Vejamos, pois, se nos é possível examinar juntos este problema real da busca, (…). Pela busca, é possível achar algo novo? Por que buscamos, e que é que buscamos? Qual o motivo, o processo psicológico que nos impele a buscar? (…). Sem a compreensão desse estímulo, a mera busca será muito pouco significativa, (…). Mas, se pudermos descobrir todo o mecanismo desse processo de busca, então é bem possível que cheguemos a um ponto em que não há mais busca — e talvez seja esse o estado necessário para o aparecimento de algo novo. (1)
(…) Por certo, aquilo que é novo não pode ser reconhecido. O reconhecimento só ocorre através da memória, da experiência acumulada a que denominamos saber. Se reconhecemos uma coisa, essa coisa não é nova, (…) tudo o que achamos é coisa já experimentada, procedendo portanto do “fundo”, da memória. (…) Deus, a verdade, (…) não é reconhecível, deve ser algo totalmente novo; (2)
Não vos parece importante investigarmos o que é que estamos buscando, e por que buscamos alguma coisa? Por que existe em nós esta extraordinária ânsia de procurar e achar, e por que desperdiçamos tanta energia nesta luta? (…). É bem provável que a mente só possa descobrir o que se acha além das medidas do tempo, quando não está mais a buscar — mas isso não significa deva ela estar contentada, satisfeita. (3)
(…) E por que é que buscamos? É por nos sentirmos muito perturbados, muito descontentes com o que somos? Se somos feios, queremos ser belos; se somos ambiciosos, queremos preencher a nossa ambição; se temos talento, queremos tornar esse talento mais vigoroso; (…) se somos medíocres, queremos brilhar; se somos intelectuais, queremos dar significação à vida; se somos religiosos, queremos achar o que reside além da mente, indagando, rogando, rezando, sacrificando, cultivando, disciplinando, etc. (4)
Esse esforço intenso, esse processo de ajustamento é a nossa vida, (…). Nossa vida é um perpétuo campo de batalha, de manhã à noite, e, ignorando a significação dessa luta, recorremos a outra pessoa, (…). Entregamo-nos às crenças, aos livros, aos guias. (5)
Assim, pois, que é que desejamos? Vendo-nos atribulados, queremos paz, vendo-nos em conflito, queremos acabar com o conflito. (…) Lutamos para obter uma coisa, e, depois de obtê-la, seguimos avante, querendo mais. Nossa vida é uma série de exigências de conforto, de segurança, posição, preenchimento, felicidade, reconhecimento, e temos também raros momentos em que desejamos descobrir o que é a verdade, o que é Deus. (6)
(…) Andamos de um padrão para outro, de uma gaiola para outra, de uma filosofia ou sociedade para outra, esperando encontrar a felicidade, (…) nas relações com pessoas, (…) de um retiro tranqüilo (…). E achamos que, se não buscarmos, iremos deteriorar-nos, estagnar-nos. (7)
Ora, não vos parece de todo fútil essa busca? Estar cativo na gaiola de dada disciplina, o ser impelido de uma gaiola, de um sistema, de uma disciplina para outra, isso, evidentemente, não tem significação alguma. Assim sendo, devemos investigar (…) por que buscamos. (8)
Ora, pode-se perceber e compreender imediatamente que é vã toda busca em que há “motivo”? (…) A verdade não se acha no futuro, e se (…) descobrirdes a inutilidade da vossa busca, então esse próprio ato de escutar é o experimentar da verdade, e a busca cessará então. Vossa mente já não estará subordinada a “motivos”, intenções. (9)
Nessas condições, a questão não é de como libertar a mente do “motivo”. A mente não pode (…) libertar-se do “motivo” porque a mente, em si, é causa e efeito, é resultado do tempo. (…) Mas se puderdes escutar e ver a verdade de que, enquanto houver “motivo” na busca, essa busca é toda vã, sem significação, conduzindo apenas a mais aflições e sofrimentos, (…) vereis que a vossa mente susta a busca, porque já não tem “motivo” algum. (10)
Percebestes, por vós mesmos, a futilidade desta eterna busca com um “motivo” e, por conseguinte, a vossa mente está silenciosa, quieta, não há movimento algum de busca; e essa total tranqüilidade da mente pode ser o estado em que se torna existente o atemporal. (11)
Comecemos pelo que está perto, para irmos longe. Que entendeis por “busca”? Estais em busca da Verdade? E ela pode ser achada pela busca? (…) Busca implica conhecimento prévio, implica algo que já se sentiu e conheceu. (…) A verdade é algo que podemos conhecer, apanhar e guardar? O conhecimento que dela temos, não é uma “projeção” do passado e portanto (…) simples lembrança? (…) E a mente não deve estar tranqüila para que a Realidade possa existir? A busca é esforço para ganhar o mais ou o menos (…); e enquanto a mente for o ponto de concentração, o foco do esforço, do conflito, pode ela estar tranqüila alguma vez? Pode a mente tornar-se tranqüila por meio de esforço? (12)
Veremos. Investiguemos a verdade, em relação à busca. Para o buscar, necessita-se da entidade que busca, separada da coisa buscada; e existe essa entidade separada? O pensador, o experimentador, é diferente ou distinto de seus pensamentos e experiências? (…) Temos, pois, de compreender a mente, o processo do “eu”. Que é essa mente que busca, que escolhe, que tem medo, que nega e justifica? Que é o pensamento? (13)
A palavra “buscar” - tentar alcançar, descobrir - implica que já conhecemos mais ou menos o que desejamos achar. Ao dizermos que estamos buscando a verdade, ou Deus, (…) já devemos ter na mente a respectiva imagem ou idéia. (…) Na meditação, a primeira coisa que se percebe é a inutilidade do buscar; porque a coisa buscada é predeterminada pelo nosso desejo. (14)
A verdade não é uma coisa que se possa experimentar. A verdade não pode ser buscada e achada. Está fora do tempo. E o pensamento, que é tempo, nenhuma possibilidade tem de buscá-la e “pegá-la”. (…) Quando a mente está a buscar uma experiência, por mais maravilhosa que seja, isso significa que o “eu” a está buscando - o “eu”, que é o passado, com todas as suas frustrações, aflições, esperanças. (15)
(…) Esse estado psicológico que cessa de buscar a experiência não significa paralisia mental; ao contrário, é a mente aditiva, acumulativa, que começa a definhar. Acumular é um ato mecânico, repetitivo; tanto a renúncia quanto a mera aquisição são atos mecânicos de imitação. Torna-se livre a mente que destrói este mecanismo de acumulação e defesa; dessa maneira ela se torna indiferente ao ato de experimentar. (16)
Enquanto existir uma entidade a buscar e uma coisa a ser buscada, tem de existir o experimentador, aquele que reconhece e que constitui o núcleo (…) egocêntrico. Desse centro se originam todas as atividades, nobres e ignóbeis: desejo de riquezas e poder, (…) impulso de buscar a Deus, (…). (17)
Quando a mente detém a busca por ter compreendido o total significado da busca, não cairão por si mesmas as limitações que ela a si própria impôs? E ela não se torna então o Imensurável, o Desconhecido? (18)
Vós sois simples e ignorante? Se realmente o fôsseis, encontraríeis um grande deleite no iniciar a verdadeira busca; (…) A sabedoria e a verdade vêm ao homem que diz, verdadeiramente: “Sou ignorante, não sei”. São os simples, os inocentes, e não os que estão repletos de saber, que verão a luz, porque eles são humildes. (19)
Textos de Krishnamurti, extraídos de: Seleta de Krishnamurti
Fontes das citações: