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segunda-feira, 9 de abril de 2018

Nós, os ativos seres superficiais


Nós, os ativos seres superficiais

Falarei hoje sobre a qualidade da mente meditativa. Esta pode ser um tanto complexa e abstrata, porém, se a examinarmos atentamente, não tanto em suas minúcias, mas com o propósito de descobrir sua natureza, sua índole, sua essência, então talvez valha bem a pena fazê-lo. Então, talvez, com esforço consciente e propósito deliberado, estaremos aptos a ultrapassar a mente superficial, que tão vazias torna as nossas vidas — tão sem profundeza que é, tão senhoreada pelos hábitos.

Antes de tudo, valeria a pena reconhecermos por nós mesmos o quanto somos superficiais. A mim me parece que quanto mais superficiais, tanto mais ativos e mais “coletivos” nos tornamos, e tanto mais nos entregamos às atividades de reforma social. Colecionamos obras de arte, tagarelamos interminavelmente, dedicamo-nos a atividades sociais, frequentamos concertos, bibliotecas, galerias de arte, e submergimos na interminável rotina do emprego e dos negócios. Estas coisas tornam-nos embotados; e quando percebemos esse embotamento, procuramos fazer-nos mais penetrantes, por meio de palavras, do intelecto, das coisas da mente. E, reconhecendo-nos superficiais, tentamos fugir a esse vazio, entregando-nos a práticas religiosas, às orações, à contemplação, à busca de saber; tornamo-nos idealistas, adornamos de quadros as paredes etc. Acho que estamos suficientemente apercebidos de sermos muito superficiais, bem apercebidos de que a mente que segue um hábito ou pratica uma disciplina a fim de “vir a ser algo” torna-se cada vez mais embotada e estúpida, perdendo toda penetração e sensibilidade. É dificílimo a uma mente superficial despedaçar sua própria estreiteza, suas próprias limitações, sua própria insignificância. Não sei se já pensastes nisso alguma vez.

O assunto de que vou tratar nesta tarde requer, não só certa atividade mental, intelectual, mas também uma clara compreensão da palavra e de suas limitações. E, se pudermos entrar em comunhão uns com os outros, não apenas verbalmente, porém ultrapassando o símbolo que a palavra evoca na mente e, também, prosseguindo juntos e cautelosamente o nosso caminho, então, sem dúvida, começaremos a descobrir, por nós mesmos, o que é meditar e qual é a qualidade da mente capaz de meditação.

Parece-me que, se não compreendemos a extraordinária beleza da meditação, por mais que pareçamos inteligentes, prendados, competentes, penetrantes, nossa vida tem de ser muito superficial e mui pouco significativa. E, reconhecendo quão pouco significativa é nossa vida, tratamos de buscar uma “finalidade da vida”; e quanto mais grandiosa a “finalidade” que nos oferecem, tanto mais nobres julgamos serem os nossos esforços. Penso que a busca de “finalidade” é procedimento absolutamente errôneo. Não há finalidade; o que há é o viver sem limitações. E para se descobrir esse estado isento de limitações, requer-se uma mente muito perspicaz, muito clara, penetrante e precisa, e não uma mente embotada pelo hábito.

Evidentemente, nossas vidas são vazias, superficiais. E a mente superficial facilmente se satisfaz. Ao ver-se descontente, põe-se a seguir uma estreita rotina, fixa um ideal, sai atrás do que deveria ser. E essa mente, não importa o que faça — quer estejamos sentados de pernas cruzadas, a contemplar meditativamente o umbigo, quer meditemos a respeito do Supremo — permanecerá sempre vazia, porque sua mesma essência é sem profundeza. Uma mente estúpida nunca se tornará uma mente superior. O que ela pode fazer é compreender sua própria estupidez; e, no momento em que perceber, por si mesma, o que ela própria é, sem imaginar o que deveria ser, “quebra-se” então a estupidez. Com esta compreensão, toda busca termina — mas isto não significa que a mente se torna “estagnada”, adormecida. Pelo contrário, está enfrentando o que é, em sua realidade; e isso não é processo de busca, porém de compreensão.

Afinal, a maioria das pessoas está em busca de Deus, da Verdade, do eterno amor, de uma eterna morada celestial, um amor permanente. E a mim me parece que a mente que busca é muito superficial. Acho que devemos compreender mais ou menos este ponto, investigá-lo, ver quanto são absurdas a mente superficial e suas atividades, pois não poderemos penetrar fundo, em nossas investigação desta tarde, se continuarmos a pensar em termos de busca, de esforço para descobrir. Ao contrário, necessitamos de uma mente sobremodo penetrante, quieta, tranquila. A mente sem profundeza, que se esforça para tornar-se silenciosa, continua a ser apenas qual uma poça d’água, sem profundidade. A mente limitada, sempre tão sabedora, tão sagaz, tão empolgada da ambição de achar Deus, a Verdade, ou um santo qualquer, porque seu desejo é chegar a alguma parte — essa mente continua superficial, porquanto todo esforço é superficial, produto da mente limitada, estreita. Jamais pode ser sensível essa mente; e parece-me necessário encararmos esta verdade. O esforço para ser, “vir a ser”, rejeitar, resistir, cultivar a virtude, reprimir, sublimar — tudo isso, em essência, constitui a natureza da mente superficial. Provavelmente a maioria não concordará com isso, mas não importa. A mim me parece um óbvio fato psicológico.

Ora, quando uma pessoa percebe isso, se torna apercebida disso, percebe a sua verdade, realmente e não verbal nem intelectualmente — e não deixa a mente fazer perguntas sem conta sobre como modificar este fato, como libertar-se desta superficialidade — sendo que tudo isso envolve esforço — reconhece então a mente que nada pode fazer contra esse estado. O que pode fazer é apenas perceber, ver as coisas cruamente, tais como são, sem deformação, sem invocar opiniões a respeito do fato; quer dizer, observar simplesmente. E é dificílimo observar pura e simplesmente, porque nossa mente foi exercitada para condenar, comparar, competir, justificar ou identificar-se com o que vê. Por esta razão, nunca vê as coisas tais como são. “Viver com um sentimento” tal qual ele é — seja ciúme, inveja, ambição, ou seja o que for — “viver com ele” sem o deformar, sem emitir opinião ou julgamento a seu respeito, isso requer uma mente dotada de energia para seguir todos os movimentos do fato. Um fato nunca é estático; ele se movimenta, vive. Mas nós o queremos estático, aprisionando-o com uma opinião, um juízo.

Assim, a mente que está vigilante, que é sensível, percebe a futilidade de todo esforço. Mesmo na educação, a criança, o estudante que forceja para aprender, nunca aprende realmente. Poderá adquirir conhecimento, tirar um diploma; mas aprender é coisa que transcende o esforço. Talvez possamos nesta tarde aprender juntos, sem esforço, em lugar de ficarmos presos na esfera do conhecimento.

Estar apercebido do fato, sem o desfigurar, sem o colorir, sem lhe dar nenhuma tendência — observar a nós mesmos tais como somos — com todas as nossas teorias, esperanças, desesperanças, sofrimentos, fracassos e frustrações — isso torna a mente em extremo penetrante. O que torna a mente embotada são as crenças, os ideais, os hábitos, a busca de seu próprio engrandecimento, desenvolvimento, seu próprio vir a ser ou ser. Como disse, para se seguir o fato requer-se uma mente precisa, sutil, ativa, porquanto o fato nunca é estático.

Não sei se já alguma vez olhastes a inveja como um fato, seguindo-a. Todas as nossas sanções religiosas baseiam-se na inveja, do arcebispo ao ínfimo clérigo; e toda a nossa moralidade social, nossas relações, estão baseadas na aquisição e na comparação, e esta, por seu turno, significa inveja. E seguir isso até o fim, em todos os seus movimentos, em todas as nossas atividades diárias, requer uma mente muito alertada. É muito fácil — não achais? — reprimi-lo, dizendo: “Vejo que não devo ser invejoso”, ou “Já que estou aprisionado nesta sociedade, corrompida, tenho de aceitar esta condição”. Mas seguir todos os movimentos do fato, cada curva, cada linha, cada nuança, cada sutileza — esse próprio “processo” de segui-lo torna a mente sensível, sutil.

Ora bem, se fazemos isso, se seguimos o fato sem tentar alterá-lo, não existe então contradição entre o fato e o que deveria ser, e, portanto, nenhum esforço existe. Não sei se estais percebendo isto realmente; que se a mente está seguindo o fato, não está então empenhada em alterá-lo, em torná-lo diferente. Isto, também, é uma verdade psicológica. E esse seguimento do fato precisa ser feito a todas as horas, noite e dia, mesmo durante o sono. Pois a atividade da mente quando o corpo dorme é muito mais deliberada, positiva, e essas atividades são descobertas pela mente consciente através de símbolos, sugestões, sonhos.

Mas se a mente se conserva vigilante, no correr do dia, observando a todas as horas cada movimento, cada gesto, cada movimento de pensamento, não há então sonhar; pode então a mente ultrapassar a própria consciência. Não prosseguiremos nisso, por ora, porque o que desejamos salientar é a necessidade de uma mente sensível. Para se descobrir o que é a Verdade, Deus, ou o nome que preferirdes, é absolutamente necessário ter uma mente lúcida — não no sentido de talentosa, intelectual, alegativa; uma mente capaz de raciocinar, de examinar, de duvidar, de indagar e investigar, a fim de descobrir. A mente que tem fronteiras, que está condicionada, não é sensível. O nacionalista, o crente, por certo não tem uma mente sensível, porquanto sua crença, seu nacionalismo lhes limita a mente. Assim, no seguir o fato, a mente se torna sensível. O fato a torna sensível e não há necessidade de fazermos a mente sensível.

Se está mais ou menos claro isso, qual é então a natureza da beleza que essa mente descobre? A beleza, para a maioria de nós, reside nas coisas que vemos objetivamente — um edifício, um quadro, uma árvore, um poema, um rio, uma montanha, o sorriso de um belo rosto, a criança que vemos na rua. E existe também, para nós, a negação da beleza, a reação à beleza, que é o dizermos: “Isto é feio”. Mas a mente sensível é sensível tanto para o feio como para o belo e, por consequência, não há nenhuma busca daquilo a que chama belo e nenhuma evitação do feio. E com essa mente descobrimos que existe uma beleza inteiramente diferente das avaliações feitas pela mente limitada. Deveis saber que a beleza requer simplicidade, e a mente muito simples, que vê os fatos tais como são, é uma mente muito bela. Mas não podemos ser simples se não houver passividade, e não há passividade se não há austeridade. Não me refiro à austeridade da tanga, das longas barbas, do monge, do tomar só uma refeição por dia, porém à austeridade da mente que se vê como é e segue infinitamente aquilo que vê. E esse seguir é passividade, porquanto a mente a nada está apegada. A mente deve ficar completamente passiva, para ver “o que é”.

Assim, o percebimento da beleza requer a paixão da austeridade. Estou empregando propositadamente as palavras “paixão” e “austeridade”. Já expliquei o que é austeridade; e da paixão necessitamos obviamente para ver a beleza. Necessita-se de intensidade, e necessita-se de penetração. A mente embotada não pode ser austera, não pode ser simples e, por conseguinte, é sem paixão. É na chama da paixão que se percebe a beleza, que se pode “viver com a beleza”.

Talvez tudo isso, para vós, não passe de palavras, para serem lembradas, invocadas, sentidas, mais tarde. Não há “mais tarde”; não há “ínterim”. Isso tem de acontecer agora, enquanto conversamos, enquanto estamos em comunhão uns com os outros. E esse percebimento da beleza não reside apenas nas coisas — em vasos, estátuas, o céu — mas começa-se também a descobrir a beleza da meditação, e a intensidade, a paixão da mente meditativa.

Desejo agora apreciar a meditação, porquanto a meditação é necessária, e estamos aqui lançando as suas bases. Para a meditação, necessita-se de uma mente capaz de permanecer em silêncio — não uma mente posta em silêncio por meio de artifícios, de disciplina, de persuasão, de repressão, porém uma mente completamente tranquila. Isso é absolutamente essencial à mente que se acha num estado de meditação. Por conseguinte, a mente deve estar libertada de todos os símbolos e palavras. Ela é escrava das palavras, não? Os ingleses são escravos da palavra “rainha”, os indivíduos religiosos escravos da palavra “Deus”, etc. A mente atravancada de símbolos, de palavras, de ideias, é incapaz de estar em silêncio, quieta. E a emaranhada em seus pensamentos é incapaz de estar tranquila. Essa tranquilidade não é estagnação, um estado “em branco”, um estado de hipnose: mas ela pode ser alcançada “no escuro”, inesperadamente, sem volição e sem desejo, quando compreendemos o mecanismo do pensamento.

O pensamento, afinal de contas, é reação da memória; e a memó­ria é o resíduo da experiência; e o resíduo da experiência é o centro, o “eu”. Assim se forma o centro, o “eu”, que é essencialmente acumulação de experiência, passada e presente, em relação tanto à coletividade como ao indivíduo. Desse centro, o resíduo da memória, emana o pensamento; e esse processo precisa ser compreendido completamente — e isso é autoconhecimento. Assim, sem autoconhecimento, consciente e inconsciente, a mente nunca estará tranquila. Só poderá hipnotizar-se para tornar-se tranquila, mas isso é infantil, sem madureza.

O autoconhecimento, portanto, é imediato, é necessário e urgente, porquanto a mente que conhece a si própria e a todos os seus artifícios, imaginações e atividades, pode chegar sem esforço, sem exigência, sem premeditação, ao estado de completa quietude. Conhecer a si mesmo é conhecer a totalidade do pensamento e saber como este divide a si próprio em “eu superior” e “eu inferior”. É o percebimento da totalidade desse movimento de experiência, memória, pensamento, e também do centro — pois o centro se torna pensamento, memória e experiência; e a experiência, por sua vez, se torna memó­ria mediante o ulterior condicionamento da experiência.

Espero me estejais seguindo, pois, se vos observardes atentamente, podeis perceber isso. O centro nunca é estático. O que era “centro” se toma experiência, e a experiência se torna “centro”, e “o centro” se transforma em memória. E tal como causa e efeito. O que era causa se toma efeito, e o efeito se torna causa. E esse mecanismo não é só consciente, mas também inconsciente. O inconsciente é o resíduo da raça, do homem, oriental ou ocidental; essas tradições herdadas, no encontro com o presente, se transformam noutra tradição. Para se perceberem as múltiplas camadas do inconsciente e o seu movimento, necessita-se de uma mente bem penetrante e viva, que nunca esteja, por um momento sequer, a buscar segurança, conforto. Porque, no momento em que se busca segurança, conforto, está tudo acabado, vemo-nos atolados, aprisionados. A mente ancorada na segurança, no conforto, na crença, num padrão, num hábito, não pode ser ágil.

Eis, pois, o que é autoconhecimento; e conhecer a si mesmo significa descobrir o fato e seguir o fato sem nenhum interesse em modificá-lo. E isso requer atenção. Atenção é uma coisa, concentração outra coisa muito diferente. A maioria dos que desejam meditar espera adquirir o poder da concentração. Todo colegial sabe o que é concentração. Ele deseja olhar pela janela, e o mestre lhe diz: “Olha para teu livro”; e trava-se uma batalha entre o desejo de olhar para fora e a compulsão do medo, da competição, que o força a olhar para o livro. Concentração, pois, é uma forma de exclusão, não achais? E embora em tal “mecanismo” possais tornar-vos perspicazes, vossa mente está sendo limitada. Tende a bondade de ir seguindo isso, sem aceitar nem rejeitar, porém, simplesmente, observando.

A mente que se limita a concentrar-se conhece a distração; mas a que está atenta, não tolhida pela concentração, não conhece distração. Tudo, então, é movimento vivo. Compenetrai-vos bem disso e vereis como lançareis fora toda a carga de mandamentos religiosos que vos foi imposta e olhareis a vida de diferente maneira. Torna-se a vida então algo maravilhoso, extraordinariamente significativo — o verdadeiro viver que não é fugir.

Quando se dá a uma criança um brinquedo, cessa completamente o seu desassossego e ela se torna quieta, toda absorvida no brinquedo. E o mesmo acontece conosco; temos também nossos brinquedos: Mestres, salvadores, obras de arte; e, neles se absorvendo, a mente se torna quieta. Mas, essa absorção é morte para a mente.

Pois bem, a atenção não é o oposto da concentração; não está em relação com a concentração, e, por conseguinte, não é reação à concentração. Atenção é estar a vossa mente apercebida de cada movimento que se verifica dentro e fora dela própria. Significa, não apenas ouvir os barulhos do tráfego, mas também o que se está dizendo, e estar apercebido da reação ao que se está dizendo, apercebido sem escolha, para que não haja limitações à mente. Quando a mente está atenta dessa maneira, a concentração tem, então, significado completamente diferente; pode, então, a mente concentrar-se, mas tal concentração não é esforço, não é exclusão, porém parte do percebimento. Não sei se estais compreendendo bem.

Essa atenção é bondade; essa atenção é virtude; e nessa atenção encontra-se o amor e, portanto, aconteça o que acontecer, lá não pode existir o mal. O mal só se torna existente quando há conflito. A mente atenta, completamente apercebida de si mesma e de todas as coisas que se passam nela própria, é capaz de transcender a si própria.

A meditação, pois, não é um “mecanismo” de “saber meditar”, de se ser ensinado a meditar; isso é completamente infantil, pois daí provém hábito, e todo hábito torna a mente embotada. Aprisionada em seu próprio condicionamento poderá a mente ter visões do Cristo ou dos deuses indianos, ou do que quer que seja, mas, sem embargo, está condicionada. O cristão só pode ter visões do Cristo, e o hindu só pode ter visões dos seus deuses prediletos. A mente meditativa não é imaginativa; portanto, não tem visões.

Assim, quando a mente, depois de agitar-se inutilmente na esfera de seus próprios movimentos, começa a seguir a atividade de seus pensamentos, a amar o seu centro, seu movimento, suas experiências, só então é capaz de compreensão, só então está quieta.

Agora, um momento, Este orador pode comunicar-vos verbalmente o que então sucede, mas isso é muito sem importância, porque vós é que tendes de descobri-lo. Deveis chegar àquele estado, abrindo vós mesmo a porta. Se outro vos abre a porta, ou procura abri-la, então esse outro se torna vossa autoridade, e vós o seu seguidor. Por conseguinte, isso significa morte para a verdade; morte para a pessoa que diz que “sabe”, e morte para aquele que pede “ dizei-me” . A ânsia de saber gera a autoridade; desse modo, tanto o guia como o seguidor se acham presos na mesma rede.

Ora bem. Este que vos fala está-vos expondo isto tudo, não com o intuito de convencer-vos, ou estimular-vos, ou demonstrar-vos algo, ou coisa parecida, mas, sim, porque, quando o compreenderdes, vereis a relação existente entre o tempo e o espaço.

Quando a mente está completamente livre de barreiras, de limitações, acha-se então num estado de plenitude: e, nesta plenitude, está vazia: e nesse vazio pode conter o tempo — tempo como espaço e distância; tempo como ontem, hoje e amanhã. Mas, não havendo aquele vazio, não há tempo, nem espaço, nem distância. Por causa daquele vazio, existe o tempo e, portanto, distância e espaço. E quando a mente descobre isso, experimenta-o, não verbalmente, porém realmente, não como coisa lembrada — ela sabe, então, o que é criação — criação e não coisa criada. E vereis então que, ao dobrardes uma esquina, ao passeardes na floresta ou por uma rua imunda, ou onde quer que seja, sempre vos encontrareis com o Eterno.

A mente, pois, jornadeou pelo seu próprio interior, pelas últimas profundezas de si própria. Esta não é jornada semelhante à viagem à Lua num foguete, que é relativamente fácil, mecânica; e a jornada interior, a visão interior não é mera reação ao exterior. É um só movimento: interior e exterior. E quando há essa visão profunda, interior, essa atenção interior, esse movimento interior, a mente, então, já não está separada do Sublime. Por conseguinte, toda busca, toda ânsia, tudo terminou.

Por favor, não vos deixeis hipnotizar, influenciar por minhas palavras. Se estais influenciados, não podeis saber por vós mesmos o que é o amor. A meditação é o descobrimento dessa coisa extraordinária que se chama Amor.

Krishnamurti, Londres, 23 de maio de 1961, O Passo Decisivo

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Vazio que Somos

Talvez o caminho mais fácil para a compreensão do Vazio seja olhar diretamente para a natureza essencialmente vazia das nossas atividades e motivações, a partir de um ponto de vista fundamental — em resumo, através de uma autoconfrontação duramente honesta.
Na minha opinião, uma das coisas mais difíceis de fazer — mais difícil do que dominar qualquer disciplina intelectual, por complexa que seja — é despojar nossa vida de toda superficialidade, e examinar, para viver com ela, a integral conscientização daquilo que restar. Poucos são os que se permitiram enfrentar essa realidade, porque despojar-se de todo, psicologicamente, acarreta penoso reconhecimento da natureza e motivações básicas das pessoas. Enfrentar isso, que é como ser virado pelo avesso, ou leva o homem ao desespero e, possivelmente, ao suicídio, ou o conduz diretamente para o esclarecimento, o que consideramos como nada mais nada menos do que viver simplesmente como um ser humano, sem qualquer simulação, sem qualquer importância auto-reconhecida, sem quaisquer impulsos psicológicos que se dirijam para além do aqui e do agora. 

Quem quer que um dia se tenha empenhado em tal autoconfrontação, saberá, imediatamente, de que estamos falando. Por outro lado, a pessoa que ainda não chegou a tal exercício pode considerar útil explorar, não a confrontação em si — que para ela seria, inevitavelmente, por ouvir dizer, uma experiência de segunda mão — mas o que a leva a hesitar diante dela. Esta última indagação, a esta altura, pode fazer-se a única possível, e chegaria, mesmo, a levar diretamente a uma experiência de encarar o caráter básico da pessoa, o reconhecimento da substância primitiva do seu próprio ser. 

É o fato de tudo isso ser extremamente penoso que leva o homem a desistir de fazer o reconhecimento honesto de sua situação total e prosseguir com o confronto. A angústia não está apenas em ver como somos falsos, banais, feios, depois que todas as máscaras de embelezamento que usamos são retiradas. Ela alcança muito mais profundamente, vai ao próprio âmago do nosso ser, quando compreendemos o "artificialismo" da vida que levamos — e, com essa palavra, não estamos apenas nos referindo a um amor excessivo pelas coisas fabricadas, perda de contato com as coisas da terra, ou com a nossa acomodação a uma forma de vida cada vez mais mecanizada e automatizada. Essas coisas, por si mesmas, estariam longe de ser tão más quanto as fazemos, se apresentadas dentro da estrutura de uma perspectiva psicológica fundamentalmente sadia. O que queremos dizer, porém, é quando alguém possui uma visão compreensiva do "mim" e, assim, apreende sua essência, algo se impõe com muita força. É que nosso ser, nosso próprio pensamento, é orientado como causa-efeito numa escala extraordinária. Isso cria um estado de expectativa que nega e sobrepõe-se, inevitavelmente, ao aqui-e-agora. 

Psicologicamente, estamos nisso o tempo todo. Realizamos coisas para que certos efeitos sejam criados, ou trabalhamos por segurança maior, por maior aprovação social, ou para diminuir nosso senso de solidão, ou seja lá para o que possa ser. Estamos muito presos ao conceito do "a fim de que", por isso sempre "vivemos para", e jamais "vivemos", apenas. Há alguma coisa que fazemos, que pensamos, que não seja orientada para uma finalidade? (Talvez somente nas raras ocasiões em que o fazemos por amor e não estejam em jogo aquisições ou recompensas.) Penso que esta é uma descrição justa da nossa ocupação essencial na vida. 

Chega, então, a dura descoberta de que, na realidade, não há, absolutamente, o "a fim de que", não há o "viver para", tais coisas não existindo na natureza — é apenas o  intelecto a extrair dos fenômenos que observa algum tipo de explanação teológico, que, entretanto, permanece como intervenção humana. Com isso vem a compreensão da completa inanidade das nossas ocupações. Não seria tão mal se apenas alguns, ou uns poucos dos nossos esforços se revelassem vãos. Seria uma situação com a qual conseguiríamos tratar, porque a percepção representaria apenas um outro desafio: deslocar nossas atividades para novas áreas de interesse que oferecessem, ao menos, uma porção módica de incentivo. Ser, porém, confrontados com o vazio de tudo que estamos fazendo, pensando, almejando, é mais do que aquilo que podemos suportar. Não deixa, absolutamente, possibilidade de fugir ao nada, porque mesmo as fugas perderam agora o seu atrativo e são vistas como tão inúteis quanto as coisas quanto as coisas das quais queremos nos afastar. Subitamente, parece inteiramente claro que estivemos perdendo nosso tempo, empenhados como estávamos em atividades sem significação; ainda assim, o que temos pela frente é menos claro. Se não vamos continuar com as mesmas coisas — e depois do que foi tão claramente visto, não poderemos, de fato, fazer isso — que diferença faz viver ou morrer? Qual é, afinal, o sentido de nossa existência? Ainda há nela algum escopo? Afinal, para nós, que sempre consideramos ser o "esforço", o "trabalhar para" alguma coisa, sinônimo de "viver", a autoconfrontação fornece rápida visão de completa derrota. Mergulhados como ficamos nessa coisa chamada, provisoriamente, o "nada", ficamos, no momento, dado o choque, paralisados quanto ao nosso funcionamento, de hábito orientado para um objetivo.

Antes usávamos, prudentemente, o termo "artificialidade" quando nos empenhávamos em descrever nossa forma de viver, e agora vamos ver porque o fizemos: a Realidade nada sabe de fins, objetivos, conceitos e esforços dos seres humanos. O conceito integral de sociedade, com sua luta pelo poder entre as nações, as classes, os indivíduos e hierarquia social levando às perenes tentativas para "subir", tanto social como materialmente, são apenas invenções humanas. Ou talvez fosse mais exato dizer que são o produto de um tipo caracteristicamente diabólico da mente humana. Quando considerada como uma espécie de jogo, no qual o jogador mais ágil ganha um troféu, tal manobra, dentro de regras societárias, pode não afetar a mente de forma duradoura. Quando tomada seriamente, entretanto, torna-se uma armadilha — desperdício de tempo e de energia. Podemos dizer, por exemplo, que o prazer obtido pelos homens em assegurar seu poder sobre seus semelhantes, em "ganhar a competição", e assim por diante, é totalmente irreal. Na verdade, não passa de um sacalão que a mente recebe através de sua própria perversão natural, baseada na suposição de que o homem é alguma coisa que não é. (E, é preciso notar, essa perversão se revela, ao mesmo tempo, uma faceta da estrutura social existente.) Assim, a experiência é, realmente, uma espécie de masturbação psicológica, infinitamente mais nociva, porém, do que a fisiológica.

Ou, para usar outra forma de exemplo: eu sou, psicologicamente, e de forma completa, dependente de outra pessoa, e, subitamente, essa pessoa morre ou se afasta de mim, e eu fico sem nada. Sinto-me abandonado, obliterado, compreendo, com um choque, que toda a minha existência fora completamente irreal, que me vinha embalando da maneira mais insidiosa, e que a realidade não dá provimento às minhas necessidades e dependência psicológicas particulares. Por que fiz isso — arrimar-me em outra pessoa ou identificar-me com ela? Porque, desde o princípio, havia algo em minha situação pessoal que era, ao mesmo tempo, doloroso e assustador de contemplar. Não sendo capaz de enfrentar essa situação, considerei que, incorporado a uma outra pessoa, menos responsável me fazia, menos vulnerável, menos introspectivo, mais seguro. Mas, como era previsível, "aquilo" me atingiu.

Deixe-me dar apenas mais um exemplo da nossa vida no irreal. A morte é real e nós a aceitamos sem demasiada noção enquanto acontece com os que estão fora do círculo próximo da nossa família e amigos. O pensamento da nossa própria morte, entretanto, é a perplexidade, e a maioria das pessoas sente-se incapaz de encarar esse fato inevitável com serenidade. parece-me que essa atitude, como fuga da realidade, pode ser comparada à do homem que descobre que sua noiva, ou sua namorada, já não é virgem. Ele não é o primeiro, e sofre por isso. Entretanto, diante do fato de que, inevitavelmente, há que haver um primeiro, isso importa? Mulheres que perdem sua virgindade de maneira considerada prematura, e tantos homens como mulheres morrendo — de maneira quase sempre considerada prematura — são os átomos da realidade, que aceitamos no universal, e diante dos quais recuamos, no particular.

Tratamos dessa questão com certo pormenor, para tornar claro que nossas vidas são de fato artificiais, baseadas em muitas suposições não escritas e não discutidas, de natureza social e cultural arbitrária, e que qualquer tipo de artificialismo, implicando separação da realidade, significa conflito, portanto sofrimento. Isso se dá porque cedo ou tarde a bolha de pensamento confortador, que nos isola da realidade, estoura. A absorção, em nível subliminar, de todos os padrões de pensamento do mundo, é "condicionante". E ver através dos padrões de condicionamento é, na verdade, "aprender". tal como estão as coisas, todos vivemos condicionados mas há, literalmente, um mundo de diferença entre alguém que está inconsciente desse fato e a pessoa que sabe estar condicionada e convive com ele à luz da sua conscientização.

Em resumo: pode ser dito que através das nossas atividades, através de hábitos de pensamento indelevelmente impressos — todos, afinal, resultantes do princípio prazer-dor como mola-mestra — estamos completamente desligados do que é real, e assim, da única coisa que pode ser considerada como valendo verdadeiramente a pena. E é esse fato, acima de tudo, o responsável pela nossa angústia.

Dr. Robert Powell

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A tecnologia está tornando a mente estreita, vulgar, limitada e burguesa

A maioria de nós vive muito superficialmente; vivemos com os nossos conhecimentos e informações e os julgamos suficientes. Mas, sem a meditação, nossa vida é muito superficial. Por "meditação" não entendo contemplação ou oração. Para a pessoa achar-se no "estado de meditação", ou, melhor, para nele entrar natural e facilmente, sem nenhum esforço, deve primeiro compreender a mente superficial, a mente ordinária, a mente que tão facilmente se satisfaz com informações. Tendo acumulado conhecimentos ou adquirido uma certa capacidade técnica, que nos habilita a exercer determinada especialidade, para vivermos neste mundo mais ou menos superficialmente, a maioria de nós contenta-se em viver nesse nível, sem nenhuma compreensão de qualquer problema psicológico que se apresente. Parece-me, pois, sobremodo relevante observar quanto a mente é agora superficial, e investigar se há possibilidade de a mente transcender a si própria. 

Quanto mais conhecimento e preparo uma pessoa tem, tanto maior a sua capacidade na vida diária; e é bem óbvio que necessitamos desses conhecimentos, desse preparo, dessa capacidade, pois não podemos "jogar fora" as máquinas e a ciência e voltar ao estado primitivo.  Isso seria proceder como algumas pessoas ditas "religiosas" que querem retornar a uma tradição ou ressuscitar antigos conceitos e fórmulas filosóficas, destruindo, dessa maneira, a si próprias e ao mundo em que vivem. A ciência, a matemática, as técnicas atualmente à disposição do homem, são coisa absolutamente necessárias. Mas viver neste mundo tecnológico, de conhecimentos e ilustração que rapidamente se avolumam, tende a tornar a mente muito superficial; e, em geral, contentamo-nos em permanecer nesta superficialidade, visto que o conhecimento e a tecnologia nos fazem ganhar dinheiro, mais confortos, mais da chamada "liberdade" — coisas, essas, todas muito respeitadas numa sociedade degradada e em estado de desintegração. Assim, para poder ultrapassar a si própria, deve a mente compreender as limitações da tecnologia, do conhecimento e da ilustração, e ficar livre dessas limitações.

Como se pode observar, todas as nossas atividades, todas as nossas emoções, todas as nossas reações neurológicas são muito pouco profundas, muito periféricas. Vivendo, como vive a maioria de nós, na superfície, procuramos pesquisar as profundezas, penetrar mais e mais fundo, abaixo da superfície, porquanto depressa nos cansamos dessa maneira superficial de viver. Quanto mais inteligentes, quanto mais intelectuais, quanto mais apaixonados formos, tanto mais vivo será o nosso percebimento da superficialidade de nossa existência; ela se torna cansativa, aborrecida, e sem muita significação. Assim, trata a mente superficial de descobrir a finalidade da vida ou de procurar uma fórmula que dê sentido à vida. Luta essa mente para viver de acordo com um conceito por ela própria concebido, ou uma crença que aceitou; e sua ação por conseguinte é sempre superficial. É necessário perceber com toda a clareza esse fato. 

O que vamos fazer nesta manhã é tirar, uma por uma, as camadas superficiais, para penetrarmos até à origem, até à última profundeza das coisas. A superficialidade se perpetua pela experiência, e por essa razão muito revela compreender o inteiro significado da experiência. 

Em primeiro lugar, vemos quanto a especialização tecnológica em toda espécie tende a tornar a mente estreita, vulgar, limitada — qualidades que constituem a verdadeira essência do burguês. Então a mente, superficial que é, busca aquilo a que chama "significado da vida", projetando, ao mesmo tempo, um padrão que lhe é grato, lucrativo, aprazível, e a esse padrão se ajusta. Esse processo lhe confere uma certa determinação, certo ímpeto, um senso de realização. 

(...) Meditação é o total "esvaziamento" da mente — e não se pode esvaziar a mente à força, de acordo com um certo método, escola ou sistema. Mais uma vez, é necessário perceber a extrema falácia de todos os sistemas. A prática de um sistema de meditação é busca de experiência; é esforço para alcançar uma experiência mais elevada, ou a experiência final; e quem compreende a natureza da experiência rejeita tudo isso, que se acaba para sempre, porque sua mente já não está seguindo ninguém; ela não busca experiência, e nenhum desejo tem de visões. Toda a busca de visões, toda intenção de aumentar a sensibilidade por meios artificiais, — drogas, disciplinas, rituais, adoração, oração — constitui atividade egocêntrica

Nossa questão, pois, é a seguinte: Como pode a mente que se tornou superficial, por influência da tradição, pela ação do tempo, da memória, da experiência — como pode essa mente libertar-se, sem esforço, de sua superficialidade? Como pode tornar-se tão completamente desperta que a busca da experiência nada mais signifique? Compreende? A mente que está toda iluminada não pode por mais luz — ela própria é luz; e toda influência, toda experiência que penetra nessa luz, nela se consome de instante a instante, de modo que a mente está sempre clara, imaculada, inocente. Só a mente iluminada, a mente inocente pode ver o que está fora dos limites do tempo. E como pode nascer esse estado mental?

(...) Não é uma simples pergunta retórica, a que se pode responder prontamente ou colocar de lado. É uma pergunta de extraordinária importância para a mente que penetrou a FUTILIDADE da religião organizada e "VARREU" todos os sacerdotes e gurus, templos, igrejas, rituais, incenso — atirou tudo isso aos ventos. E se você já atingiu esse ponto,  a si mesmo deve ter perguntado: Como pode a mente ultrapassar a si própria?

Krishnamurti em, A MENTE SEM MEDO

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O que colocará fim na superficialidade de nossa vida?

O homem, evidentemente, sempre buscou uma certa coisa fora de si mesmo, além de sua diária rotina de tédio, desespero, ansiedade; uma certa coisa que lhe proporcione plena satisfação e dê significado à sua vida aflita, caótica, superficial. Procuramos alguma coisa fora de nós, porque vivemos uma vida superficial, muito pouco expressiva, mecânica, rotineira. Aspiramos a uma certa coisa misteriosa, de natureza diferente. Estamos perenemente buscando, seja através dos livros, seja seguindo alguém, criando ideologias, crenças, dogmas, sempre na esperança de alcançar, realizar, ganhar alguma coisa não construída pelo pensamento, alguma coisa de profunda significação na vida. Porque, em nós mesmos, somos superficiais, vazios, insuficientes, estendemos a mão, estendemos a mente para além dos limites do pensar, ou tratamos de fugir desta profunda e vasta solidão, deste estado de isolamento. Queremos fugir de nós mesmos, porque vemos como somos pequenos e vulgares e nossa vida é de muito pouca significação. 

(...) Se penetramos fundo em nós mesmos, vemos o que é isso o que somos quase todos nós. Se somos religiosos, pertencentes a uma dada seita, ou se acalentamos uma dada idiossincrasia que nos proporciona uma experiência que sobremodo nos satisfaz, queremos dilatar essa experiência, aprofundá-la, torná-la mais real. A maioria de nós está sempre a buscar, ou porque queremos fugir de nossa diária rotina e tédio, de nossa insuficiência e vazio, de nosso isolamento; ou porque queremos mais alguma coisa, alguma coisa que não possuímos e que dará riqueza, plenitude, suficiência, à nossa vida. Se examinarmos nosso próprio comportamento, nosso próprio pensar, decerto descobriremos que todos nós desejamos alguma cosia. Quanto mais misteriosa essa coisa, quanto mais oferece de místico e de secreto, tanto mais a buscamos. Precisamos de uma certa autoridade que nos guie para aquelas esferas inexploradas, e por isso aceitamos com tanta facilidade a autoridade — que seguimos cegamente ou racionalmente, dando várias explicações do porque a seguimos. Estamos constantemente buscando, exigindo experiências sempre mais vastas e profundas, porque as experiências que conhecemos são muito pouco significativas. Sabemos que são sensuais, agradáveis, bastante vazias e superficiais e, por conseguinte, escutamos sofregamente a todo aquele que nos oferece alguma coisa fora dessa esfera. Estamos prontos a aceitar suas palavras, suas instruções, suas asserções. Sempre seguindo, sempre a dizer "sim" a tudo que nos é oferecido. Não sabemos dizer "não".

(...) No fundo, a nossa vida é confusão, desordem, aflição, agonia. Quanto mais sensíveis somos, tanto maior o nosso desespero e ansiedade, nosso "sentimento de culpa"; e dessa vida desejamos naturalmente fugir, porque nela não encontramos nenhuma solução; não sabemos de que maneira sair de nossa confusão. Desejamos fugir para um outro mundo, uma outra dimensão. Fugimos por meio da música, da arte, da literatura; mas, trata-se sempre de fuga e a coisa para que fugimos é sem realidade, em comparação com aquilo que estamos buscando. Todas as fugas são iguais, não importa se fugimos pela porta de uma igreja, em busca de um Deus ou de um Salvador, ou pela porta da bebida ou de diferentes drogas. Não só temos que compreender o que e o porque estamos buscando, mas também temos de compreender essa necessidade de experiências profundas e duradouras, porque só a mente que nada busca, que não exige experiências de nenhuma forma, poderá ingressar numa esfera ou dimensão inteiramente nova. 

(...) Nossa vida, em si mesma, é superficial, insuficiente, e desejamos uma outra coisa, uma experiência mais sublime, mais profunda. também, vivemos num inaudito isolamento. Todas as nossas atividades e pensamentos e maneiras de comportar-nos levam-nos a esse isolamento, a essa solidão a que desejamos fugir. Se não compreendermos esse isolamento, não intelectual, verbal ou racionalmente, porém entrando diretamente em contato com o que realmente estamos buscando, entrando em contato com o estado de solidão; se não compreendermos e dissolvermos, completamente, aquele isolamento, toda meditação, toda busca, toda atividade espiritual ou religiosa (assim chamada) será inteiramente fútil, porquanto representará uma fuga ao que somos. É o mesmo que uma mente superficial, embotada, mesquinha, pensar em Deus. Se existe essa coisa em que ela pensa, aquela mente e seu Deus permanecerão muito insignificantes. 

A questão consiste em saber se é possível à mente que está fortemente condicionada, toda enredada nas aflições e conflitos da vida de cada dia, se é possível a essa mente manter-se desperta, tão ampla e profundamente desperta que não haja busca nenhuma, nenhum desejo de experiência. Quando um indivíduo está desperto, quando em si próprio há luz, não há busca e nenhum desejo de mais experiências. Só o homem que está na escuridão vivem em busca de luz. É possível um indivíduo manter-se tão intensamente desperto, tão altamente sensível, física, intelectualmente e a todos os respeitos, que não haja uma única sombra em sua mente? Só então não há mais busca; só então não há mais ânsia de novas experiências. 

É possível isso?

Krishnamurti em, Encontro com o Eterno

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Um olhar sobre a superficialidade de nossa vida

Antes de tudo, valeria a pena reconhecermos por nós mesmos o quanto somos superficiais. A mim me parece que quanto mais superficiais, tanto mais ativos e mais “coletivos” nos tornamos, e tanto mais nos entregamos às atividades de reformas sociais. Colecionamos obras de arte, tagarelamos interminavelmente, dedicamo-nos a atividades sociais, frequentamos concertos, bibliotecas, galerias de arte, e submergimos na interminável rotina do emprego e dos negócios. Estas coisas tornam-nos embotados; e quando percebemos esse embotamento, procuramos fazer-nos mais penetrantes, por meio de palavras, do intelecto, das coisas da mente. E, reconhecendo-nos superficiais, tentamos fugir a esse vazio, entregando-nos a práticas religiosas, às orações, à contemplação, à busca de saber; tornamo-nos idealistas, adornamos de quadros as paredes, etc. Acho que estamos suficientemente cônscios de sermos muito superficiais, bem cônscios de que a mente que segue um hábito ou pratica uma disciplina a fim de “vir a ser algo” torna-se cada vez mais embotada e estúpida, perdendo toda penetração e sensibilidade. É dificílimo a uma mente superficial despedaçar sua própria estreiteza, suas próprias limitações, sua própria insignificância. Não sei se já pensastes nisso alguma vez.

(…) Evidentemente, nossas vidas são vazias, superficiais. E a mente superficial facilmente se satisfaz. Ao ver-se descontente, põe-se a seguir uma estreita rotina, fixa um ideal, sai atrás do que deveria ser. E essa mente, não importa o que faça — quer estejamos sentados de pernas cruzadas, a contemplar meditativamente o umbigo, quer meditemos a respeito do Supremo — permanecerá sempre vazia, porque sua mesma essência é sem profundeza. Uma mente estúpida nunca se tornará uma mente superior. O que ela pode fazer é compreender sua própria estupidez; e, no momento em que perceber, por si mesma, o que ela própria é, sem imaginar o que deveria ser, “quebra-se” então a estupidez. Com esta compreensão, toda busca termina — mas isto não significa que a mente se torna “estagnada”, adormentada. pelo contrário, está enfrentando o que é, em sua realidade; e isto não é processo de busca, porém de compreensão.

Afinal, a maioria das pessoas está em busca de Deus, da Verdade, do eterno amor, de uma eterna morada celestial, um amor permanente. E a mim me parece que a mente que busca é muito superficial. Acho que devemos compreender mais ou menos este ponto, investigá-lo, ver quanto são absurdas a mente superficial e suas atividades, pois não poderemos penetrar fundo, em nossa investigação desta tarde, se continuarmos a pensar em termos de busca, de esforço para descobrir. Ao contrário, necessitamos de uma mente sobremodo penetrante, quieta, tranquila. A mente sem profundeza, que se esforça para se tornar silenciosa, continua a ser apenas qual poça d’água, sem profundidade. A mente limitada, sempre tão sabedora, tão sagaz, tão empolgada da ambição de achar Deus, a Verdade, ou um santo qualquer, porque seu desejo é chegar a alguma parte — essa mente continua superficial, porquanto todo esforço é superficial, produto da mente limitada, estreita. Jamais pode ser sensível essa mente; e parece-me necessário encararmos esta verdade. O esforço para ser, “vir a ser”, rejeitar, resistir, cultivar a virtude, reprimir, sublimar — tudo isso, em essência, constitui a natureza da mente superficial. Provavelmente a maioria não concordará com isso, mas não importa. A mim me parece um óbvio fato psicológico.

Ora, quando uma pessoa percebe isso, se torna cônscia disso, percebe a sua verdade, realmente e não verbal e nem intelectualmente — e não deixa a mente fazer perguntas sem conta sobre como modificar esse fato, como libertar-se desta superficialidade — sendo que tudo isso envolve esforço — reconhece então a mente que nada pode fazer contra esse estado. O que pode fazer é apenas perceber, ver as coisas cruamente, tais como são, sem deformação, sem invocar opiniões a respeito do fato; quer dizer, observar simplesmente. E é dificílimo observar pura e simplesmente, porque nossa mente foi exercitada para condenar, comparar, competir, justificar ou identificar-se com o que vê. Por esta razão, nunca vê as coisas tais como são. "Viver com um sentimento” tal qual ele é — seja ciúme, inveja, ambição, ou seja o que for — “viver com ele” sem o deformar, sem imitir opinião ou julgamento a seu respeito, isso requer uma mente dotada de energia para seguir todos os movimentos do fato. Um fato nunca é estático; ele se movimenta, vive. Mas nós o queremos estático, aprisionando-o com uma opinião, um juízo.

Assim, a mente que está vigilante, que é sensível, percebe a futilidade do esforço. Mesmo na educação, a criança, o estudante que forceja para aprender, nunca aprende realmente. Poderá adquirir conhecimento, tirar um diploma; mas aprender é coisa transcende o esforço. Talvez possamos nesta tarde aprender juntos, sem esforço, em lugar de ficarmos presos na esfera do conhecimento.

Estar cônscio do fato, sem o desfigurar, sem o colorir, sem lhe dar nenhuma tendência — observar a nós mesmos tais como somos — com todas as nossas teorias, esperanças, desesperanças, sofrimentos, fracassos e frustrações — isso torna a mente em extremo penetrante. O que torna a mente embotada são as crenças, os ideais, os hábitos, a busca de seu propósito, engrandecimento, desenvolvimento, seu próprio vir a ser ou ser. Como disse, para se seguir o fato requer-se uma mente precisa, sutil, ativa, porquanto o fato nunca é estático.

Não sei se já alguma vez olhastes a inveja como um fato, seguindo-a. Todas as nossas sansões religiosas baseiam-se na inveja, do arcebispo ao ínfimo clérigo; e toda a nossa moralidade social, nossas relações, estão baseadas na aquisição e na comparação, e esta, por seu turno, significa inveja. E seguir isso até o fim, em todos os seus movimentos, em todas as nossas atividades diárias, requer uma mente muito alertada. É muito fácil — não achais? — reprimi-lo, dizendo: “Vejo que não devo ser invejoso”, ou “Já estou aprisionado nesta sociedade corrompida, tenho de aceitar esta condição”. Mas seguir todos os movimentos do fato, cada curva, cada linha, cada nuança, cada sutileza — esse próprio “processo” de seguí-lo torna a mente sensível, sutil.

Ora bem, se fazemos isso, se seguimos o fato sem tentar alterá-lo, não existe então contradição entre o fato e o que deveria ser, e, portanto, nenhum esforço existe. Não sei se estais percebendo isto realmente; que se a mente está seguindo o fato, não está então empenhada em alterá-lo, em torná-lo diferente. Isto, também, é uma verdade psicológica. E esse seguimento do fato precisa ser feito a todas as horas, noite e dia, mesmo durante o sono. Pois a atividade da mente quando o corpo dorme é muito mais deliberada, positiva, e essas atividades são descobertas pela mente consciente através de símbolos, sugestões, sonhos.

Mas se a mente se conserva vigilante, no correr do dia, observando a todas as horas cada movimento, cada gesto, cada movimento de pensamento, não há então sonhar; pode então a mente ultrapassar a própria consciência. Não prosseguiremos nisso, por ora, porque o que desejamos salientar é a necessidade de uma mente sensível. Para se descobrir o que é a Verdade, Deus, ou o nome que preferirdes, é absolutamente necessário uma mente lúcida — não no sentido de talentosa, intelectual, arguitiva; uma mente capaz de raciocinar, de examinar, de duvidar, de indagar e investigar, a fim de descobrir. A mente que tem fronteiras, que está condicionada, não é sensível. O nacionalista, o crente, por certo não tem uma mente sensível, porquanto sua crença, seu nacionalismo lhes limita a mente. Assim, no seguir o fato, a mente se torna sensível. O fato a torna sensível e não há necessidade de fazermos  a mente sensível.

Se está mais ou menos claro isso, qual é a natureza da beleza que essa mente descobre? A beleza, para a maioria de nós, reside nas coisas que vemos objetivamente — um edifício, um quadro, uma árvore, um poema, um rio, uma montanha, o sorriso de um belo rosto, a criança que vemos na rua. E existe também, para nós, a negação da beleza, a reação à beleza, que é o dizermos: “Isto é feio”. Mas a mente sensível é sensível tanto para o feio como para o belo e, por consequência, não há nenhuma busca daquilo a que chama belo e nenhuma evitação do feio. E com essa mente descobrimos que existe uma beleza inteiramente diferente das avaliações feitas pela mente limitada. Deveis saber que a beleza requer simplicidade, e a mente muito simples, que vê os fatos tais como são, é uma mente muito bela. Mas não podemos ser simples se não houver passividade, e não há passividade se não há austeridade. Não me refiro a austeridade da tanga, das longas barbas, do monge, do tomar uma só refeição por dia, porém a austeridade da mente que se vê como é e segue infinitamente aquilo que vê. E esse seguir é passividade, porquanto a mente a nada está apegada. A mente deve ficar completamente passiva, para ver “o que é”.

Assim, o percebimento da beleza requer a paixão da austeridade. Estou empregando propositadamente as palavras “paixão” e “austeridade”. Já expliquei o que é austeridade; e da paixão necessitamos obviamente para ver a beleza. Necessita-se de intensidade, e necessita-se de penetração. A mente embotada não pode ser austera, não pode ser simples e, por conseguinte, é sem paixão. É na chama da paixão que se percebe a beleza, que se pode “viver com a beleza”.

Talvez tudo isso, para vós, não passe de palavras, para serem lembradas, invocadas, sentidas, mais tarde. Não há “mais tarde”; não há “interim”. Isso tem de acontecer agora, enquanto conversamos, enquanto estamos em comunhão uns com os outros. E esse percebimento da beleza não reside apenas nas coisas — em vasos, estátuas, o céu — mas começa-se também a descobrir a beleza da meditação, e a intensidade, a paixão da mente meditativa.

Krishnamurti — 23 de maio de 1961      

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill