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quinta-feira, 5 de abril de 2018

A libertação do “eu” e da própria mente


A libertação do “eu” e da própria mente

PERGUNTA: Muitos dos que passaram pela desastrosa experiência da guerra parecem incapazes de achar o seu lugar no mundo moderno. Jogados para todos os lados pelas vagas desta sociedade caótica, flutuam à deriva, de ocupação em ocupação, e sua vida é lastimável. Sou uma dessas pessoas. Que devo fazer?

KRISHNAMURTI: Quando uma pessoa está em revolta contra a sociedade, que acontece, geralmente? Sob compulsão ou impelida pela necessidade, ela se submete a um certo padrão social e fica sustentando uma batalha incessante dentro de si mesma e com a sociedade. A sociedade fez de vós o que sois, desencadeou, guerras e semeou a destruição. Esta civilização baseia-se na inveja, na agitação, suas religiões não produzem nenhum homem religioso. Pelo contrário, destroem o homem religioso. Que pode então um indivíduo fazer? Alquebrado pela guerra, ou se torna neurótico, ou para não se tornar neurótico recorre à ajuda de alguém, procurando adaptar-se ao padrão social. E continua, assim, a manter-se uma sociedade produtiva de insânia, de guerras e de corrupção. Ou, ainda — o que realmente é dificílimo — o indivíduo pode examinar toda a estrutura da sociedade e libertar-se dela. Estar livre da sociedade significa não ser ambicioso, não ser ganancioso, não ser competidor; significa “ser nada”, perante essa sociedade que luta para ser algo. Mas esse estado é muito difícil de aceitar, porque o indivíduo está sujeito a ser pisado, empurrado para o lado, e nada possuirá. Nesse “estado de nada” há sanidade, e não no outro. No momento em que perceberdes isso, no momento em que fordes o mesmo que nada, nesse momento a Vida cuidará de vós. Ela o fará. Algo acontecerá. Mas isso requer uma profundíssima penetração da estrutura da sociedade. Enquanto queremos fazer parte dessa sociedade, havemos de gerar a insânia, as guerras, a destruição e o sofrimento; mas o libertarmo-nos dessa sociedade, que é a sociedade da violência, da riqueza, da posição, do sucesso — isso exige paciência, investigação, descobrimento, e não a leitura de livros, a busca ansiosa de instrutores, psicólogos, etc.

PERGUNTA: Estou intrigado com esta frase que empregastes na vossa palestra da semana passada: “uma mente perfeitamente controlada”. Uma mente controlada não supõe a vontade ou uma entidade controladora?

KRISHNAMURTI: De fato empreguei a expressão “uma mente controlada”, e pensava ter esclarecido a sua significação. Vejo, entretanto que não fui compreendido, e por isso explicar-me-ei de novo.

Não é necessário termos, não uma mente controlada, mas uma mente muito firme, uma mente sem distrações? Segui-me por favor. A mente não sujeita a distrações é aquela em que não existe nenhum interesse central. Quando há interesse central, há distrações. Mas a mente que está completamente atenta, mas não para um determinado objeto, é uma mente firme.

Ora, examinemos rapidamente a questão do controle. Quando há controle, há uma entidade que controla, que domina, que sublima ou procura substitutos. No controle, pois, há sempre um mecanismo dual: a entidade que controla e a coisa que é controlada. Por outras palavras, há conflito. Com certeza percebeis isso. Há a entidade que controla, que avalia, que julga, o juiz, o experimentador, o pensador; e, do lado oposto, a coisa que está sendo examinada, controlada, reprimida, sublimada, etc. Há, assim, sempre uma batalha entre duas entidades: o que é, e o que diz “devo ser”. Esta contradição, este conflito, é um desperdício de energia. E é possível ficarmos só com o fato, sem o “controlador”? É possível eu perceber o fato de que sou invejoso, sem dizer que é mau ser invejoso, que é um estado anti-social, anti-espiritual, que deve ser modificado? Pode a entidade que avalia desaparecer completamente e restar só o objeto? Pode a mente considerar o fato sem avaliação, quer dizer, sem opinião? Quando há opinião a respeito de um fato, há confusão, conflito. Espero que estejais compreendendo.

A confusão é um desperdício de energia, e a mente está necessariamente confusa quando se abeira de um fato com uma conclusão, uma ideia, opinião, juízo, condenação. Mas quando a mente percebe o fato como verdadeiro, sem ter opinião a seu respeito, há então apenas a percepção do fato, e desta percepção resulta uma extraordinária firmeza e sutilidade da mente, porque então não há mais diversões nem fugas, nem juízos, nem conflito, de modo que a mente não desperdiça as suas energias. Só há, então, pensar, sem pensador; mas o experimentar de tal coisa é dificílimo.

Vede o que ocorre. Assistis a um belo pôr de sol. No momento preciso em que o presenciais, não há experimentador, há? Só há o sentimento de uma grande beleza. Depois, a mente diz: Que belo que foi! Desejo mais" — e começa o conflito do experimentador a desejar mais experiência. Ora, pode a mente achar-se num “estado de experimentar”, sem haver experimentador? O experimentador é memória, é o coletivo. Estais percebendo? Posso contemplar o pôr do sol, sem comparar, sem dizer “Que belo espetáculo, quem me dera gozá-lo mais vezes!” — posso? O mais é produto do tempo, que encerra o medo de terminar, o medo da morte.

PERGUNTA: Há dualidade entre a mente e o “eu"? Se há, como libertar a mente do “eu"?

KRISHNAMURTI: Existe dualidade entre o “eu”, a pessoa, o “ego”, e a mente? Certo, não existe. A mente é o “eu”, o “ego”. O “ego”, o “eu”, é esse impulso de inveja, brutalidade, violência, essa falta de amor, essa busca perene de prestígio, posição, poder, essa luta para se ser alguma coisa; e isso é o que a mente também está fazendo, não é? A mente está sempre a pensar em como progredir,­ adquirir mais segurança, uma posição melhor, mais conforto, mais riqueza, mais poder e tudo isso é o “eu”. A mente, portanto, é o “eu”; o “eu” não é uma coisa separada, embora gostemos de pensar que o seja, porque então a mente pode controlar o “eu”, fazer esse jogo de vaivém, de subjugar o “eu”, procurar alterá-lo — jogo infantil da mente educada, “educada” no sentido errôneo que se costuma dar à palavra.

Assim, pois, a mente é o “eu”, esta mesma estrutura aquisição. E o problema é: Como pode a mente libertar-se de si própria? Tende a bondade de seguir isto. Se a mente faz qualquer movimento para se libertar, ela é ainda “eu”, não achais?

Vede: Eu e minha mente somos a mesma coisa; não há divisão entre mim e a minha mente. O “eu” que é invejoso, ambicioso, é a mesmíssima mente que diz “Não devo. ser invejosa, devo ser nobre” — o que acontece é só que a mente dividiu a si mesma. Ora, se percebo isso, que devo fazer? Se a mente é produto do ambiente, da inveja, da avidez, de condicionamento, que lhe compete fazer? Sem dúvida, todo movimento que ela faça para se libertar, decorre desse condicionamento, não é exato? Estais compreendendo? Todo movimento que a mente faz para se libertar de seu condicionamento, é ação do “eu” que quer ser livre, a fim de ser mais feliz, ter mais paz, sentir-se mais perto da mão direita de Deus-Pai. Mas eu percebo tudo isso, todos os movimentos e truques da mente. Por conseguinte, a minha mente está quieta, completamente tranquila, imóvel; e nesse silêncio, nessa tranquilidade encontramos a libertação do “eu” e da própria mente.

Por certo, o “eu” só tem existência no movimento da mente para obter alguma coisa ou evitar alguma coisa. Se não há movimento de obtenção ou evitação, a mente está então muito tranquila. E só então nos é dada a possibilidade de ficar livres da totalidade da consciência, como “coletivo” e como oposto do coletivo.

Krishnamurti, 28 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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terça-feira, 3 de abril de 2018

Pode findar o “mecanismo do eu”?


Pode findar o “mecanismo do eu”?

Acho que muito importa a atitude com que comparecemos a estas reuniões, porque para mim elas são muito sérias. Não viestes aqui para encontrar-vos com vossos amigos, o que podeis deixar para mais tarde, ou para passar uma hora entretida, num mero debate verbal, opondo uma ideia ou opinião a outra. Tentamos examinar o muito complexo problema do viver, e para isso se requer muita seriedade de propósitos. Em vista, não tem evidentemente nenhum cabimento o tirarem-se fotografias ou a solicitação de autógrafos, pois isso é uma das muitas coisas fúteis que fazemos quando não temos propósitos verdadeiramente sérios; e desejo perdir-vos não considereis esta nossa reunião como um curioso ajustamento de pessoas muito seriamente interessadas em descobrir o pleno significado do viver. Tal é pelo menos o meu ponto de vista, e a coisa que me interessa muito seriamente. Há tanto caos, tanta miséria e confusão no mundo; e, por menos numerosa que essa esta assembleia, se pudermos examinar este problema muito atentamente, não só durante cerca de uma hora, numa tarde de sábado ou manhã de domingo, talvez então alcançaremos um ponto em que nós mesmos seremos os missionários, e não simples ouvintes; em que começaremos a falar sobre estas coisas, das profundezas de nossa própria compreensão e experiência. Assim, a minha intenção, quando vos falo aqui, não é a de pôr-me em destaque ou de “preencher-me”, o que evidentemente seria muito infantil, mas, sim, de ver se não podemos, juntos, despertar aquela inteligência, aquela perspectiva integral da vida, que habilitará cada um de nós a ser a chama que produz a revolução fundamental e radical em nosso próprio pensar, e portanto, quiçá, no mundo que nos rodeia. Se prevalecer aqui um espí­rito de serenidade, um senso de dignidade, um respeito mútuo, que exige atenção igual por parte de todos, talvez possamos examinar profundamente estes problemas, não nos satisfazendo com descrições, com o mero arranhar da superfície.

Desejo, se possível, discorrer nesta manhã sobre o problema da experiência, investigar o que é experimentar e — se não efetuarmos uma revolução fundamental no centro — que possibilidade existe de experimentarmos, sem darmos continuidade à experiência do passado. Pois bem. Que centro é esse? Sem dúvida, é o “eu”, o “ego”, a mente, a mente que é tão sensível, sobremodo hábil e capaz de compreender uma tão grande variedade de experiências, de armazenar inúmeras lembranças, que pode inventar, que sabe planejar um avião capaz de voar a catorze mil pés de altura, a uma velocidade de seiscentas milhas horárias.

Este centro, máquina complexa, de potencialidades ilimitadas, está circunscrito pela ideia do “eu”: meu prazer, minha segurança, minhas vaidades, minhas posses, meu progresso, meu preenchimento. É um centro de afeição, de ódio, de prazeres efêmeros, de inveja, avidez e sofrimento. E posso realizar uma revolução nesse centro, de modo que o “eu” se torne inexistente? Porque o “eu” é a fonte de todo sofrimento, não é verdade? Ainda que o “eu” tenha satisfações passageiras, alegrias e afeições superficiais, ele está constantemente multiplicando problemas e produzindo sofrimento. Por mais alto ou em qualquer nível que eu coloque o “ego”, ele estará sempre compreendido no campo do pensamento; e o pensamento, para a maioria de nós, é dor, é sofrimento, é uma batalha constante entre o que sou realmente e o que deveria ser. E, no entanto, esta máquina, esta mente, sempre a pensar em si mesma e na sua segurança, é também capaz de expansão infinita.

Não sei se já pensastes alguma vez na extraordinária significação, nas notáveis nuanças e sutis profundezas que têm para a mente palavras como “amor” e “ morte”. E, entretanto, esta mente com todas as suas sutilezas e sua ligeireza de movimentos está agrilhoada pela ideia do “eu”': o “eu” que não é amado e deve ser amado, o “eu” que deve amar, o “eu” que terá de morrer. E é possível que esse “eu”, esse “ego”, deixe de existir completamente? Tal é, fundamentalmente, o nosso problema, não achais? Todas as religiões, — não as igrejas organizadas, mas todos os verdadeiros instrutores, todas as civilizações e culturas sempre lutaram para eliminar o “'eu”, o senso do esforço separado. Vários governos têm feito esforços extraordinários para destruir o “eu”, pela tirania da esquerda ou da direita, pela dominação totalitária sobre o pensamento do “eu”, com o propósito de criar uma civilização de trabalho cooperativo. Todavia, esse “eu” está constantemente se afirmando, traduzindo toda experiência, toda reação, todo movimento do pensar em conformidade com seu próprio centro. O “eu”, o “ego” é fonte de conflito e dor, de luta perene por vir a ser, realizar, alcançar e, enquanto não percebermos esse fato, a nossa mente, por mais hábil e sutil e ilustrada que seja, só haverá de criar mais problemas e produzir mais sofrimentos. Assim, pois, aqueles dentre nós que tiverem intenções realmente sérias devem evidentemente orientar a sua indagação no sentido de descobrir se esse “eu” pode chegar a um fim.

Ora, que é esse “eu”? Um processo de reconhecimento, não é? Um centro de experiência, de temor, de alegria, de passageiro preenchimento, de memória. Se não existe “eu”, não há experiência com que a mente possa identificar-se, chamando-a minha experiência.

Não vos estou dizendo nada de novo. Pelo contrário, apenas descrevo o que realmente se passa em cada um de nós. O que expresso verbalmente tem de ser, por força, muito limitado; mas se, enquanto escutais, observais esse processo em vós mesmos, começareis a perceber as complexidades, as extraordinárias sutilezas do vosso próprio pensar; tornar-vos-eis cônscios de vosso próprio centro, desse arrogante ou negativo estado da mente, que se chama “eu” e que está sempre ávido de algum ganho, quer aceitando, quer rejeitando.

O “eu”, pois, é um centro de reconhecimento e experiência; e visto como cada experiência é traduzida pela mente de acordo com esse centro, ela está sempre limitando-se a si mesma. Enquanto existir o “eu”, a mente não poderá passar além, por mais hábil e por mais fantasticamente sutil que seja. Enquanto toda experiência for traduzida em termos referentes ao “eu”, em termos de gosto e desgosto, como pode a mente passar além? Uma mente toda empenhada em buscar o prazer e evitar o sofrimento, que está sempre limitando a si mesma com os seus esforços, suas exigências e temores — como pode essa mente experimentar ou compreender aquilo que existe além dela própria? E, entretanto, se temos inclinações sérias, é essa a coisa que estamos procurando, não é verdade? Naturalmente, se estamos satisfeitos dentro da rotina dos prazeres e dores de cada dia, não existe então problema algum; continuaremos o nosso caminho, substituindo uma dor por outra, um prazer por outro, uma crença ou dogma por outro. Porém, se desejamos ir mais longe, se queremos investigar, descobrir, então, por certo, o “eu”, que está perenemente limitando a mente, tem de acabar-se.

Mas, como pode terminar esse “eu”, esse “ego”, esse mover-se do pensamento que se concentra e se fecha em torno do “eu”? Esse centro se alimenta pela experiência, não é verdade? E que é experiência consciente ou inconsciente? Esta questão é importantíssima; pensemos nela juntos.

Experiência é continuação da memória, não é? Se me encontro com uma pessoa completamente estranha, não há reconhecimento. Todavia, se já conheço a pessoa, funciona imediatamente o processo de reconhecimento: experimento prazer ou desprazer, lisonja ou insulto. A mente, por conseguinte, traduz sempre a experiência de acordo com o conhecido. Consequentemente, o desconhecido, aquilo que se não pode investigar, se torna temível, uma coisa de fazer medo: o amanhã, a morte, o futuro. Sentindo medo, a mente constrói teorias, esperanças, ideais, e tudo isso vai dar mais força ao “eu”. Tal é o processo que conhecemos. Mas, se pudermos descobrir a maneira de não nutrir o “eu”, em nível algum, nem alto nem baixo, então talvez possamos, negativamente, pôr fim ao “eu”. Isso não se pode fazer positivamente, apenas de maneira negativa, pela verificação de como o “eu” se alimenta e subsiste. Sem dúvida, o “eu”, a mente, só é capaz de pensar em função da experiência passada, em função do conhecido. Nossas religiões, nossa cultura, nossa visão das coisas, nossos ideais, estão todos em relação com o conhecido, e a mente, o “eu”, apegando-se a essas coisas, se fortalece com a posse do conhecido.

Assim, uma vez percebida de todo esse processo, pode a mente libertar-se do conhecido e pôr-se num estado em que possa existir o desconhecido? Por certo, a única revolução verdadeira se realiza quando não existe mais o medo ao desconhecido. E essa revolução só é possível quando a mente percebe a futilidade do conhecido. Consciente ou inconscientemente, porém, andamos sempre em busca do conhecido; é o nosso desejo do conhecido que cria deuses, o céu, o ideal do futuro, o Estado perfeito. “Projetamos” o que deveria ser e obrigamos o homem a ajustar-se ao conhecido, e essa é nossa Utopia.

O homem jamais pode aperfeiçoar-se, porque sua perfeição é sempre “o conhecido”. É muito importante pensar nisso profundamente, de princípio a fim. Vivemos lutando para nos tornarmos cada vez mais perfeitos, tanto tecnológica como psicologicamente. O esforço para a conquista da perfeição tecnológica é compreensível. Mas o desejo de nos tornarmos mais perfeitos interiormente, psicologicamente, é sempre um esforço de ajustamento ao conhecido, a algo já experimentado — o que significa que a mente só pode aperfeiçoar-se em conformidade com o passado, ou de acordo com a reação do passado. Assim como a sociedade comunista é uma reação ao Estado capitalista, ao qual está sempre oposta, assim também o esforço da mente para aperfeiçoar-se é uma reação ao seu próprio condicionamento; e a reação nunca é perfeita, sendo, como é, apenas um prolongamento do conhecido.

O “eu” é uma entidade total. Conquanto falemos de “consciente” e “inconsciente”, só existe de fato um estado: a consciência. Conhecemos a parte que chamamos “o consciente”; a outra parte, porém, é muito difícil de conhecer-se; entretanto, a mente é um processo total que inclui tanto a consciência interior como a consciência periférica, o oculto bem como o manifesto. Ora, pode uma pessoa tomar conhecimento dessa consciência total que é o “eu” com seus desejos, suas ânsias, seus temores, seus impulsos, sua luta constante para aperfeiçoar-se, sua ânsia de preenchimento — pode uma pessoa tornar-se completamente conhecedora desse processo, sem fortalecer a atividade do “eu”? E pode todo esse processo do “eu” terminar? Por certo, ele não pode extinguir-se por um ato de volição, nem por meio de nenhum artifício, nem pela repetição de frases, de recitações monótonas — que é auto-hipnotização por meio de palavras — nem pela absorção em alguma fantasia idiota, tal seja a danação, ou a fantasia de Deus.

Se começardes a examinar esta questão, vereis que esse exame é realmente muito importante, porquanto a solução dos problemas humanos não se acha em nenhum dos níveis conscientes. Nossa consciência está atualmente limitada pelo “eu” e toda solução proveniente do “eu” produzirá apenas maiores malefícios e mais sofrimentos. Sabendo-se isso, estando-se percebidos do mecanismo total do “eu”, é possível sua extinção?

Compreendeis como temos tentado pôr fim ao “eu”, ao “ego”? Temo-lo tentado pela disciplina, por métodos de controle, de defesa, de resistência; tentamo-lo pela compulsão, pelo ajustamento a dogma e crença. Temo-lo tentado por meio de várias formas de sacrifício, pela abnegação em favor do que consideramos mais importante: nossa esposa e filhos, o Estado, o mundo. Temos tentado o auto-esquecimento, na guerra, nas obras sociais, na filantropia e por fim na ideia de Deus. Recorremos a todos esses artifícios — pois são de fato artifícios — e só temos produzido mais miséria, mais tirania e mais caos neste mundo.

Não precisamos ler muito para compreendermos tudo isso. Sois o resultado do passado, de toda a luta humana, de todas as realizações, alegrias e sofrimentos humanos. Toda a história da humanidade está contida em vós e se sabeis lê-la não precisais mais ler livro nenhum. Para se descobrir isso, não é necessária nenhuma filosofia ou sistema. Assim, pois, a pergunta que me faço e que espero façais também a vós mesmo, é a seguinte: “Pode essa coisa chamada “eu”, que, como um fio, permeia todas as nossas ações, todos os nossos pensamentos, todos os nossos movimentos afetivos — pode essa coisa terminar? Fazei, por favor, esta pergunta a vós mesmos, em vez de procurardes uma solução, pois qualquer solução que encontrardes há de ser uma solução positiva e, portanto, uma invenção da mente, que se tomará mais um meio de perpetuar o “eu”. Todavia, se vos fizerdes a pergunta, estando inteiramente percebidos de todo esse mecanismo, encontrareis, não uma resposta verbal, mas aquela resposta espontânea que é uma revolução e que só pode apresentar-se quando fazeis a pergunta sem nenhuma volição; e esse é o verdadeiro “escutar”. Se vos tornardes indiscriminadamente apercebidos do “eu”, em todas as suas atividades; apercebido de todo o processo do vosso pensar, tanto o cognitivo como o oculto; se o perceberdes sem julgamento nem condenação, produzireis infalivelmente aquela revolução no centro. A mente se tornará então sutil num grau extraordinário, espantosamente ativa e vigilante.

Por ora, as nossas mentes estão tolhidas pelos nossos temores, nossas frustrações, nosso desejo de bom êxito; mas se — sem julgamento, sem condenação e sem escolha — começarmos a perceber todo esse mecanismo da consciência, que se desenrola continuamente, quer despertos, quer dormindo, verificaremos que, apesar dos nossos conflitos, nossas guerras e brutalidades, uma revolução se opera no centro; e qual uma onda que rola para longe e mais longe, a ação procedente do centro tem o poder de resolver-nos todas as dificuldades. Entretanto, se forem atendidos simplesmente do exterior, os nossos problemas nunca sertão resolvidos. É do centro que surgem todos os problemas humanos; e se houver um findar, uma cessação completa no centro, isso por si mesmo produzirá uma revolução total. Mas uma mente que, deliberadamente, procura produzir uma revolução, desprezando o centro, só haverá de criar mais sofrimento. Porque então se cria um ideal; e o idealista nunca é revolucionário: ajusta-se simplesmente a um padrão de sua própria invenção.

Tende, pois, a bondade de prestar atenção a tudo isso, de absorvê-lo em silêncio, e vereis que a ação criadora é uma coisa que nasce quando a mente está tranquila, quando o “eu” está totalmente ausente. A atividade criadora que conhecemos ocasionalmente, resultante de agitação, não é a mesma coisa que a ação criadora livre do centro. A ação criadora livre do centro não é temporal, porque não é invenção da mente; e, sem essa ação criadora, tem a vida muito pouca significação, ainda que tenhamos toda a prosperidade e todas as comodidades deste mundo. Depressa nos cansamos do que temos, e queremos mais comodidades, novas invenções. Mas a criação a que me refiro não é para dar-nos satisfação, é algo totalmente desconhecido, que não pode ser concebido nem conjecturado. E virá apenas quando a mente, perfeitamente apercebida do mecanismo total do “eu”, compreende a significação deste e, por conseguinte, não mais o nutre de experiência.

Krishnamurti em, Percepção Criadora,
 28 de junho de 1953
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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Na compreensão da dor encontra-se o fim da dor

Uma mente que pratica um sistema pode descobrir o que está além dela? Uma mente confinada na estrutura da própria disciplina é capaz de buscar? Não é preciso haver liberdade para descobrir?

(...) Todos nós buscamos uma saída para nossa infelicidade e provação; mas a procura acaba quando adotamos um método pelo qual desejamos dar fim à dor. Somente na compreensão da dor há um fim para ela, e não na prática de um método.

(...) É possível compreender quando, por meio da disciplina e de várias práticas, a mente está moldada pelo desejo? A mente não precisa ser livre para que a compreensão aconteça?

(...) A liberdade está no começo, não no fim... Quando a totalidade daquilo que leva inevitavelmente a infelicidade e confusão é percebida, não há qualquer sentido na disciplina contra ela. Se aquele que agora despende tanto tempo e energia na prática de uma disciplina, com todos os seus conflitos, dedicasse o mesmo pensamento e atenção à compreensão do total significado da dor, haveria o fim completo da dor. Mas estamos presos na tradição da resistência, da disciplina, e por isso não há qualquer compreensão dos mecanismos da dor.

(...) Podemos realmente escutar enquanto a mente se apega a conclusões baseadas em suposições e experiências? Certamente, só escutamos quando a mente não está traduzindo o que ouve em termos daquilo que conhece. O conhecimento impede o escutar. Talvez um indivíduo saiba muitas coisas; mas para escutar algo que pode ser totalmente diferente do que ele sabe é preciso deixar de lado todo conhecimento.

(...) O verdadeiro e o falso não se baseiam em opinião ou julgamento, independente de quão sábios e antigos. Perceber o verdadeiro no falso e o falso naquilo que se diz verdadeiro, e ver a verdade como verdade, exige uma mente que não está presa no próprio condicionamento. Como podemos perceber se uma afirmação é verdadeira ou falsa se a mente é preconceituosa, presa na própria estrutura das próprias conclusões e experiências, ou de outro? Para essa mente, o importante é perceber a própria limitação.

(...) Para compreender completamente o significado de um problema é preciso considerar toda a questão do esforço... O esforço por ser ou não ser algo é a continuação do “eu”. Esse esforço pode se identificar com o Atman, a alma, o Deus interior, e por aí vai, mas seu núcleo ainda é a ganância, a ambição, que é o “eu”, com todos os seus atributos conscientes e inconscientes.

(...) Enquanto houver um observador que está tentando mudar, ou ganhar ou colocar de lado aquilo que observa, haverá esforço; pois, afinal, o esforço é o conflito entre o que é e o que deveria ser, o ideal. Quando esse fato é compreendido, não apenas verbal ou intelectualmente, mas profundamente, então a mente adentrou o estado de ser em que todo esforço, como o conhecemos, não existe.

(...) Tal estado não pode ser buscado; ele chega sem convite. O desejo de alcança-lo compele a mente a acumular conhecimento e praticar disciplinas como meio de adquiri-lo — o que, mais uma vez, é um obstáculo à experiência de tal estado.

(...) Uma mente que é resultado do tempo, uma mente que leu, estudou, que meditou sobre o que lhe foi ensinado, e é em si mesma uma continuação do passado — como pode tal mente experimentar a realidade, o atemporal, o sempre novo? Como pode divisar o desconhecido? Certamente, saber, ter certeza, é o caminho da vaidade, da arrogância. Enquanto alguém sabe, não há morrer, há apenas a continuação; e o que tem continuidade jamais pode achar-se naquele estado de criação que é o atemporal. Quando o passado cessa de contaminar, a realidade é. Não há, então, qualquer necessidade de buscá-la.

Com uma parte de si, a mente sabe que não há permanência, nenhum canto no qual repousar; mas, com outra parte, está sempre se disciplinando, buscando aberta ou sutilmente estabelecer um refúgio de certeza, de permanência, uma relação além de toda contenda. Assim, há uma infinita contradição, um esforço por ser e também por não ser, e passamos nossos dias em conflito e dor, prisioneiros entre os muros de nossas próprias mentes. Os muros podem ser destruídos, mas o conhecimento e a técnica não são os instrumentos para essa liberdade.

Jiddu Krishnamurti


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Existe uma entidade espiritual separada do "eu"?

Podemos, vocês e eu, como indivíduos, penetrar até a raiz do processo do "eu", e compreendê-lo? Ora, qual é o elemento que o dissolve? Que é que causa a dissolução do "eu"? Grupos religiosos e outros têm explicado o meio de dissolver o "eu" pela identificação. Identifiquem-se com algo maior, e o "eu" desaparecerá — dizem eles. Nós, porém, dizemos que a identificação continua a ser um processo do "eu". Não sei se estão compreendendo isso. Todas as variadas formas de disciplina, de crenças e de conhecimentos, só servem para fortalecer o "eu". 

Pode-se achar um elemento capaz de dissolver o "eu"? Ou estará errada a pergunta? É isso o que desejamos, fundamentalmente. Desejamos encontrar alguma coisa que dissolva o "eu", não é assim? Pensamos que há vários modos de a encontrarmos, ou seja, a identificação, a crença, etc.; mas todos eles estão no mesmo nível: nenhum é superior aos outros, porque todos têm o mesmo poder de fortalecer o "eu". Pois bem, reconheço o "eu", onde quer que esteja operando, percebo sua energia e suas forças destruidoras. Qualquer que seja o seu nome, ele é uma força isolante, uma força destrutiva; e desejo encontrar um meio de dissolvê-lo. Vocês devem ter feito essa pergunta a si mesmos: "Vejo o eu operando a todas as horas, e produzindo sempre ansiedade, temor, frustração, desespero, sofrimento, não só a mim mesmo mas também a todos os que me cercam. É possível dissolver esse eu, não parcialmente, mas completamente?" — "Podemos penetrar até à sua raiz e dissolvê-lo?" — É essa a única maneira de agir, não acham? Não quero ser inteligente só parcialmente, quero sê-lo de maneira integral. A maioria de nós somos inteligentes em camadas, vocês provavelmente num sentido e eu noutro sentido diferente. Alguns de vocês são inteligentes no exercício de sua profissão, outros em suas atividades de escritório, etc. Os indivíduos são inteligentes em sentidos diferentes, nunca somos integralmente inteligentes. Ser integralmente inteligente, significa estar desacompanhado do "eu". E isso é possível? Se empreendo essa ação, qual a reação de vocês? Como não estamos numa reunião de discussão, não respondam, por favor; fiquem conscientes da ação. As coisas que ela implica, e que tenho tentado lhes mostrar, hão de produzir uma reação em vocês. Que reação é essa? 

É possível a completa ausência do "eu"? Sabem que é possível. Quais são, então, os ingredientes, os requisitos necessários? Qual o elemento que produz esse resultado? Posso descobri-lo? Estão seguindo o que estou dizendo, senhores? Quando falo a pergunta "posso descobri-lo?" estou naturalmente convencido de que é possível descobri-lo. Já criei uma experiência, no qual o "eu" irá fortalecer-se. Não é assim? A compreensão do "eu" requer grande soma de inteligência, vigilância, atenção, incessante observação, para o não deixarmos escapulir. Eu, que sinto sincero interesse, desejo dissolver o "eu". Quando assim falo, sei que é possível dissolver o "eu". Tenham paciência, por favor. No momento em que digo "Quero dissolver tal coisa" e no processo que sigo para dissolvê-la, há experiência por parte do "eu", e a mesma fortalece o "eu". Como é possível não deixar o "eu" experimentar? É bem evidente que o estado criador não é experiência do "eu". A criação ocorre quando o "eu" não está presente; porque a criação não é intelectual, não é produto da mente, não é auto-projeção, mas, sim, algo que está além de toda experiência, como sabemos. É possível ficar a mente tranquila de todo, num estado de não-reconhecimento, de não-experimentar, num estado em que a criação possa acontecer — isto é, num estado em que o "eu" não esteja presente, em que o "eu" esteja ausente? Estou-me fazendo claro ou não? Vejam, senhores, o problema é este, não é verdade? Todo movimento da mente, positivo ou negativo, representa uma experiência, que de fato fortalece o "eu". É possível para a mente não reconhecer? Só é possível quando há silêncio completo, não o silêncio que é experiência do "eu" e que, por conseguinte, fortalece o "eu". 

Existe uma entidade espiritual separada do "eu", que o observa e o dissolve? Estão compreendendo? Pensamos que existe, não é verdade? A maioria das pessoas religiosas pensam que existe esse elemento. O materialista diz: "É impossível destruir o "eu"; ele só pode ser condicionado e reprimido — política, econômica, socialmente, podemos prendê-lo firmemente dentro de um certo padrão, e subjuga-lo. Por conseguinte, é possível fazê-lo viver num alto nível, com moralidade, sem influir em coisa alguma, mas observando o padrão social e funcionando como simples máquina". Isso nós sabemos bem. Há outras pessoas, as chamadas religiosas — na realidade não são religiosas, embora assim as chamemos — que dizem: "Fundamentalmente, esse elemento existe. Se pudermos entrar em contato com o mesmo, ele dissolverá o "eu", à força, num canto". Se vocês se deixam colocar à força num canto, verão o que acontecerá. Gostaríamos que existisse um elemento atemporal, distinto do "eu" — e o denominamos Deus. Ora, existe tal elemento, concebível pela mente? Pode ser que exista ou pode ser que não exista; não estamos tratando disso. Quando a mente busca um estado espiritual independente do tempo, que se colocará em ação para destruir o "eu", não é essa uma outra forma de experiência que fortalece o "eu"? Quando vocês acreditam, não é isso, realmente, o que ocorre? Quando acreditam que existe a verdade, que existe Deus, um estado de eternidade, de imortalidade — não representa isso um processo de fortalecimento do "eu"? O "eu" projeta essa coisa que, segundo sentem e acreditam, há de vir, para destruir o "eu". E tendo projetado essa ideia de continuidade num estado atemporal, como entidade espiritual, estão prontos para experimentar esse estado, e toda experiência dessa espécie só servirá para fortalecer o "eu". Por conseguinte, o que fizeram? De fato, não destruíram o "eu", apenas lhe deram um nome diferente, uma qualidade diferente; o "eu" continua a existir, visto que o experimentaram. Nessas condições, a nossa ação, de princípio ao fim, é sempre a mesma; nós é que pensamos que ela evolui, se dissolve, se torna cada vez mais bela; mas, se observarem interiormente, é sempre a mesma ação que se verifica, sempre o mesmo "eu" funcionando em níveis diferentes, com rótulos diferentes, com nomes diferentes. 

O que acontece ao perceberem integralmente o processo do "eu", suas invenções astuciosas e extraordinárias, sua inteligência, como ele se cobre com a capa da identificação, da virtude, da experiência, da crença, do saber; ao reconhecerem que estão andando em círculos dentro de uma gaiola que ele fabricou? Ao perceberem esse fato, ao tomarem pleno conhecimento dele, não fica a mente de vocês extraordinariamente tranquila? — mas não em virtude de compulsão, de recompensa, de temor? Quando reconhecerem que todo movimento da mente é simples maneira de fortalecer o "eu", quando observarem, perceberam esse fato, quando ficarem plenamente cônscios do mesmo, na ação, quando chegarem a conhecer esse ponto — não ideologicamente, verbalmente, não por meio da experiência, mas, sim, porque vocês se acham de fato nesse estado — verão então que, em tal estado de completa tranquilidade, a mente não tem nenhum poder de criar. Tudo o que a mente cria está dentro de um círculo, está compreendido na esfera do "eu". Quando a mente é não-criadora, há criação, que não é um processo passível de reconhecimento. 

Não se pode reconhecer a realidade, a verdade. Para que a verdade se manifeste, devem desaparecer a crença, o conhecimento, a experiência, a virtude, o cultivo da virtude, — que é coisa diferente de "ser virtuoso". A pessoa "virtuosa", a pessoa que está cônscia de estar cultivando a virtude, nunca encontrará a realidade. Pode ser uma pessoa muito honrada, mas é inteiramente diferente do "homem da verdade", do homem que compreende. Para o "homem da verdade", a verdade surgiu na existência. O homem virtuoso é um homem direito, e um homem direito nunca poderá compreender o que é a verdade; porque, para ele, a virtude é uma capa do "eu", numa maneira de fortalecer o "eu"; pois ele cultiva a virtude. Quando diz: "devo ser um homem sem avidez", o estado em que é não-ávido, e no qual "experimenta", fortifica o "eu". Eis porque é importante ser pobre, não só de bens terrenos, mas também de crença e saber. O homem rico de bens terrenos, ou o homem rico de saber e de crenças, nunca conhecerá senão a escuridão, e será o centro de toda sorte de malefícios e sofrimentos. Mas se vocês e eu, como indivíduos, pudermos perceber todo esse funcionamento do "eu", saberemos então o que é o amor. Asseguro-lhes que essa é a única reforma capaz de transformar o mundo. O amor não é o "eu". O "eu" não pode reconhecer o amor. Vocês dizem "amo" e, então, justamente porque o dizem, não há amor. Mas quando conhecem o amor, não existe "eu". Quando há amor, não há "eu". 

Jiddu Krishnamurti — Quando o pesamento cessa

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Como pode o “eu”, libertar-se de sua própria sombra?

da-solidao-a-plenitude-humanaPergunta: Dizeis que o passado deve deixar de existir, para que o desconhecido possa existir. Tudo tentei para libertar-me de meu passado, mas minhas lembranças perduram e me observam inteiramente. Significa isso que o passado tem existência independente de mim? Se não, tende a bondade de mostrar-me como viver livre dele?

Krishnamurti: Antes de mais nada, o passado é diferente do “eu”? O pensador, o observador, o experimentador é diferente do passado? O passado é memória, são todas as experiências do indivíduo, todas as suas ambições, o resíduo racial, a tradição, os valores culturais, as influências sociais —tudo isso constitui o passado, a memória. Quer estejamos conscientes de sua existência, quer não, ele existe. Ora, todo esse conjunto é diferente do “eu”, que diz: “Desejo libertar-me do passado”?

Tende a bondade de acompanhar-me com paciência. Existe essa continuidade da memória, muito vasta e muito profunda, a qual, a todas as horas, está reagindo aos desafios. Essa memória é diferente do “eu” ou é “eu”? Entendeis? Se não existisse nome, relação com a família, o passado, a raça, etc., haveria “eu”? Haveria “eu”, haveria pensador, se não houvesse pensamento? Ou achais que, acima do “eu”, existe o Atman, uma entidade independente, sempre vigilante? Se existe essa entidade independente, nesse caso a mente, porque é dependente é incapaz de conhecê-la. Estais seguindo? A mente, que ao mesmo tempo depende do passado e dele resulta, disse que existe o Atman, que observa do alto, que´é livre, independente; mas, sem dúvida, foi a mente dependente que disse tal coisa; portanto, isso a que ela chama Atman faz parte dela própria, está dentro da esfera da memória, da tradição. Isso é bastante claro, não? Pela tradição, pela repetição, pela leitura, etc., sois educados parar crer que há uma coisa que é independente do “eu”, uma cosia que transcende a memória; mas um homem que foi educado na Rússia, dirá que tal coisa não existe, que é puro disparate, que só há “eu”. Assim, todos somos produtos de nossa educação, estamos condicionados por nosso passado, pelo meio cultural em que vivemos, pelas influências religiosas, políticas e sociais sob as quais fomos criados; e presumir, postular, supor que há algo superior a esse “eu” — embora tal coisa possa existir — é pensar de maneira muito infantil, imatura, e é isso que tem causado tanta confusão e tantos sofrimentos.

Não há, pois, nenhum “Eu” separado do passado. O “eu” é o passado, é a qualidade, a virtude, a experiência, o nome, as relações de família, as várias tendências, conscientes e inconscientes, a herança racial — tudo isso constitui o “eu”, e a mente não está separada dele. A alma, o Atman faz parte da mente, porque foi a mente que inventou estas palavras.

O problema, portanto, é este: Como pode a mente, que é resultado do passado, libertar-se de sua própria sombra? Compreendeis? Como pode a mente, que é todo o conjunto de memória, libertar-se do passado? Está correta esta pergunta, senhores? Acho-a incorreta. O mais que a mente pode fazer é estar cônscia do passado, estar cônscia de como toda reação, toda “resposta” provém do passado — estar totalmente cônscia, sem o desejo de nada alterar, sem escolher, do passado, o que é bom e rejeitar o que é mau. Se a mente luta pra destruir, esquecer ou alterar o passado, ela se separa do passado, criando assim uma dualidade e, portanto, conflito; e justamente esse conflito é que produz a deterioração da mente. Mas se, ao contrário, a mente perceber a totalidade de sua memória, ficando simplesmente cônscia dessa totalidade, vereis acontecer algo extraordinário. Sem esforço nenhum, o passado findou.

Experimentai-o, não porque eu o estou dizendo mas porque assim, o vereis por vós mesmo. Uma mente que é resultado do passado não pode libertar-se do passado por seu próprio esforço. O mais que pode fazer é tornar-se cônscia de suas reações, cônscia de como guarda ressentimentos, para depois perdoar; como acumula, para depois renunciar; como escolhe, para depois tornar-se confusa. A mente que escolhe é uma mente confusa. Ficai cônscios de tudo isso, para verdes como a mente se tornará surpreendentemente tranquila. Não há mais escolha, então, porque a mente percebe a falácia de fazer algo para libertar-se do passado. Desse percebimento resulta, não uma libertação do passado, mas um sentimento de liberdade, que faz o passado deixar de existir.

Krishnamurti — 5ª Conferência em Bombaim, 18 de março de 1956
Extraído do livro: Da Solidão à plenitude humana

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Que é o "eu"?

Sabemos o que se entende por "eu"? Por esse termo, entende-se a ideia, a memória, a conclusão, a experiência, as várias formas de intenções exprimíveis, o esforço consciente para ser ou não ser, a memória acumulada do inconsciente, da raça, do grupo, do indivíduo, do clã. Todo esse conjunto de coisas, quer projetado exteriormente como ação, quer espiritualmente projetado, como virtude, o esforço que visa a tudo isso é o "eu". Nessa luta se inclui a competição, o desejo de ser. Esse processo, na sua totalidade, é o "eu". Sabemos positivamente, quando o encaramos de frente, que ele é uma coisa má. Uso propositadamente a palavra "má", porque o "eu" é fator de separação. O "eu" é egotista, suas atividades, por mais nobres que sejam, são separativas e geram isolamento. Sabemos de tudo isso. Conhecemos também aqueles momentos extraordinários em que o "eu' é inexistente, em que não há tendência para esforço ou luta, e que ocorrem quando existe o amor.
Parece-me importante compreender como a experiência fortalece o "eu". Se sentimos verdadeiro interesse, deveríamos compreender esse problema da experiência. Ora, que se entende por "experiência"? Temos impressões a todas as horas, e traduzimos essas impressões e reagimos ou agimos em conformidade com elas; somos calculistas, astutos, etc. Há constante correlação entre o que vemos objetivamente e nossa maneira de reagir a isso, correlação entre o consciente e as memórias do inconsciente.

De acordo com minhas memórias, reajo a tudo o que vejo, a tudo o que sinto. Nesse processo de reação ao que vejo, ao que sinto, que sei, que creio, está ocorrendo experiência. A reação que se vê, é experiência. Quando vos vejo, reajo; dar nome a essa reação é experiência. Se não dou nome a essa reação, ela não constitui experiência. Observai vossas próprias reações e o que está ocorrendo em vós. Não há experiência, quando não há simultaneamente processo de dar nome. Se não vos reconheço, como posso ter a experiência do meu encontro convosco? Isso parece simples e exato, não é um fato? Isto é, se não reajo de conformidade com minhas memórias, meu condicionamento, meus preconceitos, como posso saber que tive uma experiência?

E há também a projeção de desejos vários. Desejo estar protegido, ter segurança interior, ou desejo ter um Mestre, um guru, um instrutor, um Deus. E experimento aquilo que projetei. Isto é, projetei um desejo, que tomou forma, a que dei nome; a esse nome eu reajo. Esse nome é uma "projeção" de mim mesmo. É produto meu. Esse desejo que me proporciona uma experiência, faz-me dizer: "Estou tendo uma experiência; encontrei-me com o Mestre; não me encontrei com o Mestre". Conheceis bem todo o processo de dar nome à experiência. É ao desejo que chamamos experiência, não é verdade?

Quando desejo o silêncio da mente, que ocorre? Que acontece? Reconheço a importância de ter a mente silenciosa, tranquila, por várias razões; porque os Upanichades assim falaram, porque assim o disseram as escrituras religiosas, assim o disseram os santos, e também porque, em certas ocasiões, eu próprio sinto como é bom estar tranquilo, já que minha mente tagarela tanto, o dia inteiro. Sinto por vezes, quanto é agradável, quanto é deleitável ter a mente tranquila, em silêncio. Meu desejo é "experimentar" o silêncio. Desejo ter a mente silenciosa, e por isso pergunto. "Como consegui-lo?" Sei o que disse este ou aquele livro acerca da meditação e das várias formas de disciplina. Nessa condições, procuro, através da disciplina, "experimentar" o silêncio. O "eu", o "ego", por conseguinte, fixou-se na experiência do silêncio.

Quero compreender o que é a verdade; esse é meu desejo, minha aspiração. Vem em seguida minha projeção daquilo que considero ser a verdade, pois li muito a seu respeito, ouvi muitas pessoas falarem dela, as escrituras religiosas a descreveram. Desejo-a, tal qual. Que acontece? O próprio desejo é "projetado", e tenho a experiência, porque reconheço esse estado "projetado". Se eu não reconhecesse, esse estado, não o chamaria "a verdade". Reconheço-o e o experimento e essa experiência reforça o "eu", o "ego", não é verdade? Desse modo, o "eu" se entrincheira na experiência, e dizeis, então: "Eu sei", "Existe o Mestre", "Existe Deus", ou, "Não existe Deus"; dizeis que determinado partido político tem razão e nenhum dos outros a tem.

A experiência, pois, está sempre reforçando o "eu". Quanto mais entrincheirados estamos em nossa experiência, tanto mais forte se torna o "eu". Como resultado disso, tendes certa força de caráter, certa força de conhecimento, de crença, e gostais de ostentar essa força diante daqueles que não são tão talentosos como vós, mostrar-lhes que tendes dotes literários ou oratórios e sois muito sagaz. Visto que o "eu" está ainda em ação, vossas crenças, vossos Mestres, vossas castas, vosso sistema econômico, tudo constitui um processo de isolamento e por conseguinte gera discórdia. Deveis, se tendes muito empenho e interesse, dissolver este centro completamente, em vez de justificá-lo. Essa a razão por que devemos compreender o processo da experiência.

É possível à mente, ao "eu", deixar de "projetar", de desejar, de experimentar? Vemos que todas as experiências do "eu" representam uma negação, uma destruição, e todavia chamamo-las ação positiva, não é assim? É a isso que chamamos a conduta positiva da vida. Desfazer todo esse processo significa, para vós, negação. Tendes razão? Podemos, vós e eu, como indivíduos, atingir a raiz do "eu" e compreender-lhe o processo? Ora, o que determina a dissolução do "eu"? Os grupos religiosos, bem como outros, têm oferecido a identificação, não é verdade? Identificai-vos com uma coisa superior, e o "eu" desaparecerá — dizem eles. Mas, positivamente, a identificação é ainda o processo do "eu", a coisa superior é, simplesmente, projeção do "eu", a qual experimento, e ela, por conseguinte, fortalece o "eu".

Não há dúvida de que todas as diferentes formas de disciplina, de crença e de conhecimento só tem o efeito de fortalecer o "eu". Pode-se achar um elemento capaz de dissolver o "eu"? Ou está errada esta pergunta? Basicamente, é isso que queremos. Queremos encontrar algo que dissolva o "eu", não é verdade? Pensamos que existem vários meios, tais sejam, a identificação, a crença, etc., mas todos eles estão situados no mesmo nível; nenhum é superior ao outro, porque todos são igualmente poderosos no fortalecer o "eu", o "ego". Posso, pois ver o "eu", em qualquer nível que esteja funcionando, e perceber sua força e sua energia destrutiva? Qualquer que seja o nome que lhe dê, ele é uma força que isola, uma força destrutiva, e desejo encontrar um modo de dissolvê-lo. Já vos deveis ter perguntado isto: Percebo o "eu" em função, a todas as horas, e sempre produzindo ansiedade, temor, frustração, desespero, amargura, não só em mim mas em todos os que me cercam. Pode esse "eu" ser dissolvido, não parcial, mas completamente? Podemos atingir-lhe a raiz, destruí-lo? Tal é a única maneira de funcionarmos verdadeiramente, não achais? Não desejo ser parcialmente inteligente, mas inteligente de maneira integral. Quase todos nós somos inteligentes "em camadas", vós provavelmente num sentido, eu em outro. Alguns de vós sois inteligentes nas atividades comerciais, outros nas atividades de escritório, etc. As pessoas são inteligentes de diferentes maneiras, mas não somos integralmente inteligentes. Ser integralmente inteligente significa existir sem o "eu". É possível tal estado?

Será possível o "eu" ficar de todo ausente, agora? Sabeis que é possível. Quais os ingredientes, os requisitos necessários? Qual o elemento que produz esse efeito? Posso encontrá-lo? Quando faço esta pergunta — "posso encontrá-lo"? — estou, sem dúvida, convencido de que é possível encontrá-lo; já criei, pois, uma experiência, na qual o "eu" vai se fortalecer, não é verdade? A compreensão do "eu" vai se fortalecer, não é verdade? A compreensão do "eu" requer grande soma de inteligência, grande soma de vigilância, de atenção, incessante observação, para que não nos escape. Eu, que sinto muito interesse, desejo dissolver o "eu". Quando digo "quero dissolver isto", esta é também experiência do "eu", que, desse modo, se fortalece. Como é possível o "eu" não experimentar? Pode-se ver que o "estado de criação" não é, em absoluto, experiência do "eu". Há criação quando o "eu" não está presente, porque a criação não é intelectual, não é autoprojeção, e sim uma coisa que transcende toda experiência. É possível, então, achar-se a mente de todo tranquila, num estado de não-reconhecimento, ou de não-experimentar, num estado em que possa se verificar a criação, isto é, um estado de inexistência, de ausência do "eu"? É este o problema, não achais? Todo movimento da mente, positivo ou negativo, é uma experiência, que, com efeito, fortalece o "eu". É possível a mente deixar de reconhecer? Isso só pode acontecer quando há silêncio completo, mas não o silêncio que é experiência do "eu" e que, por conseguinte, fortalece o "eu".

Existe uma entidade separada do "eu", que observa o "eu" e dissolve o "eu"? Existe uma entidade espiritual capaz de superar e de destruir o "eu"? Pensamos que existe, não é exato? A maioria das pessoas religiosas pensa que existe tal elemento. Mas o materialista diz: "É impossível destruir o "eu"; ele só pode ser condicionado, refreado, política, econômica, socialmente; podemos prendê-lo firmemente dentro de um certo , podemos dobrá-lo; e assim levá-lo a viver uma vida elevada, uma vida moral, sem interferir em coisa alguma, só seguindo o padrão social, funcionando qual uma máquina". Sabemos disso. Outras pessoas há, tidas como religiosas — religiosas não são realmente, embora assim as chamemos — que dizem: "Fundamentalmente, existe esse elemento. Se pudermos atingi-lo, ele dissolverá o eu".

Existe esse elemento capaz de dissolver o "eu"? Vede bem o que estamos fazendo. Estamos pondo o "eu", à força, em um canto. Se vis deixais empurrar para um canto, vereis o que acontece. Gostaríamos que existisse um elemento atemporal, independente do "eu", o qual, temos esperança, pudesse intervir e destruir o "eu", elemento a que chamamos "Deus". Ora, existe tal coisa, concebível pela mente? Pode ser que exista e pode ser que não. Não é disso que se trata. Mas quando a mente busca um estado espiritual, atemporal, que entrará em ação para destruir o "eu", não constitui isso uma outra forma de experiência, outra maneira de fortificar o "eu"? Quando credes, não é isso, com efeito, o que está acontecendo? Quando credes que há a Verdade, que há Deus, o estado atemporal, a imortalidade, não é este o processo que fortalece o "eu"? O "eu" projetou a coisa que sentis e credes que há de vir a destruir o "eu". Tendo projetado essa ideia de continuidade num estado atemporal, como entidade espiritual, tendes uma experiência e essa experiência só tem o efeito de fortalecer o "eu". Por conseguinte, que fizestes? Não destruístes verdadeiramente o "eu", e sim lhe destes apenas um nome diferente, uma qualidade diferente; o "eu" continua a existir, visto que tivestes aquela experiência. Assim, nossa ação, do começo ao fim, é a mesma ação, mas nós pensamos que ela está envolvendo, crescendo, tornando-se mais e mais bela. Se observardes interiormente, porém, vereis que é a mesma ação, o mesmo "eu" a funcionar, em diferentes níveis, com etiquetas diferentes, nomes diferentes.

Ao perceberdes o processo na sua inteireza, as invenções astuciosas e extraordinárias, a inteligência do "eu", como ele se protege por meio da identificação, da virtude, da experiência, da crença, do conhecimento; ao perceberdes como a mente se move em círculo, numa gaiola por ela mesma fabricada, que acontece? Percebendo esse fato, tomando pleno conhecimento dele, não ficais, então, extraordinariamente tranquilos — não em virtude de compulsão, de recompensa, de temor? Ao reconhecerdes que todo movimento da mente é simples maneira de fortalecer o "eu", ao observardes esse fato, ao vê-lo, tendo plena consciência dele, na ação — ao atingirdes esse ponto, não ideológica ou verbalmente, não pelo experimentar de projeções, mas achando-vos de verdade nesse estado, vereis então que a mente, de todo tranquila, não tem mais o poder de criar. Tudo o que a mente cria se acha dentro de um círculo, dentro da esfera do "eu". Quando a mente não cria, há criação, e esta não é um processo reconhecível.

A realidade, a verdade, não é reconhecível. Para que a verdade surja, a crença, o conhecimento, o experimentar, o cultivo da virtude — tudo isso tem de desaparecer. A pessoa virtuosa, que tem consciência de estar cultivando a virtude, nunca encontrará a realidade. Para o "homem da verdade", a verdade surgiu na existência. Um homem virtuoso é um homem muito austero, e um home austero não pode compreender o que é a verdade, porque, no seu caso, a virtude é um disfarce do "eu", um meio de fortalecer o "eu", já que ele está cultivando a virtude. Quando diz "não devo ter ganância", o estado de "não-ganância" que ele experimenta só tem o efeito de fortificar o "eu". Eis porque é tão importante ser pobre, não só das coisas do mundo, mas também da crença e do conhecimento. O homem cheio de riquezas mundanas, ou o homem rico de saber e de crença, jamais conhecerá nada, senão a escuridão, e será um foco de malefícios e tribulações. Mas se vós e eu, como indivíduos, pudermos perceber todo esse trabalho do "eu", saberemos então o que é o amor. Asseguro-vos que esta é a única reforma capaz de transformar o mundo. O amor não nasce do "eu". O "eu" não pode reconhecer o amor. Dizeis "amor"; mas no próprio fato de o dizerdes, no seu próprio experimentar, não há amor. Quando, porém, conheceis o amor, então o "eu" se tornou inexistente. Quando há amor, não há "eu".

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill