Há, de fato, um estado de tranquilidade atemporal?
PERGUNTA: Quando se alcança o estado em que a mente se tornou tranquila, e não se tem nenhum problema imediato, que nasce dessa tranquilidade?
KRISHNAMURTI: Aí está uma pergunta extraordinária, não achais? Tendes por certo que atingistes essa mente tranquila, e desejais saber o que acontece depois disso. Mas ter uma mente tranquila é uma das coisas mais difíceis. Teoricamente, é facílima; mas, na realidade, esse é um dos estados mais extraordinários, indescritíveis. O que acontece, vós o descobrireis quando chegardes lá. Mas esse "chegar lá" é o problema, e não o que acontece depois. Não se pode "chegar" a esse estado. Ele não é um "processo", não é uma coisa que se irá alcançar mediante certa prática. Não é uma coisa adquirível com tempo, com saber, com disciplinas, mas que só se realiza pela compreensão do "mecanismo" total de nosso próprio pensar, e não pelo tentarmos alcançar um resultado. Então, será possível que se torne existente aquela tranquilidade. O que depois acontece é indescritível, não tem palavra que o defina, não tem "significação". Deveis saber que toda experiência — sempre que há experimentador — deixa uma lembrança, uma cicatriz. E a essa lembrança a mente fica apegada, e deseja mais, e cria assim o tempo.
Mas o estado de tranquilidade é atemporal e, portanto, não há experimentador para experimentar aquela tranquilidade.
Vede, por favor, que isto — se desejais compreendê-lo — é realmente muito importante. Enquanto existir um "experimentador" que diz "Tenho de experimentar a tranquilidade", e conhece a experiência, não se trata então de tranquilidade e, sim, de um truque da mente. Quando digo que experimentei a tranquilidade, isso foi simplesmente uma fuga à confusão, ao conflito, e nada mais. A tranquilidade a que nos referimos é coisa completamente diversa. Eis porque tanto importa compreender o pensador, o experimentador, o "eu" que reclama um estado a que chama "tranquilidade". Posso ter um momento de tranquilidade, mas, quando o tenho, a mente se apega a ele e fica vivendo naquela tranquilidade pela memória. Mas isso não é tranquilidade, porém, sim, mera reação. Estamos falando de uma coisa muito diferente: de um estado em que não há "experimentador", e por conseguinte aquele silêncio, aquela tranquilidade não é uma experiência. Se há uma entidade que se recorda daquele estado, há então experimentador, e, portanto, tal experiência não é aquele estado. Isso, na realidade, significa morrer para cada experiência, nunca havendo um momento em que se guardem e acumulem experiências. Afinal de contas, é essa acumulação que produz conflito, que produz o desejo de mais. A mente que acumula, que é ávida, não pode morrer para todas as coisas que acumulou. Só a mente que morreu para tudo o que acumulou, mesmo para a experiência mais sublime, só essa mente pode conhecer aquele silêncio.
Mas aquele estado não pode ser criado pela disciplina, porque disciplina implica continuidade do experimentador, o fortalecimento de certa intenção de alcançar dado objetivo, o que dá ao experimentador continuidade. Se percebermos essa coisa com muita simplicidade, muita clareza, encontraremos aquele silêncio mental a que me estou referindo. O que posteriormente acontece não pode ser contado, não pode ser descrito, porque não tem "significação", a não ser em livros e em filosofia.
OUVINTE: Se não tivermos experimentado essa tranquilidade completa, como podemos saber que ela existe?
KRISHNAMURTI: Porque precisamos saber que ela existe? Ela pode não existir, absolutamente, pode ser ilusão, fantasia minha. Mas pode-se ver que, enquanto há conflito, a vida é uma calamidade. Compreendendo o conflito, saberei o que significa "a outra coisa". Ela pode ser uma ilusão, uma invenção, um truque da mente; mas, se compreendo todo o significado do conflito, tenho a possibilidade de encontrar algo totalmente diferente. Minha mente está muito ocupada com o seu conflito, interior e exterior. O conflito surge inevitavelmente quando há um experimentador que guarda, que acumula, e por conseguinte sempre está pensando em termos de tempo, de mais e de menos. Compreendendo isso, estando apercebido disso, pode apresentar-se um estado que podemos chamar "silêncio", ou qualquer nome que preferirdes. Mas o problema não é a busca do silêncio, da tranquilidade, porém, sim, a compreensão do conflito, a compreensão de mim mesmo em conflito.
Será que respondi à pergunta, que é: como sei que há silêncio? Como o reconheço? Compreendeis? Enquanto há processo de reconhecimento, não há silêncio. Em última análise, o processo de reconhecimento é o processo da mente condicionada. Mas na compreensão de todo o conteúdo da mente condicionada, a mente se torna quieta, não há um observador que reconhece achar-se num estado a que ele chama "silêncio". O reconhecimento da experiência cessou.
OUVINTE: Desejo perguntar-vos se reconheceis o ensino do Buda de que a compreensão correta ajudará a resolver os problemas interiores do homem, e que a paz interior do espírito depende inteiramente da autodisciplina. Concordais com os ensinamentos de Buda?
KRISHNAMURTI: Quando estamos investigando a verdade a respeito de qualquer coisa, toda autoridade tem de ser posta à margem, positivamente! Se alguém almeja descobrir a verdade, não deve haver Buda nem Cristo. E isso significa, com efeito, que a mente deve ser capaz de estar completamente só, e não dependente. Buda pode estar enganado, Cristo pode estar enganado, e qualquer de nós pode também estar enganado. Temos, por certo, de chegar ao estado em que não se aceita autoridade de espécie alguma. Esta é a primeira coisa: desmantelar a estrutura da autoridade. No desmantelar da imensa estrutura da tradição, esse mesmo processo produz uma compreensão. Mas o mero aceitar de uma coisa, porque está dita num livro sagrado, tem muito pouca significação.
KRISHNAMURTI: Quando estamos investigando a verdade a respeito de qualquer coisa, toda autoridade tem de ser posta à margem, positivamente! Se alguém almeja descobrir a verdade, não deve haver Buda nem Cristo. E isso significa, com efeito, que a mente deve ser capaz de estar completamente só, e não dependente. Buda pode estar enganado, Cristo pode estar enganado, e qualquer de nós pode também estar enganado. Temos, por certo, de chegar ao estado em que não se aceita autoridade de espécie alguma. Esta é a primeira coisa: desmantelar a estrutura da autoridade. No desmantelar da imensa estrutura da tradição, esse mesmo processo produz uma compreensão. Mas o mero aceitar de uma coisa, porque está dita num livro sagrado, tem muito pouca significação.
Ora, para descobrir o que se acha além do tempo, o mecanismo do tempo tem de cessar, não achais? O mecanismo de busca tem de terminar. Porque, se estou buscando, então estou dependendo — não só de outrem, mas também de minha própria experiência, pois, se aprendi alguma coisa, procuro fazer uso dela para guiar-me. Para achar o verdadeiro, não deve haver busca de espécie alguma, e tal estado é a real tranquilidade da mente. É muito difícil a uma pessoa que foi criada numa determinada cultura, numa dada crença, com certos símbolos de tremenda autoridade, lançar fora tudo isso e pensar de maneira simples, por si mesma, e descobrir. Ela não poderá pensar de maneira simples se não conhecer a si mesma, se não tiver autoconhecimento. E ninguém pode dar-nos o conhecimento de nós mesmos — nenhum instrutor, nenhum livro, nenhuma filosofia, nenhuma disciplina. O "eu" está num movimento constante; enquanto ele vive, precisa ser compreendido. E só pelo autoconhecimento, só pela compreensão do mecanismo de meu próprio pensar, observado no espelho de cada reação, posso descobrir que, enquanto há qualquer movimento do "eu", da mente, em direção a um objetivo — Deus, a verdade a paz — essa mente não é uma mente quieta, pois está querendo realizar, apanhar, alcançar certo estado. Se há qualquer espécie de autoridade, de compulsão, de imitação, a mente não pode compreender. E para saber que a mente está imitando, que está sendo embargada pela tradição, para se estar apercebido de que ela está perseguindo suas próprias experiências, suas próprias projeções, para tanto requer-se muita penetração, muito percebimento e autoconhecimento.
Só então, com todo o conteúdo da mente, toda a consciência, posto a descoberto e compreendido, haverá a possibilidade de um estado a que se pode chamar "tranquilidade", um estado sem experimentador e sem reconhecimento.
Krishnamurti, Quinta Conferência em Londres, 25 de junho de 1955