Pode a mente renovar-se?
PERGUNTA:
Porque é que as pessoas, tendo uma renda certa e podendo retirar-se do trabalho
de responsabilidade, tantas vezes se deterioram e desintegram psicologicamente?
KRISHAMURTI: A deterioração é mera resultante da
renda certa? A renda certa talvez apenas exagere a deterioração já existente.
Não, meus senhores, não vos riais disso, como se nada fosse. Interessa-nos
saber porque a mente se deteriora numa determinada fase, ou por que razão ela se
deteriora? Um homem que está trabalhando, ganhando dinheiro, frequentando
regularmente um escritório, não se está deteriorando, aparentemente, pois está
em atividade; ao cessar, porém, essa atividade, torna-se perceptível a
deterioração. A mente sujeita a uma rotina, seja a rotina de um escritório, de
um rito, ou a rotina de um certo dogma, já se está deteriorando, não é verdade?
Por certo, vale muito mais a pena descobrir as causas determinantes da
deterioração da mente, do que inquirir por que razão o vosso vizinho se
desintegra, quando se retira das atividades. Se pudermos realmente compreender
só esta questão, talvez venhamos a conhecer a eternidade da mente.
Porque se deteriora a mente — não apenas a vossa,
mas a mente do homem? Pode-se ver que o fator da deterioração surge quando a
mente se transforma em máquina de hábito, quando a sua educação é mero
exercício de memória, e quando se acha numa luta incessante, procurando
ajustar-se a um padrão imposto de fora ou criado por ela própria. Há medo,
deterioração, destruição da mente, quando ela está constantemente a buscar
segurança, ou quando onerada do desejo de preencher-se. E tal é o nosso estado,
não é verdade ? Ou estamos na sujeição do hábito, da rotina, fazendo a mesma
coisa sempre e sempre, exercitando-nos na virtude, ajustando-nos ao padrão de
uma disciplina, para chegarmos a um certo resultado, para encontrarmos
segurança psicológica ou material; ou, ainda, estamos a competir, a fazer
esforços inauditos, na nossa ambição de sucesso mundano. Certo, é isso o que
cada um de nós está fazendo, e, por conseguinte, já pusemos em funcionamento o
mecanismo da deterioração. Se qualquer dessas reações existe em nós, em
qualquer nível que seja, estamo-nos deteriorando.
Pois bem. Pode a mente renovar-se com frequência?
Pode a mente ser criadora momento por momento? Não me refiro à criação
compreendida como mera atividade de planejar e expressar, compreendida como
capacidade ou aplicação de uma técnica. Não me estou referindo à criação sob
nenhum desses aspectos. Mas pode a mente experimentar o desconhecido? Sem
dúvida, só no estado de não-cognoscibilidade não há deterioração. Qualquer
outro estado acarretará, por força, o envelhecer da mente. Como qualquer
mecanismo posto a funcionar seguidamente durante dias, semanas, meses e anos, a
mente, sempre em atividade, se deteriora, inevitavelmente. Enquanto fizerdes
uso da vossa mente como se fosse máquina, para realizar, produzir, ganhar,
tendes em vós as sementes da deterioração, da velhice e da decrepitude. E quer
se trate de um menino de dezesseis anos ou de um velho de sessenta, o “mecanismo”
é o mesmo. Nós, porém, em geral, não estamos apercebidos desse mecanismo de
deterioração. Estamos cônscios, apenas, de nos acharmos entre as rodagens da máquina
de prazeres e dores e sofrimentos, e da nossa luta para sairmos dela. A mente,
pois, nunca está quieta, despreocupada; sempre se acha envolvida com alguma
coisa: com Deus, com o comunismo, com o capitalismo, com o enriquecer, com a
opinião dos outros ou... com a cozinha. Com quantas coisas anda ela ocupada!
Como está constantemente ocupada, nunca é livre, jamais, tranquila. Só a mente
que está tranquila — não por estar insensibilizada, mas por encontrar-se
naquele estado de silêncio que é criador — só essa mente pode sustar a
deterioração. A imunidade à deterioração não é possível à mente que se preenche
pelo exercício de capacidades. À medida que nos tornamos mais idosos, a
capacidade se embota. Podeis ser um pianista exímio; com o envelhecer, porém,
vem o reumatismo, vêm os achaques, vem a cegueira, ou podeis ser vitimado por
um acidente. A mente que anda à procura de preenchimento, em qualquer
sentido, em qualquer nível, já contém em si a semente da destruição. É o “eu”
que quer preencher-se, quer tornar-se alguma coisa; vendo-se vazio, frustrado,
busca o “eu” preenchimento em minha família, meu filho, minha
propriedade, minha idéia, minha experiência. Quando
reconhecemos tudo isso e percebemos-lhe os perigos, só então a mente pode estar
vazia momento por momento, dia por dia, não afetada pela carga do passado ou
pelo temor do futuro. O viver naquele momento não é nenhuma coisa fantástica,
só concedida a uns poucos. Afinal de contas, como disse, cada um de nós vive
num mundo de sofrimento, luta, dor, efêmera alegria, e cada um de nós deve
encontrar aquela coisa desconhecida; ela não foi reservada só para um e negada
aos demais. É juntos que podemos criar um mundo novo; mas este mundo novo não
pode nascer da revolução exterior, que produz decomposição.
A mente se deteriora quando busca um fim, quando se
submete à autoridade, nascida do temor. Há um definhar-se da mente, quando não
há autoconhecimento, e o autoconhecimento não é uma coisa que se possa aprender
de um livro. Ele tem de ser descoberto a cada momento, o que requer uma mente vigilante
em extremo; e a mente não está vigilante quando achou um fim. Assim, o
fator que acarreta a deterioração se encontra em nossas próprias mãos. A mente,
presa à experiência, vivendo da experiência, nunca encontrará o incognoscível.
O incognoscível só pode manifestar-se quando o passado já não existe; e só não
existe passado, quando a mente está tranquila.
Krishnamurti em,
Percepção Criadora,
28
de junho de 1953