Pode a mente,
de fato, dizer “Não sei”?
PERGUNTA: Tendo
“experimentado” seriamente, durante muitos anos, o vosso ensino, tornei-me
plenamente apercebido da natureza parasitária da consciência do “eu”, cujos
tentáculos vejo estender-se a cada um dos meus pensamentos, palavras e atos. E
o resultado foi que perdi toda a confiança em mim mesmo, todo o incentivo. O
trabalho se me tornou canseira, e o laser tédio. Minha existência é uma quase
constante tortura psicológica, e mesmo essa tortura me parece ser um truque do
“eu”. Vejo-me num beco sem saída, em todos os setores da minha vida, e
pergunto-vos o mesmo que tenho perguntado a mim próprio: E agora?
KRISHNAMURTI: Estais “experimentando” o meu ensino,
ou estais “experimentando” a vós mesmo? Espero que percebais a diferença. Se
estais “experimentando” as coisas que digo, tendes então de chegar ao ponto de
perguntardes “E agora?”, porque nesse caso estais forcejando para alcançar um
resultado que pensais que eu alcancei. Pensais que eu tenho uma coisa que vos
não tendes, e que se “experimentardes” o que digo, a ganhareis também. É assim
que procede a maioria das pessoas. Interessamo-nos por essas coisas com uma
mentalidade comercial: Fazer isto, a fim de obter aquilo. Rezarei, meditarei, e
farei sacrifícios, a fim de obter uma certa coisa.
Ora, vós não estais praticando o meu ensino. Eu nada
tenho para ensinar. Ou, melhor, eu só vos digo que observeis a mente, que
vejais até que profundezas ela pode chegar. Portanto, vós é que sois
importante, e não o ensino. É de muita importância descubrais vossos próprios
modos de pensar e, tudo o que esse pensar implica, como estive tentando
mostrar-vos hoje de manhã. E se estais observando o vosso próprio pensar, se
estais vigilante, “experimentando”, descobrindo, largando, isto é, morrendo
cada dia para tudo o que acumulastes, então nunca fareis a pergunta “E agora?”
Vede, a confiança é uma coisa completamente
diferente da “confiança em si mesmo”. A confiança que nasce quando estamos
descobrindo, momento por momento, é toda diferente da confiança em si mesmo,
resultante da acumulação de descobrimentos, que se tornam saber e vos conferem
importância. Percebeis a diferença? Por conseguinte, o problema da confiança em
si mesmo desaparece completamente. Há só o constante movimento do descobrir, a
constante leitura e compreensão, não de um livro, mas de vossa própria mente,
de toda a vasta estrutura da consciência. Não estais então em busca de
resultado algum. É só quando buscais um resultado, que dizeis: “Pratiquei tais
e tais coisas, mas não ganhei nada com isso e perdi a confiança em mim mesmo. E
agora?” Mas, se, ao contrário, estais examinando e compreendendo os movimentos da
vossa mente, sem visardes uma recompensa, um alvo, sem o incentivo de ganho,
há então autoconhecimento, de onde vereis surgir uma coisa maravilhosa!
PERGUNTA: Como
impedir que o percebimento se torne uma técnica nova, “a última moda” em
matéria de meditação?
KRISHNAMURTI: Sendo esta uma questão muito séria,
vou examiná-la com certa profundeza, e espero não estejais fatigados demais,
para seguirdes, com uma vigilância sem, tensão, as operações da vossa própria
mente.
É importante meditar, porém mais importante ainda é
compreender o que é meditação, pois do contrário a mente ficará restrita a mera
técnica. O aprender uma nova técnica consistente em respirar de certa maneira,
ficar sentado em certa posição, com o tronco ereto, ou praticar um dos vários
sistemas de silenciar a mente — nada disso é importante. O importante é que vós
e eu investiguemos o que é meditação. Nesse próprio investigar do que é a
meditação, estou meditando. Compreendeis? Ouvi com calma, Senhores; não
concordeis nem discordeis.
É sumamente Importante o meditar. Se não sabeis o
que é meditação, isso é como ter nas mãos uma flor sem perfume. Podeis ter um
extraordinário talento oratório, saber pintar ou gozar a vida, possuir
conhecimentos enciclopédicos e saber relacioná-los, mas todas essas coisas não
terão significação alguma, se não sabeis o que é meditação. Meditação é o
perfume da vida, tem beleza infinita. Abre portas que a mente não é capaz de
abrir, penetra profundezas inacessíveis à mente mais erudita. A meditação,
pois, é importantíssima. Mas sempre fazemos a pergunta errada e por isso
obtemos, resposta errada. Dizemos: “Como meditar?”, e lá vamos à procura de um
certo swami, de uma certa pessoa
extravagante, ou apanhamos um livro, ou seguimos um sistema, na esperança de
aprendermos a meditar. Ora, se pudermos varrer tudo isso para o lado— os swamis, os iogues, os intérpretes, os
mestres de respiração e de imobilidade — chegaremos inevitavelmente a esta
pergunta: “Que é meditação?”
Escutai agora com atenção. Não estamos mais
perguntando como meditar, nem qual é a técnica da vigilância, mas, sim, o que é meditação — que é a pergunta
correta. Se fazeis uma pergunta incorreta, recebeis resposta incorreta; mas, se
fazeis a pergunta correta, então esta própria pergunta revelará a resposta
correta. Assim, que é meditação? Sabeis o que é meditação? Não repitais o que
ouviste outro homem dizer, ainda que, como eu, conheçais alguém devotado à
meditação há vinte e cinco anos. Vós sabeis o que é meditação? É claro que não
sabeis, não é exato? Podeis ter lido o que muitos sacerdotes e santos e
eremitas disseram a respeito da contemplação e da oração, mas não me estou
referindo a nada disso. Estou falando sobre a meditação; não interessa o
significado lexicológico da palavra, que podeis procurar depois no dicionário.
Que é meditação? Não sabeis. E sobre esta base é que meditais!... (Risos). Não
riais, por favor; continuai a escutar. “Eu não sei” — alcançais a beleza
desta frase? Ela significa que minha mente está despida de toda técnica, toda informação
a respeito da meditação, tudo o que outros dela disseram. Minha mente não sabe.
Só podemos avançar na investigação do que é a meditação, quando somos capazes
de dizer honestamente “Não sei”; e não se pode dizer “Não
sei” se persiste em nossa mente qualquer vislumbre de informações de
segunda, mão — o que disse o Gita, ou a Bíblia, ou São Francisco, a respeito da
contemplação ou das virtudes da oração, coisa de que tanto se fala nas
revistas, hoje em dia, e que se tornou a última moda. Tudo isso tendes de
afastar de vós, porque, se copiais, se seguis, revertereis ao “coletivo”.
Nessas condições, pode a mente pôr-se no estado em
que seja capaz de dizer “Não sei”? Esse estado é o começo e
o fim da meditação, porque, nele, cada experiência é compreendida e não
guardada. Entendeis? Desejais controlar o vosso pensar; e quando controlais o
pensar, não permitindo distrações, vossas energias se consomem no controlar e
não no pensar. Compreendeis? Só pode haver acumulação de energia, quando não a
desperdiçamos em controlar, em subjugar, em lutar contra distrações,
suposições, pretensões, incentivos. E esta enorme carga de energia, de
pensamento, é completamente sem movimento. Compreendeis? Quando dizeis “Não
sei”, não há movimento do pensamento, não é verdade? Só há movimento de
pensamento quando começais a indagar, a investigar, já que vossa investigação
vai sempre do conhecido para o conhecido. Se não estais compreendendo agora,
talvez compreendais mais tarde.
A meditação é um processo de purificação da mente. A
purificação da mente só é possível quando não há “controlador”. No controlar, o
controlador dissipa energia. A dissipação de energia resulta do atrito entre o
controlador e o objeto que ele quer controlar. Mas quando dizeis “Não
sei”, não há movimento do pensamento em direção alguma, visando a uma
resposta; a mente está de todo em todo imóvel. E para que a mente esteja
imóvel, faz-se necessária uma energia extraordinária. A mente não
pode estar imóvel, se lhe falta energia — não a energia que se dissipa no
conflito, na repressão, na dominação, na oração, no buscar, no rogar, mas aquela
energia que é total atenção. Todo movimento do pensamento em qualquer
direção representa dissipação de energia, e para que a mente possa ficar em
completa imobilidade, é necessária a energia da atenção total. Só então
pode surgir uma coisa que não podemos chamar a nós, que não podemos ir
procurar, uma coisa que dispensa a respeitabilidade, que não se ganha com a
virtude nem com sacrifícios — o Estado Criador, o Atemporal, o Real.
Krishnamurti,
28 de agosto de 1955
Realização sem
esforço
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