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terça-feira, 10 de abril de 2018

O mecanismo criador de ilusões


O mecanismo criador de ilusões

Nesta palestra temos de falar sobre matéria muito vasta e isto poderá ser um tanto difícil, ou melhor, talvez “estranho”. Vou servir-me de certas palavras que poderão ter para vós um significado e, para mim, significado inteiramente diferente. Para comungarmos realmente em todos os níveis devemos ter compreensão mútua das palavras que empregamos e dos seus significados. A meditação, que pretendo examinar junto convosco, tem para mim imensa significação, ao passo que, para vós, talvez seja uma palavra comum. Talvez, para vós, signifique um método para se alcançar um resultado, chegar a alguma parte; e poderá constar de repetição de palavras e frases para serenar a mente, e de uma atitude súplice. Mas, para mim, a palavra “meditação” tem extraordinário significado; e para examiná-la a fundo, como pretendo fazer, temos primeiramente de compreender à faculdade de criar ilusões.

Quase todos nós vivemos num mundo quimérico. Todas as nossas crenças são ilusões, sem validade alguma. E para se despojar a mente de todas as formas de ilusão e do poder de criar ilusões, requer-se percebimento claro e penetrante, capacidade de raciocinar com acerto, sem fugas nem desvios. Um intelecto sem temor, que não se oculta atrás de desejos secretos, um intelecto tranquilo, sem conflito algum — esse intelecto, essa mente é capaz de perceber o que é verdadeiro, de ver se Deus existe. Não me refiro à palavra “Deus”, mas ao que esta palavra representa, algo que transcende as medidas das palavras e do tempo — se tal coisa existe. Para se descobrir, é óbvio que devem terminar todas as formas de ilusão e o poder de criar ilusões. E despojar a mente de todas as ilusões é, para mim, a propriedade da meditação. Eu sinto que através da meditação se penetra num vasto campo de extraordinários descobrimentos — não invenções, não visões, porém algo inteiramente diferente, realmente existente além do tempo, além das coisas fabricadas pela mente humana em sua busca secular. Se uma pessoa deseja realmente descobrir, por si própria, deverá lançar a base correta, e a base correta é a meditação. O copiar um padrão, o seguir um sistema, o observar um dado método de meditação — tudo isso é sobremodo infantil, imaturo demais; é mera imitação e não conduz a parte alguma, ainda que produza visões.

A base correta para se descobrir se existe uma realidade além das crenças que a propaganda inculcou na mente de cada um, essa base só pode ser criada pelo autoconhecimento. O conhecer a si mesmo é, exatamente, meditação. Conhecer a si mesmo não é conhecer o que se deveria ser, pois isso não tem validade, nem realidade, e não passa de mera ideia ideal. Mas compreender o que é, compreender o fato real — o que somos — momento por momento, isso requer que se liberte a mente de seu condicionamento. Pela palavra “condicionamento” entendo tudo o que a sociedade nos impôs, tudo o que a religião nos inculcou, pela propaganda, pela insistência, pela crença, pelo medo do céu e do inferno. Inclui o condicionamento referente à nacionalidade, ao clima, aos costumes, à tradição, à cultura como francês, hindu ou russo, e às inumeráveis crenças, superstições, experiências que constituem todo o fundo (background) em que vive a consciência e que se consolidou em consequência de nosso desejo de segurança. É a investigação e a destruição desse fundo que constitui a base correta para a meditação.

Sem liberdade não se pode ir muito longe; apenas divagamos para a ilusão, e isso nada significa. Se desejamos descobrir se existe ou não a Realidade, deveras almejamos levar a cabo este descobrimento — sem ficarmos apenas a brincar com ideias, por mais agradáveis, intelectuais, razoáveis ou aparentemente sensatas que sejam — necessitamos de liberdade, cumpre estar livre de conflito. E isso é dificílimo. É relativamente fácil fugir ao conflito; pode-se seguir um método, tomar uma pílula, um calmante, uma bebida, e perder a consciência do conflito. Mas o penetrar profundamente a questão do conflito requer atenção.

Atenção e concentração são duas coisas diferentes. Concentração é exclusão, é estreitar a mente ou o intelecto, para focá-la na coisa que se deseja estudar, observar. Isso é facilmente compreensível. E a concentração de exclusão cria distrações, não é verdade? Quando desejo concentrar-me e minha mente foge para outra coisa, essa outra coisa é uma distração e, por conseguinte, há conflito. Toda concentração implica distração, conflito e esforço. Por favor, não vos limiteis a seguir minhas palavras, minhas explicações, mas segui realmente vossos próprios conflitos, vossas distrações, vossos esforços. Esforço implica conflito, não? E só há esforço quando se deseja ganhar, alcançar, evitar, buscar ou rejeitar.

Este — se se me permite dizer — é um ponto muito importante, que cumpre compreender, isto é, que a concentração é exclusão, resistência, limitação da força pensante. A atenção não é idêntico “processo”, absolutamente. A atenção é “inclusiva”. Só se pode estar atento quando não há barreiras para a mente. Isto é, posso ver os rostos de todos vós na minha frente, ouvir vozes lá fora, notar o ruído ou o silêncio do ventilador, ver os vossos sorrisos e acenos de cabeça — a atenção abrange tudo isso e mais ainda. Mas, se meramente vos concentrais, não podeis incluir tudo isso, porquanto isso seria distração. Na atenção não há distração. Na atenção pode haver concentração, mas esta concentração é sem exclusão. A concentração, ao contrário, exclui a atenção. Isso talvez seja algo novo para vós; mas, se o experimentardes vós mesmos, vereis que existe uma qualidade de atenção capaz de escutar, de ver, de observar sem nenhum senso de identificação; nela, há visão completa, observação completa e, por conseguinte, nenhuma exclusão.

Estendo-me um pouco a este respeito porque acho muito importante compreender que quando a mente, o intelecto, está em conflito a respeito de qualquer coisa — a respeito de si própria, de seus problemas, seu vizinho, sua segurança — não pode ser livre. Assim, deveis vós mesmos descobrir se é possível, vivendo-se neste mundo — tendo-se de ganhar a vida, de viver a vida de família, com sua entediante rotina diária, suas ansiedades, o “sentimento de culpa” — se é possível penetrar muito profundamente, ultrapassar a consciência e viver sem conflito interior.

O conflito, por certo, existe quando desejamos “vir a ser” alguma coisa. Existe, quando há ambição, avidez, inveja. E é possível viver neste mundo sem ambição, sem avidez? Ou o homem está destinado inapelavelmente a ser perpetuamente ávido, ambicioso, desejoso de preenchimento e sentindo-se frustrado, ansioso, “culpado”, etc.? E é possível eliminar tudo isso? Porque, se não for eliminado, não se pode ir muito longe, uma vez que isso restringe o pensamento. E eliminar da consciência todo esse processo de ambição, inveja, avidez, é meditação. A mente ambiciosa não tem nenhuma possibilidade de saber o que é o amor; a mente entibiada pelos desejos mundanos nunca pode ser livre. Não quer isso dizer que a pessoa deva viver sem teto, sem comida, sem roupa, sem um certo grau de conforto físico; significa apenas que a mente ocupada com a inveja, o ódio, a avidez — seja avidez de conhecimentos, de Deus, seja de mais roupas — por se achar em conflito, jamais pode ser livre. E só a mente livre pode ir muito longe.

Conhecer a si mesmo é o começo da meditação. Sem conhecerdes a vós mesmos, o repetirdes uma quantidade de palavras da Bíblia, do Gita, ou de qualquer dos chamados livros sagrados, nenhuma significação tem. Isso poderá satisfazer a mente, mas uma pílula dá o mesmo resultado. Pelo repetir uma frase mais e mais vezes, torna-se o cérebro naturalmente quieto, sonolento e embotado; e como resultado desse estado de insensibilidade, de embotamento, pode-se ter alguma espécie de experiência, obter certos resultados. Mas a pessoa continua ambiciosa, invejosa, ávida, e cria inimizade. Assim, o aprender a conhecer a si própria, aquilo que a pessoa realmente é, é o início da meditação. Estou empregando a palavra “aprender” porque quando se está aprendendo, no sentido em que emprego a palavra, não há acumulação. O que chamais “aprender” é o mecanismo de acrescentar mais e mais ao que já se sabe. Mas, para mim, no momento em que adquirimos, acumulamos, essa acumulação se torna conhecimento, e conhecimento não é “aprender”. O aprender nunca é acumulativo; ao passo que a aquisição de conhecimento é um mecanismo de condicionamento.

Se desejo aprender a conhecer-me, descobrir realmente o que sou, tenho de estar vigilante a todas as horas, a todos os minutos do dia, para ver como me estou exprimindo. Estar vigilante não é condenar ou aprovar, porém ver o que somos de momento a momento. Pois o que nós somos está sempre a modificar-se, — não é verdade? — nunca é estático. O conhecimento é estático; já o aprender a conhecer o movimento da ambição nunca é estático, senão vivo, sempre movediço. Dessa forma, aprender e adquirir conhecimento são duas coisas diferentes. O aprender é infinito, é um movimento em liberdade; o conhecimento tem um centro que está sempre acumulando e só conhece um movimento, que é o de acumular mais, de escravizar-se mais.

Para seguir esta coisa a que chamo “eu”, com todas as suas nuanças, suas expressões, seus desvios, suas sutilezas, sua astúcia, deve a mente estar muito clara e vigilante, porquanto o que sou está sempre a mudar, a modificar-se, não é assim? Eu não sou o mesmo de ontem ou de há um minuto, porque cada pensamento e cada sentimento está modificando, moldando a mente. E se só vos interessa condenar ou julgar, de acordo com vossos conhecimentos acumulados, vosso condicionamento, não estais então seguindo a coisa, não a estais acompanhando, observando. Por conseguinte, o aprender a conhecer-vos importa muito mais que o adquirir conhecimentos acerca de vós mesmos. Não se pode ter um conhecimento estático a respeito de uma coisa viva. Pode-se ter conhecimento de algo passado e acabado, porque todo conhecimento está no passado; é estático, já morto. Mas uma coisa viva está sempre a mudar, sempre a sofrer modificações; ela difere a cada minuto, e vós tendes de segui-la, para conhecê-la. Não podeis compreender o vosso filho se continuamente o estiverdes condenando, justificando, ou com ele vos identificando; tendes de observá-lo, sem julgamento, quando ele dorme, quando chora, quando brinca — a todas as horas.

Assim, o aprender a conhecer a vós mesmo é o começo da meditação; aprendendo a conhecer-vos, ir-se-ão eliminando todas as ilusões. E isso é absolutamente essencial, pois, para se descobrir o que é verdadeiro — se existe a verdade, algo imensurável — não pode haver ilusão. E há ilusão quando há desejo de prazer, de conforto, de satisfação. Esse mecanismo, naturalmente, é bem simples. Desejando satisfação, criais a ilusão e aí ficais atolado para o resto da vida. Aí estais satisfeitos; e a maioria das pessoas estão satisfeitas com o crerem em Deus. Assusta-as a vida, a insegurança, a agitação, a agonia, a  culpa”, a ansiedade, as misérias e tristezas da vida; assim estabelecem, finalmente, algo a que chamam Deus, aonde se acolhem. E tendo-se rendido à crença, têm visões, e se tornam santos, etc. Isto não é investigar se existe ou não uma realidade. Ela poderá existir e poderá não existir; compete-vos descobri-lo. E para o descobrirdes, precisais de liberdade no começo e não no fim — livres de todas essas coisas; tais como a ambição, a avidez, a inveja, a fama, o desejo de ser importante e todas as demais infantilidades.

Deste modo, ao aprenderdes sobre a vossa pessoa, estais penetrando em vós mesmo, não apenas no nível consciente, mas também no nível profundo, inconsciente, e trazendo à luz todos os secretos desejos, buscas, impulsos, compulsões. Destrói-se então o poder de criar ilusões, porque está lançada a base correta. Quando a mente, o intelecto, se examina, se observa a si mesmo no movimento do viver, nunca deixando sem exame e compreensão um só pensamento ou sentimento, então tudo isso, em sua totalidade, é percebimento. É estardes apercebido de vós mesmo, inteiramente, sem condenação, sem justificação, sem escolha — como quem olha o próprio rosto ao espelho. Não podeis então dizer: “Eu desejava ter um rosto diferente”; ele lá está, tal como é.

E com essa autocompreensão, o intelecto — que é mecânico e está sempre “tagarelando”, reagindo a todas as influências, todos os desafios — se torna muito quieto, embora sensível e vivo. Ele não está morto; tornou-se um intelecto ativo, dinâmico, vigilante, mas, ao mesmo tempo, tranquilo, silencioso, porque nenhum conflito tem. Está em silêncio porque eliminou, compreendeu todos os problemas que para si criara. Afinal, um problema só se torna existente quando uma dada questão não foi bem compreendida. Quando o intelecto examinou e compreendeu perfeitamente a ambição, acabou-se o problema da ambição. E, assim, o intelecto se tranquilizou.

Podemos agora prosseguir, juntos, deste ponto, ou verbalmente ou fazendo realmente a viagem, e experimentando deveras — e isso significa eliminar completamente a ambição. Não se pode eliminar a ambição ou a avidez a pouco e pouco; aqui não há “mais tarde” nem “no ínterim”. Ou a eliminamos totalmente, ou ela de modo nenhum é eliminada. Mas, quando se alcança o ponto em que não há mais avidez, nem inveja, nem ambição, o intelecto está então sumamente tranquilo, sensível e, portanto, livre — e tudo isso é meditação; e então, mas não antes, pode-se ir mais longe. Ir mais longe, sem se ter chegado a este ponto, é mera especulação, sem nenhuma significação. Para se ir mais longe, cumpre estabelecer esta base, a qual é realmente virtude. Não é a virtude da respeitabilidade, a moralidade social de uma dada coletividade, porém uma coisa extraordinária, pura, verdadeira, a qual se torna existente sem nenhum esforço e é, essencialmente, humildade. A humildade é essencial, mas não pode ser cultivada, desenvolvida, praticada. Dizer para si mesmo: “Serei humilde” é pura insensatez; é vaidade encoberta pela palavra “humildade”. Mas há uma humildade que vem à existência naturalmente, inesperadamente, sem ser buscada; e nela não existe conflito, porque essa humildade nunca está subindo degraus, nunca está desejando.

Ora, quando se alcança este ponto, onde reina silêncio completo, onde o intelecto está inteiramente tranquilo e é, portanto, livre, verifica-se um movimento todo diferente.

Ora, compreendei, por favor, que esse estado é, para vós, especulativo. Estou falando de algo que não conheceis e que, por conseguinte, pouco vos significa. Mas falo porque ele tem significação em referência ao todo, à totalidade da vida. Porque, se não soubermos distinguir entre o que é verdadeiro e o que é falso, se não descobrirmos se existe ou não a verdade, a vida se torna extremamente superficial. Quer nos denominemos cristãos ou budistas, quer nos denominemos hinduístas ou seja o que for, a vida da maioria de nós é bem superficial, vazia, monótona, mecânica. E com a mente mecanizada queremos descobrir algo inefável. Uma mente insignificante a buscar o imensurável continua insignificante. Por conseguinte, a mente embotada deve transformar-se. Estou, pois, falando a respeito de algo que podeis ter visto ou não ter visto; mas importa aprendê-lo, porquanto essa realidade inclui a totalidade da consciência, inclui toda a ação de nossa vida. Para descobrir isso, a mente deve tornar-se completamente quieta, não mesmerizando a si própria, não por meio de disciplina, repressão, ajustamento; tudo isso significa, apenas, substituir um desejo por outro.

Não sei se já vos ocorreu isto: estar com a mente serena. Não aquela espécie de tranquilidade encontrável na igreja, ou o sentimento superficial que experimentais quando caminhais pela rua ou passeais num bosque, ou quando estais ocupado com o rádio ou a cozinha. Essas coisas exteriores podem absorver-vos — e de fato absorvem — produzindo uma certa forma de serenidade temporária. Isso é semelhante ao que acontece com o garoto entretido com um brinquedo; o brinquedo é tão interessante que absorve sua energia e pensamento; mas isso não é tranquilidade. Refiro-me à tranquilidade que se verifica quando a totalidade da consciência foi compreendida e já não há buscar, desejar, tatear no escuro e, por conseguinte, ela se tornou perfeitamente serena. Nessa serenidade há um movimento completamente diferente; esse movimento é atemporal. Não tenteis reter estas frases, porque elas em si nada significam. Nosso intelecto, nossos pensamentos resultam do tempo; assim, pensar a respeito do atemporal nenhuma significação tem. Só quando o intelecto se tranquilizou, quando já não busca, nem evita, nem resiste, porém se acha totalmente tranquilo por ter compreendido todo este mecanismo, só então, nessa tranquilidade, se manifesta uma vida de espécie diferente, um movimento que transcende o tempo.

Krishnamurti, Paris, 21 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Desilusão e cinismo ou transcendência?

(...) A regeneração do indivíduo não se acha no futuro, mas no agora e, se adiarem a regeneração para amanhã, estarão atraindo a confusão, estarão presos na onda das trevas. A regeneração é agora, e não amanhã, pois a compreensão só se dá no presente. Não compreendem agora porque não põem todo o seu coração e mente, toda sua atenção naquilo que desejam compreender. Se puserem o coração e a mente para compreender, compreenderão. Senhor, se der seu coração e mente para descobrir a causa da violência, se estiver plenamente consciente dela, será não-violento já. Infelizmente, entretanto, já condicionaram toda a mente com a morosidade religiosa e a ética social, que se tornaram incapazes de olhar a coisa diretamente — e aí está a dificuldade. 

Assim, a compreensão está sempre no presente; nunca no futuro. A compreensão é agora e, não, em dias que virão. E a liberdade, que não é isolamento, só pode surgir quando cada um de nós compreende sua responsabilidade em relação ao todo. O indivíduo é o produto do todo; não é um processo à parte; ele resulta do todo. No final das contas, o senhor é um produto de toda a humanidade. O senhor pode denominar-se como quiser, mas o senhor é o resultado de um processo total que é o homem. E, se o senhor, psicologicamente, não estiver livre, como pode ter liberdade exterior? O que significa liberdade exterior? Pode ter governos diferenças — mas, por deus, isso é liberdade? Podem ter um grande número de províncias porque cada um quer um emprego, mas isso é liberdade? Senhor, nós nos alimentamos de palavras vazias; lançamos sombras nas assembleias com palavras que nada significam; temos vivido de propaganda que é mentira. Não pensamos, seriamente e por nós mesmos, sobre tais problemas porque a maioria de nós deseja ser conduzida. Não queremos pensar e descobrir porque é muito penoso e decepcionante pensar. Ou pensamos e ficamos desiludidos e cínicos — ou pensamos e transcendemos. Quando transcendemos todo o processo do pensamento, então há liberdade. E nisso há alegria, criação, coisa que o homem correto, vivendo isolado, jamais entenderá. 
*
Nosso problema, portanto, é que nossos pensamentos vivem perambulando e, naturalmente, queremos pô-los em ordem. mas como promover essa ordem? Para compreender uma máquina que trabalha muito rapidamente, precisamos desacelerar seu movimento, não é? Se quisermos examinar um dínamo, é preciso diminuir seu movimento, mas não pará-lo; parado, ele se torna uma coisa morta e não podemos compreender uma coisa morta. Só podemos compreender uma coisa viva. Desse modo, a mente que exterminou os pensamentos por meio de exclusão e do isolamento não pode compreender o pensamento; só o compreenderá se desacelerar o seu processo. Quando veem um filme em câmera lenta, percebem o maravilhoso movimento dos músculos de um cavalo que salta. É bonito esse movimento lento dos músculos; mas quando o cavalo salta velozmente, tão grande é essa velocidade, que se perde a beleza. Da mesma forma, quando a mente se move devagar porque deseja compreender cada pensamento que surge, nesse caso ela está liberta do pensamento, livre do pensamento controlado e disciplinado. Pensamento é a resposta da memória; por conseguinte, o pensamento nunca pode ser criativo. Só quando se encontro o novo como novo, o original como original, só então há um estado criador. A mente é o gravador, o acumulador de memórias e, enquanto a memória for revivida pelos desafios, tem de continuar o processo do pensamento. Mas, se observarem, sondarem e compreenderem, total e completamente, cada pensamento, verão que a memória começa a murchar. Falamos da memória psicológica, e não da memória factual.

Krishnamurti em, Bombaim, 7 de março de 1948

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Destruindo o poder criador de ilusões

Quase todos nós vivemos num mundo imaginário. Todas as nossas crenças são ilusões, sem validade alguma. E para se despojar a mente de todas as formas de ilusão e do poder de criar ilusões, requer-se percebimento claro e penetrante, capacidade de raciocinar com acerto, sem fugas nem desvios. Um intelecto sem temor, que não se oculta atrás de desejos secretos, um intelecto tranquilo, sem conflito algum — esse intelecto, essa mente é capaz de perceber o que é verdadeiro, de ver se Deus existe. Não me refiro à palavra “Deus”, mas ao que esta palavra representa, algo que transcenda as medidas das palavras e do tempo — se tal coisa existe. Para se descobrir, é óbvio que devem terminar todas as formas de ilusão e o poder de criar ilusões. E despojar a mente de todas as ilusões é, para mim, a propriedade da meditação. Eu sinto que através da meditação se penetra num vasto campo de extraordinários descobrimentos — não invenções, não visões, porém algo inteiramente diferente, realmente existente além do tempo, além das coisas fabricadas pela mente humana em sua busca secular. Se uma pessoa deseja realmente descobrir, por si própria, deverá lançar a base correta, e a base correta é a meditação. O copiar um padrão, o seguir um sistema, o observar um dado método de meditação — tudo isso é extremamente infantil, imaturo demais; é mera imitação e não conduz a parte alguma, ainda que produza visões.

A base correta para se descobrir se existe uma realidade além das crenças que a propaganda inculcou na mente de cada um, essa base só pode ser criada pelo autoconhecimento. O conhecer a si mesmo é, exatamente, meditação. Conhecer a si mesmo não é conhecer o que se deveria ser. Por isso não tem vitalidade, nem realidade, e não passa de mera ideia ideal. Mas compreender o que é, compreender o fato real — o que somos — momento por momento, isso requer que se liberte a mente de seu condicionamento. Pela palavra “condicionamento”, entendo tudo o que a sociedade nos impôs, tudo o que a religião nos inculcou, pela propaganda, pela insistência, pela crença, pelo medo do céu e do inferno. Inclui o condicionamento referente à nacionalidade, ao clima, aos costumes, à tradição, à cultura como francês, hindu ou russo, e às inumeráveis crenças, superstições, experiências que constituem todo o fundo (background) em que vive a consciência e que se consolidou em consequência de nosso desejo de segurança. É a investigação e a destruição desse fundo que constitui a base correta para a meditação.

Sem liberdade não se pode ir muito longe; apenas divagamos para a ilusão, e isso nada significa. Se desejamos descobrir se existe ou não a Realidade, se de fato almejamos levar a cabo este descobrimento — sem ficarmos apenas a brincar com ideias, por mais agradáveis, intelectuais, razoáveis ou aparentemente sensatas que sejam — necessitamos de liberdade, cumpre estar livre de conflito. E isso é dificílimo. É relativamente fácil fugir ao conflito; pode-se seguir um método, tomar uma pílula, um calmante, uma bebida, e perder a consciência do conflito. Mas o penetrar profundamente a questão do conflito requer atenção. (...) só se pode estar atento quando não há barreiras para a mente.(...) Na atenção não há distração. (...) Isso talvez seja algo novo para vocês; mas se o experimentarem em si mesmos, verão que existe uma qualidade de atenção capaz de escutar, de ver, de observar sem nenhum senso de identificação; nela, há visão completa, observação completa, por conseguinte, nenhuma exclusão. (...)Assim, vocês mesmos devem descobrir se é possível, vivendo-se neste mundo — tendo-se de ganhar a vida, de viver a vida de família, com sua entediante rotina diária, suas ansiedades, o “sentimento de culpa” — se é possível penetrar muito profundamente, ultrapassar a consciência e viver sem conflito interior.

O conflito, certamente, existe quando desejamos “vir a ser” alguma coisa. Existe, quando há ambição, cobiça, inveja. E é possível viver neste mundo sem ambição, sem cobiça? Ou o homem está destinado inapelavelmente a ser perpetuamente cobiçoso, ambicioso, “culpado”, etc.? E é possível eliminar tudo isso? Porque, se não for eliminado, não se pode ir muito longe, uma vez que isso restringe o pensamento. E eliminar da consciência todo esse processo de ambição, inveja, cobiça, é meditação. A mente ambiciosa não tem nenhuma possibilidade de saber o que é o amor; a mente debilitada pelos desejos mundanos nunca pode ser livre. Isso não quer dizer que a pessoa deva viver sem teto, sem comida, sem roupa, sem certo grau de conforto físico; significa apenas que a mente ocupada com a inveja, com o ódio, a cobiça — seja a cobiça de conhecimentos, de Deus, seja de mais roupas —  por se achar em conflito, jamais pode ser livre. E só a mente livre pode ir muito longe.

Conhecer a si mesmo é o começo da meditação. Sem conhecerem a si mesmos, o repetir uma quantidade de palavras da Bíblia, do Gita, ou de qualquer dos chamados livros sagrados, não tem nenhuma significação. Isso poderá satisfazer a mente, mas uma pílula dá o mesmo resultado. Pelo repetir uma frase mais e mais vezes, o cérebro torna-se naturalmente quieto, sonolento e embotado; e como resultado desse estado de insensibilidade, de embotamento, pode-se ter alguma espécie de experiência, obter certos resultados. Mas a pessoa continua ambiciosa, invejosa, cobiçosa, e cria inimizade. Assim, o aprender a conhecer a si própria, aquilo que a pessoa realmente é, é o início da meditação. (...)

Se desejo aprender a conhecer-me, descobrir o que realmente sou, tenho de estar vigilante a todas as horas, a todos os minutos do dia, para ver como estou me manifestando. Estar vigilante não é condenar ou aprovar, porém, ver o que somos de momento a momento. Pois o que somos está sempre a se modificar, — não é verdade? — nunca é estático.(...) Para seguir esta coisa a que chamo “eu”, com todas as suas nuanças, suas expressões, seus desvios, suas sutilezas, sua astúcia, a mente deve estar muito clara e vigilante, uma vez que o que sou está sempre mudando, se modificando, não é assim? Eu não sou o mesmo de ontem ou de há um minuto, porque cada pensamento e cada sentimento está modificando, moldando a mente. E se lhes interessa somente condenar ou julgar, de acordo com os seus conhecimentos acumulados, seus condicionamentos, não estão então seguindo a coisa, não estão acompanhando, observando. Por conseguinte, o aprender a se conhecer é muito mais importante do que o adquirir conhecimentos a respeito de si mesmos. Não se pode ter um conhecimento estático a respeito de uma cosia viva(...) uma coisa viva está sempre mudando, sempre sofrendo modificações; ela difere a cada minuto, e vocês têm de segui-la, para conhece-la. Vocês não podem compreender os seus filhos se continuamente os estiverem condenando, justificando, ou com eles se identificando; vocês têm que observá-los, sem julgamento, quando dormem, quando choram, quando brincam — a todas as horas.

Assim, o aprender a conhecer a si mesmo é o começo da meditação; aprendendo a se conhecer, todas as ilusões vão se eliminando. E isso é absolutamente essencial, pois, para descobrir o que é verdadeiro — se existe a verdade, algo imensurável — não pode haver ilusão. E há ilusão quando há desejo de prazer, de conforto, de satisfação... Desejando satisfação, vocês criam a ilusão e aí ficam atolados para o resto da vida. Aí estão satisfeitos; e a maioria das pessoas está satisfeita com o acreditar em Deus. Assusta-as a vida, a insegurança, a agitação, a agonia, a “culpa”, a ansiedade, as misérias e tristezas da vida; assim estabelecem, finalmente algo a que chamam Deus, onde se acolhem. E tendo-se rendido à crença, têm visões, e se tornam santos, etc. Isto não é investigar se existe ou não uma realidade. Ela poderá existir e poderá não existir; compete a vocês descobri-lo. E para o descobrirem, precisam de liberdade no começo e não no fim — livres de todas essas coisas, tais como a ambição, a cobiça, a inveja, a fama, o desejo de ser importante e todas as demais infantilidades.

Desse modo, ao aprenderem sobre a própria pessoa, estão penetrando em si mesmos, não apenas no nível consciente, mas também no nível mais profundo, inconsciente, e trazendo à luz todos os secretos desejos, buscas, impulsos, compulsões. Destrói-se então o poder de criar ilusões, porque está lançada a base correta. Quando a mente, o intelecto, se examina, se observa a si mesmo no movimento do viver, nunca deixando sem exame e compreensão um só pensamento ou sentimento, então tudo isso, em sua totalidade, é percebimento. É estar consciente de si mesmo, inteiramente, sem condenação, sem justificação, sem escolha — como quem olha o próprio rosto no espelho. Você não pode dizer então: “Eu desejava ter um rosto diferente”; ele está lá, tal como é.

E com essa autocompreensão, o intelecto — que é mecânico e está sempre “tagarelando”, reagindo a todas as influências, todos os desafios — se torna muito quieto, embora sensível e vivo. Ele não está morto; tornou-se um intelecto ativo, dinâmico, vigilante, mas, ao mesmo tempo, tranquilo, silencioso, porque nenhum conflito tem. Está em silêncio porque eliminou, compreendeu todos os problemas que criara para si. Afinal, um problema só se torna existente quando uma dada questão não foi bem compreendida. Quando o intelecto examinou e compreendeu perfeitamente a ambição, acabou-se o problema da ambição. E, assim, o intelecto se tranquilizou. (...) Não se pode eliminar a ambição ou a cobiça pouco a pouco; aqui não há “mais tarde” nem “no interim”. Ou a eliminamos totalmente, ou ela de modo nenhum é eliminada. Mas, quando se alcança o ponto em que não há mais cobiça, nem inveja, nem ambição, o intelecto está então extremamente tranquilo, sensível e, portanto, livre — e tudo isso é meditação; e então, mas não antes, pode-se ir mais longe. Ir mais longe, sem se ter chegado a este ponto, é mera especulação, sem nenhuma significação.(...) Uma mente insignificante a buscar o imensurável continua insignificante. Por conseguinte, a mente embotada deve transformar-se. (...) para descobrir isso, a mente deve tornar-se completamente quieta, não mesmerizando a si própria, não por meio de disciplina, repressão, ajustamento; tudo isso significa, apenas, substituir um desejo por outro. (...) Nosso intelecto, nossos pensamentos resultam do tempo; assim, pensar a respeito do atemporal nenhuma significação tem. Só quando o intelecto se tranquilizou, quando já não busca, nem evita, nem resiste, porém se acha totalmente tranquilo por ter compreendido todo este mecanismo, só então nessa tranquilidade, se manifesta uma vida de espécie diferente, um movimento que transcende o tempo. 

Krishnamurti — Paris, 21 de setembro de 1961

quarta-feira, 27 de março de 2013

Penetrando o real sentido de viver


Antes de mais nada, desejo declarar que não pertenço a sociedade alguma. Não sou teosofista nem missionário teosófico e nem tampouco tenho o propósito de lhes converter a qualquer forma específica de crença. Acredito não ser possível seguir a alguém ou aderir a determinada crença e, ao mesmo tempo, possuir capacidade de pensar com clareza.

Eis porque a maioria dos partidos, das sociedades, das seitas e das corporações religiosas se tornam meios de exploração.

Tampouco sou portador de uma filosofia oriental, concitando-lhes para que a aceitem. Quando falo na Índia, dizem-me ali que anuncio uma filosofia do ocidente; e quando venho para países ocidentais, dizem que trago um misticismo oriental que não é prático e que, portanto, é inútil para o mundo das ações. Se, porém, realmente refletirem, verão que para o pensamento não há nacionalidades, nem tão pouco se acha ele restrito a qualquer país, clima ou povo. Portanto, peço-lhes que não considerem o que vou dizer-lhes como o resultado de um determinado preconceito racial, de uma especificada idiossincrasia ou peculiaridade. O que tenho a lhes dizer é atual, efetivo no sentido de poder ser aplicado à vida atual do homem, e não, absolutamente, coisa teórica, baseada em certas teorias ou crenças, porém sim baseado, se me é permitido personalizar, em minha própria experiência. É praticável e aplicável ao homem.

Agora, o pleno significado do que vou lhes dizer, somente pode ser compreendido por meio da experiência e, portanto, da ação. Para a maioria de nós é agradável a discussão sobre questões filosóficas que não se relacionam com as nossas ações diárias; ao passo que aquilo de que lhes falo não é uma filosofia nem um sistema de pensamento, e seu profundo significado somente pode ser compreendido por meio da experiência e, consequentemente, da ação.

O que lhes digo não é uma teoria ou crença intelectual para ser meramente discutida, para servir de motivo para controvérsias; é coisa que exige reflexão demorada; e, para descobrir a sua utilidade prática, a verdade que contém, o que é necessário é de ação e não de debate intelectual. Não é um sistema para ser memorizado nem um conjunto de conclusões a ser aprendido e automaticamente executado. Deve ser criticamente compreendido.  Crítica, porém, é coisa diferente de oposição. Se realmente forem críticos, não se oporão pura e simplesmente, mas irão se esforçar para averiguar se o que eu digo tem mérito intrínseco em si mesmo. Isso exige da parte de vocês clareza de pensar, de modo que lhes seja possível passar além da ilusão das palavras, não permitindo que os seus preconceitos, sejam eles econômicos ou religiosos, lhes impeçam de pensar fundamentalmente. Isto é, vocês têm de pensar, a partir do começo, pensar simples e diretamente. Todos nós temos sido educados com muitos preconceitos, muitas ideias preconcebidas; fomos criados em meio de tradições que corrompem, limitados pelo ambiente, e, por isso, o nosso pensamento está, continuamente, sendo torcido e pervertido, impedindo, desta forma, a simplicidade da ação.

Tomem, por exemplo, a questão da guerra. Sabem que muita gente discute sobre se a guerra é um bem ou um mal. Certamente, não pode haver duas maneiras de encarar o assunto: a guerra é, fundamentalmente, um mal, seja defensiva ou ofensiva. Ora, para pensarmos, desde o princípio, a respeito desse assunto, a mente tem de estar inteiramente liberta da doença do nacionalismo. Somos impedidos de pensar fundamentalmente, direta e simplesmente, em virtude dos preconceitos que tem sido explorados, durante as idades, sob a forma de patriotismo, com todo o seu cortejo de coisas absurdas.

Por muitos séculos, pois, temos criado hábitos, tradições, preconceitos, que impedem o indivíduo de pensar de maneira integral, fundamental, acerca dos vitais assuntos humanos.

Ora, para compreender os múltiplos problemas da vida, com todas as suas variedades de sofrimento, temos de, por nós próprios, descobrir seus motivos e causas fundamentais, com seus implícitos resultados e efeitos. Porque, se não estivermos plenamente conscientes das nossas ações e das suas causas e respectivos efeitos, exploraremos e seremos explorados, nos tornaremos escravos de sistemas, vindo as nossas ações a se tornarem apenas mecânicas e automáticas. Enquanto não pudermos, conscientemente, libertar as nossas ações de seu efeito limitador, por meio da compreensão do significado de suas causas, a não ser que, conscientemente, rompamos com as velhas formas de pensamento que ao nosso redor temos construído, não nos será possível ultrapassar as inúmeras ilusões que nos rodeiam e que temos criado, nas quais estamos embaraçados.

Cada qual tem de perguntar, a si próprio, o que está buscando, a fim de averiguar se está meramente deixando-se arrastar pelas circunstâncias e condições ambientes, sendo, portanto, irresponsável e irrefletido. Aqueles entre vocês, que realmente se acharem descontentes, aqueles que forem críticos, devem já ter perguntado a si próprios o que é que cada indivíduo anda procurando.

Vocês procuram conforto, segurança, ou procuram a compreensão da vida?

Muitas pessoas dirão que estão buscando a verdade. Se, porém, analisarem a natureza de suas aspirações, de sua busca, verificarão que, realmente, estão em busca de conforto, de segurança, de uma fuga do conflito, do sofrimento.

Ora, se vocês andam em busca de conforto, de segurança, essas coisas terão de se basear na aquisição, portanto, na exploração e na crueldade. E, de disserem que estão buscando a verdade, se tornarão prisioneiros da ilusão; pois que a verdade não é coisa em cujo encalço se corra, não pode ser buscada, tem de ser um acontecimento. Isto é, seu êxtase é somente perceptível, quando a mente está, completamente, despojada de todas as ilusões que tenha criado em virtude da busca de sua própria segurança e conforto. Só então terá lugar o alvorecer daquilo que é a verdade. Expressando isto de outra maneira: temos de interrogar, a nós próprios, no sentido de saber em que é que toda a nossa vida, todo o nosso pensamento e toda a nossa ação se baseiam. Se pudermos responder a esta pergunta, de modo completo e verdadeiro, então, por nós mesmos, averiguaremos quem é o criador das ilusões, o criador dessas supostas realidades, das quais temos nos tornados prisioneiros.

Se, realmente, refletirem sobre isto, verificarão que toda a vida de vocês está baseada no conseguir segurança, salvação e conforto individual. Desta busca de segurança, naturalmente, nasce o medo. Ao buscar conforto, ao tentar fugir da luta, do conflito e da tristeza, a mente tem de criar várias vias de fuga, e essas vias tornam-se as nossas ilusões. Portanto, o medo, que é a resultante da busca individual da segurança, é também o criador das ilusões. Este medo arrasta-lhes de uma para outra seita religiosa, de uma filosofia para outra, de um instrutor para outro, até encontrarem a segurança e o conforto que desejam.  A isto chamam busca da verdade e da felicidade.

Conforto e segurança são coisas que não existem; existe somente a clareza de pensar, que produz a compreensão da causa fundamental do sofrimento, a qual, unicamente, pode libertar o homem. Nessa libertação reside a beatitude do presente. E digo-lhes que existe uma eterna realidade, a qual só pode ser descoberta, quando a mente esta liberta de todas as ilusões. Portanto, tenham cautela contra a pessoa que lhes dá conforto, pois nela tem de haver exploração; essa pessoa cria uma armadilha, na qual ficam presos como o peixe na rede.

Na busca do conforto e da segurança, a vida chegou a ser dividida em vida religiosa ou espiritual e vida econômica ou material. A segurança material encontra-se por meio da posse de bens que proporcionam o poder; e é em virtude desse poder que vocês esperam alcançar a felicidade. Para atingir esta segurança material, este poder, tem de haver exploração, a exploração do próximo, mediante um sistema deliberadamente estabelecido, que tem se tornado hediondo, pelas suas múltiplas crueldades. Esta busca de segurança individual em que se acha incluída também a nossa família, criou as distinções de classe, os ódios de raça, o nacionalismo; coisas essas que, eventualmente, terminam em guerras.

E há um fato curioso que vocês podem cerificar, se sobre ele refletirem: a religião, a quem competia a condenação da guerra, ajuda a promovê-la. Os sacerdotes, que se teriam como sendo os educadores do povo, animam toda as espécies de abusos criados pelo nacionalismo, e que cegam o povo, em momentos de ódio nacional. Naturalmente, pois, vocês criam um sistema baseado no conforto e na segurança individual, a que chamam religião. Vocês é que têm criado as religiões, que são formas cristalizadas do pensamento e que têm por fim assegurar a imortalidade pessoal.

Assim, pois, em virtude da busca de segurança individual, movidos pelo desejo de continuidade do ser individual, vocês têm criado uma religião que lhes explora, por meio das cerimônias, por meio dos pretensos ideais. O sistema que vocês chama de religião, e que foi originariamente criado em virtude dos seus anseios de segurança, tornou-se tão poderoso, tão realista, que muito poucos são os que se libertam do seu peso, do fardo esmagador da tradição e da autoridade. O ponto inicial de partida para uma verdadeira critica reside na investigação dos valores que a religião, ao nosso redor, estabeleceu.

Ora, todos nós estamos encerrados neste campo; e enquanto estivermos escravos de um ambiente e de valores não pesquisados, não colocados em dúvida, sejam passados ou presentes, eles têm de perverter a integridade das ações. Esta perversão é a causa do conflito entre o indivíduo que busca a segurança, e a coletividade; entre o indivíduo e o contínuo movimento da experiência. E do mesmo modo por que, individualmente, temos criado este sistema de exploração e de esmagadora limitação, temos também de, individual e conscientemente, derrubá-lo, por meio da compreensão relativa ao alicerce dessa construção, e não pelo mero criar de novos conjuntos de valores, que nada mais serão que novas linhas de fuga. E assim, verdadeiramente, começaremos a penetrar o significado real do viver.

Sustento que existe uma realidade, embora deem-lhe o nome que quiserem, a qual somente poderá ser compreendida e vivida, quando a mente e o coração tiverem penetrado a ilusão dos falsos valores e deles tiverem se libertado. Somente então existirá o eterno.

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill