"Tenho conversado com toda espécie de pessoas que já o ouviram", disse-lhe, "e procurei verificar se seus ensinamentos são tão convincentes para eles como o são para mim. Muitos julgam seus ensinos extremamente difíceis, e entristece-me ver como acham tão penoso entender algo que para mim é a própria simplicidade. Por que será que Deus o fez parecer tão complicado?" Suspirei, mas Krishnamurti apenas sorriu: "Não foi Deus, mas nós mesmos. Parece complicado por causa de nosso poder de livre escolha."
"Por causa da livre escolha?", interrompi espantado.
"Justamente; é apenas o livre arbítrio que cria conflito em nossa vida; e os conflitos são responsáveis pela deterioração. Pela livre escolha começamos a inventar dificuldades e complicações, das quais somos forçados a libertar-nos, uma por uma, para abrir o caminho para a verdade."
"Devemos, então, desesperar-nos, segundo você, justamente porque nos foi dada a faculdade da livre escolha? Teria sido melhor se fôssemos como os animais, que seguem sua sorte negra e desconhecem o que significa o livre arbítrio?"
"Nada disso. Somente os espíritos sem inteligência exercem escolha na vida. Quando falo de inteligência, refiro-me a ela no seu mais vasto sentido; refiro-me àquela profunda inteligência interior da mente, da emoção e da vontade. Um homem verdadeiramente inteligente não pode ter escolha, porque sua mente só percebe o que é verdadeiro, só podendo, assim, escolher o caminho da verdade. A mente inteligente age e reage naturalmente, dando o máximo da sua capacidade. Identifica-se espontaneamente com a coisa certa. Ela não pode absolutamente ter qualquer escolha. Apenas o homem não inteligente é que exerce o livre arbítrio."
Esta era uma interpretação bastante inesperada do livre arbítrio. "Nunca encontrei antes tal concepção", disse eu: "mas ela me parece convincente."
"Não pode ser nada mais; é apenas isto."
(Do livro de Rom Landau “God is my Adventure”.
Tradução de Marina Brandão Machado).
Atualmente, queremos ser tirados de nossa confusão por outra pessoa; mas ninguém nos pode guiar para fora de nossa confusão.Enquanto existir escolha, tem de haver confusão. Escolha indica confusão. No entanto, temos um orgulho imenso dessa faculdade de escolher, a que chamamos "livre arbítrio". E só a mente que não escolhe, mas percebe diretamente, sem interpretação, sem ser influenciada, é só esta mente que não está confusa e, portanto, se acha capacitada para descobrir o incognoscível.
Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana