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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Qual é o processo mental que torna a crença necessária?

Pergunta: Se não acreditamos num Arquiteto do Universo, parece-me que a vida torna-se completamente sem significação. O que há de mau nesta crença?

Krishnamurti: Sem dúvida, por "Arquiteto do Universo", você está entendendo "Deus", só que está dando-lhe um nome diferente. Ora, o que é a crença? O que significa esta palavra — não o significado que se encontra no dicionário —, mas qual é o seu conteúdo psicológico? 

E qual é o processo mental que torna a crença necessária? O que lhe faz dizer "Creio em Deus" ou "Não creio em Deus"? Qual o impulso psicológico que impele a mente a aceitar ou rejeitar a crença em Deus, num "Arquiteto do Universo"? Enquanto não descobrirmos isso, o mero crer ou descrer significa pouquíssimo. 

É óbvio que, se desde a meninice ensinam-lhe a acreditar em Deus, você cresce acreditando, exatamente como outra criança que é ensinada a não acreditar, cresce desacreditando. Um é chamado crente e o outro ateu, mas os dois estão condicionados. Quando você acredita num "Arquiteto do Universo", o faz porque ensinaram-lhe a acreditar desde a infância e sua mente impregnou-se desta ideia; ou, ainda, você sente ser esta vida tão instável, tão fluída, que sua mente se apega a uma ideia de permanência e esta permanência você chama Deus, ou por outro nome qualquer, conferindo-lhe certos atributos. Isto não está nem certo e nem errado, pois representa o processo real da mente. Vendo-se ao redor de nós tanta miséria e tanto caos, tanta transitoriedade, tanta falta de paz interior e exterior, a mente cria e se apega a uma coisa atemporal, eterna, uma coisa perenemente bela, repleta de paz. Assim, pois, por causa da incerteza em que se vê, a mente cria a sua própria certeza. Mas a mente que acredita ou desacredita, que aceita ou rejeita, nunca descobrirá o que é Deus. Deus é para ser encontrado, descoberto, não se deve acreditar nele. Para descobri-lo, a mente tem de estar livre tanto da crença como da descrença. Positivamente, esse estado que chamamos "Deus", essa realidade atemporal, tem de ser algo totalmente novo, nunca imaginado, nunca dantes experimentado. E só uma mente livre pode descobri-lo, e não aquela que está amarrado a um dogma, uma crença. 

Afinal, se você observar, se pensar um pouco a este respeito, verá que a mente é resultado do tempo — sendo "tempo" memória, experiência, conhecimento. Isto é, a mente é resultado do conhecido, do passado, de muitos milhares de anos. Ora, com esta mente estamos procurando o Desconhecido, esta certa coisa que se pode chamar deus, a Verdade, ou como você preferir. Mas essa mente não pode encontrar o desconhecido, só pode pois "projetar" o conhecido, no futuro. Qualquer crença nutrida pela mente é resultado de seu próprio condicionamento. Toda fórmula ou conceito especulativo é resultado do conhecido. Todo movimento da mente para investigar o desconhecido, é totalmente inútil e vão, porque a mente só pode pensar em termos do conhecido. Quando compreende esse processo total e fica, portanto, livre do conhecido, a mente se torna muito serena, completamente tranquila; e só então pode existir o "desconhecido". Com efeito, isto é meditação; não a "projeção" do conhecido no futuro e a adoração desta projeção.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA


terça-feira, 16 de setembro de 2014

Sobre a necessidade da mente ser purgada e purificada

Observando-se os fatos de cada dia, torna-se bem evidente que, com o próprio esforço para resolvermos os numerosos problemas que nos assediam, só produzimos mais problema; e parece-me, também, que enquanto não compreendermos os processos do pensamento e, por conseguinte estivermos impossibilitados de purificar a mente, nossos problemas irão inevitavelmente crescendo e se multiplicando. Embora cada um possa dizê-lo de modo diferente, toda pessoa inteligente está bem cônscia de que a mente tem de ser purificada; e, para o expressarmos com toda a simplicidade, o que daí decorre é que, enquanto o instrumento com que o homem opera — a mente — não estiver esclarecido, desapaixonado, livre do "eu" com seus inumeráveis preconceitos e temores, tanto conscientes como inconscientes — enquanto a mente não for expurgada de tudo isso, nossos problemas aumentarão sempre. Todos sabemos disso, e toda religião de certa importância o afirma, de diferentes maneiras. Entretanto, porque razão nunca parecemos capazes de purificar a nossa mente? É porque não existem sistemas suficientes, ou porque o verdadeiro sistema ainda não foi inventado ou colocado em prática? Ou é porque nem método nem sistema algum pode produzir essa purificação? Cero, todos os sistemas e métodos geram tradições, produtivas ou mediocridade mental; e uma mente medíocre, em face de um problema importante, inevitavelmente o traduzirá em conformidade com seu condicionamento. 

Isto é, para lidar com qualquer problema importante, humano, percebemos a necessidade de uma mente que esteja esclarecida, purificada de todos os seus preconceitos e dizemos que, para purificarmos a mente, necessitamos de um sistema, um método, uma prática; mas se estamos realmente atentos, percebemos que no próprio praticar de um sistema a mente se deixa prender por ele e, por conseguinte, não pode libertar-se, expurgar-se, purificar-se. Dependente do sistema, a mente traduz o desafio ou a ele corresponde em conformidade com esse condicionamento. Isto também é bastante óbvio, se o examinar. 

Temos muitos problemas, em todos os níveis de nossa existência e, para corresponder a esses problemas, a mente tem de ser nova, ardorosa, vigilante. Para produzir essa mente esclarecida, nova, purificada, dizemos ser necessária a prática de um sistema; mas sabemos que no próprio praticar de um sistema, a mente se torna tortuosa, limitada e pervertida. É óbvio, portanto, que os sistemas não libertam a mente, e penso que esse fato deve ser compreendido perfeitamente, antes de podermos entrar mais fundo na questão que desejo apreciar nesta tarde. 

Em geral, pensamos que um sistema ou um método, uma prática, libertará a mente ou a ajudará a pensar com clareza. Mas pode qualquer espécie de sistema ajudar a mente a pensar com toda a clareza, sem tendências, livre do centro do "eu", do "ego"? A prática de um sistema não robustece o "eu"? Embora se suponha que o sistema lhe ajudará a libertar-se do "eu", do "ego", ou qualquer termos que você preferir, para designar essa atividade egocêntrica da mente, a própria prática de um sistema não acentua o egocentrismo, embora num plano diferente? 

Está visto, pois, que a mente nunca pode ser libertada por um sistema. Entretanto a nossa mente em geral, está enredada em algum sistema, que é a rotina tradicional, e isso invariavelmente gera mediocridade. É o que aconteceu a quase todos nós, não? A mente que funciona pela rotina dos hábitos, da tradição, antiga ou moderna, — e a isso chamamos conhecimento — defronta-se com um problema imenso, um problema em constante mutação. Pessoal ou impessoal, coletivo ou individual, não há problema estático. Mas a mente é estática, porque presa numa rotina de tradição e de hábitos, apegada a uma certa maneira de pensar; assim sendo, observa-se sempre uma contradição entre a condição estática da mente e o problema em constante mutação, em movimento constante. Essa mente é incapaz de fazer frente ao problema e resolvê-lo. 

Afinal de contas, você está atendendo os problemas como hinduísta, isto é, com a tradição da cultura hindu, exatamente como o católico ou o comunista atende a qualquer problema em conformidade com seu especial condicionamento. Entretanto, a maioria de nós concorda que a mente tem de ser purgada, purificada, para que possa enfrentar a vida, achar Deus, a Verdade, ou como você quiser chamá-lo.

(...) O problema é criado pela falta de atenção. A atenção é "o bom", mas "o bom" não pode ser cultivado pela mente — a mente condicionada pela tradição, pelo ambiente, por influências de toda ordem. O importante é possuir a capacidade de atenção, sem nada interpretar ou avaliar; mas não há possibilidade de se praticar essa atenção. Se você o fizer, irá reduzi-la ao nível da mediocridade e ela se tornará mera tradição. Mas se a mente puder enfrentar o problema com atenção completa, o problema desaparecerá, porque ela será então uma entidade totalmente diferente, não mais um produto do tempo. E está é a mente capaz de receber o Eterno. 

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA


terça-feira, 21 de maio de 2013

Permanecendo em silêncio, sem pedir, sem suplicar


Pergunta : Podeis oferecer-nos alguma maneira prática de nos libertarmos de nossa mente condicionada? Dizeis que qualquer preparo especial, tal como a ioga ou outros exercícios espirituais, só serve para nos tornar escravos; mas continuo a pensar que temos dê adotar alguma espécie de método. Dizeis que, para termos essa liberdade, devemos dedicar-lhe a nossa vida; mas, como fazê-lo, sem algum método ou sistema?

KRISHNAMURTI: Aí temos uma questão um tanto com­plexa, e espero escuteis atentamente o que se vai dizer. Por "atenção" não quero significar “aguardar mentalmente” resposta que se deseja receber" — ou seja, a garantia de que uma certa ajuda, uma certa disciplina ou prática é necessária para que possamos ser livres. Estamos acostumados a obter resultados mediante certas práticas, cer­tos métodos, e a passar desses resultados a novos resul­tados. Mas, há um limite ao que pode ser conhecido pe­la mente, mediante determinadas práticas ou disciplina; e queremos agora investigar — não é verdade? — o que é a realidade, o que é Deus. Para conseguir isso, deve a mente, em primeiro lugar, tornar-se ilimitada, capaz de receber o desconhecido. A mente não pode chegar-se à verdade, não pode receber a verdade dentro de sua clau­sura. A verdade é imensurável, imensa, não podendo, pois, ser alcançada pela mente limitada, por mais prati­cas que siga.

E não é exato que vosso motivo, ao fazerdes esta per­gunta, é o de obter algo, atingir ou aprisionar a verdade? Mas a verdade deve vir a vós; a mente não pode ir ao seu encontro. Pensais que, se vos exercitardes em dominar vossas paixões, isso vos conduzirá à realidade e, por essa razão, o todo vos é muito importante; mas a mente que está sempre a esperar, a chamar, nunca alcançará, em circunstância alguma, o que se acha além dela própria. Não há caminho, nem ioga, nem disciplina que vos leve a isso. O que a mente pode fazer é, apenas, conhecer a si mesma. Conhecer suas próprias limitações — motivos, sentimentos, paixões, crueldades, falta de amor, — e es­tar cônscia de todas as suas atividades. Devemos conhe­cer tudo isso e permanecer em silêncio, sem pedir, sem suplicar, sem estender a mão para receber algo. Se estendeis a mão, ficareis de mãos vazias para sempre. Mas, conhecer a si mesmo, tanto o consciente como o incons­ciente, é o começo da sabedoria; e conhecer a si mesmo por essa maneira, traz liberdade — que não significa liber­dade para experimentar a realidade. O homem livre não é livre para alguma coisa, ou livre de alguma coisa; é li­vre, simplesmente; e então, sem o desejar, aquele "estado de realidade" surgirá. Mas, se sairdes à sua procura, ficareis como um cego a buscar a luz; nunca o achareis. O ho­mem que compreende a si mesmo, nada busca; sua mente é ilimitada, sem desejos, e a essa mente pode manifestar- se o imensurável.

Krishnamurti – Verdade Libertadora - ICK

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Você é uma parte dessa monstruosa sociedade

Interrogante: Senhor, se o pensamento surge dentro de mim, e não é uma força misteriosa que invade a esfera da mente, parece então que eu não sou diferente do pensamento, e, portanto, que posso pensar ou não pensar, a meu bel-prazer.

Krishnamurti: Por que separais o exterior do interior? Vosso pensamento é vosso ou é condicionado pelo exterior? É condicionado pelo exterior, de certo. Nascei como cristão, como comunista, como... nascestes neste mundo, numa sociedade, numa cultura, que vos condiciona de uma certa maneira; sois condicionados pelos livros que ledes, pelo rádio, pela televisão, pelos jornais, pelos pregadores, e não estais sendo condicionado por mim, por este orador? Estais? Espero que não. Porque, se estais sendo condicionado pelo orador, estais meramente a aceitar ideias e opiniões, e isso nenhum valor tem.

Estamos falando de coisa inteiramente diferente — a liberdade. Mas, essa liberdade não se tornará possível se dividimos o mundo, separando o EU, o pensador, os pensamentos que me pertencem, do resto do mundo, considerado como coisa totalmente separado de mim. Pensais da maneira como pensais porque sois americano, suíço ou hindu. Nascestes numa certa cultura, e estais condicionado, foste moldado. Os comunistas "lavaram", puseram "em branco" o cérebro de milhões de indivíduos, torturaram-nos para levá-los a pensar pelo padrão de uma certa sociedade, com seu líder, o patrão, o comissário, "o homem que sabe"; e a igreja, a seu modo, fez exatamente a mesma coisa. E, assim, a cultura em que nasceis, afligida pelas guerras, é uma parte de vós; sois a sociedade e sois o indivíduo — não se podem separar as duas coisas. Só podeis estar fora de tudo isso quando não tendes medo e sabeis o que é o amor. Mas, enquanto permanecerdes dentro desse campo da cultura, dessa sociedade da avidez, inveja, sucesso, não sereis um ente humano livre. Podeis pensar que sois dono de uma vontade livre, mas sois apenas uma parte dessa sociedade monstruosa, um ente humano condicionado.
Krishnamurti — Saanen, 25 de julho de 1967




sábado, 2 de fevereiro de 2013

Deixe de ser escravo da sociedade e do ambiente

A sociedade não pode ser transformada pelo exemplo. A sociedade poderá transformar-se, operar certas mudanças pela revolução política ou econômica, mas só o homem religioso pode operar uma transformação fundamental na sociedade; e o homem religioso não é aquele que se submete à fome como um exemplo para transformar a sociedade. O homem religioso não está interessado, em absoluto, na sociedade, porque a sociedade está baseada na aquisição, na inveja, na ganância, na ambição, no medo. Isto é, uma mera reforma do padrão da sociedade só pode alterar a superfície, produzir uma forma mais respeitável de ambição. Mas o homem verdadeiramente religioso está totalmente fora da sociedade, porque não é ambicioso, não tem inveja, não está seguindo nenhum ritual, dogma ou crença; só esse homem pode transformar fundamentalmente a sociedade, e não o reformador. O home que quer arvorar-se em exemplo cria conflitos, torna mais forte o medo e faz nascer várias formas de tirania.

É muito estranha essa nossa adoração dos exemplos, modelos, dos ídolos. Não queremos o que é puro, verdadeiro em si mesmo; queremos intérpretes, exemplos, mestres, gurus, para, por seu intermédio, alcançarmos alguma coisa — e tudo isso é puro absurdo, um meio de explorar os outros. Se cada um de nós fosse capaz de pensar claramente desde o começo, ou de reeducar-se para pensar claramente, todos esses exemplos, mestres, gurus, sistemas, se tornariam completamente desnecessários, como realmente são.

Vejam, senhores, o mundo, infelizmente, é exigente demais para a maioria de nós;  as circunstâncias nos são pesadas demais, nossas famílias, nossa nação, nossos guias, nossos empregos prendem-nos firmemente, mantêm-nos escravizados — e vagamente esperamos, de alguma maneira, encontrar a felicidade. Mas esta felicidade não vem vagamente, não vem se estais escravizados pela sociedade, se sois escravos do ambiente. Ela só vem, quando a mente está em liberdade — isso não significa liberdade de pensamento. O pensamento nunca é livre.

(…) A mente não pode ser tornada esclarecida, pura, “inocente”, por nenhum método, nenhuma disciplina, nem pela prática de qualquer virtude. A virtude é essencial, mas a virtude cultivada não é virtude. O sofrimento, naturalmente, tem de ser compreendido. Enquanto existir o “eu”, o “ego”, tem de haver sofrimento. O homem evita esse sofrimento, mas nesse próprio evitar do sofrimento, ele fortalece o “ego”, e todas as suas atividades sociais, suas reformas, só podem criar mais malefícios, mais aflições. Isto também se vos tornará óbvio, se refletirdes um pouco.

Assim, há necessidade de ação completamente dissociada da sociedade, uma maneira de pensar não contaminada pela sociedade, porque só então se tornará possível a verdadeira revolução — que não é revolução superficial, num nível único, econômico, social ou de outra ordem. A revolução total tem de realizar-se no próprio homem e só então a mente pode resolver os crescentes problemas da sociedade.

Agora, tendes escutado tudo isso, concordando ou discordando; mas, como já disse, não há nada com que concordar ou de que discordar. Tudo isso são fatos e, conhecedores desses fatos, que ides fazer? Por certo, é muito importante averiguar isso. retornareis à sociedade de que sois prisioneiros, ou escutastes com completa atenção? Se escutastes com toda atenção, esta atenção produzirá sua ação própria e nada tereis que fazer. Isso é como o amor. Amai, e agireis.  Mas, sem amor, não importa o que façais — praticando, disciplinando, reformando — o coração nunca se esclarecerá. E é isto o que está acontecendo no mundo. temos exemplos, disciplinas, técnicas maravilhosas e, no entanto, os nossos corações estão vazios, porque repletos de coisas da mente. E quando vazios os nossos corações, as nossas soluções para tantos problemas são também vazias. Só a mente capaz de atenção completa sabe amar, porque esta atenção é ausência do “eu”.

Krishnamurti – 15 de janeiro de 1958

Como se libertar do “sistema”?

Pergunta: estou contaminado pela sociedade. Como poderei livrar-me dessa contaminação?

Krishnamurti: Ora, a questão não é de como vos libertardes dessa contaminação, porque, assim, apenas criais outro conflito, outro problema. O “eu” não está contaminado pela sociedade; ele é a própria contaminação. O “eu” é uma coisa que se formou pelo conflito, pela inveja, pela ambição e o desejo de poder, pela agonia, o sentimento de culpa, o desespero. E é possível o “eu” dissolver-se sem conflito?

Isso não são questões teóricas ou teológicas. Se uma pessoa tem sério interese em compreender a si própria, verá que todo esforço para dissolver o “eu” tem motivo; resulta de uma reação e, por conseguinte, faz parte ainda  do “eu”. Que se pode fazer, então? Pode-se ver o fato e nada fazer em relação a ele. O fato é que todo pensamento, todo sentimento é resultado da sociedade, com suas ambições, sua inveja, sua avidez; e esse processo constitui a sua dissolução; não se precisa fazer esforço nenhum para dissolvê-lo. perceber uma coisa venenosa é deixar de tocá-la.

Krishnamurti —10 de julho de 1962

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Liberte-se do sistema “messiânico”

Dom Peps: e ai Out?

Outsider: estamos ai!

D.P: você está na padaria?

Out: em casa.

D.P: ok

Out: como você está?

D.P: estou indo!

Out: Está em casa?

D.P: Só na observação sem o observador.

Out: como assim? Iluminou?

D.P: nada!

Out: vi que você teve uns surtos de sanidade... ahahaha

D.P: as vezes dá uma luz.

Out: Nossa conversa gerou reflexão.

D.P: sim, claro!

Out: A galera deu retorno pelos comentários no Youtube... Foi além mar!

D.P: potencializa!

Out: um carinha de Portugal se identificou com nossa conversa.

D.P: sério? Que legal! Sinal que não estamos viajando !

D.P: fico contente que tem pessoas nos ouvindo; as nossas conversas realmente tem causado efeito; vejo que isso vai acordar as pessoas.

Out: sim, talvez!

D.P: vai ficar gravado para posteriores gerações.

Out: está ocorrendo uma expansão de conscientização, graças a Net, talvez, como nunca antes na história humana.

D.P: verdade.

D.P: Vejo que temos um papel fundamental...

Out: o papel fundamental que temos é conosco mesmo!

D.P: sim, claro! Sem recompensa!

Out: se libertar desse "eu" que pensa ter um papel fundamental; esse "eu" é uma falácia, um engodo, uma mentira!

D.P: sim, concordo!

Out: E vejo que é profundamente difícil, dele, abrir mão.

D.P: esse eu que engana a nós mesmos!

Out: ele parte da inadaptação social para tentar se adaptar como uma “entidade”, uma “entidade consciente”; ele parte de uma entidade sem consciência para tentar se mostrar como uma entidade profundamente consciente e, o pior de tudo, dizendo que essa consciência livresca, é de sua propriedade.

D.P: concordo!

Out: ele parte de uma entidade ignorante, para uma entidade cheia de conhecimentos colhidos de terceiros, se apropriando como fosse de sua própria inteligência; aliás, ela não tem nada de inteligência... Os "flashs de lucidez" ocorrem quando ela momentaneamente desaparece

D.P: sim, claro!

Out: ai ela chega e já quer assinar como se fosse de sua autoria, tal percepção lúcida.

D.P: concordo com você!

Out: é uma merda!

D.P: essa entidade é sagaz!

Out: pra cacete!

D.P: ela não quer ser anônima! Ela precisa aparecer; tem que ser a dona da mensagem!

Out: de certo modo, penso que, nesse processo, onde ela tenta se afirmar através do conhecimento alheio, sem que ela se perceba, através desse conhecimento, que abre espaço para a retomada da Consciência que somos, essa entidade vai entrando num processo de "egocídio".

D.P: mas ela não quer morrer; ela vai tentar de tudo pra viver.

Out: sim!... Estou atravessando isso; um período em que tenho tido, digamos assim, "baixas emocionais" que se parecem com a dor de luto; como se algo estivesse morrendo.

D.P: ela vai lutar até o fim...

Out: no entanto, a percepção do movimento do ego está muito forte, muito rápida; quase que “no pulo do gato”. Ainda ocorrem momentos em que o ego, o pensamento, a entidade, consegue criar aquele estado de "torpor mental", de hipnose momentânea, onde ocorre o devaneio, com suas somatizações físicas, como por exemplo, a profunda ansiedade. Só que, ao contrário de antigamente, não há nenhum movimento para deter a manifestação da ansiedade, ao contrário, o que ocorre, é um "sentar-se com a ansiedade", vendo-a, observando-a, tornando-se consciente de seu processo no tempo, na ponte do tempo psicológico, passado-futuro. Essa percepção desmonta o processo de ansiedade e não deixa marcas na memória. Portanto, não “cristaliza” o ego, mas sim, o espaço da consciência. Acho que a palavra melhor seria, “fundamenta", ao invés de "cristalizar".

D.P: ok!

Out: está ocorrendo um processo de "reparação", no sentido de reparar, ver o modo como essa entidade funcionou durante toda uma existência sem consciência; de perceber a enorme quantidade de auto-enganos, de escolhas irrefletidas, inconscientes e, muitas delas, inconsequentes.

D.P: entendo!

Out: há uma reparação da realidade da formação psíquica dessa entidade: medo, vergonha, inveja, ressentimento, ansiedade, luxúria, lascívia, maledicência, desejo de retalhação...

D.P: sim, claro!

Out: ...desejo de vingança, busca de segurança e prestígio; uma entidade autocentrada profundamente interesseira, que só se preocupa com o outro, se esse outro, de algum modo supre alguma de suas necessidades veladas.

D.P: exatamente!

Out: nessa reparação, há a percepção do total desconhecimento do que vem a ser AMOR, do que vem a ser a genuína COMPAIXÃO.

D.P: exato!

Out: há a percepção de que nunca houve um estado de ser cujo interesse pelo outro fosse totalmente desacompanhado de qualquer forma de auto-interesse.

D.P: as vezes, as pessoas confundem compaixão com piedade.

Out: deixemos as pessoas para lá; fiquemos com o foco só em nós dois... Isso é uma das maquinações do ego: desfocar!... Apontar para fora... Externalizar.

D.P: concordo!

Out: percebo nitidamente, que essa entidade sempre funcionou no sentido da busca da “satisfação sensória” e que nunca mediu esforços para conseguir suprir essa necessidade sensória. Desse modo, com todos que "pensou" manter contato, acabou usando-os como um meio a ser descartado quando do fim.

D.P: só pelo interesse: conta-se um enredo para depois chegar ao objetivo final.

Out: sim.

D.P: Ao suprir-se de prazer, logo, descarta-se “a preza”...

Out: mas é algo dotado de uma mínima consciência, sem contudo a consciência da CONSCIÊNCIA.

D.P: exatamente!

Out: os instintos naturais ficam a mercê das exigências descabidas do ego, da entidade, que precisa da "sensação" momentânea para que ocorra, digamos assim, um auto-esquecimento.

D.P: e essa sensação, fica sendo prolongada no tempo.

Out: sim, através da memória.

D.P: repetindo uma espécie de padrão comportamental.

Out: Sim! Esse padrão, quando se manifesta, "dispara" a busca de segurança e mais sensação; isso é factual!

D.P: igual o cachorro do Pavlov!

Out: sim! Exato!

Out: o fato é que, como dizia Gurdjieff , é que essa entidade tem sua base na mentira, ou seja, numa "mente irada", não numa mente amorosa, numa mente conscienciosa; uma mente iluminada por uma consciência amorosa, inteligente e criativa, de modo algum faz uso do outro, uma vez que esta não mais enxerga essa dualidade "eu-outro". Para ela, não há mais a ocorrência da chamada "Ilusão de separatividade"; para ela já não há mais aquela medição do tipo: "não farei com o outro aquilo que não quero que façam comigo!" Vejo que nessa afirmação, ainda encontra-se o medo, encontra-se a percepção de alguém não livre do medo e da busca de segurança, portanto, ainda há um espaço entre observador e coisa observada.

D.P: sim, claro!

Out: Essas percepções vão ocorrendo e, com elas, a instalação dessa Consciência que somos, a qual traz a genuína maturidade, que nada tem a ver com a questão da idade cronológica, mas sim, com o despertar da inteligência, até então, sufocada pelo entulho do condicionamento que dá origem a essa entidade autocentrada. E isso não se dá pelo processo de desejo, ou de esforço pessoal, mas sim, na espontânea manifestação de um estado ausente de desejo e de esforço. Ocorreu-me como exemplo, o efeito de uma vacina... Depois que você toma determinada vacina, não há nenhuma preocupação com a sua ação no corpo; você segue sua vida, enquanto a vacina segue sua limpeza e seu trabalho de “imunização interior”. Acho que a percepção, a reparação, funciona do mesmo modo: ela, de certo modo, cria esse processo de imunização diante das constantes influências, sejam elas exteriores ou interiores, influências essas que tem como função manter a continuidade da identificação ilusória com essa entidade autocentrada.

D.P: sim, claro! Na sua opinião, qual é a origem do pensamento?

Out: experiência memorizada condicionante; veja a criança: é pura! Começa, através do contato com “entidades cristalizadas”, a ter experiências condicionantes, as quais se estabelecem na memória, formando imagens, símbolos, que se cristalizam em forma de pensamento, que a seu tempo, se tornará pensamento manifesto através da “palavra”. A palavra, por sua vez, — que é pensamento — criará maior cristalização ainda. Faz sentido para você?

D.P: sim! E na sua opinião, o “sistema” usa isso?

Out: Isso é o sistema! Não existe isso de um sistema isolado fazendo uso disso - eu e você somos esse sistema! Somos esse sistema, seja ele se manifestando como "sistemaziado ao máximo ou ao mínimo".... Você é o sistema! A entidade que você pensa ser é o sistema, funcionando numa determinada forma do sistema comportamental. Veja: qual a diferença de um banqueiro que quer se apossar da sua energia financeira e dessa entidade que você pensa ser, quando esta quer se apossar da energia sexual de uma mulher, sem nenhum comprometimento?

Out: não há!

Out: Pois bem: trata-se da mesma “energia sistêmica” agindo em palcos diferentes. Ciente disso, vejo essa preocupação com o sistema, mais um mecanismo de fuga utilizado pela entidade para assim, autoperpetuar-se. A entidade É o sistema!

D.P: Verdade!

Out: Precisamos que ocorra um "desplugar"... Lembra-se do filme Matrix?

D.P: sim!

Out: antes do personagem “Neo” ter o início do seu processo de "desplugar", ele se depara dentro de uma espécie de cápsula de onde OBSERVA toda sistematização sonambúlica, lembra-se? Ai vem uma máquina e o pega pelo pescoço, mantendo a cabeça e o olhar fixos numa só direção... É aí que começa o “processo de desplugar”... em SI e não no assim chamado "sistema"!

D.P: sim!

Out: uma metáfora que aponta para a conscientização de que o trabalho é com a “cabeça do freguês" e não com a cabeça da sociedade.

D.P: sim!

Out: há que se ter a consciência de que, nesse processo de resgate da Consciência que somos, o ego vai querer vestir a capa "Messiânica", ou seja, do paladino da justiça, do salvador do mundo, do libertador do sistema.

D.P: verdade!

Out: muita gente cai nessa. Não sei se você já teve a triste mas educativa oportunidade de adentrar num sanatório...

D.P: ainda não.

Out: tem muita gente que é internada pensando ser um salvador, pensando ser Jesus ou outra figura messiânica qualquer; e tem muita gente aqui fora, neste imenso hospício que é a sociedade, se imaginando iluminado, se imaginando portador de uma poderosa mensagem de cura, se imaginando livre de qualquer tipo de questionamento, livre de qualquer resquício de ego. Talvez, quem sabe, existam de fato esses totalmente livres da ilusória identificação com a entidade, mas, até aqui, vivos, confesso que desconheço! O que se vê — assim como eu e você — são egos "esclarecidos" pelo conhecimento de segunda mão...

(Dom Peps não pode receber a mensagem pois está OFF-LINE)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O indivíduo é de fundamental importância, não o sistema

Quem viaja pelo mundo pode notar a extraordinária semelhança da natureza humana, seja na Índia, seja na América, na Europa ou na Austrália. Isto se verifica, principalmente nos colégios e nas universidades. Estamos como que fabricando, segundo um modelo, um tipo de ser humano cujo principal interesse é procurar segurança, tornar-se pessoa importante, ou viver deleitavelmente e com o mínimo de reflexão.

A educação convencional dificulta sobremodo o pensar independente. A padronização do homem conduz à mediocridade. Ser diferente do grupo ou resistir ao ambiente, não é fácil, e não raro é arriscado, porque adoramos o bom êxito. O esforço empregado para obter sucesso, que é o desejo de recompensa, seja na esfera material, seja na chamada esfera espiritual, a busca de segurança interior ou exterior, o desejo de conforto — tudo isso representa um modo de agir que abala o descontentamento, põe fim à espontaneidade, gera temor e este impede a compreensão inteligente da vida. Com o avançar da idade, a mente e o coração vão-se embotando cada vez mais.

Procurando o conforto encontramos, em geral, um cantinho sossegado na vida, onde podemos viver com o mínimo de conflito possível, e não ousamos mais dar um passo sequer para sair desse isolamento. Este medo à vida, este medo à luta e à experiência nova, mata em nós o espírito de aventura; por causa de nossa criação e educação, temos medo de ser diferentes do nosso próximo, temos medo de pensar em desacordo com o padrão social vigente, num falso respeito à autoridade e à tradição.

Felizmente, algumas pessoas se interessam com seriedade pelo exame dos problemas humanos, livres dos preconceitos da esquerda ou da direita; mas, a grane maioria dentre nós não tem o verdadeiro espírito de descontentamento, de revolta. Quando nos submetemos ao ambiente, sem compreendê-lo, todo o espírito de revolta que acaso possuímos esmorece e nossas responsabilidades em breve tempo o apagam definitivamente.

Há duas espécies de revolta: a revolta violenta, que é mera reação, sem inteligência, contra a ordem vigente, e a profunda revolta psicológica da inteligência. Muitos se revoltam contra velhas ortodoxias só para caírem em outras novas, em novas ilusões e secretas concessões aos próprios apetites. O que em geral acontece é que nos desligamos de um grupo ou conjunto de ideais e ingressamos noutro grupo, adotamos outros ideais, criando novo padrão de pensamento contra o qual nos revoltamos outra vez. Toda reação gera oposição, e toda reforma cria a necessidade de novas reformas.

Há, porém, uma revolta inteligente, que, não sendo reação, nasce com o autoconhecimento, com o percebimento do nosso próprio pensar e sentir. Só quando enfrentamos a experiência tal como se apresenta, quando não evitamos perturbações, é que podemos manter a inteligência altamente desperta; e a inteligência altamente desperta é intuição — o único guia seguro na vida.

Qual é, pois, a significação da vida? Para que vivemos e lutamos? Se somos educados apenas para nos tornarmos pessoas eminentes, para conseguirmos melhores empregos, para sermos mais eficientes, para exercermos domínio mais amplo sobre os outros, em tal caso nossas vidas serão superficiais e vazias. Se somos educados, apenas, para sermos cientistas, eruditos casados com seus livros, ou especialistas devotados à ciência, estamos então contribuindo para a destruição e a desgraça do mundo.

Se a vida tem um significado mais alto e mais amplo, que valor tem nossa educação se nunca descobrimos um significado? Podemos ser superiormente cultos; se nos falta, porém, a profunda integração do pensamento e sentimento, nossas vidas são incompletas, contraditórias e cheias de temores torturantes; e enquanto a educação não abranger o sentido integral da vida terá muito pouca significação.

A civilização atual divide a vida em tantos compartimentos que a educação — excetuando-se o ensino de uma técnica determinada ou profissão — tem muito pouco valor. Ao invés de despertar a inteligência integral do indivíduo, a educação o induz a adaptar-se a um padrão, vedando-lhe assim a compreensão de si mesmo como um processo total. Procurar resolver os numerosos problemas da existência nos seus níveis respectivos — classificados como estão (os problemas) em diferentes categorias — denota uma total ausência de compreensão.

O indivíduo é constituído de várias entidades, mas o realçar as diferenças e ao mesmo tempo favorecer a produção de um tipo definido, leva a resultados complexos e a contradições. Compete à educação promover a integração dessas entidades separadas — uma vez que, sem integração, a vida se transforma numa série de conflitos e tribulações. Para que formar advogados se perpetuamos os litígios? Que valor tem o saber, se continuamos em nossa confusão? Qual o significado da capacidade técnica e industrial, se a utilizamos para nos destruirmos mutuamente? Qual a finalidade da existência, se ela leva à violência e à desdita extrema? Embora tenhamos dinheiro ou sejamos capazes de ganhá-lo, embora tenhamos prazeres e religiões organizadas, vivemos num conflito interminável.

Cumpre distinguir entre "pessoal" e "individual". O pessoal é acidental; por acidental entendo as circunstancias de origem, o ambiente em que fomos criados, com seu nacionalismo, suas superstições, distinções e preconceitos de classe. O pessoal ou acidental é só momentâneo, ainda que esse momento dure a vida inteira; e como o atual sistema de educação se baseia no pessoal, no acidental, no momentâneo, só conduz à perversão do pensamento e à implantação de temores defensivos.

Fomos todos preparados pela educação e o ambiente, para a busca de proventos e segurança pessoal, para lutarmos em nosso próprio interesse. Embora costumemos dissimulá-lo com frases amenas, fomos educados para várias profissões dentro de um sistema que se funda na exploração e no temor com sua concomitante avidez. Tal educação acarretará inevitavelmente confusão e tribulações para nós e para o mundo, porquanto cria em cada indivíduo aquelas barreiras psicológicas que o separam e o mantém isolado dos outros.

A educação não é uma simples questão de exercitar a mente. O exercício leva à eficiência, mas não produz a integração. A mente que foi apenas exercitada é o prolongamento do passado, nunca pode descobrir o que é novo. Eis porque, para averiguarmos o que é educação correta, cumpre-nos investigar o total significado do viver.

Para a maioria das pessoas o significado da vida como um todo não é de importância primária, e nossa educação encarece os valores secundários, fazendo-nos apenas proficientes num determinado ramo de saber. Embora sejam necessários o saber e a eficiência, se lhes atribuímos importância demasiada, somos levados ao conflito e à confusão.

Há uma eficiência inspirada pelo amor, que leva muito mais longe, que é muito superior à eficiência da ambição; e sem o amor, que traz a compreensão integral da vida, a eficiência gera a crueldade. Não é isso o que está acontecendo no mundo inteiro? A educação atual está aparelhada para a industrialização e a guerra, e desenvolver a eficiência é seu alvo principal; estamos dentro da engrenagem desta máquina de competição impiedosa e destruição mútua. Se a educação conduz à guerra, se nos ensina a destruir ou a ser destruídos, não falhou completamente? Para instituirmos a educação correta, é evidente que temos de compreender o significado da vida como um todo, e, para tal, devemos ser capazes de pensar, não consistentemente, mas de maneira direta e verdadeira. Um pensador consistente não pensa verdadeiramente, porque está ajustado à um padrão; repete frases e pensa dentro de uma rotina. Não se pode compreender a existência abstrata ou teoricamente. Compreender a vida é compreender a nós mesmos; este é o princípio e o fim da educação.

Educação não significa, apenas, adquirir conhecimentos, coligir e correlacionar fatos; é compreender o significado da vida como um todo. Mas o todo não pode ser alcançado pela parte — como estão tentando fazer os governos, as religiões organizadas e os partidos autoritários.

A função da educação é criar entes humanos integrados e, por conseguinte, inteligentes. Podemos tirar diplomas e ser mecanicamente eficientes, sem ser inteligentes. A inteligência não é mera cultura intelectual; não provém de livros, nem consiste em jeitosas reações defensivas e asserções arrogantes. O homem que não estudou pode ser mais inteligente do que o erudito. Fizemos de exames e diplomas critério de inteligência e desenvolvemos mentes muito sagazes, que evitam os problemas humanos vitais. Inteligência é a capacidade de perceber o essencial, o que é; despertar essa capacidade, em si próprio e nos outros: eis em que consiste a educação.

A educação deve ajudar-nos a descobrir valores perenes, para que não nos apeguemos a fórmulas ou à repetição de slogans; deve ajudar-nos a derrubar as barreiras nacionais e sociais, em lugar de as reforçar, porquanto essas barreiras geram antagonismo entre homem e homem. Infelizmente o nosso atual sistema de educação nos torna subservientes, mecânicos e fundamentalmente incapazes de pensar; embora desperte nosso intelecto, deixa-nos interiormente incompletos, estupeficados e estéreis.

Sem uma integral compreensão da vida, os nossos problemas individuais e coletivos só tenderão a crescer, em profundidade e extensão. O objetivo da educação não é o de produzir meros letrados, técnicos caçadores de empregos, mas homens e mulheres integrados, livres do temor; porque só entre tais entes humanos pode haver paz perene.

A compreensão de nós mesmos extingue o medo. para pelejar com a vida, de momento em momento, enfrentar suas complicações, tribulações e imprevistos, deve o indivíduo ser infinitamente flexível e portanto livre de teorias e padrões determinados de pensamento.

Não deve a educação estimular o indivíduo a adaptar-se à sociedade ou a manter-se negativamente em harmonia com ela, mas ajudá-lo a descobrir os valores verdadeiros, que surgem com a investigação livre de preconceitos e com o autopercebimento. Quando não há autoconhecimento, a expressão individual se transforma em arrogância, com todos os seus conflitos agressivos e ambiciosos. A educação deve despertar no indivíduo a capacidade de estar cônscio de si mesmo, e não apenas deixá-lo comprazer-se na expressão individual.

Que benefício traz a instrução, se no decorrer da vida nos destruímos? A série de guerras devastadoras, que temos tido, uma após outra, evidencia uma falha fundamental na educação que proporcionamos a nossos filhos. Quase todos nós, creio, estamos cônscios disso, mas não sabemos como atender ao problema.

Os sistemas, quer educativos, quer políticos, não se transformam miraculosamente; só se modificam quando há uma transformação fundamental em nós mesmos. O indivíduo é de fundamental importância, e não o sistema; e, enquanto o indivíduo não compreender o processo total de si mesmo, nenhum sistema, seja da direita, seja da esquerda, trará ordem e paz ao mundo.

Krishnamurti — A educação e o significado da vida

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill