Compreendendo o mecanismo do esforço
PERGUNTA: Dizeis que, não importa o que façamos, o "estado de realidade" nunca se tornará existente por meio de nossos esforços e que até o próprio desejo desse estado, constitui um obstáculo. Que podemos então fazer, de modo que se não crie obstáculo algum?
KRISHNAMURTI: Bem, vós não me estais escutando, e eu não vos estou respondendo; mas investiguemos juntos este problema. O problema é: como se pode experimentar o Real, o desconhecido, se a mente é incapaz de captá-lo pelo seu próprio esforço, sua própria luta? Assim, temos de compreender a mente, e compreender porque fazemos esforço.
Se, no nível físico, nenhum esforço fizéssemos, não poderíamos subsistir. Se não houvesse o esforço despendido num certo trabalho, o esforço para obter a alimentação adequada, praticar exercícios, etc., nosso corpo se desintegraria. Isto é um fato bem óbvio. Portanto, fazemos esforço, a fim de subsistirmos, fisicamente.
Ora, de maneira semelhante, fazemos esforço para subsistirmos psicologicamente, isto é, com o fim de alcançarmos o que chamamos a Realidade. Pensamos que a Realidade é um estado alcançável por meio de disciplina, de controle, de repressão, de compulsão sob várias formas, e, assim, forçamos a mente a ajustar-se a um certo padrão, na esperança de alcançarmos aquele estado. Tudo isso implica — não é verdade? — que a mente está, de contínuo, buscando a segurança. Temendo a incerteza, deseja achar a certeza, uma certeza que seja permanente e a que ela chama "Realidade", "Deus", "Verdade", etc. É isto que interessa à maioria de nós. Desejamos um estado em que não haja perturbação de espécie alguma, que nunca tenha fim, um estado permanente a que chamamos "Paz". E acha-se a mente empenhada num esforço constante para conquistar esse estado, nele ingressar. Precisamos, pois, compreender o mecanismo que está em funcionamento, nesse esforço.
Como disse, assim como fazemos esforço para subsistirmos fisicamente, assim também fazemos esforço para continuarmos, como "eu". Compreendeis, senhores? Enquanto estou desejando subsistir espiritualmente, tenho de fazer um esforço constante, para alcançar aquilo que chamamos Realidade. Mas, que é o "eu", que está fazendo esse esforço? Que sois vós? Ora, sem dúvida, vós sois um nome, ligado a um feixe de memórias, experiências. Sois uma acumulação de "motivos" ocultos e interesses manifestos, uma acumulação de qualidades, paixões, temores, virtudes diversas. Tudo isso constitui vós, não é assim? E este vós, desejais que se conserve numa direção conducente à Realidade. Por conseguinte fazeis esforço, meditais, praticais uma certa forma de disciplina. Ora, é só quando a mente deixa de fazer este esforço e se torna perfeitamente tranquila; só quando não deseja coisa alguma e, portanto, não está em busca de nenhuma experiência — é só então que se torna possível a existência do Desconhecido.
A mente, em verdade, é resultado do conhecido e todo esforço que faça, só pode estar no terreno do conhecido. Por conseguinte, ela não pode fazer esforço para alcançar o desconhecido. Nenhum movimento no terreno do conhecido poderá conduzir ao desconhecido. Isto, também, é muito simples e claro. A mente só está tranquila depois de ter renunciado, de todo, ao conhecido. Nesta tranquilidade, não há esforço e só então é possível tornar-se existente o desconhecido.
Krishnamurti, Segunda Conferência em Bombaim
7 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana