Podemos ver por nós mesmos, se observarmos com atenção, que foi o pensamento, ainda que de forma sutil, o criador desta extraordinária estrutura humana de relacionamento, de comportamento social, de divisão; e onde há divisão, terá que haver conflito, violência. Quer se trate de diferença lingüística ou diferença de classe, ou ainda da diferença produzida pelas ideologias e sistemas, essas divisões sempre geram violência. E enquanto a pessoa não estudar em profundidade a origem da violência — não apenas a causa da violência, mas ir além disso, muito além da causalidade — jamais conseguirá, pelo menos assim me parece, libertar-se da extraordinária desgraça, confusão e violência que andam à solta pelo mundo.
Diante disso, eu me pergunto, e perguntaremos uns aos outros: o que é a liberdade em relação ao pensamento e ao comportamento humano? Sim, pois o nosso comportamento na vida diária produz o caos no mundo. Pode haver então a completa libertação, a libertação do pensamento? E, se é possível essa libertação, qual é então o lugar do pensamento? Por favor, isto não é filosofia intelectual. Filosofia significa amor à verdade, e não a opinião especulativa, o conceito teórico ou a percepção teórica. Seu verdadeiro sentido é o amor à verdade no nosso dia-a-dia e no nosso comportamento. Para abordar o assunto com seriedade — e espero que vocês façam isso — é preciso pesquisar, estudar, e não apenas memorizar algo que supomos ser verdadeiro ou sobre o que formamos algum conceito — porque não iremos formar conceito algum. Pelo contrário, a verdade não é um conceito: este ocorre apenas quando o pensamento produz opiniões, verdades dialéticas. Com seus conceitos o pensamento se torna um instrumento de separação.
Sendo assim, precisamos tentar encontrar por nós mesmos e é, portanto, indispensável estudar o que é o pensar, e se o pensar, ainda que bastante racional, lógico, sadio, objetivo, é capaz de promover uma revolução psicológica no nosso comportamento. O pensamento sempre é condicionado, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento, da acumulação. O pensamento brota do condicionamento e, deste modo, jamais poderá produzir o comportamento correto. Percebem o que estou dizendo? E pergunto isso porque já tive oportunidade de encontrar inúmeros psicólogos no mundo todo que, vendo o que são os seres humanos na realidade, como é contraditório o seu comportamento, como eles são seres infelizes e miseráveis, afirmam que o procedimento adequado seria o de recompensá-los e, desse modo, condicioná-los de uma forma diferente. Ou seja, em vez de castigá-los pelo seu mau comportamento, recompensá-los pelo bom comportamento e esquecer o mau comportamento. Assim, por meio de recompensas dessa natureza, você é condicionado desde a infância a se comportar da maneira correta, ou que acreditam ser correta — não anti-social. Eles continuam a viver com o pensamento. Para eles, o pensamento é de suma importância e, a exemplo dos comunistas e de outros, eles afirmam que o pensamento precisa ser modelado, precisa ser condicionado de maneira diferente, e dessa estrutura diferente resultará um comportamento diferente. Mas vivem ainda dentro do padrão do pensar.
Isso já foi tentado na Índia antiga pelos budistas; todas as religiões já tentaram isso. Mas o comportamento humano, com todas as suas contradições, com suas fragmentações, é o resultado do pensamento. E se pretendemos uma mudança radical no comportamento humano — não na superfície, nos limites externos da nossa existência, mas no verdadeiro âmago do nosso ser — precisamos então examinar a questão do pensamento. Você precisa ver isso, não eu. Você precisa enxergar a verdade disto: o pensamento precisa ser compreendido; é preciso saber tudo a respeito dele. Isso precisa ser de enorme importância para você, e não apenas porque o orador o afirma. O orador não tem nenhum valor. O valor está no que você aprende, e não no que memoriza. Limitando-se a repetir o que o orador diz, seja aceitando ou negando, você não terá penetrado a fundo no problema. Porém, se você quer mesmo resolver o problema humano de como viver em paz, com amor, sem medo, sem violência, precisa compreender isto profunda mente.
Mas como se pode aprender o que é a libertação? Não a libertação da opressão, a libertação do medo, a libertação de todas as pequenas coisas que nos preocupam, mas a libertação da verdadeira causa do medo, da verdadeira causa do nosso antagonismo, da verdadeira raiz do nosso ser, na qual existe uma aterradora contradição, uma assustadora busca do prazer, e todos os deuses que criamos, com todas as igrejas e sacerdotes — você conhece toda a história. Assim, acredito, é preciso que cada um pergunte a si mesmo se quer se libertar na superfície ou no verdadeiro âmago do seu ser. E se você quer aprender o que é a libertação na verdadeira fonte de toda a existência, você então precisa estudar o pensamento. Se a questão ficou esclarecida — não em termos de explicação verbal, não a idéia que você forma a partir da explicação — mas se você sente a verdadeira necessidade, então podemos caminhar juntos. Porque, se pudermos compreender isso, teremos respondido a todas as nossas perguntas.
É preciso, portanto, descobrir o que vem a ser aprender. Em primeiro lugar, quero aprender se é possível me libertar do pensamento — e não como utilizar o pensamento. Essa é a próxima pergunta. Mas poderá a mente chegar a ser livre do pensamento? E o que significa essa liberdade? Só conhecemos liberdade de alguma coisa — estar livre do medo, disto ou daquilo, da ansiedade, de uma dúzia de coisas. E existirá uma liberdade que não seja de alguma coisa, mas a liberdade per se, em si mesma? Mas, ao fazer a pergunta, não dependerá a resposta do pensamento? Ou será a liberdade a não-existência do pensamento? E aprender significa percepção instantânea e, portanto, não requer tempo. Não sei se vocês percebem isso. Por favor, isso é de uma importância fascinante!
Krishnamurti – Brockwood Park, 9 de Setembro de 1972