está confuso, quando existe o medo de um certo acontecimento, a fim de resguardar a si mesmo; ou, também, reza para conseguir aquilo que deseja. Você reza, porque há medo em você. Não estou dizendo que a prece é somente medo; mas toda súplica resulta do medo. Uma petição, uma prece poderá dar-lhe alegria; a prece suplicante, dirigida àquele que você chama o desconhecido, poderá ser atendida conforme você deseja, mas essa resposta à sua súplica pode proceder do seu inconsciente, ou do reservatório geral, do depósito de todos os seus desejos. A resposta não é a voz silenciosa de Deus. 

O que acontece quando você reza? pela constante repetição de certas frases e pelo controle de seus pensamentos, a mente consciente se torna quieta. Você se ajoelha como os cristãos, ou se senta como os hindus, e começa a repetir, repetir, e em virtude dessa repetição a mente se aquieta. Nessa quietude, lhe chega uma dada comunicação. Essa comunicação de algo que você suplicou pode proceder do inconsciente ou pode ser a reação de suas lembranças. Mas, por certo, não é a voz da realidade, porque a voz da realidade tem de vir a você; não podemos invocá-la e não podemos rezar por ela. Você não pode atraí-la para a sua estreita gaiola, pela execução do puja, do bhajan, e do que mais seja, pela oferenda de flores, pelo apaziguamento, pela repressão de si mesmo ou estimulação com outros. Tudo isso são formas de auto-hipnose. Mas, depois de você adquirir a habilidade de aquietar a mente, mediante a repetição de palavras e a recepção de sugestões, nesse estado de tranquilidade existe o perigo — a não ser que você esteja plenamente vigilante, para ver de onde procedem as sugestões — existe o perigo de você ficar preso; e, em tal caso, a prece se torna um substituto da procura da Verdade. Nessas condições, uma mente aquietada pela prece não é uma mente tranquila, uma vez que é uma coisa feita, e que pode ser desfeita. O que realmente acontece é que a camada consciente da mente, aquietada mediante apaziguamento, embotada pela repetição, recebe uma determinada resposta ao pedido feito; e o que você pede obtém — mas não é a Verdade. Se você deseja, e pede, obterá; mas no fim terá de pagar por isso. 

Vemos, por conseguinte, que a prece, como súplica, concorre para tranquilizar a mente; mas há ainda uma outra forma de prece, que consiste em se ficar num estado de completa receptividade, sem pedir coisa alguma, pelo menos, conscientemente. Essa receptividade sensível, provocada pela prece, é também uma forma de tranquilidade. É meramente o seu desejo que está provocando a resposta do inconsciente; e essa receptividade aberta da mente consciente, que foi posta em tranquilidade, não é capaz de compreender, porquanto a mente foi levada à tranquilidade, mas não está tranquila. Uma mente posta tranquila, nunca pode estar tranquila; só pode receber uma resposta dentro das fronteiras de sua própria limitação. Uma mente estúpida pode ser posta tranquila, mas a resposta terá de ser estúpida. Pode a mente estúpida julgar que a resposta obtida procede diretamente de Deus, mas não é tal. Uma mente posta em tranquilidade só pode receber uma resposta em conformidade com seu próprio condicionamento. Vemos, pois, que a prece não é meditação. 

Tampouco a devoção é meditação. Meditação não significa a nossa própria imolação a uma ideia. Qual é a sua devoção? Você se devota àquilo que lhe dá satisfação. Se uma coisa não lhe proporciona satisfação, você não se devota a ela. Você é devoto enquanto aquilo a que se devota lhe traz satisfação; logo que cessa a satisfação, você segue adiante. Muda de guru ou muda de ideia. O instrutor, o guru, a imagem, é a própria "projeção" do devoto; e essa "projeção" própria está baseada na satisfação. Assim sendo, na realidade, você é devoto de si mesmo, exteriorizado em deidade, em ideia, ou num Mestre, ou num quadro. Você se devota somente àquilo que lhe proporciona satisfação; e, dessa forma, um devoto, com todo o seu ritual, suas grinaldas, seus cânticos, está adorando a própria imagem, glorificada, ampliada. Por certo, tal coisa não é meditação.

A meditação não é disciplina. O mero disciplinar da mente é limitar a mente, é levantar uma muralha em torno dela, a fim de que não possa libertar-se. Esta a razão por que uma mente que foi disciplinada, uma mente que foi moldada, controlada, reprimida, que encontrou substitutos, que encontrou sublimação, é sempre uma mente incapaz de libertar-se. 

Pode a liberdade vir à existência por meio da disciplina? Você pode se disciplinar para ser livre? Se você se servir de meios errôneos, o fim também será errôneo, porque o fim não é diferente do meio. Assim sendo, quando uma mente é disciplinada para alcançar um resultado, tal resultado nada mais é do que a "projeção" da mente disciplinada. Não há, por conseguinte, liberdade, mas apenas um estado de disciplina. A meditação, portanto, não é disciplina. 

A meditação não é concentração, a meditação não é prece, não é devoção, a meditação não é um processo de disciplina. O que é ela, então? Vamos averiguá-lo. Ora, ao descobrir que a concentração, a prece, a devoção e a disciplina não constituem a meditação, o que acontece? Você está descobrindo a si mesmo em ação, não é verdade? A compreensão dessas coisas significa o descobrimento de seu próprio processo pensante, o que representa autoconhecimento, não é verdade? A revelação desse processo é a revelação de si mesmo em ação; compreender isso é compreender a si mesmo. Não há meditação sem autoconhecimento; eis o que acabamos de descobrir. 

Por conseguinte, você está observando a si mesmo em ação, na concentração, na prece, na disciplina e na devoção. 

O que agora estamos fazendo é a descoberta de nós mesmos, tais como somos, sem engano, nem ilusão. O que acontece então? O autoconhecimento, em si, não é um fim, o autoconhecimento é o movimento do "vir a ser". Ao examinar esses quatro aspectos de mim mesmo, em ação, descobri que existe somente um processo, ou seja, que estou interessado em vir a ser, interessado em continuidade. Assim, pois, quanto maior for o conhecimento do "ego", do "ego" em todo e qualquer nível, o que significa ver a verdade de cada momento, a verdade que não é produto da experiência, porém percepção imediata, tanto maior a tranquilidade da mente. Por exemplo, o perceber a verdade relativa à prece, com tudo o que ela implica, liberta a mente da prece, do medo e da súplica. Identicamente, ao perceber-se a verdade relativa à disciplina, com tudo o que ela implica, dá-se a libertação da disciplina. Há, assim, muito mais conhecimento, inteligência e percebimento. A mente é libertada do seu "vir a ser" e, por conseguinte, há o percebimento da verdade. 

Mas é preciso que "experimentemos" isso; não podemos ir mais longe sem "experimentar". Se você ainda está preso à prece, não adianta ir mais longe, nenhum significação isso tem; se você está ainda preso na disciplina, o seu prosseguir nada significa; o mesmo acontece também, se você ainda se preocupa com o controle do pensamento. Mas, uma mente que está tranquila, que não foi posta tranquila, que não é forçada ao silêncio; uma mente que está tranquila por que tem verdadeiro interesse, porque divisou a verdade, porque a verdade veio a ela, é inteligente e está liberta do conflito. O conflito se dissolve pela percepção de cada movimento do pensamento e do sentimento, e pela percepção da verdade relativa a tais movimentos. A verdade só é perceptível, ou só pode vir à existência, quando já não existe condenação, justificação e comparação; só então está a mente tranquila, só então acaba a memória. 

(...) Assim, pois, o autoconhecimento é o começo da sabedoria, e sem a sabedoria não pode haver tranquilidade. Sabedoria não é sapiência. A sapiência é um obstáculo à sabedoria, à revelação do "ego", momento a momento. A mente que está quieta conhecerá o ser, conhecerá o amor. O amor não é pessoal nem impessoal. Amor é amor, e a mente não pode definir ou descrever o amor como inclusivo ou exclusivo. O amor é a sua própria eternidade; ele é o real, o supremo, o imensurável. 

Jiddu Krishnamurti — 13 de fevereiro de 1949   


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill