Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador bem-aventurança. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador bem-aventurança. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Há, de fato, um estado de suprema felicidade?


Há, de fato, um estado 
de suprema felicidade?

Quando se observa o mundo e principalmente as condições reinantes neste país, deve tornar-se evidente a cada um de nós a necessidade de uma revolução fundamental. Empregando esta palavra, não me refiro à reforma superficial, à reforma de remendos, nem à revolução instigada por um certo padrão de pensamento, depois de devidamente calculados os riscos e possibilidades; refiro-me, sim, à revolução que só pode realizar-se no nível mais elevado, ao começarmos a compreender o significado de nossa mente. Se não se compreende essa questão fundamental, acho que qualquer reforma, em qualquer nível e por mais benéfica que seja, temporariamente, levará fatalmente a maiores sofrimentos, a um caos maior ainda.

Penso necessário compreender claramente este ponto, a fim de que se estabeleça um certo contato entre o orador e vós mesmos; pois à maioria de nós só interessa uma certa espécie de reforma social. Observa-se uma proporção colossal de pobreza, ignorância, medo, superstição, idolatria — a vã repetição de palavras, que se chama oração e, ao mesmo tempo, uma enorme acumulação de conhecimento científico, assim como o chamado conhecimento colhido nos livros sagrados. Não se precisa visitar muitos países, para se ver tudo isso; pode-se observá-lo, percorrendo as ruas, aqui, na Europa, ou na América. Os meios de satisfação das necessidades físicas podem ser abundantes na América, onde impera o materialismo e onde se pode comprar de tudo; mas, visitando-se este nosso país, encontra-se esta desumana miséria. E há também a luta de classes — não emprego a expressão "luta de classes" no sentido comunista, mas tão somente para constatar um fato, sem interpretá-lo de qualquer maneira que seja. Vê-se a divisão das religiões — cristãos, hinduístas, maometanos, budistas, e suas múltiplas subdivisões — todas a bradar, para converter, ou mostrar um "caminho" diferente, uma via diferente. A máquina tornou possíveis verdadeiros milagres na produção de utilidades, principalmente na América; finas, aqui na Índia tudo é limitado, escasso. Neste país, onde tanto se fala de Deus, onde tanto se reza e se celebram rituais, etc., somos tão materialistas como os ocidentais, com a só diferença de termos feito da pobreza virtude, um mal necessário e tolerável.

Em vista desse tão altamente complexo padrão de riqueza e pobreza, de governos soberanos, exércitos e os mais recentes instrumentos de destruição em massa, ficamos a perguntar-nos o que irá resultar deste caos, aonde ele nos levará. Qual a resposta? Acho que qualquer pessoa verdadeiramente séria, já terá feito a si mesma esta pergunta. Como iremos, como indivíduos e como grupos, ocupar-nos com este problema? Achando-nos confusos, voltamos, os mais de nós, a atenção para um dado padrão, religioso ou social, procuramos amparar-nos nalgum guia, para sairmos deste caos, ou encarecemos a necessidade de voltar às velhas tradições. Dizemos: "Retornemos ao que nos ensinaram os rishis e que se encontra no Upanishads, no Gita; necessitamos de mais orações, mais rituais, mais gurus, mais mestres". É isto que realmente está acontecendo, não?

Observa-se no mundo, simultaneamente, desenfreada tirania e relativa liberdade. Agora, considerando este caótico espetáculo — não filosoficamente, não como mero observador dos acontecimentos, mas como ente humano em que se acha desperto o sentimento de piedade, o germe da compaixão, como é o caso de todos vós, estou bem certo — considerando este espetáculo, como reagis? Qual a nossa responsabilidade perante a sociedade? Ou de tal maneira estamos presos na engrenagem da sociedade; no tradicional padrão implantado por determinada cultura, ocidental ou oriental, que estamos cegos? E se abris os olhos, interessam-vos apenas as reformas sociais, a ação política, o ajustamento econômico? A solução deste enorme e complexo problema só se encontra nesta direção, ou noutra direção completamente diferente? O problema é meramente econômico e social? Ou existe caos e a constante ameaça de guerra porque não estamos, em geral, verdadeiramente interessados nos problemas mais profundos da vida, no desenvolvimento total do homem? A culpa é de nosso sistema educativo? Superficialmente, somos educados para aprender certas técnicas, o que produz sua peculiar cultura, e parece que isso nos satisfaz.

Ora, observando-se este estado de coisas, do qual estou bem certo estais perfeitamente apercebidos, a menos que sejais insensíveis ou não queirais ver — qual é a vossa reação? Por favor, não respondais teoricamente, de acordo com o padrão comunista, capitalista, hinduísta, ou outro qualquer, pois tal padrão vos foi imposto e é portanto inverdadeiro, mas, ao invés, despojai a vossa mente de todas as suas reações imediatas, das chamadas reações "estudadas", e verificai qual é a vossa reação como indivíduo. De que maneira resolveríeis este problema?

 Se fazeis esta pergunta a um comunista, ele dará uma resposta muito positiva, e do mesmo modo procederá o católico, ou o hinduísta ortodoxo, ou o muçulmano; mas essas respostas, obviamente, são condicionadas. Eles foram educados para pensar dentro de certas rotinas, amplas ou estreitas, por uma sociedade ou cultura a que não interessa absolutamente o desenvolvimento total do espírito; e uma vez que respondem de acordo com seu pensar condicionado, suas respostas são inevitavelmente contraditórias e, portanto, não deixarão de criar, sempre, inimizade, o que também me parece bastante óbvio. Se sois hinduísta, cristão, ou o que quer que seja, vossa resposta tem de corresponder necessariamente ao vosso fundo condicionado, o meio cultural em que fostes educado. O problema está fora do terreno de todas as culturas ou civilizações, fora de todo e qualquer padrão e, todavia, procuramos a resposta em conformidade com determinado padrão, resultando, daí, confusão sempre crescente e sofrimentos maiores ainda. Nessas condições, a menos que ocorra uma libertação fundamental de todo condicionamento, uma ruptura completa das muralhas, é bem evidente que criaremos mais caos, por mais bem intencionados e por mais religiosos que sejamos.

A mim me parece que o problema se encontra num nível completamente diferente, e, com a compreensão dele, penso que seremos capazes de promover uma ação toda diferente da do padrão socialista, capitalista ou comunista. A meu ver, o problema consiste em compreender as atividades da mente; porque, a menos que sejamos capazes de observar e compreender, em nós mesmos, o mecanismo do pensamento, não há liberdade e, portanto, não se pode ir muito longe. Com a maioria de nós acontece que a mente não está livre, pois se acha, consciente ou inconscientemente, ligada a alguma forma de conhecimento, a inumeráveis crenças, experiências, dogmas e como pode ser capaz de descobrimento uma mente nessas condições, como pode ser capaz de achar algo novo?

Todo desafio requer, evidentemente, uma reação nova, porque o problema é hoje completamente diferente do que ontem foi. Qualquer problema é sempre novo, pois está a modificar-se continuamente. Todo desafio requer reação nova, e não pode haver reação nova, se a mente não é livre. A liberdade, pois, está no começo e não no fim. A revolução tem de começar, sem dúvida, não no nível cultural, social ou econômico, porém no mais elevado nível; e o descobrimento do mais elevado nível é que é o problema; descobrimento, e não aceitação do que dizem ser o mais elevado nível. Não sei se me estou explicando com clareza. Podemos ser informados sobre o que seja o nível mais alto, por um guru, por algum indivíduo arguto, e ficarmos a repetir o que lhe ouvimos dizer; mas esse processo não é descobrimento e, sim, meramente, aceitação da autoridade; e os mais de nós aceitamos autoridades porque somos indolentes. Tudo foi pensado para nós e nos limitamos a repeti-lo, tal qual um disco de gramofone.

Pois bem. Percebo a necessidade de descobrimento, porquanto se tornou bem óbvio que temos de criar uma cultura de espécie completamente diferente, uma cultura não baseada na autoridade, mas só no descobrimento individual daquilo que é verdadeiro; e esse descobrimento requer liberdade completa. Se a mente está presa, por mais longa que seja a corda, só poderá operar dentro de um determinado raio e, conseguinte, não está livre. O importante, pois, é descobrir o nível mais alto, onde deverá efetuar-se a revolução, e isso exige muita clareza de pensamento, exige uma mente em bom estado — não uma mente falsificada, repetitiva, porém uma mente capaz de pensar intensamente, de raciocinar as coisas até o fim, clara, lógica, sãmente. Precisamos de uma mente assim, porque só então é possível irmos mais longe.

Assim, pois, parece-me que a revolução só pode realizar-se no nível mais elevado, o qual cumpre descobrir; e esse nível só pode ser descoberto por meio do autoconhecimento e não de conhecimentos colhidos nos vossos velhos livros ou nos livros dos modernos analistas. Tendes de o descobrir nas relações — descobri-lo, e não meramente repetir o que lestes ou ouvistes dizer. Vereis então que vossa mente se tornará sobremaneira lúcida. Afinal, a mente é o único instrumento de que dispomos. Se ela se acha peada, se é vulgar, temerosa, como o é a mente de quase todos nós, nenhuma significação tem sua crença em Deus, suas devoções, sua busca da verdade. Só a mente que é capaz de percebimento claro e por essa razão está perfeitamente tranquila, só ela pode descobrir se existe ou não a Verdade, só ela é capaz de realizar a revolução no mais alto nível. Só a mente religiosa é verdadeiramente revolucionária; e a mente religiosa não é aquela que repete, que frequenta a igreja ou o templo, pratica puja todas as manhãs, que se deixa guiar por alguma espécie de guru ou adora um ídolo. Esta não é uma mente religiosa; é em verdade estúpida, limitada e, por conseguinte, nunca será capaz de corresponder livremente a um desafio.

Esse autoconhecimento não pode ser aprendido de outrem. Eu não posso dizer-vos o que ele é. Mas pode-se ver como a mente opera, não apenas a mente que está ativa todos os dias, porém a totalidade da mente - a mente consciente e a mente oculta. Todas as numerosas camadas da mente têm de ser percebidas, investigadas, mas não pela introspecção. A auto-análise não revela a totalidade da mente, porque há sempre a separação entre o analista e a coisa analisada. Mas se puderdes observar as operações de vossa mente, sem tendência para julgar, avaliar, sem condenação ou comparação — observar, simplesmente, como se observa uma estrela, desapaixonadamente, tranquilamente, sem ansiedade — vereis então que o autoconhecimento não depende do tempo, não é processo de penetração do inconsciente com o fim de remover todos os "motivos" ou de compreender os vários impulsos e compulsões. O que cria o tempo é a comparação, não resta dúvida; e porque nossa mente é resultado do tempo, só pode pensar em termos de mais — sendo isso o que chamamos progresso.

Sendo, pois, resultado do tempo, a mente só pode pensar em termos de expansão, realização; e pode a mente libertar-se do mais? Isso, com efeito, significa dissociar-se completamente da sociedade. A sociedade encarece o mais. Em última análise, nossa civilização está baseada na inveja, no espírito de aquisição, não é verdade? Nossa ânsia de aquisição não se restringe às coisas materiais, mas se estende também aos domínios da chamada espiritualidade, onde desejamos possuir mais virtude, estar mais perto do mestre, do guru. Toda a estrutura, pois, do nosso pensar se baseia no mais; e, uma vez compreendidas perfeitamente as exigências de mais, e todas as suas consequências, realiza-se então, infalivelmente, a completa dissociação da sociedade; e só o indivíduo que se dissociou de todo da sociedade, pode influir na sociedade. O homem que veste uma tanga ou o manto de sanyasi, aquele que se torna monge, não está dissociado da sociedade; faz ainda parte da sociedade, com a única diferença de que sua exigência de mais se encontra noutro nível. Está ainda condicionado por determinada cultura e, portanto, ainda dentro de suas limitações.

Penso ser este o problema real, e não como produzir mais, e distribuir as utilidades produzidas. Temos agora as máquinas e as técnicas que permitem produzir tudo o de que necessita o homem e em breve, provavelmente, teremos uma distribuição equitativa dos recursos para a satisfação das necessidades físicas, e a cessação da luta de classes; mas o problema básico continuará existente. O problema básico é que o homem não é criador, não descobriu por si mesmo a extraordinária fonte de criação, não inventada pela mente; e só quando se descobre essa fonte criadora, atemporal, é que se encontra a suprema felicidade.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Madrasta, 11 de janeiro de 1956
Da Solidão à Plenitude Humana

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A experiência do abençoado estado

Todo pensamento e sentimento se desvaneceram deixando o cérebro imóvel e quieto... Desperto e sensível, o cérebro observava tudo sem reagir, sem experimentar; embora livre ainda de qualquer movimento interno, não estava insensibilizado ou drogado pela memória. De repente, a sublime presença daquela coisa singular sem impunha com toda a sua força, não apenas no mundo exterior, mas também nos mais íntimos recessos daquilo que antes fizera parte da mente. O pensamento tem seus limites, resultantes da reação; todo e qualquer motivo serve de molde ao pensamento e ao sentimento; a experiência vem do passado e o reconhecimento é sempre do conhecido. Mas, aquele abençoado estado não deixava marcas, pois sua forte, nítida e impenetrável presença tinha a intensidade da chama sem cinzas. O êxtase que vinha dali não deixava vestígios na memória, porquanto não havia o ato de experimentar. Ele simplesmente existia, em total liberdade, alheio à busca e às lembranças.
Não existe a possibilidade de o passado encontrar-se com o incognoscível; nada os poderia reunir; nenhuma ponte ou caminho nos permitirão conhecer aquela desconhecida benção. Jamais se deu o encontro de ambos, pois o passado deve simplesmente findar para que se revele o grandioso mistério daquela coisa singular.  

Jiddu Krishnamurti — 23 de janeiro de 1962

domingo, 18 de agosto de 2013

Sobre o surgimento daquilo que é eterno

Pergunta: Há um impulso em todos nós, para ver Deus, a Realidade, a Verdade. A busca da beleza não é a mesma coisa que a busca da Realidade?

Krishnamurti: Senhores, compreendam que não se pode procurar a Deus. Não se pode procurar a verdade. Porque, quando procuramos, o que achamos não é a verdade. Nossa busca é o desejo de achar o que desejamos. Como podemos procurar uma coisa que desconhecemos? Vocês procuram uma coisa a cujo respeito leram e a que chamam verdade; ou procuram algo a respeito de que possuem um sentimento interior. Precisam, por conseguinte, compreender o motivo da busca de vocês, que é muito mais importante do que a busca da verdade.

Por que procuram, e o que procuram? Vocês não têm vontade de procurar, se são felizes, se há alegria em seus corações. Nós procuramos, porque estamos vazios. Vemo-nos frustrados, somos infelizes, violentos, cheios de antagonismo; é por isso que cremos, e desejamos, por isso, fugir a esse estado, procurando algo maior. Observem a si mesmos e verificarão o que estou lhes dizendo  não se limitando, apenas, a escutarem as minhas palavras. A fim de escaparem de seus atuais conflitos psicológicos, seus sofrimentos, antagonismos, vocês dizem “Estou procurando a verdade”. Não encontrarão a verdade, porque a verdade não vem quando estão a fugir da realidade, daquilo que é. Precisamos compreendê-lo. Para compreendê-lo, não devem sair em busca da solução fora dele. Não podem, pois, procurar a verdade. Ela tem de vir a vocês. Não podem invocar a Deus, e não podem ir a Ele. A adoração, a devoção de vocês é completamente sem valor, porque desejam alguma coisa, estendem a mão para receber uma esmola. Estão, portanto, à procura de quem preencha o vazio de vocês. E sentem mais interesse pela palavra do que pela cosia. Mas se vocês se contentam com aquele extraordinário estado de solidão, sem desvios nem distrações, só então surge na existência aquilo que é eterno. A maior parte de nós está de tal maneira condicionados, de tal maneira fomos educados, que desejamos fugir; e a coisa para a qual fugimos chamamos Beleza. Buscamos a beleza por intermédio de uma coisa qualquer  da dança, dos ritos, da oração, da disciplina, de várias espécies de fórmulas, da pintura, da sensação. Não é exato? Assim, enquanto estivermos à procura da beleza por meio de alguma coisa, nunca conheceremos a beleza, porque a coisa por cujo intermédio a procuramos, se torna sumamente importante. Não a beleza, mas sim o objeto por meio do qual a procuramos, assume toda a importância, e ficamos apegados a ele. Não se acha a beleza por meio de coisa alguma; isso seria apenas uma sensação, que costuma ser explorada pelos astutos. A beleza vem com a regeneração interior, com a completa e radical transformação da mente, o que requer excepcional estado de sensibilidade.

A feiura só é um mal quando não temos sensibilidade. Se são sensíveis ao belo, rejeitando o que é feio, não são sensíveis ao belo. O que mais importa não é o feio, nem o belo, mas sim que haja sensibilidade para ver, para reagir tanto ao que chamamos o feio como o belo.

Mas se só tomam conhecimento do belo e repelem o feio, é a mesma cosia que empurrar um braço; toda a existência de vocês fica desequilibrada. Vocês não fechem a porta ao mal, negando-o, chamando-o de feio, combatendo-o, opondo-se violentamente a ele? Só se interessam pelo belo. Só a ele desejam. Nesse processo perde-se a sensibilidade.

O homem que é sensível tanto ao feio como para o belo, passa além, distancia-se das coisas por meio das quais busca a verdade. Mas não somos sensíveis nem para o belo nem para o feio; vivemos fechados com nossos pensamentos, nossos preconceitos, nossas ambições, nossa ganância e inveja. Como pode ser sensível a mente que é ambiciosa, espiritualmente, ou noutro sentido? Só pode haver sensibilidade quando se compreende todo o processo do desejo; porque o desejo é um processo egocêntrico, e no egocentrismo não é possível descortinar o horizonte. A mente é então sacrificada pelo seu próprio vir-a-ser. A mente só é capaz de apreciar a beleza, através de alguma coisa. Essa mente não é bela. Essa mente não é boa, é uma mente feia, uma mente que está fechada e que busca proteção para si. Nunca essa mente descobrirá a verdade. Só quando a mente deixa de fechar-se com seus ideais, seus interesses e ambições, só então é bela.

Jiddu Krishnamurti   - 27 de janeiro de 1952 – Quando o pensamento cessa


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A Imensidão não pode ser pensada e "experimentada" pela mente


Áudio da reunião de estudos deste tema, pelo Paltalk, na noite de 13/08/2012.
Para saber como participar, clique aqui.


Embaixo e ao longe se avistava o vale, cheio de atividades próprias dos vales em geral. O sol se punha naquele momento atrás das montanhas longínquas, e as sombras eram escuras e longas. Era uma tarde serena e uma brisa soprava do mar. As laranjeiras, alinhadas em fileiras sucessivas, pareciam quase negras e sobre a longa estrada reta que percorria o vale, viam-se ocasionais lampejos, quando a luz do sol poente se refletia nos carros que passavam. Era uma tarde de paz e encantamento.
A mente parecia abarcar a amplidão do espaço e a distância infinita; ou melhor, a mente parecia expandir-se infinitamente e, acompanhando a mente, mas fora dela, algo existia que continha em si todas as coisas. A mente lutava, na penumbra do subconsciente, procurando reconhecer e lembrar aquilo que não fazia parte dela própria, detendo a sua habitual atividade; mas não podia apreender o que era estranho à sua própria natureza; e logo todas as coisas, inclusive a mente, estavam engolfadas naquela imensidão. Caiu a noite, e o longínquo latir dos cães não perturbava de maneira nenhuma aquela existência que escapava a toda percepção. Ela não pode ser pensada e "experimentada" pela mente.
Mas que foi, então, que percebeu e se tornou cônscio de uma coisa tão diferente das "projeções" da mente? Quem é que a experimenta? Não foi, por certo, a mente constituída das lembranças, reações e impulsos de cada dia. Existe outra mente, ou há uma parte da mente que permanece adormecida e só pode ser despertada por Aquilo que existe acima e além da mente? Se assim é, existe então, sempre, dentro da mente aquela coisa que transcende todo pensamento e o tempo. Todavia, não pode ser assim, pois isso é apenas pensamento especulativo e portanto outra das muitas invenções da mente. 
Uma vez que aquela imensidão não nasce do processo do pensamento, que é então que se torna cônscio dela? A mente, como "experimentador", se torna cônscia dela, ou é aquela imensidão que está cônscia de si mesma, porque não existe mais "experimentador"? Não havia "experimentador", na hora em que aquilo aconteceu, ao descermos a montanha e, todavia, o percebimento da mente era de todo diferente, tanto em qualidade como em intensidade, daquela coisa imensurável. A mente não estava funcionando; achava-se vigilante e passiva e, embora cônscia da brisa a brincar entre as folhas, não havia movimento de espécie alguma, nela própria. Não havia "observador", medindo ou avaliando a coisa observada. aquilo existia e era aquilo que estava cônscio de si mesmo e sua imensurabilidade. Aquilo não tinha começo, nem nome
A mente está cônscia de não poder captar, pela experiência e pela palavra, aquilo que permanece sempre, atemporal e imensurável.     

Krishnamurti - Reflexões sobre a Vida

Uma experiência de bem-aventurança

A imaginação perverte o percebimento de o que é; no entanto, como nos orgulhamos de nossa imaginação e de nosso especular. A mente especulativa, com seus pensamentos complicados, não é capaz de transformação fundamental; não é uma mente revolucionária. Vestiu-se como deveria ser e está seguindo o padrão de suas próprias projeções limitadas, confinantes. O que é bom não está no que deveria ser, mas na compreensão do que é. A mente tem de por de lado toda imaginação e especulação para que o Real tenha existência.
Ele era moço ainda, mas chefe de família e conceituado homem de negócios. Parecia muito preocupado e atribulado, e ansioso por dizer alguma coisa. 
"Há tempos ocorreu-me uma experiência verdadeiramente extraordinária, e como nunca relatei a ninguém não sei se sou capaz de a descrever com clareza para você; espero que sim, pois não há ninguém mais a quem possa me dirigir. Essa experiência arrebatou-me completamente o coração; entretanto, foi-se e dela só me resta a vã lembrança. Talvez você possa ajudar-me a captá-la novamente. Vou relatar-lhe com a possível exatidão o que foi esse estado abençoado. Tenho lido a respeito dessas coisas, mas tudo o que li não passava de vãs palavras, que só me falavam aos sentidos; o que me aconteceu foi uma coisa fora da esfera do pensamento, da esfera da imaginação e do desejo, e eu a perdi. Rogo-lhe para que me ajude a recuperá-la". Calou-se por um instante, e continuou:
"Uma certa manhã despertei muito cedo; a cidade ainda dormia e seus rumores ainda não haviam começado. Senti-me impelido a sair; vesti-me rapidamente e saí para a rua. Nem sequer o caminhão do leite havia começado a circular. A primavera estava em início e o céu era de um azul pálido. Apoderou-se de mim um forte sentimento de que deveria ir ao parque, distante cerca de uma milha. Desde o instante em que transpus a porta da rua, veio-me um estranho sentimento de leveza, como se estivesse caminhando no ar. O edifício fronteiro, um desgracioso conjunto de apartamentos, perdera toda sua fealdade; até os tijolos pareciam mais vivos e luminosos. Todo objeto insignificante, que eu de ordinário não teria sequer notado, parecia dotado de uma qualidade extraordinária, peculiar e, coisa estranha, tudo parecia parte de mim mesmo. Nada estava separado de mim; com efeito, o "eu", como observador, como percipiente, tinha-se ausentado, se você percebe o que quero dizer. Não havia "eu" separado daquela árvore ou do jornal jogado na sarjeta ou das aves que chamavam umas às outras. Era um estado de consciência que eu nunca antes experimentara."
"No caminho do parque", prosseguiu, "havia uma loja de flores. Centenas de vezes passei por ali e de cada vez não dava mais do que um simples relance de olhos para as flores. Mas naquela manhã parei diante da loja. A vitrine estava ligeiramente embaçada, do calor e da umidade interiores, mas isso não me impedia de ver as diversas variedades de flores. Enquanto ali estava, a contempla-las, comecei a sorrir e a rir, possuído de uma alegria nunca experimentada anteriormente. As flores estavam a falar-me e eu a falar com elas; sentia-me misturado com elas, elas faziam parte de mim mesmo. Ao dizer-lhe isso poderei dar-lhe a impressão de que me achava num estado histérico, ligeiramente privado de razão; mas não era assim. Vestira-me com muito cuidado, perfeitamente cônscio dos meus atos, escolhendo peças limpas de vestuário, consultando o relógio, vendo os letreiros das lojas, inclusive o de meu alfaiate, e lendo os títulos dos livros expostos na vitrine de uma livraria. Tudo era vivo e eu amava todas as coisas. Eu era o perfume daquelas flores, mas não havia "eu" a cheiras as flores, se você entende o que quero dizer. Não havia separação entre elas e mim. Aquela loja de flores apresentava um fantástico espetáculo de cores, de uma beleza que parecia extasiante, pois o tempo e sua medida haviam cessado. Devo estar ali mais de vinte minutos, mas garanto-lhe que não tinha noção nenhuma de tempo. Foi-me difícil partir de perto daquelas flores. O mundo de luta, de dor e sofrimento era inexistente naquela hora. Com efeito, num tal estado as palavras são sem significação. As palavras são descritivas, discriminativas, comparativas, mas naquele estado não existiam palavras. "Eu" não estava experimentado; só havia um estado — a experiência. O tempo cessara: não havia passado, presente ou futuro.  Só havia — Oh! Não sei expressá-lo por palavras, mas não importa. Havia uma Presença — não, não é esta a palavra. Era como se a Terra, com tudo o que nela e sobre ela existe, tivesse recebido uma benção dos céus, e eu, dirigindo-me para o parque, fazia parte dela. Ao aproximar-me do parque, fiquei completamente fascinado pela beleza daquelas árvores familiares. Do amarelo pálido ao verde mais escuro, as folhas dançavam cheias de vida. Cada uma das folhas destacava-se, separadamente, e toda a riqueza da Terra se concentrava numa única folha. Senti o coração acelerar-se; tenho um coração robusto, mas mal podia respirar, ao entrar no parque, e pensei desmaiar. Sentei-me num banco, as lágrimas rolavam-me pelas faces. Rodeava-me um silêncio verdadeiramente intolerável. Mas esse silêncio estava purificando todas as coisas, lavando-as da dor e do sofrimento. Ao internar-me mais no parque, havia música no ar. Fiquei surpreso, pois não havia vasas nas imediações e por certo ninguém teria levado um rádio para o parque àquela hora da madrugada. A música fazia parte daquela totalidade. Toda a bondade, toda a compaixão do mundo estava presente naquele parque, Deus estava ali."
"Não sou teólogo nem muito menos religioso", continuou, "já entrei pelo menos uma dúzia de vezes numa igreja, mas isso nunca teve muita significação para mim. Não suporto o amontoado de absurdos que se presencia numa igreja. Mas naquele parque estava presente um Ser, se se pode empregar tal palavra, no qual todas as coisas viviam e agiam. As pernas me tremiam, forçando-me a sentar-me novamente, recostado numa árvore. O tronco era uma entidade viva como eu, e eu fazia parte daquela árvore, daquele Ser, do mundo. Devo ter desmaiado. Aquilo fora excessivo para mim: as cores intensas e vivas, as folhas, as pedras, as flores, a incrível beleza de todas as coisas. E, por sobre tudo aquilo, a benção de..."
"Quando tornei a mim já era nado o sol. Em geral, levo uns vinte minutos, a pé, até o parque; mas já fazia quase duas horas que eu saíra de casa. Fisicamente, sentia-me sem forças para voltar a pé; e, assim, deixei-me ficar ali, sentado, reunindo as forças e sem ousar pensar. Ao voltar para casa, lentamente, levava comigo, toda inteira, aquela experiência; durou ela dois dias e, tão subitamente como viera, desapareceu. Começou então o meu tormento. Durante uma semana inteira não cheguei, sequer, às proximidades do meu escritório. Queria de volta aquela experiência extraordinária, viva, queria tornar a viver, e para sempre, naquele mundo beatífico. Tudo isso aconteceu há dois anos. Andei pensando seriamente em ir-me para um recanto solitário do mundo, mas o coração me dizia que não a recuperaria dessa maneira. nenhum mosteiro pode oferecer-me aquela experiência; não a encontrarei em nenhuma igreja cheia de velas acesas e onde só nos oferecem a morte e a escuridão. Pensei em partir para a Índia, mas abandonei também tal idéia. Experimentei então uma certa droga; ela me fez mais vívidas as coisas, etc., mas não é de narcóticos que eu preciso. Isso é querer comprar muito barato o "experimentar"; e o que se tem é uma ilusão e não uma coisa real". 
"Aqui estou, pois", concluiu. "Tudo eu daria, minha vida e todos os meus haveres, para viver de novo naquele mundo. Que devo fazer?"
Ele veio a você, sem você o ter chamado, senhor. Você nunca o procurou. Enquanto você estiver procurando, não o terá nunca. Justamente o desejo de tornar a viver aquele estado extático, está impedindo a vinda do novo, a experiência nova daquela suprema felicidade. Veja o que aconteceu: você teve aquela experiência e está vivendo agora da lembrança morta de ontem. "O que foi" está impedindo a vinda do novo.
"Você quer dizer que devo pôr fora e esquecer tudo o que foi e ir arrastando de dia em dia minha insignificante existência, interiormente esfomeado?"
Se você não continuar a relembrar e a pedir mais — o que constitui um verdadeiro esforço — será então possível que aquela mesma coisa que escapa inteiramente ao nosso controle, atue por sua vontade própria. A avidez, mesmo com um alvo sublime, só pode gerar sofrimento; a ânsia de mais abre a porta do desejo. Aquela bem-aventurança não pode ser comprada com nenhum sacrifício, nenhuma virtude, e nenhuma droga. Ela não é uma recompensa, um resultado. Vem espontaneamente; não a busque. 
"Mas aquela experiencia foi real, veio da esfera do Sublime?"
Sempre queremos que outra pessoa confirme um fato ocorrido, nos dê certeza a respeito dele, para ficarmos abrigados nesta certeza. Tornar-se certo ou seguro em relação ao que foi, ainda que tenha sido o Real, significa fortalecer o irreal e gerar a ilusão. Trazer para o presente o que passou — agradável ou desagradável — é fechar a porta ao Real. A Realidade não tem continuidade. Ela existe momento por momento; é atemporal, imensurável.

Krishnamurti - Reflexões sobre a vida
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill